49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Benedito Miguel Gil

A Conversão no Contexto do Catolicismo Brasileiro

Por: Benedito Miguel Gil
UNESP Brasil

O presente trabalho se propõe examinar as características e principalmente a dinâmica de dois grupos religiosos que compuseram o cenário do catolicismo brasileiro no período mais recente de sua história. Os dois grupos surgiram e se desenvolveram no tempo da ditadura militar, de 1964 a 1986. Os Cursilhos de Cristandade foram aos poucos perdendo o elã, a medida que o país ia se redemocratizando, e acabaram desaparecendo com o fim da ditadura, mas a Renovação Carismática continua ativa e em expansão.

A) Os Cursilhos de Cristandade

Os Cursilhos de Cristandade surgiram na Espanha após a Guerra Civil (1936-1939), no decorrer da década que presenciou a derrota do nazismo e do fascismo, e foram trazidos para o Brasil, em 1962, pelo padres da Missão Católica Espanhola, uma instituição para assistência social e religiosa a imigrantes espanhóis.

Realizou-se o primeiro cursilho no Brasil de 18 a 21 de abril de 1962, Semana Santa, na chácara São Joaquim, município de Valinhos. Participaram do primeiro cursilho sete dirigentes e vinte e dois adultos do sexo masculino. Não havia entre eles nenhum brasileiro. Eram todos espanhóis imigrantes.

Em dois anos, de abril de 1962 a abril de 1964, o centro de Cursilhos fundado pela Missão Espanhola organizou doze cursilhos. Apenas o primeiro se destinou exclusivamente a imigrantes espanhóis, os demais se abriam cada vez mais a brasileiros. Os Cursilhos se dirigiam de preferência aos segmentos mais altos das classes médias. No segundo semestre de 1964 havia três centros promovendo cursilhos no Brasil: um em São Paulo, outro em Santos e um terceiro em Campinas.

A expansão dos Cursilhos se verificou ao mesmo tempo em que uma enorme crise institucional agitava a Igreja no Brasil. Quanto mais se aprofundavam as contradições desencadeadas pelo Concílio e pelo golpe militar de 1964 mais vitalidade ganhavam os Cursilhos. Esse crescimento se dava sem o aproveitamento dos católicos de esquerda, que depois do golpe foram perseguidos e desmobilizados, permanecendo sem meios para se relacionarem de maneira significativa com a Igreja. Isso representava uma perda de talentos que foram valiosos antes de 1964 e podiam continuar prestando serviços à instituição se houvesse um meio de reintegrá-los.

Em dezesseis anos de atividade, de 1962 a 1978, os Cursilhos se estenderam por todas as unidades eclesiásticas do Brasil. O período que apresentou maior índice de crescimento se situa entre 1968 e 1972. Nesse período os Cursilhos bateram recorde de expansão tanto em número de novos centros promotores como na frequência com que eram realizados.

O término do governo Geisel e o início do processo de redemocratização coincidem com a diminuição do interesse pelos Cursilhos, tanto por parte dos leigos como, principalmente, por parte dos eclesiásticos. Alguns Secretariadosdesapareceram completamente, enquanto outros continuaram funcionando precariamente. Com a queda da ditadura desapareceram as publicações cursilhistas e o Secretariado Nacional foi fechando.

A conversão operada pelos cursilhosse fundamenta na experiência de três grupos de atores: a equipe de dirigentes, o grupo de candidatos e a comunidade cursilhista. A equipe de dirigentes atualiza as experiências próprias do estado cursilhista. O grupo de candidatos experimenta o envolvimento com esse estado. A comunidade se arrebata com os efeitos dos cursilhos, retira deles satisfação intelectual e afetiva e forma uma espécie de campo gravitacional, no seio do qual se definem e se situam as relações entre a equipe de dirigentes e o grupo de candidatos. Nesse processo a comunidade se reconstitui e se confirma.

Ao se relacionar com o grupo de candidatos, a equipe de dirigentes oferece um espetáculo, que ao mesmo tempo produz e transmite a mensagem, envolvendo os participantes com a ação e o enredo. A equipe reconstitui para os candidatos a sua própria experiência. Essa reconstituição do chamado original ou da crise inicial, que se realiza principalmente através do discurso, consiste no reavivamento de um acontecimento que foi real e se torna novamente presente. O esforço da equipe se concentra na criação das condições para o surgimento da liminaridade. Por meio de procedimentos e representações específicos, a equipe leva os candidatos a se sentirem na condição de entidades liminares, situadas nos interstícios das posições estruturadas.

As experiências dos candidatos existem em função das experiências dos dirigentes. Umas respondem às outras. As primeiras são decorrência das segundas. As experiências dos dirigentes atuam como força indutora e as dos candidatos como induzida. A indução consiste num processo lógico, atraente e até mesmo aprazível. Os candidatos não encontram motivos para oferecer resistência a ela e, na maioria dos casos, a aceitam. As experiências dos dirigentes se realizam dentro do mesmo universo de representações e de plausibilidade do qual participam os candidatos.

As experiências dos candidatos se subordinam, também, às experiências da comunidade cursilhista. A comunidade participa intensamente dos cursilhos e opera como se fosse uma espécie de catalisador em cuja presença se verifica o aumento da velocidade das reações. As experiências desses três grupos de atores se encontram polarizadas em torno da atuação dos dirigentes e da participação da comunidade.

As experiências da comunidade cursilhista são organizadas, na sua estrutura básica, durante o desenrolar de um cursilho. Passar pela situação de um cursilho é condição indispensável para se tornar membro da comunidade. Após o cursilho essas experiências se delineiam mais nitidamente, se desenvolvem e se complementam conforme a participação dos cursilhistas nas atividades dos Cursilhos. Há um núcleo de experiências que é comum a todos e se dissemina na mesma proporção em que se expandem os Cursilhos. Os esforços e as esperanças da comunidade se orientam exatamente para a socialização desse núcleo de experiências. O empenho nessa socialização se vincula aos compromissos e às expectativas recíprocas das relações sociais.

Os membros da comunidade estão fortemente interessados em que o cursilho agrade a seus convidados e os faça aderir aos Cursilhos, tanto mais que esses convidados, selecionados por eles mesmos, pertencem a seus círculos de parentes e amigos. A ineficácia do cursilho frustaria as esperanças da comunidade e seria socialmente intolerável. A comunidade investe trabalho na preparação dos rollos e no treinamento dos dirigentes. Espera, por isso, que seus esforços obtenham êxito e se alegra com os frutos do cursilho.

Cada candidato que se envolve com o núcleo coletivo de experiências ou que se converte representa um atestado da realidade do sistema cursilhista. Graças a ele, os Cursilhos e as idéias que a eles se ligam escapam do modo incômodo de existir na consciência, como conjunto de sentimentos fugazes, de representações instáveis, para assumirem a forma de seres concretos e reais. A conversão dos candidatos traz à comunidade uma satisfação existencial; representa uma garantia da sua coerência mental e um seguro da sua sobrevivência.

Para entender o cursilho é preciso examinar dois tipos de relações. Primeiro, as relações entre a equipe de dirigentes e o grupo de candidatos: de que forma os dirigentes inculcam o núcleo de experiências nos candidatos? Depois, as relações entre a equipe de dirigentes e a comunidade cursilhista: como o modo de ser cursilhista, encarnado pelos dirigentes, se integra no modo de ser mais amplo da sociedade, de maneira a despertar o seu consenso?

A atuação dos dirigentes sobre os candidatos começa pela implantação progressiva de um conjunto de comportamentos padronizados. Primeiramente, os dirigentes implementam a ordem e a organização no cursilho: a natureza e a sequência de atos, os horários e locais, a hierarquia de poder e a rede relações. Do momento da chegada à hora da partida, os candidatos se sujeitam a uma ordem precisa e detalhada. Tudo está previsto é a resposta que se ouve a qualquer tipo de indagação sobre a sucessão dos atos. Do lado dos dirigentes, os mínimos detalhes estão minuciosamente programados: quem vai intervir, o que vai fazer, como, quando, onde e sobre quem vai atuar. Sabe-se com antecedência quem vai ministrar tal ou qual rollo, quem vai se sentar ao lado de quem, quando vão ser esvaziados o cinzeiros, em que momento vai ser contada tal piada ou cantada tal música. Do lado dos candidatos, porém, ninguém sabe o que vai acontecer no momento seguinte. Às duas horas da tarde, quando todos esperam pelo almoço, depois de três ou quatro horas de aula sobre os Sacramentos católicos, os candidatos são levados para rezar na capela. No dia seguinte, o almoço poderá ser servido às onze da manhã. Nada se repete de modo igual durante o cursilho e também nada se improvisa. Os dirigentes insistem na idéia de que tudo está previsto, até mesmo as respostas e as soluções para possíveis problemas e dificuldades. Não se espera que os candidatos tomem iniciativas e interfiram nos acontecimentos. Estão no cursilho para ouvir a mensagem, participar dos atos e seguir os impulsos determinados pelo contexto. As atitudes apropriadas para essa situação são a passividade e a confiança. Essas atitudes são desenvolvidas nos candidatos pelo próprio peso da organização. Uma vez que estão no cursilho e não podem sair, não lhes resta alternativa. Os dirigentes pressionam os candidatos para que se entreguem, ameaçando os recalcitrantes com punições sobrenaturais e prometendo recompensas divinas para os dóceis. Deus abandona os que perdem a graça que passa; fecha a sombrinha do teu orgulho e encontrar-te-ás com a luz; fecha o guarda-chuva do teu apego às criaturas e cairá sobre ti uma chuva de vida; Cristo quer lançar-te um olhar de luz e um olhar de vida.

Outro aspecto do conjunto de comportamentos padronizados se encontra no estabelecimento da igualdade e da fraternidade entre os participantes. Os candidatos se tornam iguais a partir do despojamento de seus atributos sociais. Exige-se que todos esqueçam suas posições sociais, seus títulos, seus diplomas e seus anéis. A regra, relembrada por meio de constantes advertências, se expressa desde o primeiro discurso do reitor: O único tratamento aceito aqui dentro é você, exceto para os padres. Na prática, nem essa exceção é respeitada. Eles também se despojam de seus status e se igualam aos demais.

A fraternidade se desenvolve mediante o sentimento de solidariedade de pessoas colocadas numa situação de extrema simplificação da estrutura social e através dos estímulos verbais e não-verbais dos dirigentes. A equipe dedica aos candidatos todos os cuidados e atenções. Os dirigentes se mostram amigos, se interessam por eles, por seus problemas e não perdem oportunidade de lhes prestar pequenos serviços e pequenos obséquios. Cuidam com dedicação do conforto e da comodidade deles, procurando até mesmo adivinhar suas menores necessidades e desejos. Com esse modo de agir oferecem a eles um modelo de relações não rotineiras, que se situam fora das relações estruturadas e expressam uma doação total. Ao lado dessa prática material ou dessa prática como metáfora, atuam, ainda, estímulos verbais. Em quase todas a aulas, avisos e conversas se encontram explanações, referências, alusões e histórias que estimulam a prática da fraternidade. É tão eficaz a ação dos dirigentes que, após o cursilho, os candidatos podem se esquecer de todas as palestras, mas se lembram com emoção do ambiente de amizade, dedicação e generosidade que experimentaram. Atribui-se mesmo um caráter místico a esse ambiente de bondade humana e se considera que ele está relacionado com a atuação do sobrenatural. É Cristo que se faz presente durante o cursilho e cria laços de amor e fraternidade entre os participantes.

Faz parte das regras implementadas a alternância entre momentos de tensão e de distensão, de concentração e de distração, de estudo e de recreação. Os dirigentes providenciam para que o cursilho seja, por assim dizer, recheado de cantorias e anedotas. Canta-se antes e depois das refeições, antes de cada rollo, durante todos os intervalos, na capela, no pátio, em qualquer lugar. Sempre coletivamente e em uníssono. As músicas são alegres e movimentadas e as letras singelas e ingênuas, pelo menos na aparência. Seguindo o exemplo dos dirigentes e estimulados por eles, os candidatos se esbaldam de cantar, e embalados pelo ritmo da música se movimentam ensaiando passos de dança e formando filas que se deslocam como cordões carnavalescos pelas salas e corredores. As anedotas são contadas, de modo não organizado, nos intervalos, meditações e rollos e, de modo organizado, durante as refeições. São designados alguns dirigentes para contar piadas durante as refeições. A alternância entre momentos de tensão emocional e momentos de festa, de alegria intensa e muita comunicação desperta nos candidatos a sensação do mais perfeito bem-estar.

A alegria franca e desprotegida do riso provocado por toda a sorte de anedotas e o júbilo despertado pela música alegre e vibrante produz uma espécie de neutralização das normas da estrutura social e abre espaço para a manifestação da bondade natural dos seres humanos. O riso e o contentamento derrubam as máscaras e desguarnecem a personalidade de suas defesas, permitindo aos participantes interagirem diretamente uns sobre os outros, sem necessidade de mediadores. Desaparecem as barreiras e surge a oportunidade para o desenvolvimento do contato íntimo, da comunicação plena e das relações totais de pessoa a pessoa. Instaura-se, então, com força e violência, a comunicação total de homens totais, o enfrentamento dinâmico de uns com os outros, a fluência do Eu para o Tu, de Martin Buber.

O conjunto de comportamentos padronizados se completa com a definição do tipo de relação que deve haver entre dirigentes e candidatos. A função dos dirigentes não é ensinar uma doutrina ou debater uma tese, mas revelar concretamente um modo de ser novo, de importância vital e sagrada. De modo complementar, a função dos candidatos não é exercitar o espírito crítico, mas assimilar e incorporar essa revelação e esse modo de ser novo. Uns tendem a ser puros agentes transmissores. Outros meros pacientes receptores. Os primeiros oferecem a seu auditório um espetáculo no qual se esforçam, para ser, como dizem, brutalmente sinceros. Os segundos devem provar o gosto deste espetáculo. Afirma-se que o cursilho é como uma fruta, cujo sabor só pode ser conhecido pela experiência, através dos sentidos. É preciso, primeiro, viver o cursilho até o fim para, depois, formular juízo sobre ele. A sequência desenfreada de aulas, reuniões, rezas, cânticos, cerimônias e atos não deixa espaço para reações críticas ou tomada de posição diante de fatos e de idéias. Até intervalos e tempos livres são aproveitados para o chamado trabalho de corredor. Essa situação acentua ainda mais a tendência para a instauração do processo de comunicação direta entre as pessoas. Os candidatos passam a reproduzir o discurso, os sentimentos e a conduta dos dirigentes. Imitam o seu modo de rezar, a sua alegria descontraída, a sua disposição para o serviçalismo, a sua inclinação para fazer e ouvir confidências e a sua intimidade com o sobrenatural. O cursilho não é um curso como outro qualquer. Não consiste de um aglomerado de ensinamentos, de discursos e de palavras. Tem um valor ontológico, poderoso e eficaz. Remodela o ser dos candidatos. Estabelece uma prática, que é uma metáfora e permite a reorganização de toda a vida.

Ao mesmo tempo que recriam as condições sob as quais irrompe a liminaridade, os dirigentes evocam e revivem para os candidatos as suas próprias experiências, mediante aulas que as tornam presentes e reais. Assistindo a essas aulas e participando delas, os candidatos apalpam a realidade das experiências cursilhista e se contaminam por elas.

As aulas, que podem ser meditações ou rollos, ocupam a maior parte do tempo do cursilho, tornam presente a mensagem que proclamam, incorporam, atualizam e dinamizam as experiências pessoais dos dirigentes. Mais do que idéias recheadas de raciocínios e entrelaçadas de relações lógicas são realidades objetivas, revestidas de carne e osso, personificadas por homens que se fazem testemunhos delas, desde a sua própria figura, do qual transparece a sinceridade interior, até o conteúdo de sua fala, que nasce da alma e transpira convicção.

As aulas criam um clima de emotividade contagiante e arrancam lágrimas de dirigentes e candidatos. Nelas tudo é rico de significados e cheio de emoções fluidas: o tom da voz, a postura do corpo, o encadeamento das idéias e dos fatos, a atitude de expectativa, a curiosidade, a atenção, a linguagem espontânea, o estilo descontraído, as expressões da face e das mãos. Os participantes acompanham as aulas lance por lance com perplexidade, estupefação, assombro e alívio, quando o dirigente reconstrói de modo apropriado o sistema, cuja plausibilidade é admitida por todos. O fundamental dessas aulas se encontra na originalidade e na vivacidade com que as experiências são evocadas e na dramaticidade investida na sua apresentação.

Em todas as aulas os dirigentes revivem com insistência uma experiência central: o encontro com Cristo. Mostram com emoção que sentem Cristo presente, envolvente, absorvente, atuante e comprometedor. Ao reviver essa experiência fundamental não estão criando fantasias nem sofrendo de alucinações; estão sentindo a experiência do sagrado, de Durkheim, o sentido da realidade, de William James, ou o senso do numinoso, de Rudolf Otto. O encontro com Cristo se apresenta como uma emoção su generis, absolutamente incomparável com qualquer outra forma de emoção.

A experiência do encontro com Cristo vem acompanhada de um leque de reações sentimentais e de ressonâncias valorativas. Em primeiro lugar, desperta nos participantes o sentimento da própria nulidade. Eles descobrem que viviam no engano e na ilusão; reconhecem que eram comodistas, insensíveis, egoístas e orgulhosos; confessam que eram cegos, viviam nas trevas, estavam dormindo e não tinham nada. Eles se percebem colocados diante do seu vazio, da sua solidão, da sua insignificância e abalados na raiz da sua própria intimidade. O cursilho me virou no avesso, me pôs o dedo na ferida, dizem muitos entrevistados. Tinha ódio de mim mesmo, do meu passado, queria vomitar toda minha vida passada e começar tudo de novo. Não entendo como é que pude ser tão porco como fui até aqui. Tão majestoso, tão maravilhoso, fascinante e augusto se apresenta o encontro com Cristo, que parecem nulas as crenças e valores sociais, o conteúdo da personalidade e o histórico da própria vida.

Em segundo lugar, o encontro com Cristo se apresenta como alguma coisa que atrai e fascina. O sentimento da presença de Cristo como que embriaga e vicia. É um momento irracional de amor, amizade, confiança, intimidade e piedade para com Cristo. Nesse momento, tem-se a experiência do estado de beatitude, cheio de felicidade, de paz, entendimento, harmonia, prazer e gozo. Um amor imenso tomou conta de mim e não tenho mais medo, porque sei que Cristo está comigo. O cursilho me apresentou um Cristo real, vivo, pessoal e, sobretudo, atual. Não um Cristo histórico, frio, desumanizado. Mas um Cristo Deus e homem, apaixonante, fascinante. Os participantes começam então a tratar Cristo com expressões de intimidade e carinho, que traduzem a sua proximidade e posse. Ele é o Amigão, o Irmão, o Chefão, o Chapa, o Cara bacana, o Nossa amizade.

Atraídos e fascinados pela presença e pela posse de Cristo, os dirigentes recuperam aos poucos, mas agora modificados por essa experiência singular, sua crenças, valores e sua própria personalidade. O encontro com Cristo desencadeia um processo de remodelamento da percepção de si mesmo, das coisas, dos outros e dos fatos da vida. Desencadeia um processo de reinterpretação do universo religioso de representações.

Com relação a si mesmo, os cursilhistas sentem e testemunham que passaram por um renascimento: entrei um homem e saio outro com o horizonte iluminado; me fizeram descobrir que eu valho muito mais do que pensava; aprendi que tendo Cristo comigo, sou um homem formidável.

Reformulam o seu modo de perceber a religião e o homem religioso. A religião deixa de ser o refúgio de fracos para se transformar no baluarte da virilidade, da coragem, dos sentimentos nobres e heróicos. O homem religiosos não se alinha mais com os carolas, os beatos, os bate-queixo, os ratos de sacristia, considerados como caricaturas grosseiras da religião verdadeira, e adquire o estatuto de herói forte e másculo, comprometido com a presença de Cristo, com a comunidade de irmãos, com os homens de hoje e com os tempos que correm.

As práticas religiosas perdem as características depreciativas e passam a ser entendidas como instrumentos eficazes para estabelecer contatos livres e amorosos com Cristo e para realizar a obra de transformação do mundo segundo os planos de Deus. Os cursilhistas testemunham com vivacidade e emoção o grande apreço que depositam na prática de todas as formas de oração, na frequência à missa, à comunhão e à confissão.

A Igreja perde o caráter de instituição corporificada em templos de pedra e identificada apenas com os eclesiásticos e se transforma em comunidade viva, de homens atuantes e de colaboradores responsáveis. Os dirigentes relatam fatos pessoais para dar testemunho do quanto se sentem identificados com os problemas, com os objetivos e com a própria natureza dessa instituição e afirmam com convicção: nós somos a Igreja. Os padres não são mais encarados como autoridades eclesiásticas, membros da casta sacerdotal, defensores solitários do celibato, funcionários da sacristia e esmoleres do altar, mas como amigos solidários com os problemas do povo, como irmãos de mãos estendidas e como heróis incompreendidos. Depois do encontro com Cristo, os cursilhistas se tornam amigos, colaboradores e defensores dos padres. Gostam de se mostrar nas companhia deles; sentem prazer em ajudá-los na missa, nos cursos para batismo e casamento, nas rezas e prédicas das capelas, nas visitas a presos e doentes e na distribuição da comunhão. Por causa do encontro com Cristo, os cursilhistas passam a colaborar com maior generosidade do que antes nas campanhas de arrecadação de recursos para a Igreja.

Os parceiros sociais, especialmente os membros dos grupos primários, adquirem, então, tanto o sentido de participantes da mesma comunidade divina como o significado de objetivo central da ação de Cristo. Com exemplos tirados da própria vida, os dirigentes testemunham que dedicam a eles um amor de irmãos e fazem deles a razão de ser da ação cursilhista. Tudo é feito a serviço dos homens, pelo menos no sentido de que a ação dos cursilhistas sirva de exemplo para que os homens a vejam e a imitem. Depois do encontro com Cristo, os cursilhistas desenvolvem a disposição de tornar a própria conduta mais visível para os companheiros e de comprovar o amor que sentem por eles através de mimos e gentilezas. Distribuem sorrisos, espalham atenções e amabilidades. Realiza-se, desta forma, o que chamam milagre da normalidade.

Cristo passa a ser entendido como presente e atuante nos acontecimentos históricos. Deus manifesta-se de muitas maneiras na história. É nos eventos cotidianos que Cristo comunica e revela os seus planos. Por isso, uma das principais preocupações dos cursilhistas consiste em procurar, sentir e captar a vontade e os planos de Deus, presentes tanto nas Escrituras como na sequência dos acontecimentos diários.

Na situação do cursilho se encontra neutralizado o sistema estruturado de relações recíprocas e complementares; os participantes se defrontam de modo direto, imediato e total; e o principal estímulo procede de um conjunto de representações e procedimentos atualizados com originalidade, vivacidade e dramaticidade. Nessas condições se estabelecem relações diretas entre dirigentes e candidatos, que são realizadas sem a mediação das interpretações e das expectativas. As respostas dos candidatos reproduzem os estímulos dos dirigentes e são da mesma natureza deles. Os candidatos espelham os sentimentos, as emoções e as disposições dos dirigentes. Os rollistas se emocionam ao relatar seus testemunhos e obtêm como resposta o choro e as lágrimas dos participantes. A equipe de dirigentes se entusiasma nas rezas e nos cânticos r provoca com isso entusiasmo igual nos candidatos. O amor estimula o amor, a fraternidade provoca a fraternidade; o riso produz o riso; a alegria espalha a alegria. Aos poucos os participantes se tornam mais sensíveis e suscetíveis uns aos outros e, progressivamente, mais preocupados uns com os outros. Inclinam-se, por isso, a responder uns aos outros de maneira rápida, direta e impensada. Os sentimentos, as emoções e as representações se socializam rapidamente, e os dirigentes contaminam os candidatos, induzindo neles o seu próprio núcleo de experiências.

O encontro com Cristo, juntamente com suas reações sentimentais e ressonâncias valorativas, estabelece uma outra forma de ver a sociedade, uma forma que exprime a sua coerência, juntamente com a participação emocional e humana. É o estabelecimento, carregado de emoções, do lugar do homem na organização eclesiástica e no mundo católico. É uma afirmação da solidariedade do homem com essas concepções e entidades, que fazem sentido para ele. Essa afirmação espontânea e não-racional, dramaticamente formulada, é a resposta a um certo grau de reconhecimento da existência de uma ruptura entre o homem e o mundo concebido como católico e é, ao mesmo tempo, uma tentativa de restabelecer os laços e os compromissos que os unem.

As experiências dos dirigentes acontecem no tempo presente; recriam e representam aquilo que relatam; efetivam o que contam; produzem o acontecimento e não fazem apenas uma descrição dele; tornam o passado e o futuro imediatamente presentes. Exprimem a solidariedade do homem católico com seu mundo e reafirmam esta solidariedade diante da dúvida humana. Graças a elas, o novo ideal de mundo católico sai do seu modo incômodo de existir na consciência, como sentimentos e representações, para se tornar um ser de experiência fora da consciência. Nelas, a comunidade encontra a satisfação de estar de posse da verdade e a garantia da sua própria coerência mental.

A espontaneidade e o caráter imediato das relações durante o cursilho, fomentados e vividos pelos dirigentes, preparam os espíritos para o formalismo e a mediação da estrutura na qual s encontra a comunidade. Os cursilhistas se libertam da estrutura social padronizada e entram no cursilho apenas para retornar à estrutura, revitalizados pela experiência do cursilho. Segundo Turner, nenhuma sociedade pode funcionar adequadamente sem esta dialética. É o reconhecimento de que a substância dos fenômenos vividos no cursilho existe de modo fragmentado no miolo das posições sociais e serve para realçar o seu sentido e lhes emprestar sustentação. O reconhecimento de um laço essencial e genérico entre os homens condiciona a existência mesma de qualquer sociedade.

O apelo principal dos dirigentes se concentra na proposta de um catolicismo militante e moderno, voltado para a recristianização do mundo. Como o objetivo central desse catolicismo é conquistar uma posição de influência religiosa, os seus esforços se dirigem para o desenvolvimento de meios que lhe possibilitem revitalizar a sua força interna, o seu poder de organização e a sua penetração no meio social. Orientados para a hierarquia eclesiástica e para o trabalho de edificar uma religiosidade baseada nos sacramentos, os dirigentes rejeitam, como princípio de ação, tanto as fontes tradicionais de compromisso político quanto as tendências mais recentes de desenvolver políticas e programas que permitam à Igreja contribuir para a institucionalização da justiça social nas frentes onde seja possível. Assim, os bispos, os padres e os cursilhistas constituem uma elite missionária que se interessa exclusivamente pela expansão das fronteiras dos valores católico-cristãos. O que fundamenta a participação dos cursilhistas nesses trabalho é a passagem pela experiência do cursilho e o princípio da colaboração com a hierarquia. Isso equivale a uma reafirmação da plena obediência às autoridades eclesiásticas e ao restabelecimento das premissas católicas tradicionais sobre a natureza da Igreja, a validade de sues dogmas e o seu monopólio do carisma religioso.

B) A Renovação Carismática

O Movimento Católico de Pentecostes, espalhado hoje pelo mundo todo, surgiu no início de 1967, na Universidade Duquesne, fundada em Pittsburg, pelos padres do Espírito Santo Catholic Pentescostal . New York, 1969, traduzido para o francês com o título: Le Retour de l'Esprit : Le Pentecôtisme Catholique aux USA. Paris: Cerf, 1972..

Em agosto de 1966, alguns professores dessa universidade participaram de um Cursilho de Cristandade. Esperavam encontrar nesse Movimento o dinamismo de fé e a generosidade total que haviam procurado em vão nos Movimentos litúrgico, ecumênico, apostólico e pela Paz.

Em um Encontro dos Cursilhos, ficaram conhecendo Steve Clark e Ralph Martin. Steve tinha acabado de ler A Cruz e o Punhal , de autoria de David Wilkerson, livro que o cativara e ao mesmo tempo o desnorteara. Tratava-se da autobiográfica de um pastor que, por um impulso interior, havia abandonado a vida paroquial cômoda e rendosa e se dedicado a uma perigosa experiência missionária em Nova Iorque, entre os delinquentes e viciados em drogas do Brooklyn.

Os professores de Duquesne descobriram então o que procuravam, aquilo que ainda faltava nos Cursilhos de Cristandade: a Bíblia, o Espírito Santo e os carismas. Durante dois meses, o livro de Wilkerson lhes serviu de base para orações e colóquios. Um deles Ralph Keifer encontrou outro livro pentecostal: Eles Falam em Outras Línguas , de John Sherrill, que indicava caminhos e meios práticos para fazer a experiência do Espírito.

Durante todo o outono, o grupo se encontrou muitas vezes para fazer o que chamavam de oração profunda. A recitação do Veni Sancte Spiritus, o hino católico ao Espírito Santo, ocupava aí o primeiro plano.

Resolveram então consultar os pentecostais, tidos como extravagantes e anticatólicos, sobre as experiências que estavam fazendo. Um pastor episcopaliano entrou em contato com uma de suas paroquianas, engajada na experiência carismática, e marcou uma reunião para o dia 6 de janeiro de 1967. Nessa reunião ficou acertada uma reunião de oração na sexta-feira, dia 13 de janeiro. Ralph ficou profundamente impressionado com a qualidade dos testemunhos, da oração, da "teologia vivida", e convencido na sua consciência universitária da necessidade da leitura simples da Escritura e da abertura para uma comunicação direta com Deus.

Dos quatro católicos presentes na reunião do dia 6, ele foi o único que voltou, na semana seguinte, 20 de janeiro de 1967, com Patrício Bourgeois, outro professor da Faculdade de Teologia. As orações e reflexões se concentraram sobre a carta aos Romanos. No final da reunião, os dois pediram o "Batismo no Espírito Santo". Um grupo orou sobre Ralph e outro sobre Patrício, impondo-lhes as mãos.

Pediram-me que fizesse simplesmente um ato de fé para que o poder do Espírito Santo operasse em mim. Comecei logo a orar em línguas. Nada de particularmente maravilhoso ou espetacular. Senti muita paz... necessidade de orar... Minha preocupaçãose concentrava em saber para onde tudo isso me levaria .

Na semana seguinte, Ralph impôs as mãos sobre dois outros colegas de Duquesne. No dia 18 de fevereiro, Paul Grey e Maryanne Springle se dirigiram a ele pedindo que lhes impuzesse as mãos. Após a oração, Paul e Maryanne foram tocados pelo Espírito Santo e começaram a louvar a Deus "em línguas".

Nesse mesmo instante, Patrícia Gallagher se dirigiu à capela, nas seguintes circunstâncias, narradas por ela mesma:

Estávamos fatigados, depois dum dia de oração e de reflexão. Nosso espírito estava disperso. Não tínhamos ânimo para preparar o aniversário dessa tarde. O Senhor, porém, estava trabalhando em nós, sem que tivéssemos percebido.

Desejando sacudir essa apatia e organizar qualquer coisa, dirigi-me à capela, pensando encontrar algum colega. Ao entrar, ajoelhei-me e estremeci, sentindo a presença do Senhor. Fiquei tomada de medo. Não tinha senão vontade de lá ficar e orar. Todavia dizia de mim para mim:

- Já rezamos que chega por hoje. Agora é momento de festejar nossos irmãos.

Um colega que lá se encontrava me disse:

- Patty, não estou entendendo... algo que não havíamos imaginado está acontecendo.

Respondi:

- Quero orar.

Acabei improvisando uma oração:

- Senhor, desconheço suas ordens. No entanto, estou pronta. O amor de Deus tornou-se-me, então, palpável: uma experiência. Prostrei-me no chão, invadida pela loucura desse amor. Eu, por fora de toda a teologia, sem nunca ter estudado em escola católica, lá estava caída, vivendo o que dissera Santo Agostinho: "Criado para o Senhor, impossível encontrar paz, a não ser no Senhor". Compreendi estarem também os outros prestes a fazer a mesma experiência.

O mesmo fenômeno aconteceu em Notre-Dame, durante o fim de semana de 4 e 5 de março, e na segunda-feira, dia 13. Depois em outros lugares. Acontecimentos análogos surgiam por todas as partes.

Edward O'Connor, professor de teologia em Notre-Dame, fixou assim suas primeiras impressões:

Mesmo para um sacerdote que vivenciou tantas e tantas surpresas ao longo de seu ministério, não lhe é fácil entrar no curso quando um amigo, um de seus antigos alunos, lhe anuncia ter recebido o dom das línguas.

As coisas correram rápidas. Mais estudantes receberam o mesmo dom. Era eu quase o único do grupo sem tê-lo recebido até dia 14 de março.

A Renovação Carismática Católica é hoje um movimento mundial. Não luta pela uniformidade, nem pela unificação. Não reconhece um fundador particular, nem um grupo de fundadores como outros movimentos. Não tem lista de membros participantes. É uma reunião diversificada de indivíduos, grupos e atividades, com frequência totalmente independentes uns dos outros, em diferentes graus e modos de desenvolvimento e com diversas ênfases.

Esse modelo de relações sumamente flexíveis se aplica em nível diocesano e nacional, bem como internacionalmente. Tais relações se caracterizam pela liberdade de associação, diálogo e colaboração, mais do que pela integração ou pela estrutura organizada. A liderança não se entende como governo mas como oferecimento de serviços para aqueles que o desejam.

Os objetivos centrais da Renovação Carismática ou Renovação Pentecostal Católica, como também é chamada, consistem em promover a conversão pessoal, madura e contínua, a Jesus Cristo, Senhor e Salvador; em propiciar abertura das pessoas para a presença e o poder do Espírito Santo; em fomentar a recepção e o uso dos dons espirituais, dos carismas, não somente na Renovação Carismática, mas também na Igreja inteira. Essas experiências se realizam no que se chama em diferentes partes do mundo: no batismo com o Espírito Santo, ou no deixar atuar livremente o Espírito Santo, ou na renovação no Espírito Santo.

É objetivo da Renovação Carismática animar a obra de evangelização, incluindo tanto a evangelização daqueles que não pertencem a igreja, quanto a re-evagelização de cristãos de nome, a evangelização da cultura e das estruturas sociais. A Renovação promove a participação na missão da Igreja, proclamando o evangelho com palavras e obras, e dando testemunho de Jesus Cristo mediante a vida pessoal e aquelas obras de fé e justiça às quais cada um foi chamado.

Pretende também impulsionar a participação na vida sacramental e litúrgica, o apreço pela tradição da oração e espiritualidade católicas, a progressiva formação na doutrina católica guiada pelo Magistério da igreja, e a participação no plano pastoral da Igreja.

Para responder às necessidades de comunicação, cooperação e coordenação, foi necessário criar em 1978 um Conselho e um Escritório internacionais sob a direção do cardeal Leon Joseph Suenens, que foi nomeado pelo Papa Paulo VI Assistente Episcopal para a Renovação em âmbito internacional. O Conselho se constitui de líderes de todo o mundo, e o Escritório se estabeleceu primeiro em Bruxelas e mais tarde em Roma. Em 23 de maio de 1984, o papa João Paulo II nomeou o bispo Paul J. Cordes seu representante no Conselho e sucessor do cardeal Suenens.

Desde 1978 o Conselho presta um duplo serviço: por um lado, promove nacionalmente a comunicação e a cooperação entre os organismos da Renovação, e, por outro, serve de canal de comunicação e cooperação entre a Renovação internacional e a Santa Sé. Essa organização ficou conhecida como ICCRS, International Catholic Charismatic Renewal Service. O conhecimento e a experiência que o ICCRS obtém de todo o mundo são colocados a disposição da Renovação mundial. Quando o ICCRS oferece ensino, serviço pastoral, direção ou treinamento local, o faz como um servidor que presta ajuda, não como uma autoridade que espera obediência.

O ICCRS, em sua relação com grupos nacionais ou locais da Renovação Carismática, ressalta sempre que sua tarefa é de serviço. Tem, portanto, uma autoridade de serviço e autoridade moral. A relação entre o ICCRS e as organizações nacionais ou locais da Renovação de nenhuma maneira limita a relação com os bispos locais e nacionais. A relação com o ICCRS de nenhuma maneira limita a liberdade individual ou de grupos de se relacionar com a Santa Sé.

A Renovação nasceu sob o impulso do Espírito Santo. Não tendo nem fundador, nem fundadores, não é regida por estatutos, de validade geral e universal. Os grupos de Renovação nascem na Igreja e da Igreja e brotam por todas as partes com tal espontaneidade que causa admiração.

Isso explica a diversidade de indivíduos e de grupos, independentes uns dos outros. Seu crescimento não é homogêneo, nem pode sê-lo. Além disso, nos diferentes grupos se pode facilmente detectar diversos tons e características o mesmo que inclinações a variadas atividades. Os grupos de Renovação se relacionam entre si não pela integração a uma estrutura organizada, que chegaria em alguns casos a ser nociva, pois se correria o perigo de apagar autênticas iniciativas suscitadas pelo Espírito, mas sim pela ampla liberdade de associação, de diálogo, de amizade e de colaboração mútua, reconhecendo-se, contudo, irmãos no espírito pela participação numa mesma experiência fundamental e em mesmos objetivos gerais.

Essa diversidade se encontra em todos os níveis: internacional, nacional e diocesano. Mas essa diversidade pode ser, ao mesmo tempo, fonte de riqueza ou causa de rivalidades. É preciso muita habilidade a fim de encontrar os atalhos adequados para caminhar na unidade e na diversidade, seguindo as inspirações do Espírito. Da Renovação Carismática brotaram inumeráveis iniciativas de vida e de ação apostólica. Cada um sente que seu projeto se deve a uma verdadeira inspiração do Espírito de Deus.

Nessas circunstâncias se exige que os responsáveis pela Renovação no âmbito nacional, diocesano ou paroquial tenham consciência da diversidade. Os novos grupos, com características e iniciativas próprias, não podem ser entendidos como perda de pessoas que lhes escapam das mãos. Por outro lado, os grupos não podem viver isolados. Precisam recorrer ao Bispo do lugar para se dar a conhecer e apresentar sua identidade. Os agrupamentos não devem se esquecer de que nasceram da Renovação; não devem perder o privilégio que Deus deu à Renovação, qual seja o de viver um novo pentecostes, recebendo um batismo com o Espírito Santo ; devem compartilhar como irmãos com os demais membros da Renovação, mostrando essa comunhão de origem mediante a assistência aos eventos gerais da grande família renovada.

O esforço de se perpetuar nos cargos é considerado pela Renovação como praga, que tem como consequência o arrefecimento dos grupos que aos poucos vão perdendo o fogo, a capacidade de iniciativa e de busca, o ardor, o ar de juventude, a vida, dominados consciente ou inconscientemente pelo cansaço. É lógico que remédio mais eficaz para esse mal se encontra na fixação e no respeito a normas de um estatuto que defina o tempo para a mudança nos ministérios de cada comunidade carismática.

O documento do ICCRS afirma que a Renovação Carismática é um Movimento mundial. Com efeito, a partir de 1967, a Renovação se propagou como fogo sobre a palha pelos cinco continentes. É encontrada nos cantos mais distantes da terra, no Oriente como no Ocidente, no Norte como do Sul. Na saudação que Charles Whitehead, presidente do ICCRS, dirigiu ao Santo Padre, em setembro de 1993, mencionou a existência da Renovação Carismática em 125 países, com um total aproximado de sessenta milhões de participantes.

Atualmente a Renovação conta com um Escritório central com sede em Roma, que controla e rege muitos dos seus princípios. Existem também outros Escritórios carismáticos, um pertencente às Américas se localiza em Guadalajara, e no Brasil, um com sede nacional em Brasília. Em seguida, entram em ação outros Escritórios estaduais, regionais, arquidiocesanos, diocesanos, e por último o Grupo de Oração. É todo um sistema elaborado e planejado que está por trás de cada atitude dos carismáticos. Os coordenadores a nível de Escritório estadual permanecem no cargo por quatro anos e os responsáveis pelas dioceses, dois. A grande preocupação dos coordenadores e do movimento é o desenvolvimento de toda a Renovação que hoje conta com mais de cinco milhões de adeptos, só no Brasil.

Em se tratando de oração, os Carismáticos demonstram empenho e participação ativa. Nas orações referentes à cura, algumas pessoas atingem tal nível de aprofundamento que chegam a ficar em estado de inconsciência, ou seja, em êxtase. Tal fato é denominado pelos integrantes como capacidade de abertura e aceitação do Senhor. Várias curas são realizadas nesses momentos. Isso se deve talvez à capacidade de introspeccão muito forte de alguns participantes. A aceitação e a abertura para o Senhor é privilégio de uma minoria. Assim, o toque do Senhor temporal e localizado é contestado por alguns, mas aceito pela maioria que se refere a ele como causador de um estado de paz intensa. Mas esse toque se manifesta de várias formas: através de choro, riso, arrepio, entre outras. Convém lembrar, que a principal preocupação dos dirigentes carismáticos é que o fiel sinta em si mesmo, em seu corpo, o toque do Senhor.

Os carismáticos da Igreja da Vila Glória em Assis, São Paulo, se reúnem às sextas-feiras. Nas sextas-feiras ocorre o Encontro e na terças-feiras a Sessão de Curas e Orar em Línguas. Nos domingo, o Domingo de Louvor, que pode ser realizado ou não conforme a solicitação dos coordenadores.

Da atividade realizada às sextas-feiras participam todos os segmentos sociais que se simpatizam com o movimento, caracterizando-se como Encontro aberto ao público. Os participantes que foram tocados pelo Senhor são encaminhados para participar da "Experiência Espiritual" que supõe o pagamento de uma taxa relativa às despesas ocorridas nos três dias do evento. São transportados por ônibus fretado ou pelos próprios membros.

Nessa Experiência Espiritual, o objetivo principal é fazer com que o participante sinta a presença do Espírito Santo. O ato exige despreocupação com todos o afazeres mundanos e entrega total ao Senhor Jesus. Mesmo assim, a presença da divindade só pode ser sentida graças a máxima aceitação e abertura que nem todos conseguem.

Na Experiência Espiritual acontece um fenômeno definido como repouso no Espírito Santo. Desacreditado por alguns e muito defendido por outros, caracteriza-se como um desmaio brusco que pode deixar o indivíduo desacordado por um certo tempo. As variações são relativas ao tempo e a intensidade do repouso, que pode produzir gemidos em alguns devido ao grau de problemática espiritual e física. A sensação atribuída pela grande maioria ao repouso é de paz e tranquilidade serena que produz um estado fantástico de plena satisfação. Nem todas as pessoas caem ou repousam. Isso se deve ao maior ou menor grau de abertura e de entrega sem medo de se soltar nas mãos de Jesus.

Muitos adquirem o dom de línguas, ou seja, a capacidade de orar num diálogo entre homem e divindade. Criticado por diversos padres mais ortodoxos, mas defendido ardorosamente pelos Carismáticos, esse dom se apresenta como um marco importante no movimento. Às vezes, as orações em línguas são realizadas em grupo, experimentando-se nessas uniões um grau máximo de satisfação e uma sensação intensa de presença divina.

O participante tem a possibilidade de concervar o dom de línguas de acordo com a sua vontade. É exercitável. É preciso praticá-lo constantemente. Funciona segundo várias pessoas, como um automático, que às vezes, você aciona e de vez em quando ele aciona você, ou então é acionado através do Espírito Santo. Nem todos os indivíduos conseguem tê-lo, pois, os dons carismáticos são específicos, ou seja, cabe ao fiel conseguir obter alguns deles. Dentre os dons carismáticos (línguas, discernimento, interpretação, profecia, cura, fé, ciência), há um maior número de especificidades no dom de curas. Cada pessoa com esse dom é capaz de curar um determinado problema.

A Experiência Espiritual confere aos carismáticos a preparação para participar da Sessão de Curas e Orar em Línguas. Sem essa preparação não recebe o crachá para entrar na sessão. Os participantes são identificados pelos crachás que têm tamanho e cor diferentes, dependendo do tempo de permanência ativa nas sessões. O coordenador do grupo de oração explica que os crachás servem para orientação dos pregadores, que observando o tamanho e a cor dos crachás ficam sabendo se tem muita gente nova presente e adapam o discurso de acordo com essa percepção.

Outro ponto de discussão bastante explorado no Movimento Carismático é a questão das curas. Muitos foram curados, presenciaram curas e ouviram relatos sobre o assunto. Alguns atribuem o dom da cura a um potencial humano ainda não explorado e intensificado pelo Espírito Santo. Aquele que cura apenas concentra essa energia e a passa ao indivíduo que deseja ser curado. Explicam a maior parte das curas como sendo devidas a fatores psicossomáticos. Mas, há aqueles que não se contentam com essa explicação e ressaltam que para Deus nada é impossível . Dessa forma, curas consideradas impossíveis como câncer, AIDS, e uma série de outros males, podem ser realizadas graças a intervenção do poder Divino.

Há no Movimento Carismático uma valorização enorme das hóstias sagradas. A maioria acredita que elas são o Cristo vivo ali presente e operando milagres. Durante as orações de cura, todas as pessoas levantam as mãos na direção do sacrário, lugar onde ficam as hóstias, e clamam por curas. Os carismáticos se dirigem ao crucifixo em sinal de reverências, de respeito, e às hóstias sagradas em ato de adoração.

A Renovação Carismática se caracteriza por ser um movimento estruturado e muito bem organizado. Todos os contactos mantidos com os fiéis são antecipadamente discutidos entre os dirigentes. Quando acontece algum ato, reunião, encontro, ligados ao grupo carismático, é porque já houve uma reunião antecipada do Grupo de Oração. Este grupo é responsável pela realização de todos os atos. Cada ato e cada grupo tem sempre um coordenador.

Para participar do Grupo de Oração é necessário ser correto nas relações sociais fora de igreja, prestar serviços aos outros e ser assíduo no Movimento. Ser correto é não cometer pecados, principalmente os ligados a moral familiar, e prestar serviços é não medir esforços no trabalho do desenvolvimento da Renovação.

C) Um Modelo de conversão

O apelo central dos Cursilhos se encontra na hipótese de que as pessoas podem passar pela experiência de encontrar a Cristo, de senti-lo presente, de torná-lo uma entidade da vida quotidiana. Cristo dirige a história e lhe empresta significado. O Cursilho transforma o sobrenatural em um dado da experiência e da rotina dos seus seguidores. De modo semelhante a Renovação Carismática apela para a experiência do Espírito Santo. É preciso ser batizado no Espírito, deixar atuar livremente o Espírito Santo, receber os dons do Espírito Santo. O repouso no Espírito Santo é um dos principais objetivos do movimento. Esse repouso consiste numa espécie de desmaio que pode deixar o indivíduo desacordado por um certo tempo, produzir gemidos e outras manifestações físicas. A sensação do repouso é de paz e tranquilidade serena, um estado fantástico de plena satisfação.

Tanto os Cursilhos de Cristandade quanto a Renovação Carismática reduzem o problema da religião e da religiosidade a uma questão de sentimentos e emoções. O sobrenatural é palpável e causa modificações emocionais nas pessoas. Os sentimentos e as emoções ganham o estatuto de indicadores da existência e da presença da divindade. As pessoas aderem à proposta religiosa e se convertem porque sentem na própria carne a experiência do sobrenatural.

O motivo, a causa, o estímulo da conversão sofreu um processo de deslocamento. Passou do plano intelectual e do plano racional para o nível sentimental. Não são mais os argumentos, os discursos, os sermões que convertem as pessoas. Não é também o testemunho dos milagres que atesta a existência e a atuação da divindade. O que converte é o fato das pessoas apalparem, sentirem, se emocionarem com a divindade. É o sentimento e a emoção que atestam a sua realidade. Mais ainda essa forma de religiosidade faz as pessoas se concentrarem no presente. Não aderem à religião para conseguirem algum fim, a purificação do passado, a salvação eterna, o aperfeiçoamento dos indivíduos ou a santificação da sociedade. As pessoas se convertem para usufruir do presente, para experimentarem a presença do sobrenatural.

Esse aspecto irracional e individualista da conversão dos cursilhistas e dos carismáticos se correlaciona com as características fundamentais da moderna sociedade brasileira. Quanto maior, mais estrutura e mais abrangente se torna a sociedade mais espaço abre para o desenvolvimento do modelo de conversão sentimental e emotiva. As pessoas encontram nessa forma de religiosidade um meio de compensar as perdas sofridas na sociedade moderna, a individualidade, a subjetividade, a diversidade, a alteridade, o ramantismo, a poesia e a liberdade.


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