PONENCIAS

Assistência Social nos anos 90 e o Crescimento do Terceiro Setor- Questões imbricadas à qualificação profissional de jovens de baixa renda*

Soraya Cavalcanti**

Este resumo analisa a dinâmica que envvolve as politicas públicas de assistência social nos anos 90 e o crescente protagonismo do terceiro setor. De tal modo, se insere na discussão da Educação na América Latina já que são essas organizações que estarão incubidas, diante da perspectiva de reforma do aparelho estatal, de tratar da qualificação de jovens no atual contexto sócio-político brasileiro.

Assistência Social – Perspectiva dos Direitos

A estratégia Comunidade Solidária, de modo notório, se apresenta desvinculada da assistência social, enquanto política pública. Todavia, é de suma importância a compreensão do movimento que vem sendo empreendido por essa política, assim, será possível observar neste trabalho que, a vinculação de propostas, entre a estratégia Comunidade Solidária e a assistência social está presente em diversos momentos, na medida em que tratam do mesmo objeto com ações interligadas através do estabelecimento de parcerias.

Desse modo, a discussão da política de assistência social estará presente, com o intuito principal de compreender a sua movimentação na atualidade, contudo, sem nos determos em suas especificidades.

    Após a Constituição de 1988 e a implantação da LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social - do ponto de vista legal, foi gerado um avanço notório, na garantia dos direitos de milhões de brasileiros. Além do que, se traduziu num momento democrático, através das esferas representativas da sociedade civil, organizadas para a consecução de uma política pública universalizada e direcionada à população que dela necessite 1. Todavia, mesmo depois dessas conquistas, a assistência social continua com o “status de uma política secundária” (CARVALHO, 2000: 144).

    Para Carvalho (op. cit.) é preciso superar a “ausência de interlocução política, ausência de interlocução teórica, ausência de debate ampliado entre e com teóricos e gestores do conjunto das políticas públicas” (Idem: 144), apesar do avanço da legislação. Essas ausências de que fala Carvalho poderão ser superadas, na medida em que, os setores envolvidos conseguirem avançar cada vez mais em direção ao usuário.

    Esta autora aponta três tensões e novas disputas que precisam ser melhor refletidas, e duas delas estão diretamente relacionadas à proposta da Comunidade Solidária, merecendo receber especial atenção neste momento:

  • “a tensão e a disputa em torno de políticas e projetos de combate à pobreza e a política de Assistência Social”;
  • “a tensão entre a lógica da solidariedade, deslocando maior protagonismo para as organizações solidárias da sociedade civil (pela via do terceiro setor), e a lógica dos direitos, em que os mais excluídos, no caso brasileiro nem sempre são reconhecidos na prática como portadores de direitos e sim como merecedores de compaixão” (CARVALHO, 2000: 153-154) 2.

Desse modo, é possível estabelecer uma ligação direta entre a Comunidade Solidária e a assistência social, já que aquela se apresenta como uma estratégia de articulação entre os vários ministérios, no sentido de combater a fome e a pobreza 3. Em parte, ocorre uma certa disputa por recursos e/ou legitimidade entre um e outro, colocando a assistência social como uma política secundária, o que, a longo prazo, pode significar a falsa idéia de que a política de assistência social, por não combater a fome e a pobreza, não é fundamental, podendo ser privatizada e/ou extinta.

O segundo ítem traz à tona o crescente protagonismo das organizações da sociedade civil na execução de políticas públicas. Com a discussão e implementação da reforma do Estado, o terceiro setor passou a desenvolver fundamental importância na execução de ações de assistência, a partir das organizações sociais ou das organizações não Governamentais – ONG’s. Assim, novos papéis são atribuídos ao Estado, de regulador, em especial; à iniciativa privada, como a filantropia empresarial; e à sociedade civil, em especial às ONG’s.

A política pública de assistência social já possui como um de seus principais operadores, ao lado do Estado (CARVALHO, 2000: 149) essas organizações não governamentais (ONG’s). Ao que tudo indica, a Comunidade Solidária procura trilhar caminhos para essa prática, que tende a ser cada vez mais presente.

    A possibilidade de acessar os direitos sociais garantidos através da Constituição de 1988, a saber: “a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” 4, tem sido abalada diante de todas as transformações que vêm sendo operadas no âmbito da reforma do Estado e da proposta de implementação da estratégia Comunidade Solidária, especiamente os programas que compõem o Conselho da Comunidade Solidária.

    De início, a proposta presente no Conselho da Comunidade Solidária, de per si, não contempla diretamente o acesso a todos os direitos sociais garantidos na Constituição de 1988, tais como: previdência social, assistência aos desamparados e  segurança, já que as duas primeiras estão a cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS e Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, respectivamente, e a última vem passando, atualmente, por uma nova proposta, pautada no Plano de Segurança Nacional.

    Nos serviços públicos oferecidos através da previdência social, está ocorrendo a reformulação do teto máximo permitido e do tempo para aponsentadoria. Isso acabou gerando o crescente protagonismo da previdência complementar. A primeira garante aos funcionários de empresas privadas um teto máximo de aposentadoria 5, enquanto o cidadão deverá providenciar previdência complementar, caso deseje ultrapassar esse teto.

    A segurança, também, de forma indireta, vem aparecendo como um bem rentável, privatizado, através das inúmeras empresas privadas de prestação de serviços de segurança patrimonial que, como no caso da previdência privada, só é acessado mediante o pagamento dos serviços que a maioria da população não tem como realizar.

    Esses não são casos isolados, já que há uma tendência (CORDIOLLI, 1995) à negação do acesso aos direitos sociais. Esses aspectos merecem ser  melhor aprofundados, na medida em que a estratégia Comunidade Solidária se apresenta como uma das estratégias de implementação das reformas propostas para o aparelho do Estado, no atual cenário brasileiro. Nesse sentido, a Comunidade Solidária possui ligação direta com a proposta de reforma do Estado, merecendo uma análise de modo conjunto, a fim de promover um melhor entendimento dos fundamentos propostos pelos programas que compõem o Conselho da Comunidade Solidária.

    Ao analisar a proposta da Comunidade Solidária, será preciso redesenhar a categoria solidariedade, que exerce, nesse caso, papel fundamental enquanto mobilizador da sociedade civil como agente para implementação das propostas formuladas por essa instância – a Comunidade Solidária, como será visto a seguir.

A Lógica da Solidariedade

    Gusmão (2000: 95), em recente trabalho, destacou que a categoria solidariedade sofreu vários ataques da lógica neoliberal, que elegeu “o mercado como regulador das necessidades sociais”. Hoje, para esta autora, está implícita “a solidariedade entendida como consentimento de classe”.

    A categoria solidariedade está presente enquanto ideologia (GUSMÃO: 2000) na Ação da Cidadania contra a Miséria pela Vida e na estratégia Comunidade Solidária, de modo diverso. Contudo, na Comunidade Solidária,  ela contribui para o consentimento de classe, na legitimidade do repasse de responsabilidades estatais, em especial na área social ao terceiro setor.

    Nesse sentido, o Conselho da Comunidade Solidária desenvolve interlocução com vários atores sociais, com o objetivo de combater a fome e a pobreza, articulando programas de desenvolvimento social, através de parcerias com diversos atores sociais. A partir dessa interlocução política, trabalha com a sociedade civil, empresa e Estado, buscando desenhar uma nova forma de intervenção estatal: reguladora – articuladora, enquanto a sociedade civil implementa as ações propostas.

    Gusmão (2000:96-98) preocupou-se em discutir teoricamente a categoria solidariedade na contemporaneidade. Assim, parte da idéia de que, com a precarização das relações de trabalho e em nome da garantia da própria sobrevivência, os trabalhadores estão abrindo mão dos próprios direitos, subordinando-se às exigências do capital, beneficiando os empresários, ao invés de si próprios.

    A “solidariedade interclasses” é a saída estratégica no contexto neoliberal, já que “coopta amplos setores intelectuais e populares e não apresenta saídas à humanidade a não ser o convívio ‘solidário’ entre classes desiguais nas sociedades dominadas pelo mercado” (GUSMÃO, op. cit.). Sob esse ponto de vista, é possível alegar que há o avanço da perspectiva do governo federal na busca de repasses de responsabilidades.

    Diante dessa questão, é possível analisar que a categoria solidariedade aparece facilmente utilizada como marketing, a fim de conseguir o consentimento da população usuária dos serviços. Não basta implementar as ações, é preciso ter o consentimento do grande público usuário, garantindo, assim, a sua legitimidade.

    Gusmão (2000: 101/102) destaca ainda, que não existe uma verdadeira ou uma falsa solidariedade, mas “uma solidariedade que oculta a luta de classes, que não considera as relações sociais no interior do capitalismo baseadas na propriedade dos meios de produção e na apropriação privada do excedente”. E que “há uma solidariedade historicamente vivida, intrínseca à produção, à luta e à organização dos trabalhadores, mas transformada ao longo da história pela visão dominante”.

    Nesse sentido, é possível constatar que a categoria solidariedade indica, de um lado, uma busca para o envolvimento e consentimento da sociedade (CAVALCANTI, 1999) e, de outro, uma nova forma de administrar a “questão social”, na qual o Estado sai gradativamente do oferecimento de serviços para dar margem à intervenção empresarial e ao terceiro setor, principalmente, às ONG’s.

    Dessas reflexões podemos situar a lógica da solidariedade, empregada atualmente por vários setores da sociedade civil, inclusive pelo próprio governo federal, nesse momento crucial para a política social, a saber: 1) a transferência de responsabilidades; 2) perda de garantia dos direitos sociais e por fim, 3) a legitimação dessa transferência de responsabilidades para a sociedade civil organizada. É a partir da postura adotada pelo governo federal que é possível supor que, a falta de investimentos e programas de caráter redistributivo, apenas agrava a situação vigente, colocando em risco toda a mobilização e os direitos conseguidos até o momento.

O Terceiro Setor em questão

    O Terceiro setor tem sido colocado em foco por inúmeros autores, na atualidade. As discussões, de modos distintos, têm abordado pelo menos duas perspectivas: a primeira, relacionada ao que Gohn (1998) chamou de novo associativismo, ligado a setores populares e suas novas determinações; e a segunda, na área empresarial, mais próxima do marketing social, acerca das novas nuances no trato da “questão social” (RICO, 1998).

Para Palma (1999: 11-12) o crescimento do terceiro setor nos últimos anos ocorreu em decorrência de quatro crises: a falência do Estado Social e a sua incapacidade “de atender à população mais necessitada, por falta de recursos, estrutura e planejamento”; a crise do desenvolvimento sustentado devido a uma paralisação nas taxas de crescimento dos países; a crise do socialismo
o fim dos socialismo puro; e finalmente a quarta crise mais aplicável a países como o Brasil, é uma conjungação doas problemas do meio ambiente (lixo, poluiição, destruição) com os problemas de segurança (medo, assalto, roubo), crianças fora das escolas, analfabetismo de jovens e adultos e por fim, carência de cidadania.

Falconer (1999: 02) por sua vez, destacou que “o terceiro setor surge como portador de uma nova e grande promessa: a renovação do espaço público, o resgate da solidariedade e da cidadania, a humanização do capitalismo e, se possível, a superaçào da pobreza” 6.

    Do ponto de vista legal, a chamada “Nova Lei do Terceiro Setor” 7 quando dispõe sobre a qualificação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) destaca que:
considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcela de seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.

    Para a obtenção da qualificação como OSCIP de que trata a lei, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos deverá possuir em seus objetivos pelo menos uma das finalidades descritas em seu Art. 3º 8, outros pré-requisitos deverão ser observados, como os contidos nos art. 4º e 5º 9.

A obtenção da qualificação como OSCIP deverá ser realizada diretamente com o Ministério da Justiça 10, conforme a própria Lei 9.790 e o Decreto nº 3.100 de 30/06/1999, que trata da questão.

Rico (1998: 30), ao se referir à relação Estado – mercado – sociedade civil, destaca que “só é possível o ‘modelo’ funcionar se houver ‘colaboração do Estado’. O Capitalismo não se consolida sem a ajuda dos recursos públicos, seja mediante ‘fundo público’ ou a ‘fundo perdido’ 11”. Ao defender essa intervenção e apoio estatal, Rico argumenta:
essa ‘dificuldade’ de investimentos em programas sociais que efetivamente enfrentem a miséria e a exclusão social, ‘obriga’ o Estado a estabelecer parcerias com a sociedade civil. A escassez de recursos faz parte de um cenário que praticamente coloca a responsabilidade civil do cidadão e do empresário como indispensáveis ao enfrentamento da ‘questão social’ (Idem: 31).

    Para essa mesma autora (1998: 27) a
expansão das atividades civis, em especial a partir dos anos 70, é uma resposta contundente ao fato de que o mercado e governo não conseguem, de per si, dar conta do enfrentamento de questões que vão desde problemas ecológicos a direitos de minorias étnicas e/ou raciais, ao desemprego, aos sem-terra, aos aposentados, a violência contra as mulheres, a exploração da mão-de-obra infantil, etc.

Drucker (1994) destacou que o terceiro setor “foi o que mais cresceu, movimentou recursos, gerou empregos, e foi o mais lucrativo na economia norte americana nos últimos vinte anos”.

Para Gohn (1998:11) “o crescimento neste final de milênio é um fenômeno mundial, e o terceiro setor já tem sido caracterizado como uma área estratégica da economia: a economia social”.

Gohn (1998) destaca ainda que “o despreparo dos movimentos possibilitou que novas ONG’s, e outras entidades associativas do chamado terceiro setor, ocupassem aqueles espaços”. Esse movimento foi chamado por Gohn de “o novo associativismo” e tem representado, ao longo dos anos, espaço permanente de lutas e conquista de direitos sociais.

O chamado “novo associatisvismo” advém dos grupos engajados em movimentos sociais, nos anos 70 e início dos anos 80, que se encontravam “despreparados diante da nova conjuntura de políticas sociais estatais de parcerias entre o Estado e entidades da sociedade civil organizada” (GOHN, 1998).

É ainda válido ressaltar que existe uma diferença substancial entre os movimentos, agora novo associativismo implementados nos centros urbanos e no campo destacados recentemente por Gohn (1998: 18):
Os chamados de fenômenos associativos:

  • são estruturados em movimentos sociais, envolvem alto grau de conflitualidade direta, com mortes e violência física; são organizados a partir de redes associativas religiosas e/ou político-ideológicas, têm bastante articulação com partidos da esquerda e com sindicatos de oposição ao status quo político do governo federal. O modelo organizativo destas lutas é mais próximo dos movimentos sociais clássicos, principalmente os operários e os partidos de esquerda, hoje tidos como ortodoxos.
  • Nesse primeiro ítem, Gohn analisa os movimentos originados no campo e sua influência hoje no novo associativismo, ligado ao terceiro setor. Essas características perpassam esse modo organizativo e imprimem peculiaridades na municipalização, na relação Estado – mercado – sociedade que se desenvolve nesse contexto, alterando prioridades e resultados, na garantia dos direitos sociais, já que alteram o “modus operandi” no dia a dia.

No meio urbano, o associativismo dos anos 90 “não deriva de processos de mobilizações pontuais”. Assim, “a mobilização se faz a partir do atendimento a um apelo feito por alguma entidade plural, baseada em objetivos humanitários, como por exemplo, a fome” (Idem). Gohn destaca ainda que, em geral, é no urbano que estão localizadas as coordenações de cada movimento, bem como as estruturas organizatórias, já que é lá que é possível dar maior visibilidade e aparecer na mídia, conseguir apoio.

Em Pernambuco, mais de dois terços das ONGs (organizações não governamentais) existentes estão localizados na capital 12 e de acordo com a área de atuação, crianças e adolescentes compõem são maioria, sem contudo, significar que não haja áreas de atuação múltiplas, por uma mesma ONG.

No que concerne às faixas de financiamento 13, em primeiro lugar estão aquelas situadas entre R$ 50.000,00 e R$ 200.000,00 (30 entidades) por ano, seguidas das que possuem um orçamento inferior a R$ 10.000,00 por ano (26 entidades) e, em terceiro, estão as que possuem orçamento entre R$ 10.000,00 e 50.000,00 (24 entidades).

As ONGs que tratam de educação e saúde são, em geral, as recém-criadas e “incorporam a rede pública como alvo de sua intervenção”. A temática da organização popular, por sua vez, está sendo trabalhada por instituições mais antigas. A geração de emprego e renda e os direitos humanos passaram a se “situar entre as prioridades de trabalho das ONGs no período” (ONGs Nordestinas, 1996: 08/09).

De acordo com essa pesquisa, as “ONGs têm freqüentemente, assumido a tarefa de capacitação do pessoal da rede pública, dentro de uma perspectiva de contribuir com a melhoria da qualidade do serviço prestado pelo Estado à população” (Idem: 13). Nesse sentido, é válido ressaltar que, com a perspectiva da reforma do aparelho do Estado, essa tarefa poderá ser ampliada e revista, atendendo melhor aos interesses da reforma. Contribuir com a melhoria da qualidade do serviço prestado à população parece ser um dos muitos desafios das ONGs nesse contexto de reforma.

As ONGs da atualidade possuem duas palavras-chave: parceria e articulação, elementos presentes tanto na Reforma do Estado como na estratégia Comunidade Solidária, como parte integrante do novo papel do Estado junto ao mercado e à sociedade civil. Os novos parceiros dessas ONGs são os órgãos públicos, as universidades e os centros de pesquisa (ONGs  Nordestinas, 1996).
O termo parceria, para essas ONGs, configura uma relação de troca:
mais do que financiamento dos trabalhos, são os espaços de discussão conjunta, criados recentemente por algumas agências de cooperação (plataformas, projetos de diálogo, etc) que parecem corresponder, ou aproximar-se mais do entendimento do termo parceria, tal como começa a se delinear dentro do universo das ONGs (Idem: 18)
As ONGs indicam, no atual contexto, que são uma extensão da ação estatal e, nesse âmbito, assumem um papel específico na reforma do Estado e, conseqüentemente, na Comunidade Solidária, enquanto estratégia de implementação de um novo modelo de Estado – mercado – sociedade, pautando-se na reforma do aparelho do Estado.

É justamente nesse sentido que os programas coordenados e/ou articulados pelo Conselho da Comunidade Solidária, principalmente os Programas Inovadores de Desenvolvimento Social, possuem articulação direta com o conteúdo da Reforma e inclusive com a proposta das Organizações Sociais.

Desse modo, é válido salientar o crescente protagonismo das associações comunitárias, em especial as de bairro, que juntamente com as ONGs, vêm conquistando papel fundamental na execução de políticas sociais, no atual contexto de Reforma 14.

Essas Associações estão assumindo, concomitantemente com as ONGs, a elaboração, o monitoramento e a execução de alguns projetos sociais (como é o caso do Programa Capacitação Solidária na qualificação de jovens de baixa renda) e esse repasse de responsabilidades para a sociedade civil poderá produzir, ou ampliar significativamente “nesse locus”, o assistencialismo 15, ao invés de democratizar o acesso e a participação do cidadão consciente no que tange aos direitos sociais – uma das proposições da reforma do Estado (BRESSER PEREIRA, 1997).

Esse repasse de responsabilidades exige, no mínimo, capacidade técnica, financeira e administrativa, por parte dessas organizações da sociedade civil, para assumir tais funções.

A ausência dessas capacidades poderá produzir um distanciamento, a saber, na qualidade dos serviços prestados à população, na sua forma de implementação e nos resultados esperados. Assim, as pessoas poderão ser, por exemplo, insuficientemente qualificadas para o mercado de trabalho, minando a cidadania e a inclusão social via trabalho dessas pessoas.

Desse modo, a reforma do Estado, o crescente protagonismo do terceiro setor, e conseqüentemente a crescente tensão entre a lógica dos direitos via assistência social e a lógica da solidariedade, são algumas das principais questões que marcaram a década de 90 influindo diretamente na proposta da assistência social.

BIBLIOGRAFIA


BRASIL. A Constituição Brasileira. Brasilira, 1989.

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. “A política de Assistência Social no Brasil: dilemas na conquista de sua legitimidade” In: Serviço Social e Sociedade, nº 62, ano XXI. São Paulo, Cortez, 2000 (pp. 144-155).

CAVALCANTI, Soraya Araujo Uchôa. A Caixa de Pandora? Uma Experiência de Estágio no Programa Universidade Solidária 1998 no Município de Ipubi-PE. Recife: a autora, 1999. (TCC)
CORDIOLLI, Marcos A. “A nova ordem mundial em construção: uma tentativa de Análise Global”, 1995 Disponível em: <http://pessoal.onda.com.br/colman/documen.htm> Acesso em 15 mai. 2000.

DELUIZ, Neise. A Globalização Econômica e os Desafios à Formação Profissional. Rio de Janeiro, 1997 Disponível em: <http://www.senac.br/boltec7.htm> Acesso em 15 mai. 2000.

DRUCKER, Peter. Administração de organizações sem fins lucrativos. São Paulo, Pioneira/Fund. Vanzolini, 1994.

FALCONER, Andrés Pablo. A Promessa do Terceiro Setor. Um Estudo sobre a Construção do Papel das Organizações Sem Fins Lucrativos e do seu Campo de Gestão. São Paulo, USP, 1999 (mímeo).

GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos e Lutas Sociais: A construção da Cidadania dos Brasileiros. São Paulo: Edições Loyola, 1995.

______. “O novo associativismo e o Terceiro Setor” In: Serviço Social e Sociedade, nº 58, ano XIX. São Paulo, Cortez, 1998 (pp. 09-23).

GUSMÃO, Rute. “A ideologia da solidariedade” In: Serviço Social e Sociedade, nº 62, ano XXI. São Paulo, Cortez, 2000 (pp.93-112).

PALMA, Antônio Jacinto Caleiro. O novo conceito de filantropia. In: O novo conceito de filantropia: a contribuição do 3º setor para o desenvolvimento sustentado do país / Centro de Integração Empresa-Escola. São Paulo: CIEE, 1999 (pp.11-15).

RICO, Elizabeth de Melo. “O empresariado, a filantropia e a questão social” In: Serviço Social e Sociedade, nº 58, ano XIX. São Paulo, Cortez, 1998 (pp. 24-40).

SIAULYS, Victor. O lucro da empresa pode ser benefício e pode ser compartilhado. In: O novo conceito de filantropia: a contribuição do 3º setor para o desenvolvimento sustentado do país / Centro de Integração Empresa-Escola. São Paulo: CIEE, 1999 (pp. 52 - 62).

NOTAS

1* Confira: CAVALCANTI, Soraya Araújo Uchoa. Estratégia Comunidade Solidária: Estudo de Caso em uma Associação Comunitária no Cabo de Santo Agostinho participante do X Concurso de Projetos do Programa Capacitação Solidária / 1998. Recife, 2001.

**Soraya Araujo Uchôa Cavalcanti é Assistente Social, Mestre em Serviço Social pela UFPE. Pesquisadora do GESTIA – Nucleo de Estudos Interdiscipliares em Gênero, Saúde, Trabalho Infância e Adolescencia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE Linha de pesquisa: Gênero, Trabalho e Saúde. Assistente Social do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Espaço Vida e CAPS Tereza Noronha, ambos localizados na região metropolitana de Recife. Contato: cavalcantisoraya@yahoo.com.br
Não é nossa intenção, ao menos que neste momento, buscar evidenciar que a Comunidade Solidária esteja ou não direcionada à população que dela necessite, mas que, tão somente, os caminhos pecorridos para a sua legitimidade são diferenciados, na medida em que, enquanto a política de assistêrncia social foi proposta juntamente com a participação da sociedade civil organizada, a estratégia Comunidade Solidária foi implementada verticalmente, ligada diretamente à Casa Civil da Presidência da República.

2 A outra tensão a que se refere a autora é “a tensão entre os projetos demandados pelas chamadas minorias e a política de Assistência Social”  (idem). Carvalho destaca ainda que, naquele trabalho, não foi possível desenvolver essas questões, mas apenas apontá-las.

3 A instância responsável por essa coordenação é a Secretaria Executiva.

4 Título II, Capítulo II, Art. 6º In: BRASIL, 1989.

5 De acordo com o Jornal Diário de Pernambuco de 26 de novembro de 2000, a limitação da Aposentadoria do INSS é de R$ 1.328,25 (hum mil, trezentos e vinte e oito reais e vinte e cinco centavos) e essa limitação leva contribuintes a recorrer aos planos de previdência privada, atualmente oferecidos pelo mercado.

6 Em seu trabalho Falconer (1999) procura mostrar que esses fatores são facilmente atribuídos ao terceiro setor. Notadamente, este autor procura evidenciar as possibilidades e limites do que ele chamou de “a promessa do terceiro setor”. Aponta que, no Brasil, a construção do terceiro setor “deu-se de fora para dentro: de fora do país e de fora do setor para dentro dele” (Idem: 03). O grande mote para o desenvolvimento do terceiro setor estaria na capacitação de sua gestão. Enquanto setor relativamente novo, precisa mais do que nunca, devido ao seu crescente protagonismo do aperfeiçoamento da gestão.

7 Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999.

8 “promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; promoção gratuita de saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção ao desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de prdução, comércio, emprego e crédito; promoção dos direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de Interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo” In: Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999.

9 Conf. Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999.

10 O Ministério da Justiça terá o prazo de 30 (trinta) dias para estabelecer pela decisão ou não do certificado de qualificação da entidade requerente como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

11 Esta é uma das justificativas comuns para que o Estado venha a ausentar-se da execução de programas sociais, mas existem outras, algumas das quais nessa mesma linha, partindo da crise fiscal do Estado.

12 ONGs Nordestinas: Transformação e Permanência. SOUZA, Clêyde; SCHWEIGERT, Hans; OLIVEIRA, Rosalira. Olinda, Projeto Demo: 1996. Trata-se de uma pesquisa desenvolvida junto a 100 (cem) ONGs nordestinas, através de questionário aplicado entre os meses de julho e dezembro de 1995. Na ocasião, foi estimado que o universo pesquisado representou 20% de amostragem da região Nordeste.

13 Do universo de 100 ONGs. As demais ONGs situam seus orçamentos em R$ 200.000,00 e R$ 600.000,00 (12); Mais de R$ 600.000,00 (03); e Não responderam (05).  Esses orçamentos são anuais.

14 O índice de associações comunitárias em Recife que desenvolvem projetos financiados pelo Programa Capacitação Solidária é de 38,60 %, já o segundo tipo de entidade, instituições ou centro de estudo, esse índice é de 12,28 %, quase 03 (três) vezes menos. (Relatórios de Atividades, 1999: 54-57)

15 Seja personalizando o atendimento com fins eleitoreiros, seja desenvolvendo ações emergenciais desvinculadas de políticas de longo alcance.

 

 


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