From: "Mauro Cherobim" To: "Lista ANT-ARQ" Subject: (ANT-ARQ) (ANT-ARQ) Mesa Identidade e Globalização - Ponenci a 1-09 - Comentários Date sent: Sun, 1 Nov 1998 23:27:49 -0200 Send reply to: "Mauro Cherobim" Ponencia1-09 A investigação realizada por Sonnia Romero Groski remete-me a uma investigação que realizei na Amazônia na primeira metade da década de setenta. Com o objetivo de desviar o fluxo migratório do nordeste brasileiro para São Paulo, o governo federal de então pretendeu assentar os eventuais migrantes na Amazônia. Para facilitar o processo migratório iniciou a construção da Transamazônica. Todo este processo foi chamado de Plano de Desenvolvimento da Amazônia, informalmente tratado de Colonização da Amazônia. Apesar de a maioria dos trabalhos tratarem este processo de forma unitária, quanto a migração há diferenças do que aconteceu na Amazônia Oriental e na Amazônica Ocidental, onde desenvolvi a pesquisa. A migração para a Amazônia Ocidental contou com pessoas na maioria vindas dos três Estados do sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e do interior de São Paulo que viajavam por conta própria. Nas partes sul e oeste do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande Sul ocorria um processo de pulverização fundiária e no norte do Paraná e interior de São Paulo a substituição do café pela soja, mudando o regime de propriedade. No norte do Paraná havia muitos mineiros (oriundo do Estado de Minas Gerais) e nordestinos, migrantes da época em que começaram as plantações de café. Este fluxo migratório percorreu os Estado de Mato Grosso do Sul, de Mato Grosso (então um só Estado, de Mato Grosso) e Rondônia, chegando, posteriormente ao sul dos Estados do Amazonas e do Acre.. Rondônia era cortada, de sul a norte, por um trecho da então chamada rodovia Brasília-Acre, aí tratada pela sigla BR364. Eram cerca de mil e quinhentos quilômetros entre Cuiabá e Porto Velho. O traçado da estrada seguiu, mais ou menos, o traçado pelo qual o Marechal Rondon estendeu a linha telegráfica de Porto Velho a Cuiabá. Os colonos foram se assentando ao longo da BR364, alguns como posseiros e outros em terras demarcadas pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária. Estes assentamentos deram origem às atuais cidades e cada um deles mantinha características de suas áreas de origem. Na viagem entre Vilhena, no sul de Rondônia, até Porto Velho (uns setecentos quilômetros) sentia-se percorrer várias regiões brasileiras. Os colonos procuravam recriar suas paisagens de origem em suas novas terras. Procurei chamar todo este processo de manutenção de características das diferentes subexpressões culturais brasileiras de identidade regional. O Brasil é de fato culturalmente heterogêneo mas o discurso ideológico o identifica como homogêneo. Apesar das diferentes identidades regionais havia uma só identidade nacional que, em certos aspectos assemelha-se à identidade étnica. As identidades étnica, social, regional e outras que poderemos aventar apresentam diferenças teoricamente mas muitas semelhanças empíricas. Os gaúchos, por exemplo, uns se identificavam como gaúchos do Rio Grande e outros como gaúchos do Paraná, oriundos de uma migração anterior para o oeste do Paraná. Uma das questões que Sonnia Romero Groski chama a atenção é a respeito da vizinhança de uma capital com uma cidade com 0,2% de sua população será absorvida pela maior? É provável que haja um reascender de identidade regional em Colônia. Primeiro porque seus moradores sentirão passar por um processo de descaracterização e em segundo lugar porque o processo de identidade tem uma dinâmica própria. O processo de descaracterização não significa "perda de identidade" mas de mudança. No decorrer de meu trabalho na Amazônia fiquei durante um ano numa cidade que tinha, quando cheguei, uma população de 1.200 habitantes. A oitenta quilômetros pela Transamazônica havia um acampamento de uma construtora de estrada com trezentos homens. Quando eu estava na cidade chegou uma Segunda construtora para construir a estrada entre Porto Velho e Manaus com uma população de 1.800 homens. Quando falo homens são pessoas do sexo masculino... As relações entre os "locais" e os "de fora" eram superficiais. Numa expressão local, "cada um na sua". Para aumentar a "distância" os trabalhadores "de fora" ganhavam um percentual a mais que os locais - se conseguissem emprego nas construtoras e outras empresas envolvidas nos trabalhos dos Planos de Desenvolvimento. Quando volto para a cidade sou levado para junto dos moradores locais, anteriores à vinda dos migrantes, significando que há uma permanência do que Sonnia chama de "potencial identitátio". Os moradores locais da comunidade amazônica que me refiro falavam a mesma língua, teoricamente tinham uma mesma identidade nacional (ou étnica, se for possível assim se referir) mas tinha identidades regionais diversas. Houve mudanças mas as relações contrastivas permaneceram. Uruguaios e argentinos, de cada lado das margens do rio da Prata falam a mesma língua mas possuem identidades nacionais (ou étnicas) diversas. A travessia da futura ponte entre Colônia e Buenos Aires, pela distância, deverá representar uma viagem para a média das pessoas. Ë provável que se crie uma estrutura comercial para atender eventuais turistas argentinos mas as relações deverão ser mais superficiais que as da cidade que me referi. Mesmo que adquiram casas de lazer do lado uruguaio. Isto me faz lembrar Foz do Iguaçu e Ciudad de Leste no Paraguai, muito menor que a cidade brasileira. A moeda corrente é o Real brasileiro, grande número de lojas é de brasileiros, assim como grande parte dos trabalhadores. Por trás desta "fachada" Foz de Iguaçu continua sendo uma cidade brasileira (social e culturalmente falando) e Ciudad de Leste uma cidade paraguaia. Quem poderá falar alguma coisa a respeito deste "potencial identitário" uruguaio será Margarita Barretto que estudou um grupo de uruguaios na cidade de Campinas. O assunto vai longe e eu falei demais. Quero dizer que o trabalho de Sonnia é instigante e se o trabalho tiver continuidade junto com a construção da ponte vai ser possível acompanhar o processo de mudança. Um laboratório vivo. Falo isto porque aconteceu comigo na cidade amazônica. Quando cheguei lá só era possível de avião - quando não chovesse - ou de barco. Um ano depois saí de carro. []s ============================== Mauro Cherobim Antropólogo - Professor Sao Paulo - Brasil Tel./Fax 55 011 6991-7956 mcherobim@sti.com.br mcherobim@prof.ung.br cherobim@marilia.unesp.br ===============================