49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Cezar Augusto Carneiro Benevides

HIST 18: IDEAS, CULTURA E HISTORIA EN LA CREACION INTELECTUAL LATINOAMERICANA, S.XIX-XX

NACIONALISMO E REPRESSÃO NO ESTADO NOVO

CEZAR AUGUSTO CARNEIRO BENEVIDES

Resumen

Durante o Estado Novo (1937-1945), diversos intelectuais brasileiros não se cansaram de fabricar inimigos da pátria e de perseguir extremistas . Livros e artigos foram produzidos com o objetivo de justificar uma intensa política de nacionalização marcada pelo caráter repressivo. Pretendemos analisá-los enfatizando a existência de um mercado negro de informações que agia com beneplácito das autoridades locais e federais.

Texto

O fantasma da quinta coluna assustou, durante o Estado Novo (1937-1945), muitos brasileiros. Os principais jornais do país propagaram o mêdo generalizado estimulando a criação de um verdadeiro mercado negro de informações. Durante anos seguidos centenas de matérias alertaram os leitores para o perigo da crescente onda de infidelidade aos interesses nacionais. Para elaboração dos artigos relativos ao quinta-colunismo estes periódicos respaldavam-se, por exemplo, em pronunciamentos de autoridades, como aquele transcrito em uma publicação de 1942 e o qual foi proferido no Rio de Janeiro, pelo chefe de Polícia do Distrito Federal, em um palco curioso: a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE). Neste discurso o quinta-coluna é visto como o que age em todos os terrenos, em todas as esferas, quer intelectuais, quer morais . Segundo aquela autoridade, sua ação mais eficiente , e por isso mais nefasta , era desempenhada por detrás dos bastidores (1).

No caso específico do Paraná as denominadas forças do mal eram combatidas, pelo menos desde 1900, quando o intelectual Romário Martins no livro O Paraná Antigo e Moderno fez menção ao problema do perigo resultante do imperialismo alemão . Assim, ao final dos anos 30 e início da década de 40, no momento em que essas forças passam a ser efetivamente vigiadas, conta-se com o resgate desses pensadores do passado recente (2). O próprio Romário Martins é quem prefacia a separata do jornal O Dia editada sob o título Hitler Gerreia O Brasil Há Dez Anos. A Infame Trama Nazista No Paraná . Cabe lembrar que Romário aliava-se aos propósitos do seu irmão, Mário Martins, redator do jornal carioca O Radical . Ambos posicionavam-se contra as bizarras populações vindas da Europa e que aqui formavam um povo estranho, com duas pátrias , como Jano , de duplo rosto (3). Para esses intelectuais, via de regra, o quinta-coluna constituía um tipo de pessoa insinuante , afável e serviçal . Costumava evitar discussões apaixonadas sobre política internacional e se fazia presente em todos os locais, atingindo todas as camadas sociais. Realizava, enfim, um trabalho infatigável com o propósito de promover a desintegração dos principais valores cultivados pela sociedade. Combatê-lo era uma questão de segurança nacional.

Nesse contexto, multiplicavam-se livros e artigos denunciando a gravidade do problema. Em Santa Catarina, o capitão Ratton, Secretário da Segurança Pública, publicou, em 1943, O Punhal Nazista no Coração do Brasil, acompanhando o escritor Graça Aranha, autor de Canaã, na tarefa de propagar, no Brasil, as idéias do francês André Chéradame sobre o sinistro plano imperialista alemão. Todos endossavam o pensamento oficial brasileiro, tal como este se configurou na emissão, pelo governo federal, de instruções, resoluções e decretos destinados a cercear, desde o primeiro quartel deste século de extremos, as atividades comerciais germânicas no Brasil. (4). O Rio Grande do Sul não ficou atrás. O Tenente Coronel Aurélio da Silva Py lançou, em 1942, pela Livraria Globo, A Quinta Coluna no Brasil , alertando para o perigo pangermanista naquele estado sulista (5). O militar reclamava da influência da imprensa teuto-brasileira e dizia que a religião estava a serviço do nazismo, cobrando do Estado Novo medidas repressivas.

No Paraná o delegado da DOPS chegou a criar um Departamento de Pesquisas de Atividades Anti-Brasileiras . A inauguração ocorreu em Curitiba, no dia 10 de novembro de 1943. Sua principal finalidade era combater os traídores do Brasil . Tratava-se, segundo as palavras do seu iniciador, Valfrido Piloto, de um centro de estudos cuja existência justificava-se pelos seguintes motivos: segurança nacional, comunismo, integralismo e ação anti-brasileira. Piloto transformou-se no principal executor da campanha de repressão ao quinta-coluna , fato que admitiu em livro publicado no ano de 1949 , sob o título Registros muito Pensados. Antes escrevera Diário de um tempo Ruim (6), com o mesmo espírito dos seus colegas delegados da DOPS nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ratton, Py e Piloto não decepcionaram aqueles que os levaram ao poder. Os três comandantes da repressão estavam interessados na nacionalização das instituições estrangeiras, mas não agiam isoladamente. Contavam com o apoio de muitos segmentos interessados no enfraquecimento dos antigos núcleos populacionais europeus, alguns deles constituídos ainda no período colonial.

Rodrigo de Freitas foi um precioso colaborador no ferrenho combate ao inimigo estrangeiro. Através de uma emissora de Curitiba, a Rádio PRB-2, divulgou, em 1942, textos posteriormente enfeixados no volume Brasil, Alerta ! Comentários de Combate aos Totalitários e à Quinta-Coluna. Neles sugeria a delação dos quinta coluna , pregando, sobretudo, contra os bandos brancos e amarelos de Hitler e Hiroito . Para o comentarista

o maior perigo que ameaçava o Brasil não vinha do exterior, e sim do próprio interior do país, onde até brasileiros enfileiravam-se para favorecer o domínio inimigo. Em tom veemente bradava:

Expulsai do vosso meio, esse veneno letal, antes que o limo verde da lepra sigmoide consiga contaminar as consciências sadias (7).

O Diário da Tarde , jornal paranaense privilegiado nesta pesquisa, manteve-se, durante toda a campanha de nacionalização à frente dos bastidores, desenhando, dando forma, alimentando e execrando os inimigos da pátria . O combate às chamadas doutrinas exóticas - fascismo, hitlerismo, integralismo e comunismo - sucumbiu diante do propósito de atacar o quinta-coluna (8) . Neste intuito este periódico chegou a organizar um inquérito, dirigindo a um grande número de personalidades de grande projeção social - intelectuais, comerciantes e industriais - uma carta solicitando sugestões para o aniquilamento do inimigo . As respostas teriam sido tão enérgicas que o jornal preferiu não divulgá-las, alegando que seria mais providencial guardá-las. Tais manifestações de patriotismo, no entanto, serviriam para o conforto das energias. Contudo, o jornal não se furtou de publicar, tempos depois, um comentário sobre a resposta de um suposto leitor . Nela constata-se a intenção de aniquilar, a qualquer custo, o quinta-coluna : cadeia para essa gente , recomendava o periódico (9 ).

Uma característica importante do Diário da Tarde é o seu distanciamento da documentação oficial e sua aproximação daquela concebida e idealizada por um grupo de intelectuais, cujos interesses refletiam os anseios das chamadas classes conservadoras , detentoras de poder econômico e prestígio social. O inimigo da sociedade paranaense foi, então, descrito como tendo várias máscaras, sendo ressaltada, sempre, a sua capacidade de disfarce. As advertências dos leitores são, assim, verdadeiros convites à observação atenta:

Podem, pois, ficar os paranaenses certos. A quinta-coluna está agindo por toda a parte, onde é preciso enfraquecer as forças de resistência, nos seus divertimentos, nos seus passeios, nas suas conversas, nos seus trabalhos, nos seus lares, em todas as manifestações de sua existência coletiva ou individual e até na própria morte, com os nomes de seus mortos queridos (10).

Nessa campanha de difusão todos os argumentos eram válidos: notícias sobre as atividades da quinta-coluna na América do Sul conviviam com outras pinçadas no cotidiano brasileiro e paranaense, ao mesmo tempo em que eram saudadas, com entusiasmo, as medidas repressivas colocadas em prática, como a portaria do Chefe de Polícia proibindo a reunião de estrangeiros em casas particulares, uso do idioma das nações inimigas em espaços coletivos, bem como discussões e troca de idéias sobre a situação internacional gerada em decorrência do desenrolar da 2ª Grande Guerra (11).

Dêem-lhes de duro era a palavra de ordem do Diário da Tarde , que chegou a fornecer aos seus leitores instruções no sentido de haver ampla cooperação dos patriotas com os poderes públicos. Assimilando as seguintes instruções, os leitores estariam aptos a identificar e a denunciar os traidores da pátria:

1 - Se alguém lhe disser: Não desejo combater pelos Estados Unidos: nós brasileiros, não temos nada que ver com esta guerra, esse indivíduo é um quinta colunista, porque todos nós, no continente americano, estamos sob a ameaça de agressão do eixo Tóquio-Roma-Berlim e temos, portanto, que ver com esta guerra, que envolve e atinge todo o mundo civilizado.

2 - Quando alguém disser É um absurdo a supressão da imprensa em língua estrangeira no Brasil, pois a cultura repele tal coisa e nas escolas brasileiras se ensinam línguas estrangeiras, esse indivíduo é um quinta colunista porque está não só insurgindo contra uma medida patriótica do nosso governo, como ainda confundindo as coisas. Uma coisa é um brasileiro aprender alemão, italiano ou japonês. Coisa muito diferente é não quererem aprender o nosso idioma . Pior ainda é haver brasileiros que achem isso natural. É que esses brasileiros não são bem brasileiros. Já estão se tornando novos quinslings, a serviço da quinta-coluna.

3 - Se um indivíduo lhe disser: Esta guerra foi provocada pelos judeus e pela finança internacional, eis aí um quinta colunista. Porque ninguém ignora que esta guerra foi gerada pela loucura hitlerista, cujo sonho é submeter o mundo e realizar o sonho delirante de pan-germanismo. A constituição brasileira não estabelece distinções de raça e alusão à judaísmo faz parte da técnica nazista, para estabelecer confusão e ódio racial.

4 - Se lhe disserem que o Brasil está sendo arrastado a esta guerra pelos Estados Unidos, eis aí um quinta-colunista. Porque isso constitue uma infâmia, uma injúria contra o caráter do presidente Getúlio Vargas e contra a Nação Brasileira. Nossa atitude foi espontânea. O presidente é e sempre foi panamericanista. Não se pode duvidar da sinceridade do presidente nem se pode, também, duvidar que os que dizem o contrário sejam quinta-colunistas.

5 - Se lhe disserem que os Estados Unidos e a Inglaterra querem cassar a nossa soberania, o indivíduo que tal coisa disser é um quinta-colunista. Os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer a nossa independência. Ninguém ignora os esforços de Cunning, quando chanceler da Inglaterra, no ministério do Duque de Wellington, para que Portugal aceitasse o império de D. Pedro I. Nações que de tal modo procederam para conosco são nações amigas e não nos ameaçam. O que nos ameaça é o imperialismo nazista, servido pela quinta-coluna.

6 - Se o leitor abrir um jornal ou revista, com anúncios da Atebrina, da Cia. Merck, da R.D.V., da Editorial Século XX, das firmas alemãs que estão na lista negra, acompanhados de notas e comentários, falando demasiada e fortemente em patriotismo, nacionalismo, etc., essa espécie de nacionalismo suspeito, porque é mentiroso e ligado ao Eixo, visando apenas afastar-nos, cheios de prevenção injustificadas, da família unida e leal das nações americanas. Tais jornalecos e revistecas são a quinta essência do quinta-colunismo em letra de forma.

7 - Quando uma estação de rádio começar o seu broadcasting dando telegramas de Roma, Berlim ou Tóquio, com as iniciais T.O., D.N.B, S ou D, estará dando a palavra de ordem do Eixo para os quinta-colunistas. Esses programas só podem ter uma denominação: a voz da quinta-coluna.

8 - Se alguém ao seu lado sustentar que, na Alemanha, o clero tem uma vida calma e feliz, que os cultos são respeitados e que o Papa Pio XII está muito amigo de Hitler, tendo abençoado as tropas italianas e alemãs que servem de instrumento de agressão, esse indivíduo é um quinta-colunista, está invertendo os fatos e mentindo descaradamente. O maior inimigo da igreja católica no mundo é o nazismo (artigo do Padre Arlindo Vieira no Correio da Manhã ) e o Papa Pio XII absolutamente não gosta de Herr Hitler...

9 - Se alguém lhe disser que no Brasil não existe quinta-coluna e que isso é uma infâmia, uma invenção, uma fantasia da propaganda americana, olho nesse sujeito, que ele não passa de um quinta-colunista disfarçado.

10 - Se alguém lhe prognosticar a vitória do Eixo na guerra contra o mundo civilizado, a coligação de 26 nações, em que os Estados Unidos estão integrados, esse indivíduo é um quinta-colunista da pior espécie, pois que infundir desânimo e descrença no espírito popular, com o intuito de favorecer o Eixo através do desarmamento psicológico, pois sabem que admitir a certeza de derrota equivale já a meia derrota. Foi esse o trabalho feito na Europa, nos países que cairam sob o flagelo nazista. Reajamos contra os quinslings, ferreteemos a quinta-coluna. O presidente Getúlio Vargas nos indicou o caminho a seguir, dizendo que as nações, como os indivíduos, atravessam grandes momentos, em que é preciso enfrentar o destino. E acrescentou, corajosamente, dizendo que estará com os brasileiros no momento do perigo, para lutar, para vencer, para morrer. Portanto, brasileiros, fiquemos atentos como quer o chefe da Nação, em atitude de decidida repulsa à facúndia dos boateiros e à solerte inventiva de propagandas oriundas de fontes suspeitas e interessadas (12).

Fica claro que à quinta-coluna não eram agrupados somente os pretensos admiradores de Hitler. Também aqueles que, de algum modo, contestavam a ingerência dos Estados Unidos nos assuntos externos brasileiros mereciam ser combatidos. Conforme acentuou Moniz Bandeira, a aliança entre o Brasil e os Estados Unidos, em torno dos projetos de defesa do hemisfério sul, desenvolveu-se, de início, num clima no qual predominava a desconfiança, até que o desenvolvimento da guerra forçou Vargas, em 11 de janeiro de 1942, a aceitar o rompimento de relações diplomáticas com os países do Eixo . Na verdade, o Brasil se envolvera no conflito no ano anterior quando, por um acordo celebrado em 24 de julho, autorizara a utilização de suas bases aéreas e navais por outros países americanos (13). O Diário da Tarde nada mais fazia do que preparar seus leitores para o ingresso oficial do país na Segundo Grande Guerra, ao mesmo tempo em que os levava a hostilizar, cada vez mais, os súditos do Eixo e seus descendentes diretos.

Os relatos do jornal enfatizam os efeitos positivos das denúncias e justificam os atos de violência, incitando os leitores à prática da delação. Ponta Grossa, uma das cidades mais prósperas do Paraná, foi cenário de duas curiosas ocorrências que atestam a eficácia da propaganda nacionalista expressa em manchetes apresentadas em letras garrafais. A primeira, diz respeito a um italiano denunciado por ostentar, na fachada de sua casa, os símbolos do nazismo e do fascismo. Este pequeno comerciante, dono de uma fábrica de sabão, se recusara a retirar os referidos símbolos, até que o delegado local, em companhia do Corpo de Bombeiros e de uma grande massa popular , demolira a platibanda e prendera o quinta-colunista . De acordo com o Diário da Tarde , o infrator recebera o castigo merecido pela traição nefanda à nossa hospitalidade e por suas atitudes hostis ao nosso povo . A segunda, por sua vez, supera os limites do bom senso, pois cobra-se da referida cidade duas comemorações, quais sejam, a libertação de Paris do jugo nazista e o 2º aniversário da declaração de guerra do Brasil à Alemanha. Nesta oportunidade o jornal levantou duas questões provocativas: Como justificar tão estranho procedimento da capital cívica do Paraná? e A quem cabe a responsabilidade pelo ocorrido naquelas duas datas que foram dias de vibração cívica para todo o Brasil e para todo o mundo ? (14).

Sempre no intuito de conferir a certas ocorrências do cotidiano um caráter sensacionalista, o jornal cobriu o Paraná de medo. Qualificou dois alemães, que discutiam em seu idioma como eixistas e todos os cidadãos que se recusavam a adquirir bônus de guerra como quinta-colunistas , não deixando de exultar com a ação policial que teria culminado com a prisão, em uma das principais ruas de Curitiba, capital do estado, de um indivíduo de nacionalidade estrangeira que teria dado vivas à Alemanha . Quando um processo iniciado em qualquer região chegava ao Rio de Janeiro para ser examinado pelo Tribunal de Segurança Nacional, órgão destinado a julgar os crimes rotulados como atentatórios à segurança do país, o Diário da Tarde carregava no uso de adjetivos pejorativos. Um réu chegou a ser chamado de tarado quinta-colunista , porque, supostamente, rezava pela cartilha de Berlim . Seu crime: recusara-se a cantar o hino nacional (15). O fato em si, mais do que as circunstâncias em que efetivamente ocorrera, era valorizado na reportagem, para que o leitor ficasse certo de que estava sendo um perfeito patriota toda a vez em que delatasse casos similares.

Não resta dúvida de que o Diário da Tarde contava com o apoio de boa parte da intelectualidade paranaense, para quem a brasilidade estava acima de qualquer coisa. Não havia, somente, o perigo alemão , mas também o italiano e o japonês. Embora os estudiosos locais e nacionais não mantenham, ao longo do século XX, uma posição unânime quanto à ameaça, em potencial, de qualquer contingente imigratório, não há dúvida de que prevaleceu a tentativa de aliar a noção de perigo aos alemães, como demonstram os estudos de Robert Levine, Simon Schwartzman e René Gertz (16). É o peso da memória coletiva soterrando a história; é a leitura incompleta da documentação oficial e oficiosa; é, enfim, a ânsia de dividir o espólio do passado entre vencidos e vencedores, entre oprimidos e opressores.

Gilberto Freyre é quem, em nossa opinião, melhor captou o caminho capaz de conduzir o encontro entre a Memória e a História. Freyre, empenhado, no início dos anos 40, em divulgar suas teses sobre a pluralidade de culturas no Brasil, posicionou-se contra o geógrafo alemão radicado no Paraná Reinhard Mack que, em artigo publicado na América do Norte, combatera a campanha de nacionalização empreendida pelo Estado Novo. Para o sociólogo brasileiro o que se constatava, na realidade, eram centenas de milhares de brasileiros com ascendência germânica, perfeitamente integrados na nossa idéia de pátria una e indivisível e uma ínfima minoria de agitadores a qual, na verdade, deveria ser combatida por pretender a manutenção do status de raça culturalmente superior. Com uma grande sensibilidade para o tratamento dos temas polêmicos vigentes na época, o sociólogo de Apicucos classificou os seguidores de Hitler, que tinham à frente Maack, de quinta-colunas (17).

Na verdade, o uso de tal expressão foi, aos poucos, se generalizando. Em A Ofensiva Japonesa no Brasil , Carlos de Souza Moraes preocupado com a política belicosa e expansionista dos orientais, não hesitou em denominar de quinta-coluna amarela um dentista nipônico em cuja residência, na capital paulista, a polícia teria encontrado mapas e material fotográfico que comprovavam sua atuação como agente do Eixo. Não obstante o número de imigrantes japoneses, no Paraná, fosse pequeno em comparação ao contingente residente em outros estados como São Paulo e Rio Grande do Sul (18), o Diário da Tarde deu grande destaque à notícia de que havia sido desmantelado um agrupamento de traidores japoneses na região de Registro (SP). Encontrou, assim, um bom pretexto para explorar um incidente ocorrido em Assaí (PR), com o intuito de convencer os leitores de que a referida cidade alojava um perigoso quisto nipônico (20).

A perseguição aos japoneses não atingiu, no Paraná, a intensidade daquela movida contra os alemães. O mesmo pode-se dizer com relação aos italianos e contingentes menores, como os ucranianos. Isto, talvez, em decorrência do fato de que não colocavam em risco, no momento, os privilégios desfrutados pelas classes conservadoras . Todos tinham poucas chances, neste final da década de 30 e início dos anos 40, de ascender socialmente. Ilustra nossa hipótese um artigo do Diário da Tarde no qual é abordada a questão da disputa entre nacionais e estrangeiros pelo mercado de trabalho. O repúdio aos filhos de outras terras é assim justificado:

(...) o Brasil necessita muito de gente. Mas reclama mais propriamente braços, que cérebros, mais trabalhadores rurais, que funcionários, bancários, industriários e comerciários(20).

Diversos estudiosos da política repressiva que vitimou os estrangeiros, durante o período correspondente ao Estado Novo, seduzidos pelos modismos historiográficos europeus, optaram, em suas análises, pelo viés racial, reduzindo o universo de compreensão necessário para o tratamento de complexas problemáticas geradas por fatôres políticos, econômicos, sociais e culturais. Uma leitura apurada, como a que realizamos, do bom número de documentos referentes, por exemplo, à campanha de nacionalização do ensino, revelou que a escola deveria ser um espaço capaz de justificar e sustentar a ideologia governamental. Nela brasileiros e estrangeiros eram indiscriminadamente preparados para atuar como pequenos nacionalistas (21).

Manoel Ribas, interventor do Paraná, limitou-se a registrar, nos relatórios oficiais, as determinações cumpridas, mas Cordeiro de Farias, que exercia a mesma função no Rio Grande do Sul, legou-nos um curioso relato sobre suas atividades contra a infiltração nazista no Brasil. Nele deu ênfase ao abrasileiramento das escolas alemãs e revelou que sua atuação, desenvolvida num clima pacífico, teve caráter preventivo . Declarou, ainda, que contou com o apoio, na investida contra os germânicos, de boa parte dos empresários locais, muitos deles de origem italiana (22). Nossas pesquisas sobre o Paraná e o depoimento de Cordeiro de Farias sugerem uma abordagem sobre a repressão no Brasil que privilegie fatores econômicos, como a competição existente no seio das chamadas classes conservadoras e a tentativa, por parte dos setores médios das sociedades em estudo, de preservação do mercado de trabalho. Estaremos, assim, em busca daqueles que, à sombra do poder central e de seus propostos, financiaram as campanhas que espalharam o terror, incentivaram as delações e alimentaram, por vezes com falsas evidências, os processos encaminhados ao Tribunal de Segurança Nacional, conseguindo, assim, afastar do convívio social os indesejáveis , quer fossem eles estrangeiros ou nacionais.

Rádios e jornais, como vimos, foram convocados para a mobilização espiritual do povo paranaense colocada em prática por um grupo de intelectuais especializado em pintar com cores negras situações banais a fim de gerar o medo e a insegurança, conforme revelam as palavras de Romário Martins no prefácio de Hither Guerreia O Brasil Há Dez Anos. Infame Trama Nazista No Paraná:

A hora que passa pelo mundo exige união e firmeza de todos os povos que desejem conservar sua liberdade, sua soberania e sua independência.

Nós estamos neste caso.

Este livro expõe abundantes provas de que o nosso país estava sendo trabalhado por forças que subrepticiamente aqui preparavam o momento em que seríamos vizados pelas mesmas armas que agrediram povos de todos os continentes, na mais cruel e odiosa das conquistas.

Quem manifestar dúvida sobre a existência dessa traição, já é por isso mesmo um traidor(23).

Os intelectuais paranaenses não se cansaram, durante o Estado Novo, de fabricar traidores da pátria. Em 1945 aderiram, sem ressalvas, ao projeto de redemocratização do país. Nos anos seguintes preocuparam-se em filtrar a Memória, publicando, inclusive, versões que os inoncentavam e os colocavam à margem dos episódios onde predominou a repressão (24). Desafiaram a História, mas esta não se deixou curvar diante da avalanche de evidências que permitiam arrolar as vitimas e, sobretudo, seus algozes. Não negamos o fato de que alguns alemães, por exemplo, estivessem interessados numa vitória de Hitler, mas relutamos em aceitar o fato de que o grosso da colônia também alimentava sonhos bélicos e expansionistas. O mesmo pode-se dizer com relação aos japoneses. Para muitos o Império do Sol Nascente era, apenas, uma lembrança do passado.

Há de se notar, entretanto, o fato de que, na atualidade, muitos intelectuais paranaenses fazem questão de sustentar um regionalismo acanhado, estreito e alienante, pronto a encobrir nomes e situações que colocariam em risco os testemunhos de seus predecessores. Sempre vigilantes, habituaram-se a condenar ao esquecimento as investigações que, como esta, tentam romper as barreiras edificadas à custa de construções discursivas fantasiosas. Como bem disse E. P. Thompson, a historiografia tem o poder de falsificar ou não entender os processos acabados de mudança histórica, mas não pode modificar, em nenhum grau, o status ontológico do passado (25). Diante do alerta do saudoso historiador inglês, só resta afirmar que jamais desejamos engrossar as fileiras dos que intentam alterar ou mesmo manter encoberto o passado recente paranaense. Contudo, algo ainda precisa ser dito: conseguimos obter, com esta pesquisa, uma boa compreensão do presente. Que mais pode almejar um historiador?

Notas

(1) - Jornal Diário da Tarde . Curitiba (Paraná), 21 de novembro de 1942. A expressão quinta - coluna parece ter se vulgarizado, no Brasil, com a Guerra Civil Espanhola. Ernest Hemingway, no prefácio de sua única peça teatral, A Quinta-Coluna , lembra que esta força militar, destinada a reforçar as quatro-colunas de soldados que avançavam na direção de Madri, era composta por simpatizantes excessivamente perigosos e determinados .

(2) - Martins, Romário - Dados Bio-Bibliográficos até 1945. Curitiba: Guaíra, s/d, p. 28-29. A má vontade de Romário Martins em relação aos estrangeiros já foi observada por Wilson Martins em Um Brasil Diferente (Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná). São Paulo: Editora Anhembi Ltda, 1955, p. 133.

(3) - Martins, Romário - A ação nazista no Brasil. In: Hitler Guerreia o Brasil Há Dez Anos. Separata do Jornal O Dia , Curitiba (Paraná), s/d, p. 3-6.

(4) - Ratton, Capitão Antonio Carlos Mourão - O Punhal Nazista no Coração do Brasil . Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1943.

(5) - Py, Tenente-Coronel Aurélio da Silva - A 5ª Coluna no Brasil. A Conspiração Nazi no Rio Grande do Sul . Porto Alegre: Editora Globo, 1942.

(6) - Piloto, Valfrido - Registros Muito Pensados . Curitiba: Gráfica Mundial, 1949 e Diário de Um Tempo Ruim . Curitiba: s/l, 1945.

(7) - Freitas, Rodrigo de - Brasil, Alerta! Comentários de Combate aos Totalitários e à Quinta-Coluna . Curitiba: s/l, 1943, p. 101.

(8) - Jornal Diário da Tarde . Curitiba (PR), 6 de setembro de 1938, p.8.

(9) - Idem, 23 de novembro de 1942, p. 1 e 7 e 11 de maio de 1943, p. 7.

(10) - Idem, 17 de dezembro de 1941, p. 2 e 27 de abril de 1943, p. 1 e 6.

(11) - Idem, 1 de junho de 1940, p. 1 e 29 de janeiro de 1942, p. 2.

(12) - Idem, 5 de fevereiro de 1942, p, 1.

(13) - Bandeira, Moniz - Presença dos Estados Unidos no Brasil. (Dois séculos de História ). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1978, p. 278-288.

(14) - Jornal Diário da Tarde . Curitiba (PR), 17 de janeiro de 1943, p. 1 e 11 de setembro de 1944, p. 1.

(15) - Idem, 2 de abril, 10 de fevereiro e 2 de maio de 1942, p. 6, 1 e 1; 17 de janeiro e19 de fevereiro de 1944, p. 1 e 1.(16) - Levine, Robert M. - O Regime de Vargas - Os Anos Críticos 1934-1938 . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. Schwartzman, Simon et ali - Tempos de Capanema . Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: EDUSP, 1984. Gertz, René - O Fascismo no Sul do Brasil : Germanismo, Fascismo e Integralismo . Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

(17) - Freyre, Gilberto - Uma Cultura Ameaçada: A Luso-Brasileira . 2ª ed. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942, p. 83-99.

(18) - Moraes, Carlos de Souza - A Ofensiva Japonesa no Brasil. Aspecto Social , Econômico e Político da Colonização Nipônica . 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1942, p. 23, 96 e 125.

(19) - Jornal Diário da Tarde , Curitiba (PR), 23 de fevereiro, 29 de maio e 5 de junho de 1942, p. 8. 1 e l.

(20) - Idem, 27 de maio de 1938, p. 1.

(21) - Ver, a propósito, nosso artigo Infância e Civismo. In: História em Debate . Problemas, Temas e Perspectivas . Rio de Janeiro: ANPUH/CNPq, 1992, p. 65-72. ---

(22) - Meio Século de Combate: diálogo com Cordeiro de Farias, Aspásia Camargo e Walder de Góes . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 268-289.

(23) - Martins, Romário - A ação nazista no Brasil. Prefácio da obra de Ratton, Capitão Antonio Carlos de Mourão - O Punhal Nazista no Coração do Brasi l . Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, p. 5-6.

(24) - É o caso de Valfrido Piloto, cujas obras foram acima citadas.

(25) - Thompson E. P. - A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros. Uma crítica ao pensamento de Althusser . Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 50-51.

Fontes

Jornal Diário da Tarde . Curitiba (Paraná), anos de 1937 a 1945.

Mensagens apresentadas pelo Exmo. Sr. Governador Manoel Ribas , em 16 de maio de 1935, 1º de setembro de 1936 e 1º de setembro de 1937, à Assembléia Legislativa do Estado. Curitiba, 1935, 1936 e 1937.

Bibliografia

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