Resenha: O apartheid ainda existe entre nós, urge fazer uma descolonização mental imediata!
Carvalho, José Jorge de
Inclusão Étnica e Racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior
- São Paulo: Attar, 2005. 2ª edição: 2006. 212 pg
Há racismo no Brasil? O país é um país tropical e misto do paraíso na terra para todos seus habitantes? O Brasil é um país racista?
Para responder estas e muitas outras questões pungentes no debate atual da arena societária brasileira leia-o. Também na definição do que consideramos nosso “pensamento social”, é preciso ler e tornar acessível o conhecimento sistematizado por José Jorge de Carvalho em seu ultimo livro. Já em sua orelha fica claro a que veio no excelente texto de apresentação do Professor Kabengele Munanga (um dos três únicos professores negros(ele nem sendo nascido no Brasil e sim no Zaire) dentre os 500 da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP):
O Brasil é o continente do país americano que recebeu o maior fluxo de africanos escravizados entre os séculos XVI e XIX. Negros e mestiços descendentes de africanos representam hoje cerca de 45% da população brasileira total; isto é, são mais de 80 milhões de brasileiros que tiveram, e ainda têm, uma notável participação ma formação do povo brasileiro, na sua economia, contribuindo de forma decisiva para modelar a cultura e a identidade brasileiras.
No entanto, eles ainda encontram problemas no processo de sua plena integração social e no exercício de seus direitos de cidadania. A explicação desses problemas está no racismo à moda brasileira e suas ambigüidades. Uma das características desse racismo foi o mito da democracia racial, que, além de camuflar as desigualdades raciais e os conflitos latentes, prejudicou o processo de construção da identidade coletiva dos negros e atrasou a discussão na sociedade brasileira sobre as reivindicações de políticas de ação afirmativa em benefício dos negros.
Para começo de conversa o seu livro apresenta uma proposta de cotas para negros e índios na Universidade de Brasília que foi implementado e é o motivador do início de todos os processos de ação afirmativa hoje em curso no Brasil em Universidades Públicas que já somam mais de uma vintena. Situa todo o contexto da realidade brasiliense e do apagamento da diferença entre brancos e negros na figura do mestiço autodenominado pardo e a forma cruel como a Unb se perpetua como uma universidade de brancos.
Passa, na seqüência a uma denúncia do impacto das cotas no mundo acadêmico interpretado por ele como sendo um espaço onde domina a “ideologia da mestiçagem” reafirmando e reproduzindo a idéia da democracia racial(ideologia formulada por Gilberto Freire, adaptada por Darcy Ribeiro, incensada por Jorge Amado, positivada por Roberto da Matta e com seguidores e defensores fortíssimos em toda academia brasileira que estabelece o Brasil como o modelo de convivência ideal das raças; sem conflito para o mundo, onde teria sido criada uma meta raça de mestiços ). Mas com dados demonstra que a população docente de negros nas Universidades Públicas Federais não passa de um por cento, demonstrando ser a universidade pública brasileira um espaço onde a integração racial é inexistente. Evidenciando assim ser a Universidade Brasileira uma das mais racistas do mundo. Por outro lado à falta de dados sobre a população acadêmica discente quanto à identidade étnica tem historicamente servido para ocultar esta exclusão.
Descreve casos concretos de discriminação racial no contexto universitário brasileiro, como o denominado caso Ari, onde um doutorando é impedido de permanecer no programa de Pós-Graduação de Antropologia da Unb por ter reprovado em uma disciplina que nunca ninguém havia reprovado, sendo negro e a resposta a esta injustiça foi o projeto de ação afirmativa apresentado na Unb. Mostra a resistência a mudanças das formas de acesso via ações afirmativas nas universidades mais tradicionais e elitistamente brancas como a USP, UFRJ e que mais controlam o conhecimento das Ciências Sociais no Brasil. Assim perpetuando seus professores a defesa de uma ideologia também contrária às ações afirmativas. Demonstra a força dos movimentos sociais negros e indígenas e seus intelectuais na busca da construção de uma outra sociedade e na interpretação diferenciada do racismo e como vítima dele na exclusão da academia nas pessoas de Guerreira Ramos, Edison Carneiro e Clóvis Moura, calando as rebeliões na senzala por eles produzidas de se efetivarem como obras de referência clássicas nas Ciências Sociais brasileiras. E chega a denunciar suas própria associação científica a Associação Brasileira de Antropologia como naturalizando a exclusão racial em seus encontros, e desafia a constatação do mesmo fato em todas as outras associações científicas brasileiras.
Propondo para a alteração deste trágico quadro a construção de “uma aliança negro-branco-indígena pela inclusão racial”, que permitiria a associação entre os movimentos negros e indígenas na construção e reconstrução de uma história com eles hermanados visando à superação da brutal e inaceitável desigualdade étnica hoje existente na Universidade Brasileira. Colocando que o caminho para a superação disto será realizado pela extensão universitária e suas relação com os saberes das comunidades; não como os de fora, mas, como iguais e assim possibilitando a revisão através de seus saberes não-ocidentais do eurocentrismo reinante hoje na academia brasileira. E nesse sentido criando um modelo de ação afirmativa próprio, que nem de longe está copiando os EUA, pois lá não tem vestibular.
Só assim que conseguiremos superar o fato de que nos processos de seleção universitários tanto de graduação, quanto de pós-graduação e financiamento de pesquisas, “até agora ninguém nunca preferiu os negros”. Segundo ele vamos ter que aprender a preferi-los, para mudar este quadro. Só assim seremos ativamente anti-racistas.
Assim fecho com Kabengele a um convite a tod@s lerem o livro em que:
“Os complexos argumentos de José Jorge de Carvalho convidam-nos a sair de lugares comuns e fugir das opiniões limitativas construídas por uma imprensa que, apesar das posturas político-ideológicas diferentes e da inércia do mito da democracia racial, nem sempre é totalmente esclarecida sobre as razões da luta contra o racismo profundo das nossas universidades. Primeiro texto autoral escrito sobre o tema das cotas no ensino superior brasileiro, Inclusão Étnica e Racial no Brasil será leitura obrigatória para todos os interessados e envolvidos no tema”.
Juliano Gonçalves da Silva – juliano.gds@ig.com.br
Mestre em Multimeios pela Unicamp
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