MUSEU, EDUCAÇÃO E ARQUEOLOGIA: PROSPECÇÕES ENTRE TEORIA E PRÁTICA.(1)

Elizabete Tamanini (2)

"Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

(O. de Andrade)

As questões que apresentaremos para reflexões integram ações desenvolvidas junto a projetos e programas de educação desenvolvidos no Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, lastreados em dez anos de estudo, bem como resultados de pesquisas desta temática.

Constatamos de perto que Arqueologia, Museu e preservação são temas absolutamente distantes do cotidiano escolar brasileiro. Todavia, tais questões deveriam compor o grande cenário curricular, pois historicamente estão intimamente relacionadas ao processo de humanização. Isto nos conduz a concordar com G. Kubler, quando diz que as únicas provas da história disponível em todo momento aos nossos sentidos são as coisas feitas pelo homem (BALLART, 1996:29). Assim, a partir da análise da cultura material pode-se discutir e estudar os processos de apreensão do conhecimento humano. Estas questões, gestoras da "inteligibilidade" do homo sapiens, problematizam em tese, a história e a herança cultural dessa espécie tão recente, e que para o pensador MICHEL FOUCAULT, "o homem ainda é um ser muito prematuro, pois entre sua sapiência e animalidade decorrem apenas 300 mil anos.

Desse modo, poderíamos conceber que a Educação trataria o conhecimento stricto sensu e latu senso dentro dos paradigmas da herança cultural acumulada. E, que os conteúdos abordados em seus famosos e ordenados currículos e programas fossem além da 'ciência morta'. "É através do mundo material que a criança, na escola, e os adultos, em geral, tomam contato com a ordenação social (...) Não lemos regras e nos tornamos membros do rebanho de alunos, na escola; são as estruturas materiais de controle, no edifício "Escola ", que nos transforma em rebanhos" (FUNARI, 1995:05). Por outro lado, MOLYNEAUX, (1994: 02), analisa esta problemática pontuando que, "apesar do que se pode ser conhecido empiricamente sobre um objeto, lugar, sociedade ou a pré-história, o passado material e o passado ideológico podem estar em conflito. A Educação convencional é particularmente vulnerável a disputas relativas à interpretação do passado em virtude de sua importância como ferramenta ideológica na sociedade". O ponto básico é que toda a argumentação da Educação pressupõe a existência de um passado. Isto é, a questão da herança cultural é aqui situada nas diferentes formas e proposições, pensamento e linguagem. PAULO FREIRE, In: SCHELLING (1991: 28) salienta que:

"...a possibilidade humana de existir- forma acrescida de ser- mais do que viver, faz do homem um ser eminentemente relacional. Estando nele, pode também, sair dele. Projetar-se. Discernir. Conhecer. É um ser aberto. Distingue o ontem do hoje. O aqui do ali. Essa transitividade do homem faz dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz dele um criador de cultura. A posição que ocupa na sua "circunstância' é uma posição dinâmica. Trava relações com ambas as faces de seu mundo- a natural, para o aparecimento de cujos entes o homem não contribui mas a que confere uma significação que varia ao longo da história e a cultural, cujos objetos são criação suas".

Assim, a memória social ou coletiva, evidenciada a partir dos registros, vestígios e fragmentos, considerados conceitualmente como bens culturais de uma dada sociedade, constitui-se em referencial da identidade cultural e instrumento mediador entre sujeito histórico e a cidadania.

No Brasil, país de pouca tradição democrática, a discussão acerca da Arqueologia relacionada a Educação e a preservação são temas bastante recente entre nós. Ademais que os mais elementares direitos a cidadania são relegados, neste caso, tais questões são as vezes encaradas como algo supérfluo e desnecessário frente às outras demandas da sociedade. No entanto, entendemos que o homem "produz cultura (CHAUI, 1990)" e por conseguinte tem o "direito de ter direitos nas mais diversas esferas da vida humana (ARENDT, 1997: 37).

Entretanto, vários são os fatores que têm contribuído para essa desintegração e desapropriação da herança cultural, tanto na área da ação dos museus como na área educacional e da ciência arqueológica. No campo institucional brasileiro, a Escola, originada pelo modelo ocidental, centrada na dependência econômica e cultural do Brasil, pautou sua atuação pela necessidade imperiosa de "passar conteúdo".

Assim, em detrimento de fornecer a sociedade os instrumentos com que pudessem se apropriar de seu meio natural e cultural, "interagindo com a realidade", o sistema educacional brasileiro, ao ensinar o aluno a decorar acriticamente fatos abstratos e a assimilar passivamente a cultura como símbolo de status, aliena-o da sua realidade. Exemplos desta ideologia estão identificados quase que unanimemente nas estruturas escolares brasileiras.

Todavia, hoje, com o avanço teórico-metodológico das Ciências Humanas, rompendo-se para tanto com limites disciplinares, questões desta natureza vem sendo pesquisadas com mais intensidade. Para NADAI, (1992/93: 149):

Ao longo dos tempos, a construção de "currículos de História no Brasil, centraram-se na idéia de nação resultante da colaboração de europeus, africanos e nativos identificada às similares européias. A Dominação social (interna) do branco colonizador sobre africanos e indígenas bem como a sujeição (externa) do país-colonia à metrópole não foram explicitadas".

O resultante, deste tipo de discurso reproduzido linearmente há décadas foi o estabelecimento de um Brasil abstrato e irreal. Neste sentido, aponta-se a influência dos livros didáticos para a legitimação de tais conceitos. Não cabe, aqui, analisar o que contêm os livros didáticos, uma das fontes mais utilizadas pela Escola na América Latina.(3) Contudo vale, salientar que estes, apresentam lacunas conceituais irreparáveis quanto à diversidade cultural. Pouco se discute a respeito da contribuição de outras ciências para o estudo da etnicidade. Tais livros contribuem para veicular representações ideológicas que acabam por reforçar o preconceito e a desinformação.

Conforme GERALDI (1997: 04), durante alguns anos absorvemos e consumimos de forma constrangedoramente acrítica, as formulações americanas, mas presunçosamente ignoramos os desenvolvimentos posteriores. Desse modo, ressaltamos o vanguardismo de Mário Andrade para a cultura e Paulo Freire para a Educação, quando buscavam a criação de políticas para a Educação e o patrimônio nacional, cuja reflexão partia da organização em sistema do que era plural, contigente disperso, alienado, excluído e fragmentário.

Entretanto, esta Instituição que há muitas e muitas décadas cuida do conteúdo, das normas e do funcional, polariza contradições análogas. Porém, sabemos, também, que a mesma está longe de problematizar estes universos, pois a diferenciação existente entre o estudo e a aplicação daquilo que é significativo para a construção da identidade e ou referencial do ser humano, fica restrito à lógica do poder do conteúdo dogmático do ensino. Desse entendimento, a construção e a reformulação de tais questões tem se reduzido a um conjunto de decisões técnicas supostamente "neutras". O grande risco que se corre, segundo ORTIZ (1985: 125) é que:

"...a direção para a qual aponta o desenvolvimento do capitalismo brasileiro nos leva a pensar que ação estatal e privada caminhariam no sentido da instauração de uma hegemonia cultural. As telenovelas, assim como o consumo de produtos distribuídos e financiados pelo Estado (incluindo a educação) contribuem para que as relações de poder se reproduzam no interior da própria cultura" ( grifo da autora ).

Porém, assim como a Educação tem sido efetivada a partir da seleção autoritária burocrática inadequada e imposta dos saberes, os museus de Arqueologia no Brasil ainda não incorporaram de forma transdisciplinar a inserção de outras análises do conhecimento humano. Em geral, os Arqueólogos desconhecem o potencial que possuiu a Museologia e a Educação no sentido de democratizar o conhecimento construído e de obter, através de diferentes sujeitos que a estes tem acesso, indicadores importantes não só para avaliar o produto elaborado como para encontrar novos problemas a serem investigados. Assim, a discussão da preservação nos museus (em nossa reflexão, os de Arqueologia), até o presente momento, têm se dado de forma imposta. A seleção dos bens preservados tem sido efetivada dando-se ênfase aos bens culturais produzidos pelas elites. Por outra parte, as contribuições advindas da ciência Arqueológica, no caso do Brasil até aproximadamente a década de 80, foram demasiadamente restritas ao mundo dos Arqueólogos, e com raras exceções se teorizou a respeito. "Sabe-se portanto, que a Arqueologia é muito mais do que aquilo que os arqueólogos fazem, manipular objetos, artefatos, depositá-los em museus e manipular o passado" passou a ser algo arbitrário ao processo de discussão da função social desta Ciência para a preservação. "A necessidade de pensar sobre os avanços em termos sociais e históricos, levando em consideração meios culturalmente específicos de olhar e conduta, tem transformado dramaticamente a concepção arqueológica do passado, tornando esta ciência mais relevante às relações contemporâneas". (MOLYNEAUX, 1994).

Por outro lado, temos nos últimos tempos, testemunhado alguns trabalhos de pesquisa em universidades e museus, buscando problematizar estas questões.4 FUNARI (1994), teoriza, afirmando que esses fatores ligados à compreensão da Arqueologia no Brasil são decorrentes do desenvolvimento histórico no país e da disciplina, e, também, devido o establisment arqueológico que controla, largamente, a matéria no país.

Na complexa relação Museu e sociedade, o museu tem sido visto enquanto guardião dos objetos produzidos por diferentes povos, em distintos períodos históricos. É também a idéia do museu como banco de dados, como um dos suportes da memória, como instituição científica, do museu como palco de ações educativas do museu cenário-exposição. Todavia, todo o museu, estando aberto ao público transmite uma mensagem, educa através do objeto a qualquer pessoa que nele entrar, seja qual for a sua classe social, sexo, idade, raça ou escolaridade (TAMANINI, 1994). Esta característica, coloca os museus dentro das instituições de educação permanente.

Em contrapartida, os museus, como herdeiros do elitismo cultural do século passado, do intelectualismo ocidental que o definiu e elegeu como templos do saber burguês, e, herdeiros de correntes escola novistas, fazem de seus objetivos acadêmicos a sua razão de ser. Afora esta visão elitista, a preservação tem sido realizada de forma saudosista, romântica, narrativa e exótica. Expõe, preserva-se algo que está relacionado a um passado distante e não à nossa realidade próxima, sendo o cidadão excluído do processo da preservação.

Na maioria das vezes, os museus atuam como inibidores das respostas colocadas através da dinâmica cultural, mantém o status-quo, mitificam o passado. Teoricamente, o museu apresenta para os seus distintos usuários, conhecimentos, conceitos, idéias, artefatos cronologicamente narrados (SHANKS & TILLEY, 1987) segundo uma aparente neutralidade, não importando se essa relação é puramente estética.

Há no entanto, reflexões conceituais significativas no campo das Ciências Humanas, tentando não cair nas armadilhas dos discursos e aparências, em muitos casos tão exóticas, quanto nossas heranças museológicas. E, quando falamos de novas perspectivas, não se entenda apenas o formalismo de mudanças administrativas e burocráticas.

Apesar dos descaminhos que circundam a trajetória dos museus brasileiros, há nesse processo iniciativas de origem e situações distintas. Instituições que têm levado a cabo problemáticas de preservação ambiental e cultural, assumindo em muitos casos, projetos de desenvolvimento sustentável.

Recentemente, a incorporação de objetivos que visam á participação comunitária nas instituições educativas e culturais tem sido uma constante. Por outro lado, para que a cultura e os anseios das grandes maiorias estejam devidamente incorporada nessas instituições, necessitamos de uma nova postura do Poder Público. Ações em preservação, pesquisa e Educação Patrimonial envolvendo currículos escolares, formação de educadores e a comunidade em geral serão imprescindíveis para a criação de uma cidadania plena, todavia isto não constitui tarefa fácil.

Vale ressaltar, que a valorização e estimulo à participação da sociedade na discussão sobre a preservação da herança cultural, não exime a responsabilidade do estado. Não deixar se trair pelos ventos do neoliberalismo, a luz do discurso da modernidade e das novas tecnologias, significa rever constantemente o complexo processo histórico e econômico em que o Brasil está inserido. Está na hora de o Brasil deixar de ser um país do futuro para ser um país do presente.

"... Essa cidade que não se elimina da cabeça é como uma armadura ou um retículo em cujos espaços cada um pode colocar as coisas que deseja recordar(...) entre cada noção e cada ponto do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades ou de contrastes que sirva de evocação da memória" (CALVINO: 1998:19).

A EXPERIÊNCIA: REFLEXÕES SOBRE OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA ARQUEOLOGIA EM UM MUSEU LOCAL.

Realizar, pois, uma análise sobre a função da Arqueologia, Educação e preservação nos museus brasileiros, é tatear, é buscar informações, juntando pedaço de um quebra-cabeças em processo de construção. No presente tópico, optamos por destacar, a experiência de um museu local no tratamento das questões acima colocadas.

No Brasil, e em Joinville em particular, as classes dominantes decidem o que deve ser lembrado e esquecido de acordo com seus desejos e interesses e não de acordo com a realidade histórica de cada grupo que constitui a sociedade. A questão da criação de um museu passa, quase sempre pela definição do que é patrimônio e qual a utilidade dele. Desnecessário comentar, que a preservação utiliza o mesmo paradigma.

Alguns dos antecedentes do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, encontram-se relacionados a "Coleção Arqueológica Guilherme Tiburtius" e na participação de um grupo de pessoas identificados como grupo étnico alemão, mais conhecidos na cidade como a comissão do Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville. Esta comissão, sui generis, vem desde o final dos anos 50 atuando na defesa do Patrimônio. Baseados em critérios étnicos e dentro de pressupostos elitistas este grupo contribuiu e contribui para a definição da legitimidade da preservação. E, dentre os museus e monumentos eleitos, a Coleção Arqueológica do Imigrante Alemão Guilherme Tiburtius serviu de suporte para que esta comissão também intercedesse junto ao poder público municipal na criação de um museu para abrigá-la (adquirida pela Prefeitura Municipal de Joinville), em 1963, através da lei Municipal no 620) e, em 1969 ele foi criado oficialmente.

O prédio foi construído com fins especificamente museológicos, e segundo alguns profissionais do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-MEC), 1969/1972 responsáveis por esta obra, o projeto contemplava a tendência da nova museologia americana.

Nasceu com a incumbência de fugir dos modelos até então existentes no Brasil. Incorporou o discurso de instituição dinâmica com base nas diretrizes da política cultural do regime militar. Para CHAUI (1990: 10), o discurso competente é uma forma de estabelecer uma crença na realidade em si, e para si, da sociedade. Este traço marcará praticamente todas as atividades desse período(1964/1985) em inúmeros órgãos culturais no Brasil.

Observou-se que essa tendência científica implantada nos discursos do MASJ, a partir de sua criação existe mas não se sedimentou suficientemente na prática, especialmente no que diz respeito à ciência Arqueológica. Prova-se isso pelo fato que somente em meados da década de noventa (após 20 anos) é que este Museu terá, em seu quadro técnico-cientifico-profissional, um Arqueólogo. Estas evidências, em parte, estão profundamente relacionadas ao modo de como a Arqueologia interage com as Instituições museológicas e o patrimônio público em si.

Por outro lado, a principal novidade introduzida por este Museu, na década de setenta, foi o atendimento educativo, vindo a ser uma das atividades suportes para esta Instituição. Experiências educativas pioneiras foram e estão sendo realizadas com uma certa regularidade, comprometendo-se especialmente com informações acerca da ocupação Pré-colonial na região e com a preservação. Coloca-se como um dos museus no Brasil que conseguiu qualificar o processo educativo. O que possibilita reflexões a respeito da utilidade de um museu na atualidade. Pontua-se também, que o despontar para as atividades educativas foi uma maneira de este museu compensar a falta de profissionais e pesquisas em outras áreas.

Outro fator importante, para avaliarmos a ausência de pesquisas sistemáticas, deve-se ao fato de ser um museu público municipal, com isso, afastado dos grandes centros de produção acadêmica, muito embora um dos idealizadores desta instituição, o museólogo do IPHAN-MEC, Alfredo Teodoro Russins (1972), tenha afirmado que este museu estaria livre para crescer pois não teria que vivenciar a burocracia das academias, visto que era o grande problema do marasmo em que se encontravam os museus.

O Antropólogo Físico Walter Neves (USP), ao iniciar pesquisas no acervo desse Museu na década de oitenta, destacou a preciosa estrutura do mesmo, colocando a importância desses aspectos como ponto significativo na estruturação de instituições Museológicas e Arqueológicas no Brasil. Por outro lado, observando o acervo existente e o resultado das pesquisas na Arqueologia e áreas afins, até então realizadas no sul do Brasil, percebeu a fragilidade do Museu.

Ao terminar sua tese doutorado, em 1984, Neves propõe um programa amplo de restauração, cura e organização das coleções Antropológicas e Arqueológicas no Sul do país. Segundo Neves, isto se deve, primeiramente, ao próprio compromisso das instituições com a manutenção do acervo arqueológico nacional e, em segundo, por ser um trabalho de base, pré-requisito para qualquer análise futura.

A vinda deste pesquisador para o museu e posteriormente a participação da Museóloga Maria Cristina Bruno, foi indispensável, delimitando um novo momento para esta Instituição. Foram esses pesquisadores que instituíram a pesquisa no próprio acervo, dando inicio à sistematização e à organização da pesquisa científica na área de Antropologia Física e da Museologia. Além da publicação das pesquisas realizadas e a criação de exposições, Neves e Bruno contribuíram inicialmente para prover a esta Instituição de pessoal treinado no tratamento do material ósseo e, em segundo lugar, introduziram discussões sobre a necessidade de sistematização de projetos educativos, mediante a criação de exposições que considerassem a relação homem e objeto, transformando o visitante em público potencial de museu.

Segundo BRUNO (1991:38), o MASJ destaca-se no panorama de museu arqueológico no Brasil, pois teve um papel pioneiro desde sua criação, e tem conseguido manter, evidentemente com muito esforço, o difícil equilíbrio entre o aprimoramento do conhecimento de seu objeto de estudo e a conquista do público a partir de sua atuação, ou seja: o exercício teórico e prático da Museologia.

Todavia, a ausência de pesquisas especialmente com o acervo já existente no Museu, fruto de Coleção e também de pesquisas de profissionais da Arqueologia que não priorizam a socialização de seus resultados, juntamente com o acervo imóvel, sítios arqueológicos, considerando as discussões pertinentes ao significado social da preservação; tem dificultado a elaboração de novas exposições, projetos que transcendam as vitrines e apoio ao ensino formal. Estes fatores também acarretam descontinuidade das propostas entre os demais Programas do Museu. Contudo, deixando de acontecer, o que é prioritário em uma instituição científica, a divulgação e a socialização do saber como um patrimônio coletivo. Segundo BRUNO (1997: 50) "Refletir sobre os museus e suas distintas inserções sociais significa, também, tocar nas questões que são esquecidas, no imenso universo dos valores que são excluídos, na partilha dos sentidos e significados e na eficácia da amnésia cultural".

RECONSTRUINDO O DISCURSO

"A cultura pública no Brasil sofre de uma esquizofrenia museológica. Enquanto se investe em obras novas e se injeta recursos em instituições privadas, perde-se o contato com a própria realidade: deixam-se museus em estado precário e estáticos"(Jornal Folha de São Paulo, 05/09/94). Com todos os percalços de uma instituição pública brasileira, contemplando o texto acima citado, aos poucos, o MASJ, está se constituindo em marco gerador de experiências sistematizadas. Informatização, programas de pesquisa, incluindo a preservação como um dos temas geradores, bem como programas de Educação Patrimonial, fazem parte das inúmeras ações em andamento.

Mais recentemente, o Programa de Comunicação Museológica, definiu critérios teóricos que congregam ações voltadas a promover o desenvolvimento de projetos educativo-culturais interdisciplinares, sistemáticos, com metodologia da Educação Patrimonial para o tratamento do patrimônio arqueológico e cultural. Aliado a estas premissas, objetiva-se também discutir e apresentar questões relacionadas ao modo de se utilizar o Museu enquanto espaço de educação e produção de conhecimento científico.

As propostas metodológicas de intervenção patrimonial estão privilegiando a relação para a apropriação do patrimônio arqueológico pela comunidade próxima a estes espaços. A partir de avaliações dos processos educativos já desenvolvidos neste Museu e em especial, através de reflexões pertinentes a utilização da metodologia da Educação patrimonial, a atuação está se voltando para a identificação das expectativas da sociedade em relação a preservação. Procura-se compreender quais são os signos urbanos construídos pela mesma e quais são as relações simbólicas (praça, monumentos, festas populares, igrejas, escolas, elementos naturais etc.) presente nestes contextos (OLIVEIRA, M. S.C & TAMANINI, E., 1997). Aliando-se nesta construção filosófica à outras instituições, escolas, igrejas, associação de moradores e outros.

Pode-se avaliar que à medida que o museu, com todos as contradições frutos do processo institucional, sistematizou programas e metodologias, ele caminha com maior densidade em relação às avaliações acerca do envolvimento da sociedade com o patrimônio. Por outro denota-se que a problemática teórico-metodológica nos museus de Arqueologia tem preocupado muito raramente os Arqueólogos.

Desse modo, podemos refletir, segundo RUSSIO (1979: 2) que: "... o sujeito e o objeto do museu são sempre o homem e seu ambiente, o homem e sua história, o homem e suas idéias e esperanças. Em efeito, o homem e sua vida são sempre as bases do museu, o que significa que os métodos usados em museologia são essencialmente interdisciplinares, pois o estudo do homem, da natureza e da vida depende de uma variedade de conhecimento e domínios científicos". Denota-se que, a partir de reflexões e produções regionalizadas, coloca-se o Museu e suas distintas interfaces (Arqueologia, Educação), frente a dramas e problemas que correspondem a sua responsabilidade oficial frente ao Patrimônio Arqueológico brasileiro. E ainda, vale resgatar a antiga reflexão que talvez para muitos já tenha saído de moda. Como se aproximar efetivamente da sociedade, das diferentes culturas e realidades, intercalando a produção, divulgação e socialização das experiências humanas?

No entanto, ainda criamos e sonhamos a luz de experiências em saídas estratégicas, conforme apontamos no texto, resta-nos analisar sob a ótica desses novos olhares se a construção ainda é possível. Como diz ARENDT (1997), "a Educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável, não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A Educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos e tampouco arrancar das suas mãos a oportunidade de compreender alguma coisa nova e imprevista para nós; preparando-as, em vez disso, com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum".

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos colegas e profissionais do MASJ, que trocaram idéias e ajudaram-me de diversas maneiras. ao Prof. Pedro Paulo A. Funari pelas reflexões e orientação acadêmica ao longo desses anos, a Prof.a Maria Cristina Bruno pela insistência na qualificação dos museus públicos, a Universidade Estadual de Campinas/Faculdade de Educação/UNICAMP. As idéias expressas são minhas e eu sou a única responsável por elas.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 Este Artigo integra reflexões pertinentes a pesquisa de doutorado em andamento: "História Revisitada: A Imigração no Sul do Brasil sob o olhar da Cultura material- (O Caso Museu Nacional de Imigração e Colonização/Joinville).

2 Doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas-Unicamp. Coordenadora do Programa de Comunicação Museológica do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville-SC.

3 Sobre reflexões acerca da Pré-história no Ensino de 1° grau, ver Vasconcellos C. de Mello. In: Seminário para implantação da temática Pré-história Brasileira. Museu Nacional, 1994. Para um estudo regionalizado desta problemática, ver projeto de Iniciação Científica de Souza, Flávio, C.A. O livro didático e a questão da ocupação pré-colonial no litoral norte catarinense. Joinville: UNIVILLE/MASJ, 1997-1999. Ver Funari,P.P. A Teoria Arqueológica na américa do Sul. UNICAMP/IFCH/Primeira Versão n.º 76, set/98.

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