49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

María Das Gracas Andrade Ataide

Reflexionar sobre el pasado y el presente de las Américas, para planificar su futuro

O Discurso Da Igreja Na Era Vargas, No Brasil, Construindo O Mito Do Imigrante Indesejável: O Judeu

Por: Maria Das Graças Andrade Ataide De Almeida

Universidade Federal Rural De Pernambuco-Brasil

A Igreja tem tido uma tradição de doutrinamento junto às massas. A catequese foi realizada na idade média e moderna através dos sermões dos auto-de -fé. O púlpito era o veículo de doutrinamento. O século atual traz uma modernização no veículo do seu discurso doutrinário: a imprensa.

Assim, a Igreja vislumbrava este papel da imprensa, afirmando que sob múltiplas formas, o jornal representava " o quarto poder ", onde seria possivel veicular as " idéas, boas ou más, construtivas ou destruidoras "(1). Para enfrentar essa influência ambivalente do jornal, ela realiza campanhas contra a "má imprensa", afirmando que era necessário não desprezar os perigos que podem nascer dos jornais e das fôlhas periódicas, tanto mais que, penetrando no lar, cada dia, ou, pelos menos, cada semana, impõe suas idéias aos leitores(2). Assim, a Igreja veiculava no jornal da Arquidiocese de Olinda e Recife, um quadro bastante elucidativo acerca da reificação do papel da imprensa pela Instituição:

que todos compreendam a gravíssima obrigação de auxiliar moral e materialmente a boa imprensa. Distribuir ao povo um bom jornal é obra mais meretória que dar-lhe pão e dinheiro, pois está escrito: não só de pão vive o homem (3) .

Ação, através da imprensa, era o caminho moderno da igreja católica para o seu discurso profético. Para tanto, ela afirmava que o católico precisava ser, deveria ser, ao mesmo tempo um homem do passado e um homem do presente. Justificava-se que se o apostólo Paulo vivesse em nossos dias, seria jornalista sem dúvida, ou pelos menos pregaria também pela imprensa(4).

Esta reificação do papel da imprensa foi comum aos governos autoritários das décadas de 20 e 30 no mundo inteiro. O nazismo o compreendeu bem. Goebells afirmava que o jornal era um verdadeiro agitador de rua , e que os jornalistas tinham a função de levar os leitores a formarem opiniões acerca de qualquer fato, enfim, cabia ao jornalista conduzir a direção ideológica determinada pelo Estado (5).

Através da persuassão e doutrinamento diários, calcados sôbre a repetição sistemática, a imprensa, dentre tantos outros objetivos, direciona o "olhar" da sociedade sobre o outro, sôbre aquele que representa, o mito de alteridade(6). E, os mitos " são suficientementes poderosos para substituir as realidades "(7).

Assim, o objetivo deste trabalho é identificar através da análise do discurso da imprensa religiosa no período Vargas, no Brasil, como foi construída a imagem do imigrante judeu no imaginário coletivo social, e qual a matriz deste ideário anti-semita, sustentado e assumido por grande parte dos jornalistas que compõem os editoriais e reportagens, da imprensa religiosa, onde emerge uma linguagem violenta e excludente acerca da imagem do imigrante judeu.

O discurso apresentada por tais profissionais circula como "verdade", correspondendo à sua função de informantes". Investigar as influências exercidas por estes homens da imprensa, nos levam a buscar suas trajetórias de vida. Neste sentido, torna-se relevante considerar a passagem dos mesmos pelas Instituições organizadas da Igreja Católica, como a Congregação Mariana, sob a direção dos jesuítas.

Fazendo apologia aos fascismos europeus, por ela passava a elite intelectual e política do Brasil. Seus famosos retiros espirituais era uma das formas de doutrinamento junto aos jovens nos dogmas do catolicismo.

A imprensa católica afirmava que às Congregações Marianas masculinas, estava reservado primacial papel na regeneração dos nossos costumes (8).

Na relação das "bôas leituras"(9) indicadas para seus congregados, através de listas e resenhas nos jornais católicos e de suas bibliotecas, emerge as obras de parte da intelectualidade brasileira dos anos 20 e 30 deste século(10), que acatava as teorias racistas de cunho nazi-fasci vigentes na Europa naquele momento. Nesta ótica, Wilson Martins observa, que a união das direitas no Brasil em torno do ideário fascista e anti-semita, torna-se mais evidente após 1933, com com o parecimento dos Protocolos dos Sábios de Sião e do livro de Henry Ford, O Judeu Internacional (11).

Nesta incursão pelas obras da Congregação Mariana nos deparamos com as clássicas obras de Gustavo Barroso, Oliveira Vianna, Osório Lopes(12).

Cabe neste sentido, considerar que o ideário desses homens de imprensa, se fez moldado por grande parte dessas obras, sendo muitas de cunho anti-semita.Tais idéias divulgadas diariamente junto à população colaboraram certamente para a construção de uma imagem negativa do judeu, projetada segundo Young (13), no inconsciente coletivo, onde se configuram os arquétipos, alimentados por signos e mitos. Tais imagens criadas e projetadas como "verdadeiras" colaboram para fazer emergir junto à opinião pública, a imagem idealizada do "novo Homem"(14) brasileiro, que deve ser: patriótico, honesto, bondoso, saudável, limpo, trabalhador, nacionalista, e essencialmente católico. Neste processo codificaram-se padrões de alteridade que serviriam para edificar a imagem do outro: da antítese do homem ideal, representada pela figura do parasita, do explorador, do judeu.

Os critérios para seleção dos jornais e revistas procuraram identificar o nível de representatividade dos mesmos, frente à sociedade brasileira: Em Pernambuco, os jornais A Tribuna , porta-voz da Arquidiocese de Olinda e Recife; A Gazeta, pertencente á matriz da Boa Vista, onde se congregava a elite intelectual e política de Pernambuco, e a Revista Maria, editada pela Congregação Mariana local. No Rio de Janeiro, a revista A Ordem , de circulação nacional, principal irradiadora da ideologia católica. Era orientada pelo Cardeal D. Sebastião Leme, representante do vaticano no Brasil e mentor espiritual e intelectual do processo de resgate do poder político pela Igreja Católica a partir dos anos 20 no Brasil.

Constatou-se quando da análise dos editoriais e reportagens dos jornais e revistas pesquisados, que os elementos caracteristicos do anti-semitismo tradicional emergem sobrepondo-se e colaborando para a configuração do anti-semitismo dito moderno. Assim, a pureza de sangue, mito da idade média(15) e moderna, soma-se á idéia do complô judaico, inspirado nos Protocolos . Uma das preocupações dos jornalistas era afirmar que não eram racistas, mas, que baseavam seus trabalhos em fatos e coisas comprovadas(16).

O discurso do Estado, através da imprensa, corroborava o discurso da Igreja, expressa um anti-semitismo de carater político, onde o tema central, repetitivo, doutrinador, se preocupa em delegar responsabilidades. Assim, o judeu é acusado de agitar a infiltração comunista, no setor econômico de Pernambuco, através do seu envolvimento no comércio e na industria.

Dentre os vários núcleos temáticos desenvolvidos na estrutura de construção do discurso, surge aquele que trabalha a idéia do judeu "destruidor" da economia do Estado, idéias estas inspiradas na obra de Gustavo Barroso, Sinagoga Paulista (17). Nesta obra, a temática de Barroso gira em torno da destruição que estaria sendo impetrada por famílias judias importantes de São Paulo sôbre a indústria local. Tal qual os judeus paulistas, os artigos da imprensa apresentam industriais judeus em Pernambuco, que à exemplo dos paulistas, teriam própositos de arruinar a economia pernambucana. Os métodos seriam sempre os mesmos: aquela mão invisível que se infiltra na politica, cínica e audaciosamente , e destrói a economia. Assim, os judeus fabricavam productos suspeitos, para desacreditarem a industria pernambucana, invadindo depois o mercado com os produtos paulistas. A economia do Estado era apontada como sendo presa fácil dos indesejáveis, tornando-se assim Pernambuco uma vasta sinagoga (18).

Acusar os judeus de fomentadores do comunismo, agentes do Komintern no Brasil, foi comum tanto no discurso da imprensa laica quanto religiosa. Após l935, com o combate ao movimento comunista em Pernambuco, a linguagem contra os judeus tornou-se mais virulenta.

A teoria dos Protocolos dos Sábios de Sião se projetou de forma explícita nas matérias anti- semitas, seguindo o estilo dos escritos do integralista Gustavo Barroso: acusa os judeus, para em seguida comparar as " atitudes" dos mesmos com as "ordenanças" dos Protocolos.

Na Era Vargas, a Igreja Católica e o Estado compartilham o Poder, pactuando na luta contra o comunismo, apontado como consequência do laicismo. Desde novembro de l937,a Igreja, reassumindo seu papel de liderança cultural, passou a deter a preeminência sôbre o ensino -privado e público. A imagem negativa do judeu é retomada em sua retórica, representando as fôrças ocultas da maçonaria, do laicismo e do comunismo, que estaria tentando penetrar no Estado através da educação. Assim, a imprensa religiosa vai construindo a imagem do judeu que objetiva infiltrar-se no ensino, com o objetivo de destruir a família, a pátria e a religião (19).

Procurando banalisar os sofrimentos impingidos ao povo judeu na Europa nazista, justificava-se que representavam o castigo divino pelos judeus terem se revoltados contra Deus, desde o Velho Testamento. Nesta linha, citando textos bíblicos [ deuteronômio, Jeremias, Amós, Isaías e Neemias], Osório Lopes constrói em sua obra O Problema Judaico (20) e em vários artigos da Revista A Ordem uma retrospectiva das atitudes de anti-semitismo sofridas pelos judeus, esclarecendo sempre que Israel, tendo que escolher entre a benção e a maldição, optou pela última. Define este comportamento, como sendo um pequeno, porém significativo traço psicológico, que por sua vez ressaltava a insubmissão como inerente ao judeu, onde a revolta e a luta estavam sempre naquele povo. Assim para Osório Lopes, a desobediência e a murmuração de Israel definia e marcava, o seu longo itinerário. Neste raciocínio, os progroms da Rússia, a inquisição, seriam consequências desta atitude de povo amaldiçoado, uma vez que para ele o judeu seria antes de tudo um oprimido que deveria se conscientizar que é escravo por fatalidade histórica , expatriado em qualquer terra(21).

Interessante observar como o anti-semita encontrava na própria bíblia inspiração para acusar os judeus de povo maldito por Deus. Utilizando-se de vários textos em que Deus repreende o povo judeu, o discurso anti-semita era construído de forma casuística, sem apresentar o outro lado dos textos complementares àqueles, os quais revelam uma linguagem de amor e promessas de restauração de Jeová para com o povo judeu (22).

A imprensa católica em Pernambuco alertava para a revelação descoberta por Gustavo Barroso, em História Secreta do Brasil : nas veias de muitos brasileiros, corre sangue judeu! Diante dessa preeminência judaica na trajetória da história do Brasil, a Igreja indaga: " quem nos salvará da invasão judaica em que se afoga a raça brasileira?" A resposta é axiomática: a união entre a Igreja e Estado. No "baptismo christão", a base teológica para a salvação dos propósitos sinistros inerentes à raça apontada como maldita; no Estado, a salvação e a preservação material do país, através do homem escolhido: Getúlio Vargas(23).

Através de um doutrinamento sistemático, a imprensa colaborou para edificar a imagem de uma comunidade que, por ser judia, deveria ser escorraçada da sociedade, dado o seu caráter " animalesco e diabólico " e ligações com uma organização secreta internacional, cujo objetivo era a dominação mundial, e que estava naquele momento com os " olhos sôbre o Brasil". E, se não bastassem todas essas acusações, essa comunidade representava os interesses soviéticos no Brasil, era identificada como " representante do Kominther" (24).

Nesta campanha contra o judeu, a imprensa responsabiliza-o também pela infiltração comunista no estado. A ressente Intentona Comunista de 1935, em Pernambuco, era manipulada de forma maniqueísta pelo Estado e pela Igreja. Reconstruir Pernambuco significava extirpar um pseudo-adversário que "rondava" todas as Instituições do Estado: os comunistas. Fantasiosas células comunistas foram desbaratadas e apresentadas pela polícia à imprensa, criando um clima de verdadeira caça às bruxas a quem interessava encontrar ou identificar um "bode expiatório". Objetivava-se matar o mal "diabólico" pela raiz. É quando emerge a figura do judeu comunista, inimigo a ser extirpado do meio social. Esta forma de apontá-lo como "bode expiatório" de uma conjuntura política vem de encontro à análise feita por Yves Chevalier, em L'Antisémitisme - Le Juif Comme Bouc Émissaire ,em que o autor analisa a figura do judeu como "bode expiatório", numa abordagem sócio-antropológica. Esta análise nos remete à conjuntura de Pernambuco, em 1937, nas situações de crise (25). Desta maneira legitima-se a autonomia excludente da política estadonovista com a perseguição a estes

" malsinados, preguiçosos, inimigos da pátria, detractores estrangeiros, devoradores de nações, indivíduos que sugam até suas últimas resistências econômicas com a fôrça imprescindível de polvos tentaculares" (26).

O argumento utilizado pela imprensa para justificar esta acusação baseava-se na relação entre os países que haviam passado ou estavam vivendo uma revolução comunista liderada por judeus. Assim responsabilizava-se o México, a Espanha e a Rússia de terem a liderança nas mãos de revolucionários judeus. Esta teoria repete-se nos Protocolos , que acusavam os judeus de se infiltrarem na economia, para, em seguida, criarem as revoluções e consequentemente o comunismo. Gustavo Barroso era o esteio deste discurso, ao argumentar que bastava um olhar para a economia brasileira para perceber-se como é revelador "o jogo combinado das manobras financeiro-econômicas com as manobras revolucionárias", para aniquilar a economia brasileira.Neste fio condutor de raciocínio, este seria o processo final para a vitória comunista. Os judeus então, tornando-se os empresários do comunismo mundial, tornariam a III Internacional um inofencivo club de sonhadores(27) .

Esta argumentação -judaismo e comunismo- pode também ser identificada no discurso propagandeado pela Alemanha nazista, em que Hitler trabalha exaustivamente esta pretensa analogia, afirmando que somente quando seus olhos se abriram para aqueles " dois perigos" [judeu/comunista] ele pôde compreender a sua "horrivel significação para a existência do povo germânico" (28). Em Mein Kampf , as interrelações entre a doutrina marxista e os judeus são estabelecidas: através do conhecimento dos judeus poder-se-ia entender os própositos da social-democracia. Hitler monta o tripé que seria utilizado também pelas outras nações, como argumento justificativo para a exclusão de um povo: judeu, comunista e diabólico. Daí sua posição messiânica, imitada por outros tantos estadistas autoritários:

"por isso, acredito agora que ajo de acordo com as prescrições do Criador Onipotente. Lutando contra o judaísmo, estou realizando a obra de Deus" (29).

Corroborando este discurso, o jornal A Gazeta, veicula um artigo sob sugestiva manchete: Destruindo as inverdades da Campanha communista, a Itália e a Allemanha reafirmam em declarações públicas a sua união e mostram ao mundo confiado na sua fôrça em face das manobras odiosas dos Sovietes , onde a tônica era a mesma dos artigos que noticiavam os atos nazistas impetrados contra a comunidade judaica na Europa. Os fatos reais eram minimizados, e o artigo acusava os judeus de manipularem as agências telegráficas e a imprensa, exacerbando aquelas manifestações de anti-semitismo (30).

O objetivo na reprodução deste discurso estava em coibir a imigração de judeus para o Brasil. Na medida em que esses imigrantes eram identificados com o perigo comunista, eles também se apresentavam como antítese da ideologia estadonovista. Essa acusação por si só bastava para criar a imagem do imigrante indesejável. Neste sentido, um editorial do jornal laico Fôlha da Manhã, em Recife, explora as declarações de Spaak, Ministro do Exterior da Bélgica, que, no seu discurso proferido em abril de 1938, alegava que os comunistas haviam solicitado a vários países que dessem asilo aos judeus refugiados das perseguições nazi-fasci na Europa. O jornal vai além da notícia, ao fazer uma advertência "oportuna": " os comunistas não intercederiam jamais em favor de quem não estivesse integrado nos seus planos diabólicos" (31).

A nível do imaginário coletivo, constrói-se a imagem diabolizada do imigrante judeu comunista, numa sociedade em que o catolicismo permeava todas as instituições sociais, confluindo as fronteiras entre o sagrado e o político. O discurso da Igreja investia nesta trilogia: judaísmo, comunismo e diabolização, afirmando que os principais agentes do communismo não são os proletarios propriamente ditos, os trabalhadores manuaes incultos e facilmente domináveis". Mas sim o trabalho dos conspiradores da "plutocracia judaica", em sua estratégia subterrânea de solapar a civilização cristã (32). León Poliakow retoma de forma brilhante a análise do mito conspiratório da grande organização judaica e sua relação com o comunismo, em sua obra La Causalité Diabolique (33).

Nesta analogia maquiavélica entre comunismo e judaísmo, afirmava-se : não existe mais na Europa ocidental quem separe, hoje em dia, judaísmo de comunismo (34).

Este discurso, veiculado tanto pela imprensa laica como pela religiosa, algumas vezes se apresenta de forma explícita, sem rodeios, utilizando trechos dos Protocolos para corroborar o que é dito; em outros momentos, eles estão implícitos, de forma ambígua. Ao afirmar que um cristão não pode ser anti-semita, porque não pode odiar a raça a que pertenceram Jesus e a Virgem Maria, porque seria até " blasphemia" , ressaltava todavia que a influência judaica constituía para o Brasil o verdadeiro perigo communista. Esta ambivalência presente no discurso anti-semita representou um dos pontos comuns, tanto na retórica empregada pela imprensa religiosa, como na imprensa laica oficial.

Hitler emerge sempre como exemplo a ser imitado, acrescentando-se que a República de Weimar muito se assemelhava ao Brasil, portanto era justificável e louvável a sabedoria de hitler e seus colaboradores (35).

O público leitor é sempre convocado a se posicionar contra tais representantes das "doutrinas exóticas" . Numa atitude de insuflamento da população, alega-se que é tempo de os brasileiros darem um paradeiro a esta invasão , e, para tanto, aponta-se, como sempre, o aparelho repressivo estadonovista:

"urje que a polícia não permita a ligeireza de vinda de judeus para o Brasil" (36).

Assim, a figura do judeu sustentado por esse discurso é a do elemento que fomenta a desordem e a corrupção, criador e orientador do comunismo. A analogia entre judaísmo e comunismo torna-se um axioma.

Além de sofrer estas acusações todas, o judeu era identificado também como o elemento suspeito, que trabalhava no sentido de destruir a economia do país. Acusava-se os judeus de fazerem concorrência desleal, ameaçando fechar em pouco tempo as indústrias têxtis existente no Estado (37) .

É a mesma argumentação de Gustavo Barroso, em Sinagoga Paulista. Nesta obra, a temática de Barroso gira em torno da destruição que estaria sendo impetrada por famílias judias importantes de São Paulo sobre a indústria local. Tal qual os judeus paulistas, os artigos da imprensa pernambucana, apresentam industriais judeus que, a exemplo dos paulistas, teriam própositos de arruinar a economia pernambucana. Os métodos seriam sempre os mesmos: " aquela mão invisível que se infiltra na política, cínica e audaciosamente, e destrói a economia". Aqui, a imagem é a de um judeu que executa os planos do complô internacional, aliada à imagem de um ser repulsivo, cínico, destruidor e audacioso (38).

Nesta conjuntura, o inimigo eleito -o judeu- que não deve desembarcar em Pernambuco, é um veículo de Moscou, " caixeiro viajante" [termo depreciativo, estereotipado] da ideologia política e da chamada mistica social absorvente. A imprensa concitava a população a reagir contra este imigrante indesejável, " falso turista", que não deveria entrar no Brasil, nem por por terra, nem pelos nossos portos (39). Nesta campanha aberta contra o imigrante judeu, a imprensa cooptava seus interlocutores jovens, usando uma linguagem conclamativa, forte, sedutora e convocativa, apelando para a idéia de tragédia coletiva, com a implantação do comunismo pelos judeus, traz à tona o mito do apátrida, e mercenário, que assoldadados ao ouro estrangeiro objetiva destruir a civilização cristã (40).

Este judeu que a juventude deve lapidar , é apresentado como um mercenário, avesso às tradições exógenas à sua cultura, inassimiláveis, e agente que fomentou o maior inimigo do Estado Novo: o comunismo. Neste discurso instigador, aponta-se para o perigo iminente: " Mocidade Latina, meditae sôbre os exemplos de Hespanha!" (41).

A guerra civil espanhola era explorada ao máximo pelas manchetes periodísticas, apresentada como vivendo sob a égide do terror implantado pelos judeus vermelhos à serviço de Moscou .

A abordagem é sempre baseada numa visão maniqueísta do bem e do mal, onde a figura do judeu é diabolizada, como representante do Anti-Cristo. Os argumentos acionados identificam-se com aqueles que Gustavo Barroso apresenta em Integralismo e Catolicismo.

Nesta obra o contrôle do ensino no Brasil, é apresentado como dominado pelos judeus, daí a necessidade de ser feito uma opção pela sociedade: " entre o Evangelho e os "Protocolos", entre o Cristianismo e o Comunismo, entre o Brasil e Israel, entre o Cristo e o Anti- Cristo (42).

Com base, neste argumento, A Tribuna , em um artigo intitulado " A Sinagoga e a Igreja ", empreende uma longa trajetória da luta travada entre judeus e cristãos desde os primórdios do cristianismo, na qual os judeus pretendiam aniquilar e extirpar da face da terra a religião de Cristo(43). Uma análise do uso desta argumentação é feita no trabalho de Jules Isaac, As raizes cristãs do Anti-Semitismo (44). Nesta ótica, segundo a versão anti-semita, para os judeus todos os meios são lícitos e todas as armas podem ser empregadas. A conclusão deste artigo é feita com a citação de vários parágrafos dos Protocolos , reafirmando a idéia de que as as sociedades secretas eram, orientadas e dirigidas pelos Sábios de Sião.

Na linha dos Protocolos , os jornais acusam o desvirtuamento da "boa imprensa" que havia se convertido numa arma judaica de dissolução. Os judeus estariam dominando também as agências telegráficas, para controlar as notícias transmitidas da Europa em crise. Daí, a advertência: não façamos o jogo do judaísmo e do comunismo que mantém as agências telegráficas com o fim de atear no mundo, através de informações tendenciosas, a discórdia, a desharmonia e a guerra (45) .

Através de um doutrinamento diário, persuassivo, a imprensa vai construíndo a imagem do judeu, apontando para uma figura que se contrapõe ao ideal do homem brasileiro. O uso de símbolos cria a nível mental coletivo uma idéia animalizada e repulsiva do judeu, inserida em códigos do outro, onde os atributos de parasitas, micróbios da humanidade, inexcrupulosos, usurários, ladrões, apátridas, sórdidos, inassimiláveis, enkistadores, apontam não só para um tipo de imigrante que deve ser escorraçado do Brasil, como também para pessoas que deveriam ser expulsas do país(46).

Assim, o imaginário social acerca do judeu no Brasil, foi calcado em cima do ideário dos homens de imprensa, que reproduziam no dia-a-dia as idéias dos homens ditos " das Ciências" e da religião no Brasil. Estes, recebiam e reproduziam da Europa as idéias racistas, das quais o anti-semitismo se apresentava como uma das vias de solução para os problemas nacionais. A leitura feita pelos jornalistas de obras como Raça e Assimilação , de Oliveira Vianna; O Problema Judaico , de Osório Lopes; História Secreta do Brasil; Sinagoga Paulista, Brasil Colônia de Banqueiros; Catolicismo e Integralismo, de Gustavo Barroso e outras, colaboraram para a edificação do ideário anti-semita, brasileiro, onde ao judeu, eleito inimigo objetivo, era imputado todos os males da nação em crise (47). Cremos que este papel desempenhado pela imprensa, não foi peculiar à Pernambuco e ao Rio de janeiro. Cabe aos historiadores investigar, junto à outros estados brasileiros, a proliferação e a persistência de uma mentalidade anti-semita moldada nas idéias da inteligencia brasileira, européia e americana(48).

NOTAS

1- A Tribuna , 4.12.1938 p.1 e 4;- A Tribuna , l5.9.1938 p.7

2- idem

3-este quadro vem sempre em epígrafe na primeira página dos jornais católicos, como A GAZETA e A TRIBUNA .

4- Revista Ordem , agôsto de l93l, p. 137

5-GOEBBELS, Joseph. "A Luta e Seus Meios ", in W. Kube (org) Almanach der Nationalsozialistischen Revolution. Berlim, 1934 Trad. Ciro Marcondes Filho.

Apud. MARCONDES FILHO, Ciro. A Linguagem da Sedução. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1988, p.20

6-TODOROV,Tzvetan. Nós e os Outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana . Rio de janeiro,Zahar,1993

7-SANDER, l.Gilman. "O Que é Auto-Ódio" in VIEIRA, Nelson H. (org) Construindo a Imagem do Judeu: algumas abordagens teóricas . Rio de Janeiro, Imago, 1994. p.39

8- A Tribuna, 7/01/1934, p 1.

9- Arquivo da Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica. Segundo Volume. Pernambuco, 1939. pgs. 34,35,42,50,62,63,64,65,66,67.

10- A trajetória da mentalidadee racista presente na inteliggenzia brasileira do século XIX até a década de 40 deste século, é realizada por CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. "Fantasmas de uma Geração". In. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Anti-Semitismo na Era Vargas-930/1945 . São Paulo. Brasiliense, 1988.

11- MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1977, v.VII, p.93

12-Obras de Gustavo Barroso, ver: Integralismo e Catolicismo . Rio de Janeiro,Ed. ABC,1937; Brasil, Colônia de Banqueiros. Rio de Janeiro, Civ. Brasileira, 1935; A Sinagoga Paulista , Rio de Janeiro, Ed. ABC, 1937; A História Secreta do Brasil. Porto Alegre, Revisão Editora Ltda, 1990. VIANNA,Oliveira. Raça e Assimilação. São Paulo, Nacional, 1932. LOPES,Osório. O Problema Judaico. Petrópolis. Ed. Vozes, 1942. FORD. Henry. O Judeu Internacional. Porto Alegre, Revisão Editora Ltda,1989 Sôbre os Protocolos, vide: Os Protocolos dos Sábios de Sião. Texto analisado e comentado por Gustavo Barroso. Porto Alegre. Revisão Editora Ltda,1990;TAGUIEFF. Pierre-André (org). Les Protocoles des Sages de Sion. Paris, Berg International Editeurs, volumes I e II, 1992; ROSENFELD, Anatol. Mistificações Literárias: "Os Protocolos dos Sábios de Sião". São Paulo, Ed. Perspectiva, 1976; J.S. Charles Pierre. Los Protocolos de Los Sabios de Sion- Uma Supercheria Anti-semita. Buenos Aires, Ediciones D.A.I.A. 1954; COHN,Norman. El Mito de la Conspiracion Judia Mundial. Madrid. Alianza Editorial, 1969

13-JUNG, C.G. Civilização em Transição , Petrópolis, Ed. Vozes, 1993

14-Sôbre o assunto ver o excelente trabalho de GOMES, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Ed. Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988.

15-CARNEIRO, Maria luiza Tucci. Preconceito Racial- Portugal e Brasil-Colônia . São Paulo, Brasiliense, 1988

16- A TRIBUNA, 31.3.1938. P.1

17-BARROSO,Gustavo. A Sinagoga Paulista . op. cit.

18-idem. p.27

19-Revista MARIA, novembro de 1936, pgs. 309 a 312; outubro 1938 pgs. 198 e 199. Jornal A Gazeta. 22.1.1936. p.3; 25.10.1936. p.1; 27.9.1936.p..1; 6.9.1936. p.6; idem.p.3; 22.11.1936. p.5; 31.1.1938. p.1; 2.5.1938. p.1; 30.5.1938. p.1; 21.3.1938.p.2; 10.6.1938. p.1; 18.7.1938.

20- LOPES, Osório. O Problema Judaico. Petrópolis: Vozes, 1942

21-LOPES, Osório. A Physionomia de um Povo . IN Revista A ORDEM, julho/1931, p 50-51.

22- LOPES, Osório. O Problema Judaico. op. cit., p 9 a 14. Selecionamos alguns textos bíblicos utilizados no discurso anti-semita de forma casuística: relacionando-se com a acusação de deicidas: Mateus 27: 24 e 25 - onde Pilatos lava as mãos pela morte de Jesus Cristo. Com relação às dispersões que passou o povo judeu, vide textos referentes ao Velho Testamento: Livro de Isaías : capitulos 1 e 2; Deuterônomio é um livro rico em promessas e advertências; os profetas menores: Neemias, Esdras, Amós, Habacuque também trazem as duas falas de Deus para com o povo- punição, se errarem, e benção como consequência do arrependimento.

23-Revista MARIA , março/abril, 1937, p 33

24- Esta expressão era usada constantemente nos jornais, tanto laicos como religiosos, construíndo no imaginário popular o medo contra o imigrante judeu.

25- CHEVALIER, Yves. L'Antisémitisme - Le Juif comme Bouc Émissaire . Paris: Les Éditions du Cerf, 1988

26- FÔLHA DA MANHÃ, Recife, matutino, 07.12.1937, p 327-BARROSO, Gustavo. Sinagoga Paulista . op. cit. p 115; ver também CORREA, P. "O Verdadeiro Perigo Comunista". IN Revista A ORDEM , janeiro/1933, p 55528-HITLER, Adof. Minha Luta. op. cit. p 26.29- Idem, p 5230- Destruindo as Inverdades da Campanha communista, a Itália ea AllemanhaReafirmam em Declarações Públicas a Sua União e Mostram ao Mundo Confiado Na Sua Fôrça em Face das Manobras Odiosas dos Soviets . IN A GAZETA, Recife, 18/01/1937, p 1

31- FÔLHA DA MANHÃ , Recife, vespertino, 08.04.1938, p 332- CORREA, P. "O Verdadeiro Perigo Comunista". Revista A ORDEM, op. cit. , p 556.33- POLIAKOV, Leon. La Causalité Diabolique . op. cit.34- FÔLHA DA MANHÃ, Recife, vespertino 03.06.1938, p3. Ver também, CORREA, P. "O Verdadeiro Perigo Comunista" . Revista A ORDEM, op. cit. p 55735- FOLHA DA MANHÃ, Recife, vespertino, 03.06.1938, p 336- FOLHA DA MANHÃ , Recife,matutino, 04.12.1937, p137- Idem38-BARROSO, Gustavo. Sinagoga Paulista, ,op.cit p 27

39- FÔLHA DA MANHÃ, Recife, matutino, 23.01.1938, p 3

40- A NOTA, Rio de Janeiro, 03.10.1936, p 3

41- Idem

42-BARROSO, Gustavo. Integralismo e Catolicismo . op. cit. p.30

43- A TRIBUNA . 22.9.1938 pgs. 1 e 3.

44- ISAAC, Jules. Las Raices Cristianas del Antisemitismo, Buenos Aires, Editorial Paidós,1966

45- A TRIBUNA , 04.12.1938 p.1

46- Sôbre tema vide: COLOMBO, Eduardo. El Imaginário Social . Montevidéo, Ed. Altamira, 1993; GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo,Companhia das Letras, 1987.

47- ARENDT,Hannah. Origem do Totalitarismo . São Paulo, Companhia das Letras, 1989. vide também A Gazeta 10.3,1938 p.3 e 20.6.1938. p.1.

48- Temos desenvolvido esta pesquisa acerca do discurso da imprensa racista no estado de Pernambuco. Este trabalho já faz parte de resultados desta pesquisa.

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