Por uma Pedagogia Arqueantropológica: refletindo os achados pré-históricos em Rondônia, resgatando o saber local Genivaldo Frois Scaramuzza 1 |
Estas terras seculares são mausoléus antigos. Encostados e cinzelados por gentes de tempo idos. Que nelas deixaram gravadas as datas de dias tristes. Ressuscito os homens cuja memória elas guardam. E faço minhas as suas vidas.
Thomas Hardy
Resumo: Neste trabalho, descreveremos o estudo inicial que faz parte de um projeto de pesquisa denominado Pedagogia Arqueantropológica, que se fundamenta em evidências arqueológicas e antropológicas – os possíveis vestígios pré-históricos, traduzidos em moldes, pegadas e pistas, observadas na transição entre o município de Ji-Paraná e o de Presidente Médici, desde 2002, no estado de Rondônia, Brasil. Pretendemos com esta investigação, aprofundar a temática no sentido de construir interpretações a respeito do que nos dizem estes artefatos, isto é, a sua relação com a historicidade humana, além de comunicar as aprendizagens produzidas com ênfase no saber local e quem sabe reunir elementos que possibilitem o reconhecimento da área, após a devida comprovação, em um sítio arqueológico.
Palavras-chave: Pré-História. Registros. Pedagogia. Antropologia. Arqueologia.
No estudo da História, percebemos a grande contribuição da Arqueologia, Paleontologia da Antropologia, no que se refere ao resgate do que fomos. Estas ciências fundamentam-se a partir dos estudos de moldes, vestígios e pistas essenciais para a compreensão das culturas passadas.
Os conhecimentos disponíveis permitem compreender as várias informações das quais estes artefatos são portadores: os moldes podem traduzir os costumes de épocas conservados nas rochas; as pegadas são marcas deixadas pelos pés da espécie vertebrada e as pistas são os fósseis que contribuem para a aproximação da idade do local, auxiliando no estudo da caminhada dos seres humanos, de acordo com o estudioso Purtch ( 1991).
Nesse sentido, o conhecimento arqueológico possibilita a compreensão de costumes, concepções e conhecimentos do outro, além de provocar a necessidade da busca de explicações que ajudem na interpretação dessas codificações históricas, pois,
É sempre melhor, quando se aprendem os elementos de Arqueologia, encarar o fato de que a história do homem ainda não é conhecida de modo completo, e levar em conta que muitas das imagens arqueológicas do mundo ainda são provisórias.
(CELORIA, 1975. p, 6)
Descreveremos neste texto, o estudo preliminar que teve início na elaboração de um projeto de pesquisa elaborado em 2003, por ocasião do desenvolvimento da disciplina Metodologia da Pesquisa em Educação, quando iniciamos o curso de Pedagogia. Posteriormente, ampliamos os estudos com a produção do Relatório de Pesquisa em 2004 a respeito do mesmo assunto, fundamentado nas evidências arqueológicas e antropológicas – os possíveis vestígios pré-históricos, traduzidos em moldes, pegadas e pistas, observadas entre os municípios de Ji-Paraná e Presidente Médici, em Rondônia.Trabalho este desenvolvido na disciplina de Educação com os Povos na Floresta, a coleta e análise de relatos da comunidade sobre estes fenômenos.
Em 2005, organizamos estes estudos em um artigo científico, apresentado no Encontro Estadual de Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia, presente nos anais do evento. Neste mesmo ano, participamos de um concurso promovido pela Prefeitura Municipal de Ji-Paraná, por ocasião do aniversário de 28 anos da cidade. Pelo trabalho apresentado: Possíveis pré-históricos rondonienses, nos foi outorgado o Prêmio Pesquisa, além de um troféu, uma câmera digital e certificados.
Considerando esta trajetória, pretendemos continuar aprofundando a referidaftemática no sentido de construir interpretações a respeito do que nos dizem estes artefatos, as pinturas rupestres e os desenhos, isto é, a sua relação com a historicidade humana, além de comunicar as aprendizagens produzidas com ênfase no saber local e quem sabe reunir elementos que possibilitem o reconhecimento da área, após a devida comprovação, em um sítio arqueológico.
Conhecendo o Projeto Riachuelo e as linhas 106 e 110: um encontro enigmático...
No âmbito do Estado de Rondônia, entre o município de Ji-Paraná e o de Presidente Médici, foi localizado em 2002, nas proximidades do Projeto Riachuelo, entre as linhas 106 e 110 possíveis vestígios de remotas civilizações, provavelmente pré-históricas. O que nos levou á construção destas hipóteses, foi o fato dos instrumentos feitos na pedra, terem sido encontrados por moradores da localidade, quando estes escavavam na construção de represas, identificando assim vários materiais abaixo do solo de perfis rudimentares.
Atualmente este local é uma área pertencente a cerca de trinta famílias, pe que utilizam o espaço para o desenvolvimento de atividades pecuaristas e agrícolas. Em suas concepções os objetos ali presentes representam instrumentos e utensílios usados por um povo de épocas passadas.
Neste mesmo ano, tivemos o primeiro contato com a área e na oportunidade fizemos o registro por meio de recursos fotográficos. A observação da paisagem ao mesmo tempo em que nos provocava curiosidades e atiçava a nossa imaginação, produzia perguntas que não tínhamos os elementos necessários para responder: O que dizem estes artefatos? O que significam estes desenhos? Quem forjou esta machadinha e com qual propósito? Por que algumas são mais pontiagudas do que outras? Estas e muitas outras indagações permanecem na medida em que avançamos o presente estudo.
Neste processo exploratório, nos deparamos com uma imensa quantidade de pedras e rochas, caracterizadas por desenhos bastante variados, bem como a presença de uma caverna que descreveremos mais adiante. Dentre outras, encontramos figuras, que em nossa hipótese, podem atestar uma existência de muito, muito tempo atrás, desenhos que podem ter sido produzidos em diferentes períodos, que sugerem animais, rituais, danças, cenas de luta, sexo e jogos. Muitas são representações geométricas, enquanto outras podem significar uma surpreendente noção de astronomia ou matemática.
Os questionamentos que propomos, baseiam-se em estudos que vem sendo realizados nas ultimas décadas no Brasil, conforme as sistematizações 2 a respeito dasinvestigações em sítios arqueológicos “em Lapa do Boquête, Vale do Peruaçu, em Lapa Vermelha e Santana do Riacho, Lagoa Santa, todos estes em Minas Gerais e no Boqueirão da Pedra Furada, São Raimundo Nonato, Piauí, foram encontradas evidências remotas, anteriores há 10 mil anos”.
Para Niéde Guidon, importante pesquisadora na área arqueológica, conhecida por seus trabalhos na investigação da Serra da Capivara, no estado brasileiro do Piauí, a partir dos vestígios de alguns sítios arqueológicos, como os já citados, seria possível propor uma teoria sobre a ocupação da América por grupos humanos diferentes, vindo de diferentes regiões, em diferentes épocas, ao longo dos últimos 100 mil anos 3 . Temos para nós, então, que o possível sítio arqueológico encontrado em Rondônia, pode somar conhecimentos e indagações com outros sítios em estudo e cruzar informações sobre a ocupação da América no sentido de que ninguém conhece sua realidade por adivinhação. Freire (2004).
Para nós, acadêmicos do curso de Pedagogia da Fundação Universidade Federal de Rondônia, apesar de estarmos distantes de estudos centrais de algumas ciências, como a arqueologia, paleontologia e outras, impressionam-nos o lugar. Mesmo com as reais dificuldades que estamos encontrando, estamos empenhados em fazermos o mínimo necessário para que as informações deixadas por estas pessoas que fizeram deste território sua morada, não se perda sem que possamos estudá-las de forma mais aprofundada.
Conforme Aquino (1988: p. 18) os gregos foram os que primeiramente utilizaram o termo: histor, que respectivamente significa “aquele que aprende pelo olhar, que testemunhou com seus próprios olhos”. Nesta forma de compreender, o que presenciamos, essas imagens e os sentimentos múltiplos que nos despertam, nos autorizam a dizer que o passado legou-nos uma herança de enigmas que atribui ao presente a necessidade de compreender a História. Vemo-nos rodeados por lugares e paisagens simbólicas, terras aparentemente perdidas que exercem aos olhos dos estudiosos e aventureiros um fascínio sem par, sendo que até hoje, talvez ninguém tenha desvendado, de forma satisfatória as histórias que contam embora certamente a população local tenha feito suas interpretações, estamos nos referindo aos artefatos do Projeto Riachuelo e suas adjacências.
Na busca da compreensão
Um lugar como este, além de nos interrogar sobre um passado desconhecido, nos inspira um profundo respeito. Apresentam questões, que em nossa interpretação de iniciante, estão relacionados à religião, astronomia, engenharia, história; enfim, talvez sobre a forma como os nossos antepassados compreendiam o mundo. De certa forma, desafiam o pensamento moderno e as suas convicções quanto á supremacia da tecnologia do século XXI e ao dogma já por demais “provado” do método científico.
De acordo com Kreutz, (2001), são grandes os questionamentos que permeiam a história e evolução do ser humano; os processos identitários e a manutenção das diferenças étnicas, adquire maior visibilidade no século XX e início do século XXI. Nesta linha de pensamento, evidenciamos a teoria relacionada a cidade de Clóvis, no Estado do Novo México, por exemplo, que enfatizava o aparecimento do ser humano na América há pelo menos 11.200 mil anos.
Atualmente esta concepção vem sendo contestada por estudiosos da América do Sul, como Niéde Guidon, que em 1997 identificou a existência de um sítio arqueológico com mais de 12 mil anos, na Serra da Capivara no Piauí e Francisco Salzano pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que se empenha em estudar a origem do ser humano americano.
Entre tantas incertezas e indefinições, os arqueólogos e antropólogos estão de acordo que a chegada dos primeiros indivíduos à América, parece ter sido o ponto de uma longa viagem que começou na África, conforme atestam os livros clássicos de História Antiga.
O estudo deste local à qual nos referimos, o Projeto Richuelo, pode ajudar a entender como viviam os nossos antepassados, reconstituir momentos históricos e, fundamentalmente propiciar uma reflexão a respeito do papel da educação neste processo - a tarefa de aprender e ensinar sobre os ambientes seu papel formativo na investigação, preservação e ampliação destes saberes, possibilitando portanto, um diálogo interdisciplinar entre duas áreas de grande importância para o conhecimento humano, que identificamos neste texto como uma possível formação de uma Pedagogia Arqueantropológica.
Apesar de sua importância, ao nosso ver, a arte rupestre vive ameaçada de desaparecer. Além da deteriorização natural provocada pelo tempo, sofre com os danos causados pela ação das queimadas, lavouras, pichações e com a depredação de visitantes em busca de souvenires pré-históricos, como amostras de pinturas rupestres, utensílios domésticos e de caça que foram possivelmente utilizados por uma sociedade milenar que habitava a região.
O que estamos fazendo
Este trabalho, vem se desenvolvendo por meio de pesquisa empírica, bibliográfica e informações orais que atestam a possibilidade de haver nessa região um possível sítio arqueológico. Os resultados parciais são: registros dos cadernos de campo, coletas de relatos e o acervo fotográfico, contendo: cacos de cerâmica, fragmentos de flechas, machadinhas feitas de pedras, instrumentos de pinturas corporais, utensílios domésticos como panelas, potes e jarras, além das inscrições esculpidas em pedras.
Localiza-se nesta área uma provável oficina onde podem ter sido elaborados os instrumentos como a machadinha, por exemplo – artefato feito de pedra com ponta cortante, apresentando diâmetro de cerca de três centímetros. Trata-se de um espaço de mais ou menos oito metros quadrados delimitados pela própria rocha. O chão apresenta características ora lisas, ora ásperas, com a distribuição de desenhos de tamanhos variados - alguns podem corresponder a mais ou menos a altura de uma pessoa e outros pequenos com cerca de um palmo. Nesta região, há superfícies côncavas, que podem indicar provavelmente, sulcos produzidos em função do movimento da confecção e aperfeiçoamento das peças e utensílios, neste particular, exemplificamos novamente as machadinhas.
Os cruzamentos entre as leituras realizadas e os dados coletados, possibilitaram o surgimento de uma situação intrigante: a aparente semelhança entre pingentes e machadinhas encontrada no município de Ji-Paraná, estado de Rondônia no Brasil e um objeto muito parecido localizado na Índia e na África classificado como utensílio de pedra neolítico, conforme nos aponta Celoria (1975). Diante disso, questionamos: Qual a razão dessa semelhança, levando em conta a distancia entre estes continentes? O que estes artefatos querem nos dizer?
Estas perguntas têm nos mobilizados no sentido de prosseguir a investigação, apesar de todo o nosso despreparo - temos sentido dificuldades quanto ao levantamento de dados, procedimentos de análises adequadas, a sistematização do estudo – e da quase que inexistência de apoio financeiro, recursos materiais e humanos para o seu desenvolvimento, que possibilitem o alcance dos objetivos propostos pela pesquisa.
Nestes questionamentos, queremos contribuir conforme nossas possibilidades para a ampliação dos saberes sobre a trajetória do ser humano no estado de Rondônia, no sentido de que nos últimos anos, foi divulgada na imprensa a existência de sítios que comprovariam a presença do homem no Brasil há dezenas e até centenas de milhares de anos 4 .
No entanto, a favor deste estudo, há o nosso olhar e a curiosidade epistemológica que nos move e orienta ações investigativas na busca de novos sentidos, interpretações e respostas para as interrogações que nos acompanham. E quem sabe, assim possamos construir aprendizagens e explicações que contribuam na comunicação de um saber local na perspectiva de Geertz (1997), aprendendo mais sobre a aventura da humanidade na terra.
Referências
AQUINO, Rubim Santos Leão. História das Sociedades: Das comunidades primitivas as Sociedades Medievais. Rio de Janeiro: ao livro técnico, 1988.
CELORIA, Francis. Arqueologia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
GEERTZ, Cliford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. São Paulo: Vozes, 1997.
FREIRE, Paulo. A sombra dessa mangueira. 4.ed. São Paulo: Olho d’ água, 2004.
KREUTZ, Lucio. Educação no Brasil. São Paulo: Autores associados, 2001.
PENTEADO, Heloísa Dupas. .Metodologia de História e Geografia. São Paulo: Cortez, 1994.
PURTCH, Dorita Barret de Sá. Enciclopédia Barsa. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1991.
REVISTA CIENCIA HOJE. São Paulo:, vol.25, nº149, maio 1999.
Disponível em: http://www.comciencia.br Acessado em 24 de Março de 2006
NOTAS
1 Acadêmico e acadêmica do Curso de Pedagogia. Campus de Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Janeiro de 2006. genivaldoscaramuzza@hotmail.com. keiladost-@hotmail.com. Artigo produzido e apresentado no I Congresso de Pedagogia da UNIR, sob a orientação da Prof.ª Ms. Josélia Gomes Neves. shiva@.enter-net.com.br
2 Disponível em: www.comciencia.br. Acesso no dia 23/03/2006.
3 iden
4 In:Ciência Hoje, vol.25, nº149, maio 1999
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