Perspectivas del Turismo Cultural II
La gestión del turismo y sus problemáticas desde visiones sociales

MUSEUS, CULTURA POPULAR E TURISMO CULTURAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: Algumas Reflexões

Maria Alcina Quintela

Guia de Turismo Regional e Nacional – EMBRATUR 74573004734

 Professora de Geografia da Rede Estadual de Ensino, Estado do Rio de Janeiro

1-Introdução:

            A vocação turística da cidade do Rio de Janeiro é sempre balizada por seus atrativos naturais.  A tradicional imagem de cidade comprimida entre o mar e a montanha, com lindas praias e igualmente sedutoras mulheres foi cristalizada dentro e fora do país.

 A Praia de Copacabana, o Pão de Açúcar e o Corcovado são ícones que referenciam o imaginário imediatamente à cidade do Rio de Janeiro, na escala nacional, e/ou a todo o Brasil, na escala internacional.

Ressaltada a importância dos atrativos naturais da cidade como catalisadores dos fluxos turísticos, tanto internos quanto externos, e dada à situação tropical do território brasileiro, onde não ocorrem grandes diferenças entre as estações do ano, como se explica então a concentração desses fluxos em dois períodos muito nítidos ao longo do ano: o Reveillon e o Carnaval?

A ocorrência de tais festas, representações simbólicas e cíclicas da cultura popular, demarcando cronologicamente a alta temporada turística na cidade, é fundamental na decisão pela viagem. Isto porque nesses dois períodos se pode aproveitar para conjugar ao máximo os aspectos naturais permanentes que a cidade sempre oferece e também seus aspectos culturais, que nesses períodos específicos se exaltam.

Neste sentido, nosso objetivo aqui não é contrapor natureza e cultura, ecoturismo e turismo cultural ou discutir qual deles é mais importante para a cidade do Rio de Janeiro, ou ainda se o Reveillon e o Carnaval atualmente vendidos aos turistas são ainda exemplos autênticos de cultura popular...  O objetivo é discutir a questão do turismo cultural na cidade do Rio de Janeiro fora desses dois momentos ideais de junção, no tempo e no espaço, das expectativas dos turistas sobre a cidade.

2 – Turismo, Cultura e Turismo Cultural

            Segundo Fenandez e Haulot (1977), a palavra tour é possivelmente de origem hebraica.  Ela aparece no Livro dos Números (Cap. 12, vers. 17), na passagem em que Moisés envia um grupo de representantes a Canaã para conseguir informações sobre aquele lugar, significando “viagem de descoberta”.

Por sua vez, a atividade turística foi criada pelos ingleses no século XIX, como alternativa de descanso longe da agitação das cidades.  Nos meados desse século, cerca de 85% da população inglesa já era urbana e os moradores das cidades sonhavam com uma casa no campo, cercada de flores e de tranqüilidade.  Fazer turismo significava excursionar para o campo ou para a praia, como forma de descansar e escapar do corre-corre das grandes cidades.

            Mas isso não era para qualquer um.  Os nobres, por exemplo, que dispunham de mais tempo livre, tinham seus locais e períodos preferidos.  Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da indústria naval permitiu que os turistas europeus ganhassem os mares.  Suntuosos navios passaram a cruzar o Mediterrâneo e o Atlântico em grandes tours à África e à América.

            Nas primeiras décadas do século XX, com a aprovação de leis que criaram as férias remuneradas, um maior número de europeus passou a viajar.

            Atualmente, o turismo está entre as atividades econômicas que mais cresceram desde o final da Segunda Guerra Mundial.  O turismo, nos anos 90, segundo a WTO (2001), foi um mercado que movimentou em nível mundial cerca de US$ 3,5 trilhões, representando 5,5 % do PIB mundial  e empregando mais de 130 milhões de pessoas em atividades direta ou indiretamente ligadas ao turismo visando atender a um fluxo  médio de 600 milhões de turistas que circulam pelo mundo anualmente.

Os principais pólos do turismo internacional são os países europeus e os Estados Unidos, que registram 75% do total de saídas e chegadas de turistas que circulam entre os países.  As populações da Europa e dos Estados Unidos, de poder aquisitivo mais elevado, são as que mais viajam.  Os europeus destacam-se nas estatísticas internacionais pelo grande movimento turístico entre os países do próprio continente.  O número de turistas que entra e sai do continente também é o maior do mundo.  Isso porque as cidades européias apresentam uma grande variedade de estilos arquitetônicos, museus, jardins, parques, praças e monumentos históricos, que constituem fortes atrativos turísticos culturais.

Por sua vez, segundo Santos (1987), pouco termos ou expressões apresentam tantas definições e significados quanto cultura. Do latim colere, “cultivar”, o termo adquiriu, na sua acepção mais ampla, o significado de obra humana.  No sentido mais restrito, diz respeito às manifestações artísticas (como a pintura e o teatro), às festas, lendas e crenças tradicionais e até mesmo à ilustração e formação escolar de uma pessoa.  Nesse último caso, considera-se cultura o acúmulo de conhecimentos que têm prestígio no mundo moderno.

O significado de cultura começou a preocupar os homens – em especial, os ocidentais – quando, por meio da expansão marítimo-comercial do século XVI, verificaram-se grandes diferenças entre os grupos humanos dos vários continentes.  A idéia de cultura ganhou, então, o seu sentido mais rigoroso e antropológico, relacionado a aspectos do modo de vida de um grupo, sociedade, povo ou nação. 

Dentro de uma conceituação ampla e abrangente de cultura, entendida como todo sistema interdependente de atividades humanas na sua dinâmica, deve-se considerar os bens móveis e imóveis impregnados de valor histórico e/ou artísticos, mas também toda uma gama importantíssima de comportamentos, de fazeres, de formas de percepção inseridos na dinâmica do cotidiano.  Cultura, portanto, segundo Funarte (1983):

            “ é vista como o processo global em que não se separam as condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem, em que não se deve privilegiar o produto – habitação, templo, artefato, dança, canto, palavra – em detrimento das condições históricas, sócio-econômicas, étnicas e do espaço ecológico em que tal produto se encontra inserido e principalmente do homem, seu gerador. Nesse processo, destacam-se alguns bens culturais – aqueles fortemente impregnados de valor simbólico e continuamente reiterados – ao lado de outros, manifestações em processo que se constituem em evidências da dinâmica cultural.  E é na interação entre os contextos que elegem e desenvolvem esses bens que se instaura a tensão criadora que impulsiona o processo cultural.”

Apesar do esforço dos povos para manter seus traços culturais originais, nas chamadas sociedades modernas a dimensão cultural mudou de significado e sofreu interferências de outras fontes, particularmente no século XX.  No mundo moderno capitalista pôde disseminar-se certo tipo de cultura, não mais produzida espontaneamente pelo corpo social, mas elaborada conforme critérios de mercado.  Falamos no estabelecimento de uma industria cultural.  Não se trata, segundo Coelho (1988), de uma indústria convencional, mas da elaboração em massa de produtos culturais.  Desse modo, transforma os homens em meros consumidores de produtos “culturais” – que não foram produzidos por eles – e determina o próprio consumo.

Ao mesmo tempo, a partir da década de 1960, começa a tomar forma o turismo de massa, tal como o conhecemos hoje.  Com ele, os turistas transformam-se em consumidores de “pacotes” vendidos por agências de viagem.  Passagens aéreas, refeições, hotéis, ingressos de shows e de museus, tudo passou a ser minuciosamente planejado e comprado com antecedência.

O turismo generalizou-se nas sociedades modernas como um serviço de consumo, pois é uma mercadoria como outra qualquer.  Só que o bem a ser consumido é o lugar a ser visitado, sua natureza, seu povo e sua cultura diferente.

O forte crescimento da atividade turística, principalmente em nível internacional, foi possível graças à evolução dos meios de transporte, que diminuiu o tempo das viagens, e dos meios de comunicação, que agilizou o contato entre as diversas regiões do mundo permitindo às pessoas tomarem conhecimento de muitos países, despertando nelas o desejo de conhecê-los.

O patrimônio natural e cultural, a diversidade e as culturas vivas constituem os maiores atrativos turísticos, entretanto como alerta o ICOMOS (2001), na Carta Internacional sobre Turismo Cultural:

                       

          “ El turismo excesivo o mal gestionado con cortedad de miras, así como el turismo considerado como simple crecimiento, pueden poner en peligro la naturaleza física del patrimonio natural y cultural, su integridad y sus características identificativas. El entorno ecológico, la cultura y los estilos de vida de las comunidades anfitrionas, se pueden degradar al mismo tiempo que la propia experiencias del visitantes.

            El turismo debería aportar beneficios a la comunidad anfitriona y proporcionar importantes medios y motivaciones para cuidar y mantener su patrimonio y sus tradiciones vivas. Con el compromiso y la cooperación entre los representantes locales y/o de las comunidades indígenas, los conservacionistas, los operadores turísticos, los propietarios, los responsables políticos, los responsables de elaborar planes nacionales de desarrollo y los gestores de los sitios, se puede llegar a una industria sostenible del Turismo y aumentar la protección sobre los recursos del patrimonio en beneficio de las futuras generaciones.”

Nesse sentido, o tema da cultura e do turismo cultural tem no Brasil grande relevância, uma vez que a diversidade cultural está na base das ações e manifestações individuais e coletivas do nosso cotidiano. Ou como diz Nepomuceno (1998):

“No emaranhado da formação da cultura brasileira - vale dizer, da identidade brasileira, soma de muitas identidades isoladas - existem fortes raízes indígenas, africanas, européias, e mais recentemente árabes e asiáticas. Elas, em seu conjunto, fizeram de nós um povo que soube reunir muitas vozes, muitas faces, muitas cores, numa só alma. E é essa a alma que os brasileiros expressam através de sua arte, de sua cultura. Na América Latina, creio que somente outros dois países - México e Cuba - apresentam uma diversidade cultural de raízes tão ampla e profunda como a do Brasil.

                        O Brasil nasce, então, dessa diversidade, dessa cultura múltipla, e dela construiu sua identidade. As expressões de nossa cultura mostram que pode - e deve - existir uma variedade enorme de linguagens para descrever um mundo capaz de ser, ao mesmo tempo, único e múltiplo.  Nosso país é um exemplo claro e inegável desse mundo.”

Essa diversidade provém principalmente da constituição histórica da população, resultante da soma de contingentes originários de várias partes do planeta à população nativa, anterior à colonização européia.  Outros fatores de diversidade cultural são as diferenças entre as regiões, entre os mundos urbano e rural, e entre classes e grupos sociais. Assim, como propõe Nepomuceno (op cit):

“Partindo dessa diversidade, dessa cultura múltipla, o povo brasileiro sempre soube renovar sua expressão, com grande agilidade e em alta velocidade, sem jamais perder suas tantas raízes. E o resultado é termos hoje, como sempre, uma cultura aberta, que recebe e assimila influências sem perder em nenhum momento seu eixo, seu tônus vital. Essa enorme capacidade de assimilação faz com que em nossa cultura exista uma forma pessoal, digamos assim, de se expressar. Recebemos as influências, as elaboramos, e logo as devolvemos. Exemplifico: o barroco brasileiro. Trata-se talvez da primeira expressão de uma arte brasileira, considerando-se como ponto de partida (para o "brasileira" em questão) a chegada dos portugueses há cinco séculos.

0 Brasil tem uma cultura de fortes e profundas raízes populares, que convive e muitas vezes interage com uma cultura que os estudiosos chamam de "superior", mais sofisticada - ao menos, em teoria. Mas é importante recordar que mesmo esta cultura guarda uma forte e nítida influência das raízes populares das quais está impregnada. Basta observar a literatura de João Guimarães Rosa, ou a música de Heitor Villa-Lobos, para ficarmos em duas obviedades. São expressões de uma arte altamente elaborada, mas que em nenhum momento deixa de mostrar um mergulho profundo na alma do Brasil - ou seja, em suas raízes mais autênticas. Dentro da expressão das artes normalmente classificada como "popular" os exemplos de alta sofisticação, elaboração e refinamento também são comuns. É só observar a música de Pixinguinha ou de Ernesto Nazareth, para uma vez mais ficarmos em apenas dois exemplos.”

Portanto, apesar da homogeneidade cultural cada vez mais acentuada, fruto do intenso  processo de globalização, e, diante do grande perigo da imposição de um só modelo cultural, diante do auge das propostas de massificação, de uniformização das expressões artísticas, o que surge, reforçada e espontânea, é a reafirmação das identidades culturais dos povos. É como se, para participar de algo coletivo, se fortalecesse o individual. 0 antídoto que é, ao mesmo tempo, impulso. Nesse sentido, somos obrigados a concordar com Pitte (1995):

“Aos hábitos cotidianos de todos os habitantes do planeta, ricos ou pobres, parecem impor-se a Coca-Cola, o Mac Donald’s, o jeans, o rock, a boneca Barbie, com eles, o inglês, como a língua da comunicação universal.  Mas seja na Irlanda, em Québec, entre os porto-riquenhos dos Estados Unidos ou entre os maori da Nova Zelândia ainda são mantidos certos signos culturais diferenciadores.”

            Onde se localizam, como são tratados, apresentados e “vendidos” esses signos culturais diferenciadores aos turistas na cidade do Rio de Janeiro, fora do período do Reveillon e do Carnaval, é a nossa questão.

3 - Museus, Cultura Popular, Museus de Cultura Popular e Turismo Cultural na cidade do Rio de Janeiro

            Segundo Machado (1998), os primeiros museus, concebidos e criados pelos poderosos da época (colecionadores, grandes senhores e soberanos), tinham como inspiração reunir o maior número possível de objetos e obras raras, curiosas, e ricas e memoráveis e, por intermédio destes, reafirmar seu poder. Criado pelos reis da França, para deleite dos nobres da corte, o Louvre foi a primeira instituição designada como Museu.

Durante muito tempo os museus voltaram-se, quase que exclusivamente, para a preservação do passado, dos interesses e da memória das classes dominantes.

A concepção e a atuação dos museus só começaram a mudar nas primeiras décadas do século XX. O mundo vinha passando por grandes transformações desde a Revolução Industrial, em meados do século dezenove.

Embora os museus tenham origem em séculos passados, os testemunhos da cultura popular ou as expressões de folclore comumente referidas vão constituir-se, enquanto coleções etnográficas, em tempo relativamente recente da história da museologia.  Surgidos no século XIX, em especial nos países nórdicos europeus, Dinamarca (1807), Noruega (1828), Finlândia (1849) e Suécia (1891), os museus de cultura popular são instituições cuja origem se prende ao ideário romântico e aos movimentos nacionalistas que, valorizando as diferenças entre as nações e suas particularidades, consagravam o povo como objeto de interesse intelectual.

O atual conceito de museus, mundialmente aceito, foi elaborado na década de 70 pelo ICOM – Conselho Internacional de Museus – organismo ligado à UNESCO, que trata dos museus:

“O museu é uma instituição permanente, aberta ao público, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, que adquire, conserva, pesquisa, expõe e divulga as evidências materiais e os bens representativos do homem e da natureza, com a finalidade de promover o conhecimento, a educação e o lazer.” (ICOM, 2001)

No caso brasileiro, segundo Abreu (1996), a história dos museus apresenta três linhas de ação que merecem ser destacadas:

“ a fundação de museus voltados para a conservação de objetos evocativos da história nacional (que se iniciou em 1922 com a fundação do Museu Histórico Nacional), a disseminação da idéia de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional (cujo marco foi a fundação do SPHAN, em 1937) e, por fim, a “descoberta do povo” que teve grande impulso com o movimento de defesa do folclore nacional na década de 40.”

Se, de um lado, o Museu Histórico Nacional representava a consciência nacional na linha do tempo como uma obra das elites, por outro lado, seria necessária uma instituição que objetificasse a singularidade nacional, que contivesse as manifestações tradicionais ou espontâneas do povo.

Segundo essa concepção, a nação era constituída por dois segmentos: as elites e o povo.  A História do Brasil era uma construção das elites, mas a fonte de singularidade nacional estaria nas manifestações e nas tradições populares. Configura-se então uma visão dicotômica da cultura nacional: a cultura das elites (essencialmente histórica, marcada pelas idéias de progresso e civilização) e a cultura do povo (essencialmente folclórica, marcada pelas idéias de tradição e primitivismo):

“a cultura nacional emergia assim como uma hidra de duas cabeças.  De um lado, os objetos testemunhos de uma marcha evolutiva do país em direção ao progresso e à civilização.  De outro lado, os objetos-testemunhos da singularidade nacional, onde a especificidade irredutível da nação era materializada nas manifestações culturais mais primitivas e puras (quase naturais).” (Abreu, op. cit.)

Portanto, os museus podem ser adequadamente considerados como uma das 'agências de socialização', entendida a socialização como o processo pelo qual as pessoas são introduzidas na cultura da sociedade.

 Nesse sentido observam-se mudanças significativas de diretrizes e metas, que determinam a ênfase em determinadas áreas de ação, motivadas pela própria demanda social em relação a essas instituições, e por uma nova consciência da relevância e do papel dos museus no serviço das comunidades em que se situam.

Da ênfase no 'objeto cultural' passou-se à ênfase no "sujeito da cultura", no indivíduo, nos grupos particulares, nas comunidades, no público de diferentes segmentos e origens. As atividades, programas e projetos vêm sendo direcionados, em seus objetivos finais, ao interesse da clientela dos museus, em suas diferentes especificidades.

Em decorrência dessa mudança, verificaram-se nítidas alterações no conceito de museografia, com resultados concretos: renovação permanente das antigas exposições e instalações museográficas, preocupação com a 'linguagem' das exposições e demais mensagens oferecidas ao público, maior profissionalismo e habilitação técnica/tecnológica, maior preocupação em atender as exigências de um público que cada vez mais requer qualidade e respeito.

Ocorre, no entanto, no mundo de hoje, que a mais importante agência de socialização é a mídia eletrônica. Diante dela, pouco podem os museus. 

 Assim, ainda segundo Machado, (op. cit.):

“Tentando reagir a essa marginalização, alguns museus cometem grandes exageros no seu afã de modernizar-se a todo custo. Além disso, correm o risco de perder a sua própria identidade, acabando por dissolver-se na geléia geral da indústria cultural. Museus não podem ser supermercados culturais. Museus não podem fazer "qualquer coisa" para atrair público.”

Neste sentido também aponta Bloch (2001), quando destaca o público numeroso atraído pela exposição temporária “Motocicleta: história e design” do Museu Histórico Nacional, na cidade do Rio de Janeiro,  contrapondo-o ao total abandono das melhores mostras que ocorriam no mesmo período em outros museus desta cidade:

“(...) de maio (quando as motos chegaram) a julho, público de 64 mil visitantes, contra um total de 15 mil em março e abril, quando apenas o acervo permanente estava disponível.

            Uma espiada no panorama internacional mostra que em países com grande movimento museológico, como a França e os EUA, o processo se inverte: muito embora as grandes exposições temporárias façam parte das atrações, os acervos permanentes são os grandes chamarizes.  Em 1995, por exemplo, o Louvre, com seus Rembrandts, sua “Monalisa” e suas múmias, contabilizou 4 milhões de visitantes, dos quais apenas 75 mil interessaram-se pelas exposições temporárias.

            Em grande parte isto se deve ao fluxo turístico: em 1997, os 1200 museus oficiais franceses receberam 65 milhões de visitantes (aproximadamente a população da França!).  Um terço desse volume – 22 milhões – foi de turistas estrangeiros.  No Brasil, a Embratur solta fogos quando o país atinge a marca de 5 milhões de visitantes.  E olha que o Brasil não é museu.

            O MAM argumenta que seus folhetos chegam aos hotéis.  Mas alguém consegue enxergar nossos recepcionistas hoteleiros estimulando argentinos, franceses e americanos ávidos por sol e samba a experimentarem o corredor cultural, sem falar no pífio fluxo turístico deste Brasil?”

            A pergunta final contém em si mesma algumas pistas para resposta:

- o fato dos turistas estrangeiros e também os nacionais na cidade do Rio de Janeiro serem “ávidos por sol e samba” é um reflexo da imagem construída e cada vez mais cristalizada no contexto nacional e internacional, pelo fato de priorizar esse tipo de atrativo turístico.

 Uma rápida pesquisa dos roteiros turísticos oferecidos pelas principais companhias operadoras de turismo receptivo na cidade do Rio de Janeiro demonstra que nenhum deles, nem mesmo os qualificados como “históricos”, inclui uma visita a qualquer museu da cidade.  O único contemplado é o Museu Imperial, quando o turista decide por um passeio opcional à cidade vizinha de Petrópolis;

-  ao juntar “sol e samba” e contrapô-los ao “corredor cultural”, parece que se quer dar ao samba um caráter “natural”, como se fosse ele mais um atrativo da exuberante paisagem carioca, tal como a praia, a montanha, a floresta.  Na verdade se esquece que o samba é ele próprio um rico produto cultural, resultado da evolução da cultura popular urbana tipicamente carioca.

            Essa “naturalização” da cultura popular acaba por promover sua oposição à suposta “cultura erudita” (aquela dos museus) e daí seu pequeno apelo junto aos turistas, cujo principal objetivo é conhecer a cultura do povo.

           

            Entretanto, esse objetivo pode ser buscado em duas instituições, entre outras da cidade do Rio de Janeiro, pouco lembradas pelos “pacotes turísticos” tradicionais: o Museu do Folclore e a Casa do Pontal, cujos acervos dedicam-se à cultura popular como experiência vivida coletivamente por grupos sociais de maneira profunda e participante, ativa.  O objetivo a seguir é comparar as duas instituições no que se refere às condições específicas de cada um que interessam ao desenvolvimento do turismo cultural.

            Museu do Folclore Edison Carneiro

Histórico: Foi criado em 1968 pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e seu nome homenageia o folclorista baiano Edison Carneiro.  Está ligado ao Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), à Fundação Nacional da Arte (Funarte) e ao Ministério da Cultura (Minc).

Localização, Acessibilidade e Funcionamento: Desde 1984 o museu encontra-se instalado no sobrado nº 181 da Rua do Catete, exatamente em frente à estação do metrô no bairro de mesmo nome e a um ponto de ônibus das linhas que demandam ao centro da cidade, o que lhe confere excelente condições de acessibilidade a todas as camadas de público.  É gratuito e funciona de terça a sexta-feira, de 11:00 às 18:00 horas, e sábados, domingos e feriados, de 15:00 às 18:00 horas. 

Espaço Físico, Adaptações e Disposição dos Objetos:  Ocupa dois casarões que integram o conjunto arquitetônico da Rua do Catete, tombado pelo SPHAN.  A compra e restauração do sobrado de número 179 expandiu o espaço para 1500 metros quadrados de área construída.  Entretanto, não existem espaços abertos, nem incorporação da luz natural. O tom escuro de todos os ambientes é ainda reforçado por uma iluminação deficiente que contribui para uma certa atmosfera lúgubre e claustrofóbica que se observa em vários ambientes.  Não se observam adaptações do espaço físico do museu para pessoas portadoras de deficiência ou com dificuldades de locomoção, sendo a exposição disposta em 3 andares cujo acesso é feito unicamente através de escadas.    As peças são expostas em bases, sem vitrines que coloquem uma barreira entre a obra e o público.  Entretanto essa disposição, se por um lado permite maior proximidade com o público observador, por outro, exige a presença constante de vigilantes garantindo a segurança das peças, isso  acaba por constituir um fator inibidor e uma “barreira” entre a obra e o público, talvez ainda mais forte que a própria vitrine.

Exposição Permanente:. Divide-se nas seguintes unidades temáticas: Vida, Técnica, Religião, Festa e Arte representadas através de mais de mil objetos, dispostos em três andares do prédio.

Público: De acordo com dados do Museu do Folclore apenas 5 % dos visitantes são estrangeiros.  Segundo Heye (1996) após analisar o livro de opiniões dos visitantes do museu:

“As opiniões dos visitantes estrangeiros podem ser resumidas em: elogios à diversidade da cultura brasileira e à beleza da exposição, espanto diante do espaço reduzido, promessas de voltar e de divulgar entre os amigos quando chegar em casa.

Mas nenhum dos estrangeiros registra o que impressionou 33 visitantes brasileiros: a organização, limpeza, conservação e ordem do museu.  Parece ser ‘natural’, para quem vem de outras bandas, que um museu seja limpo, organizado.  E, de certa maneira, é triste que aqui isso seja algo digno de ser ressaltado.

Um terceiro grupo bastante numeroso é dos que reclamam contra a falta de divulgação do museu (...)”

Atividades Culturais e Serviços: Biblioteca, exposições de artistas inéditos, programas educativos, pesquisa e documentação sonoro-visual.

           

            Museu Casa do Pontal

Histórico: Começou a ser construído em 1976 e foi inaugurado em 1992 especialmente para abrigar a coleção de arte popular brasileira reunida pelo designer francês Jacques Van de Beuque, desde sua chegada ao Brasil, em 1947.

Localização, Acessibilidade e Funcionamento: Situa-se num sítio no Recreio dos Bandeirantes (Estrada do Pontal 3295, entre a Prainha e Vargem Grande).  Sua acessibilidade é restrita, uma vez que a área onde se localiza é distante do centro da cidade aproximadamente 43 km e não é efetivamente bem servida por meios de transporte coletivo (ônibus, metrô ou trem).  Este aspecto restringe a acessibilidade a determinadas  camadas de público, já que o transporte particular (carro, van ou ônibus de aluguel) é o principal meio de acesso.  A entrada custa  R$ 8,00 (3ª idade e estudantes pagam  R$ 5,00) e funciona de segunda a domingo das 9:00 às 17:00 horas.

Espaço Físico, Adaptações e Disposição dos Objetos: O sítio ocupa uma área total de 20.000 metros quadrados, sendo a área construída de aproximadamente  1500 metros quadrados.  Tal área foi construída aos poucos para abrigar a coleção daí o perfeito sincronismo da disposição espacial com as obras expostas e  também com o entorno.  Em vários pontos as peças são ressaltadas por janelas ou jardins internos que permitem o diálogo entre as esculturas e o ambiente externo do sitio.   Não se observam adaptações do espaço físico do museu para pessoas portadoras de deficiência ou com dificuldades de locomoção, sendo a exposição disposta em 2 andares cujo acesso é feito unicamente através de escadas.  Os objetos são expostos em vitrines o que, entretanto, não suprime a presença de vigilantes, ainda que  de forma não ostensiva.

Exposição Permanente: Divide-se nas seguintes unidades temáticas: Profissões, Vida, Festas Populares, Areias e Bichos, Arte Incomum, O Cangaço, Religiosidade Brasileira e Tudo Acaba em Samba.  Vale a pena também destacar a unidade Arte Erótica, apresentada numa pequena sala separada da galeria principal por uma pudica porta.  Em suas galerias encontram-se cerca de 4.500 esculturas de mais de 200 artistas de todas as regiões do Brasil, com destaque para o acervo de grandes mestres como Vitalino (PE), Antonio de Oliveira (MG) e Adalton Fernandes (RJ).

Público: Segundo dados do Museu Casa do Pontal, 40 % dos visitantes são estrangeiros que chegam, em sua maioria, acompanhados por guias de turismo.  Não tivemos acesso ao livro de opiniões, mas ainda segundo dados do museu, o que mais impressiona a todos é a coleção em seu conjunto.

Atividades Culturais e Serviços: Banco de dados sobre a arte e cultura popular brasileira, com 5000 imagens e visitas guiadas sobre a coleção, os artistas e questões relativas à arte e cultura brasileira.

4 – Conclusões

Esta rápida análise permite concluir que a cidade do Rio de Janeiro dispõe sim de museus onde a cultura popular está acessível não só aos moradores mas, principalmente, aos turistas, fora da época de Reveillon e Carnaval.

 

Permite também concluir que, assim como a cultura popular não é única e sim várias, também os museus que a “guardam” são diferentes no que se refere à acessibilidade, à estrutura, ao público a que se dirigem, etc.

           Tomara que  à diversidade cultural popular brasileira venha se somar uma pluralidade de opções de representações e formas de acesso por parte do público (residente ou turista) às mesmas.  Assim sendo, os museus assumiriam seu verdadeiro papel dentro da perspectiva do turismo cultural, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde, por vezes, é considerado mera parada para apreciar a vista, como atesta o seguinte anúncio de uma grande empresa turística divulgando uma nova opção de tour (Rio Especial):

“(...) passeio panorâmico a Niterói, com parada no MAC (Museu de Arte Contemporânea) para apreciarem o Rio de um ângulo especial.” (Papel do Guia – Informativo do Sindicato Estadual dos Guias de Turismo do Rio de Janeiro.  Rio de Janeiro: ano 6, nº 25, p. 2, 3º trimestre de 2001)

5 – Bibliografia:

ABREU, Regina. Síndrome de museus? In: Seminário Folclore e Cultura Popular. Rio de     Janeiro: Funarte, CFCP, 1996. (Série Encontros e estudos, 2).

BLOCH, Arnaldo. A arte no vazio. O Globo. Rio de Janeiro: Segundo caderno, p. 1 e 2, 15 de jul. de 2001.

COELHO, J.T. O que é indústria cultura. São Paulo: Brasiliense, 1988. (Coleção Primeiros passos).

FERNANDEZ, F. L. &  HAULOT, A. A. Teoria e Técnica do Turismo.  Madrid: Nacional, 1977.

HEYE, Ana.  Museu, folclore, visitante – uma tentativa de perceber relações. In: Seminário Folclore e Cultura Popular. Rio de Janeiro: Funarte, CFCP, 1996. (Série Encontros e estudos, 2).

ICOM (International Council of Museuns). What is ICOM (online). Paris, França: agosto de 2001. Disponível na World Wide Web < http://www.icom.org/organization.html>.

ICOMOS (International Scientific Committee on Cultural Tourism). Carta internacional sobre turismo cultural (online). Paris, França: julho de 2001. Disponível na World Wide Web < http://www.icomos.org/tourism/tourism_sp.html>.

MACHADO, Mário Brockmann.  Os museus. In : WEFFORT, Francisco & SOUZA, Mário

(orgs). Um olhar sobre a cultura brasileira. Rio de Janeiro: Associação dos Amigos da Funarte, 1998.

MEC. Encontro produção de artesanato popular e identidade cultural. Rio de Janeiro: MEC, Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1983.

NEPOMUCENO, Eric. Nossa cultura no mundo. In : WEFFORT, Francisco & SOUZA, Mário

(orgs). Um olhar sobre a cultura brasileira. Rio de Janeiro: Associação dos Amigos da Funarte, 1998.

PITTE   , J. –R. Dialogues. Paris: nº 44, março de 1995.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleção Primeiros passos).

WTO (World Tourism Organization).  Statistics (online).Madrid, Espanha, agosto de 2001. Disponível na World Wide Web < http://www.world-tourism.org/frameset/frame_statistics.html>.


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