49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Sonia Gomes Pereira

49th INTERNATIONAL CONGRESS OF AMERICANISTS

PONTIFICIA UNIVERSIDAD CATîLICA DEL ECUADOR

QUITO, 7 A 11 DE JULHO DE 1997

COMUNICAÇÂO APROVADA PARA O SIMPOSIO QUESTÔES URBANAS: HISTORIA E POLITICAS PUBLICAS

TITULO:

O PROJETO DE MODERNIZAÇÂO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

AUTOR: SONIA GOMES PEREIRA

RESUMO

O PROJETO DE MODERNIZAÇÂO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

SONIA GOMES PEREIRA

O objetivo desta comunicaçâo examinar o projeto de modernizaçâo da sociedade brasileira na passagem do sculo XIX para o sculo XX, focalizando o caso do Rio de Janeiro como lugar privilegiado das transformaç>es que se consubstanciam de forma mais palpável na cidade. Neste esforço de atualização, constituem preocupaç>es prioritárias a adoção de modelos europeus, o cuidado com a formaçâo de profissionais afinados com novas tcnicas, a procura de novos estilos, com a intençâo de construir um novo imaginário - enfiim um verdadeiro projeto cultural, no qual certamente a antiga Academia Imperial de Belas Artes desempenhou ium papel de grande importáncia.

O PROJETO DE MODERNIZAÇÂO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Sonia Gomes Pereira

Como tem sido apontado pela recente historiografia sobre o assunto, a reforma urbana realizada no Rio de Janeiro no início do sculo XX fez parte de um amplo projeto político do Governo Rodrigues Alves visando angariar credibilidade, investimentos e mão-de-obra para o Brasil, ampliando assim a sua participação no capitalismo internacional. Representou uma mudança radical em termos de gestão urbana, pois, em lugar do modelo liberal do Imprio, agora o Estado que assume o planejamento e a execuçâo dos melhoramentos. Aliado âs classes mais dinámicas na poca, tanto locais quanto estrangeiras, este Estado atua diretamente sobre a valorizaçâo do solo urbano e concretiza uma crescente estratificaçâo social do espaço da cidade. Paralelamente âs obras de melhoramentos e de saneamento, o Estado pretendeu tambm intervir nas formas tradicionais de utilizaçâo e fruiçâo da cidade, incentivando a adoçâo de um modelo burgus, mais compatível com os ideais de progresso e modernização.

Há, no entanto, alguns aspectos importantes sobre a reforma urbana Pereira Passos, que nâo tm sido abordados em sua recente avaliaçâo, e que se tornam valiosos, sobretudo como contribuição â reflexão dos problemas urbanos atuais do Rio de Janeiro. São eles: o entendimento da relação entre esta reforma do Rio e o modelo da reforma de Paris; a compreensão do modelo de cidade industrial do sculo XIX; a análise da nova centralidade implantada no Rio de Janeiro por esta reforma; e finalmente a verificaçâo da influncia desses novos espaços urbanos na construçâo de uma nova identidade para a cidade.

UMA APLICA,ÌO INTELIGENTE DO MODELO DE PARIS

E a nevrose de Haussmann

Annaes do Conselho Municipal, 19/11/1903 (1)

Assim como havia acontecido no agenciamento visual do Largo do Carmo na segunda metade do sculo XVIII, segundo o modelo da Lisboa recm-reformada pelo Marqus de Pombal, tambm agora, nessa implantaçâo de um novo centro para o Rio de Janeiro durante o Governo Rodrigues Alves, lança-se mão da imagem mais moderna de urbanismo para a poca: a Paris remodelada pelo Barão Haussmann. Paris modelo em todos os sentidos. E modelo como forma de atuação do Estado, ao mesmo tempo idealizador, promotor e gestor da reforma urbana. E modelo como tipo de açâo administrativa, alicerçada em emprstimos particulares e ancorada na competncia tcnica de profissionais especializados. E modelo como ideologia do progresso, celebrando o entusiaasmo pela cincia e pela tecnologia na construção do mundo moderno. E finalmente modelo como adoção de um partido urbano e de um partido arquitetónico específicos. Esse partido o das grandes avenidas retilíneas e arborizadas, traçadas segundo perspectivas imponentes e aparelhadas com uma arquitetura ecltica de escritura tradicional, mas tomada agora essencialmente de forma cenográfica.

E claro que existe uma distáncia entre a reforma realizada no Rio de Janeiro de 1902 a 1906 e a realizada em Paris em meados do sculo XIX. A de Paris foi muito mais extensa, seguindo um projeto que atuava de forma mais ou menos homognea sobre todo o tecido urbano existente na poca e ainda preconizava o crescimento das áreas perifricas. Nem todas as reformas urbanas realizadas posteriormente, pelo mundo afora, seguindo o modelo parisiense, tiveram a sua extensâo ou seguiram um projeto tâo articulado e totalizador. Muitas das reformas inspiradas em Paris nâo passaram de agenciamentos parciais da cidade ou simples intervenç>es com alargamento e retificação de ruas para melhoria de circulação. A reforma do Rio de Janeiro inclui-se neste grupo: foi, na verdade, a modernizaão de uma parte central da velha cidade colonial, articulada â construção do novo porto e â abertura de algumas vias de comunicação desse centro reformado com as áreas perifricas.

Entretanto, o fato dessa reforma do Rio de Janeiro, assim como o de outras cidades, ter uma pretensâo e uma escala menores nâo significa que o modelo nâo seja Paris, como vem sendo contestado ou minorizado por alguns autores (2). E preciso aqui deixar bem claro que o modelo Paris significa uma maneira específica de pensar a cidade, uma concepção particular de urbanismo e de arquitetura. Não interessa se na prática as cidades seguidoras do modelo se parecem ou nâo com Paris: o importante que o modelo mental que dá início a todo processo a imagem de Paris reformada. Na passagem da teoria para a prática, inomeros outros fatores vâo intervir, como a própria adequaçâo â realidade económica e cultural de cada exemplo - o que tambm não necessariamente mal. E muito interessante reparar que, por vezes, os mesmos críticos da radicalidade e autoritarismo da reforma de Paris são tambm críticos das reformas seguintes, por não seguirem Paris â risca. Pelo contrário, o próprio fato de ter havido no Rio de Janeiro uma reforma parcial, que atuou somente nos setores, onde a situação urbana se apresentava de forma mais crítica, uma característica extremamente louvável - e que, aliás, vem sendo muito elogiada no modelo ingls de urbanismo (3).

Parece ter sido isso exatamente o que aconteceu na reforma urbana do Rio de Janeiro de 1902 a 1906. Partindo do modelo teórico do urbanismo progressista, do qual a Paris reformada por Haussmann era o paradigma(4), realizou-se aqui uma reforma parcial, atuando drasticamente, como manda o seu modelo, mas apenas nas áreas críticas da cidade velha, construindo o novo porto e o novo centro da cidade e lançando algumas vias de comunicação entre este centro e as áreas perifricas. Nâo houve entre os idealizadores da reforma do Rio de Janeiro no início do sculo a menor intençâo de vestir a cidade numa armadura de ferro, como diria Carlos Nelson Ferreira dos Santos(5), prevendo-lhe o crescimento e traçando a priori a malha viária a ser seguida. Os idealizadores do Rio do início do sculo XX foram bem mais modestos do que Haussmann em Paris de meados do XIX e bem mais modestos tambm que os urbanistas funcionalistas do sculo XX, que ousarâo planejar a cidade toda, inclusive em suas projeç>es. Os idealizadores do Rio no governo Rodrigues Alves tiveram esse bom-senso: resolveram uma situação urbana crítica, usando o ferramental teórico e prático de sua poca, mas sem avançar alm das necessidades que se apresentaram na ocasiâo como inadiáveis. Nâo houve megalomania, nem delírio no traçado das novas vias, nem na construçâo do novo porto e nem mesmo na construçâo da onica arquitetura monumental da reforma - a de sua via principal, a Avenida Central. Mesmo na poca houve, como o arquiteto Adolfo Morales de Los Rios pai, quem lamentasse não terem os reformadores ousado mais, sobretudo na largura das ruas(6).

Era imprescindível para aquela geraçâo da passagem do sculo a construçâo de uma nova centralidade para a capital, segundo a imagem de uma cidade moderna, voltada para o progresso. Esse desejo pode ser questionável, como efetivamente vem sendo nos vários estudos recentes sobre o assunto, por apoiar-se num modelo económico e político altamente injusto, correspondendo â mentalidade característica da classe burguesa em franca ascensâo no país. Mas esse desejo nâo tomou na reforma do Rio de Janeiro no início do sculo uma forma totalitária que tomará em projetos subsequentes, como o de Brasília, por exemplo, em que se pretende planejar tudo, das mais complexas atividades urbanas ao próprio comportamento de seus usuários. Aqui se poderia argumentar que a mentalidade que engendra os dois projetos urbanos - o Rio de 1902/1906 e Brasília de 1960 - a mesma, mas isso não verdade. O ideário burgus que forjou a Paris de Haussmann e o Rio de Pereira Passos ainda pr-moderno. Acredita entusiasticamente na capacidade da tcnica na construção do progresso, mas ainda se encontra afetiva e efetivamente ligado a uma tradiçâo humanista, não fazendo tábua rasa do passado. E certo que a modernização se fez â custa de inomeras demoliç>es, mas esse sempre foi o processo de transformação das cidades, desde os tempos antigos, como observa Françoise Choay (7). Apesar das demoliç>es, nâo há na cidade oitocentista a idia de que preciso partir do zero, do vazio, como haverá posteriormente no urbanismo racionalista. Pelo contrário, os urbanistas do sculo XIX preservaram sobretudo os prdios notáveis de pocas passadas, dando-lhes inclusive destaque na malha viária reformada, atravs de enquadramentos em perpectivas privilegiadas (8). Alm disso, usavam uma arquitetura ecltica formada de toda sorte de revivalismos históricos. Eram ainda, pela própria concepçâo urbana, herdeiros diretos das realizaç>es dos sculos XVII e XVIII. A experincia de modernidade no sculo XIX, portanto, não significava a rejeição do passado, mas sim a continuação e a recriação desse passado num outro ambiente urbano, esse sim inexoravelmente moderno.

A reforma urbana do Rio de Janeiro em 1902/1906 teve, assim, como modelo o urbanismo francs do sculo XIX, com as suas vantagens e desvantagens. As desvantagens tm sido bastante apontadas em estudos recentes sobre o assunto: são a fórmula da intervenção de um Estado autoritário na soluçâo dos problemas urbanos; a criaçâo de uma aura de neutralidade em torno da atuaçâo de tcnicos especializados; a possibilidade de intervençâo maior na malha urbana já existente e mesmo na geografia local; a instrumentalizaçâo de um processo de especulaçâo do solo urbano e de segregaçâo social que sâo as grandes características da cidade burguesa; e a crença de que o crescimento da cidade moderna pode ser subjugado â açâo normativa de um projeto global e definitivo. De pelo uma dessas desvantagens, a reforma do Rio no início do nosso sculo seguramente se livrou: não foi uma reforma totalizadora, nem tomada como definitiva, mas sim uma intervenção parcial sobre uma área critica da cidade na poca.

Já as vantagens do modelo do urbanismo francs do sculo XIX, essas não tem sido percebidas nas críticas recentes sobre a reforma de 1902/1906. Referem-se ao fato de ser uma maneira de pensar a cidade moderna, sem romper com a historicidade, como farão mais tarde os urbanistas racionalistas do sculo XX.

UM MODELO DE CIDADE INDUSTRIAL COM UMA SEMåNTICA URBANA TRADICIONAL

Eu amo a rua...A rua! Que a rua?...

A rua era para eles (dicionários)

um alinhamento de fachadas,

por onde se anda

nas povoaç>es...

Ora, a rua mais do que isso,

a rua um fator de vida das cidades,

a rua tem alma!

Joâo do Rio (9)

A reforma do Rio de Janeiro de 1902/1906 seguiu um modelo de cidade industrial que, apesar de atender âs novas necessidades de circulaçâo e higienizaçâo, ainda se apóia na semántica urbana tradicional, isto , estrutura-se sobre uma malha formada basicamente por ruas e praças e ainda incorpora a diversidade de funç>es urbanas.

Para se poder avaliar a importáncia dessa semántica urbana tradicional, preciso examinar os grandes pressupostos teóricos sobre os quais se erigiram a teoria e a prática urbanísticas no sculo XX, dominadas pelo pensamento racionalista e funcionalista, seja ligado a Le Corbusier, seja ligado â Bauhaus.

Um desses pressupostos diz respeito â necessidade de separaçâo de funç>es na cidade moderna. Ao contrário da cidade tradicional, em que os mesmos espaços desempenham simultaneamente funç>es distintas como residencial, administrativa, comercial ou de lazer, a cidade moderna deveria ser setorizada, com espaços definidos para cada funçâo. Le Corbusier chega mesmo a elencar as funç>es primordiais da cidade: o morar, o trabalhar, o circular e o cuidar do corpo e do espírito. Brasília, por exemplo, que a materializaçâo da teoria urbana corbusiana, segue essa determinação de setorizar atividades. Mesmo o ítem circulação deveria ser subdividido entre circulação de transportes e de pedestres, que não deveriam nunca estar associados. Chega-se assim â eliminação da rua tradicional: para os transportes, deveriam ser traçadas grandes vias, auto-estradas, que permitissem a velocidade; e para os pedestres, os caminhos isolados, longe da confusão viária.

Ora, esta concepçâo de funç>es setorizadas e de tránsito de veículos e pedestres dissociados acabou criando espaços urbanos profundamente monótonos. A separaçâo de funç>es trouxe um enorme empobrecimento âs cidades modernas, uniformizando o comportamento do usuário em determinados setores e esvaziando-os totalmente nas partes do dia em que suas atividades-chave nâo estâo sendo exercitadas. Nâo tm sido poucos os críticos da cidade moderna de inspiraçâo funcionalista, saídos das mais diversas formaç>es acadmicas e tcnicas: psicólogos, antropólogos, sociólogos, criminalistas, educadores, psiquiatras. Assim como no sculo XIX a teoria urbana se alicerçou sobre a crítica âs deformaç>es da cidade industrial, na segunda metade do sculo XX começou a se formar uma nova teoria urbana, ancorada na crítica âs soluç>es funcionalistas para a cidade industrial. Critica-se a padronização da arquitetura, enclausurada em fórmulas de um purismo geometrizante, em que a decoração radicalmente proscrita; critica-se ainda a perda da escala humana nas grandes áreas verdes, verdadeiros vazios de difícil manutenção do ponto de vista paisagístico e facilmente transformáveis em locais de grande periculosidade no cotidiano urbano; critica-se tambm a radicalizaçâo na setorizaçâo da cidade, identificando que a animaçâo urbana decorre sobretudo da mistura de funç>es diversas. A americana Jane Jacobs (10), entre outros, tem demonstrado a extraordinária vitalidade de setores da cidade, em que moradia, trabalho, comrcio, divertimento e simples circulaçâo convivem e se completam, tornando cada uma dessas atividades mais dinámicas. E neste contexto de revalorização das mistura de funç>es em espaços urbanos que a rua e a praça tm sido repensadas como valores tradicionais que precisam ser resgatados, porque são elementos fundamentais na revitalização das cidades modernas.

Assim, apoiando-se nesta nova teoria urbana, contemporánea ao pós-modernismo, que tem feito a crítica da modernidade urbanística, a reforma do Rio de Janeiro de 1902/1906 pode tambm ser repensada. Esta reforma baseou-se num modelo de cidade pre-moderna que, apesar de já lidar com os problemas típicos da sociedade industrial - como super-populaçâo, estrangulamento na circulaçâo, deteriorizaçâo na saode poblica, segregaçâo espacial, mercantilizaçâo do solo urbano, tendncia â massificaçâo e â uniformidade - ainda se posiciona numa situaçâo de contiguidade com a tradiçâo urbanística. Emprega, como unidades básicas, a velha rua e a velha praça. Projeta espaços que, se já nâo possuem uma mistura total de funç>es como nos sculos anteriores, ainda preservam certa diversidade, garantindo com isso espaços extraordinariamente animados. A prova do sucesso desses espaços urbanos oitocentistas está na sua continuidade vital, apesar do crescimento em extensão e em população, como pode ser visto em cidades como Paris ou Bacelona de hoje.

O Rio de Janeiro era, antes da reforma de 1902/1906, uma cidade de aspecto colonial, provavelmente bastante simpática e aprazível, pelo que se pode deduzir da extensa iconografia da cidade no sculo XIX, mas inteiramente atravancada e perigosamente insalubre. A reforma do início do nosso sculo promoveu a abertura de algumas avenidas e o alargamento de uma srie de ruas que possibilitaram uma vida urbana muito mais plena. Passado o momento inicial de intenso transtorno com as obras, a fruição dessas novas ruas e praças tornou-se seguramente um valor de grande positividade no cotidiano da cidade. Nâo de certo â toa que Joâo do Rio celebra a sua variedade e vitalidade numa obra que lhe totalmente dedicada: A Alma Encantadora das Ruas (11).

Aqui se poderia argumentar que esse urbanismo oitocentista organiza ruas e praças bastante animadas, mas segundo os padr>es burgueses de fruiçâo da vida urbana. Nâo verdade. Apesar da intençâo da segregaçâo ser real, o espaço criado acaba extrapolando as medidas colocadas por seus idealizadores. O espaço da Avenida Central, por exemplo, nitidamente planejado para o uso e fruiçâo das classes alta e mdia. Mas os pobres tambm serâo atraídos pela sua novidade, pela sua animaçâo e vâo descobrir formas de penetrar tambm neste espaço, seja como vendedores ambulantes, ou seja em festividades e manifestaç>es. E muito significativa a referncia de Olavo Bilac aos ÒdescamisadosÓ desfilando pela recm-inaugurada Avenida por ocasião da procissão de N.S. da Penha (12), provando que, apesar da intenção segregadora, esses espaços serão reocupados pelos mais pobres. A rua, com sua tendncia estrutural â diversidade e â mistura, não o elemento urbano propício ao exercício da segregação. Talvez por isso mesmo, um pouco mais tarde, ela será abolida por um urbanismo, que prefere espaços como quadras, condomínios, centros comerciais, estes sim muito mais resistentes â heterogeneidade social.

A ligaçâo genuína entre rua e animaçâo pode ser medida ainda hoje comparando a avenida Rio Branco, a Avenida Presidente Vargas e a Avenida Chile, que correpondem a trs concepç>es urbanas distintas.

A Avenida Rio Branco foi projetada e funciona at hoje como uma verdadeira rua. Mistura intenso movimento de veículos e de pedestres. As calçadas sâo próprias para a circulaçâo de pedestres, mas oferecem inomeras outras possibilidades de utilizaçâo, pela sua movimentação e arregimentação de poblico. Servem assim ao comrcio e â prestação de serviços, ligados a um mercado informal de trabalho, que tanto no início do sculo como ainda hoje constitui forma significativa de sobrevivncia da maioria da populaçâo pobre da cidade.

Estas calçadas servem ainda como simples divertimento. Desde a sua inauguraçâo em 1906 at os anos 50, a Avenida foi o centro nâo apenas cultural, mas tambm de lazer para praticamente todas as classes sociais da sociedade carioca. Ali transitavam homens e mulheres das camadas mais abonadas, a caminho das confeitarias, das livrarias, dos cinemas e outros pontos de encontro celebrados em toda a crónica da cidade dessa poca, ou entâo no simples exercício do footing , este desfilar pelas ruas com o objetivo de ver e de ser visto, que envolvia obviamente a possibilidade de encontros - aqui se manifesta de forma cristalina aquela dimensâo erótica da cidade de que falava Roland Barthes (13) e que se viabiliza naturalmente nas ruas e praças tradicionais, mas que dificilmente ocorre nos espaços funcionalistas posteriores.

Mas a Avenida nâo era apenas o espaço de lazer das classes abonadas: tambm os mais pobres a utilizavam, no seu cotidiano, como na vida bomia, inomeras vezes relatada por artistas famosos, como Pixinguinha e Bororó, que praticamente Òassinavam pontoÓ em determinados bares e botequins das imediaç>es. Havia ainda a grande ocasiâo das festas populares, como o Carnaval, que se realizavam em toda a cidade, mas tinham na Avenida o seu ponto culminante, tanto para as manifestaç>es mais informais, como o carnaval de rua, quanto para seus grandes desfiles oficiais.

A partir da dcada de 50, com o desenvolvimento e crescente autonomia dos bairros, a Avenida não logicamente mais a mesma. Mas interessante notar como ainda hoje se encontram por estas calçadas pequenos espetáculos musicais, ou de caráter circense, como Òo homem que engole gillette , que atraem um nomero significativo de interessados. Finalmente, a Avenida tem at hoje a conotaçâo de ser um dos poucos espaços da cidade para as manifestaç>es políticas como passeatas e comícios.

Comparada com a Avenida Rio Branco, a Avenida Presidente Vargas prioritariamente uma artria voltada para o tráfego de veículos. O pedestre ali secundário e mesmo a presença de um jardim aprazível como o Campo de Santana ou a parte de calçadas cobertas pela projeção dos prdios nos oltimos quarteir>es próximos â Candelária conseguem transformar a Presidente Vargas numa rua com a qualidade de animaçâo da Rio Branco. A própria largura excessiva torna impossível a escala humana. Mesmo a recente reurbanizaçâo, que a tornou visualmente mais agradável pela colocaçâo de canteiros e árvores, de certa forma explicitou a sua vocaçâo para o tráfego, pela colocaçâo de um nomero incontável de placas indicativas e sinais luminosos.

Mas a Presidente Vargas, de qualquer maneira, ainda uma grande artria agradável, se comparada com a Avenida Chile. Nesta o pedestre foi totalmente excluído, a tal ponto que qualquer usuário da cidade, obrigado a ali passar a p, sente uma sensaçâo terrível de desproteção. Praticamente sem sinais para travessia, o tránsito flui em velocidade acentuada. Só mesmo nas paradas de ónibus se pode ter a expectativa de encontrar pessoas nas calçadas. Se nâo bastasse a desolaçâo desse espaço urbano, há ainda aquela sequncia de sedes de grandes estatais - PETROBRAS, BNDES, BNH - algumas agora at extintas, mas, na poca de sua construção, modelares do Òmilagre económicoÓ dos anos 70, com uma arquitetura estruturalmente exibicionista e formalmente padronizada, entremeada por grandes espaços vazios. Quem em sã conscincia escolheria um lugar como a Avenida Chile para passear? Que diversidade de funç>es possível num espaço tão estril? Que possibilidade de encontro viável num tal deserto, a não ser certamente com assaltantes?

A comparaçâo desses trs espaços torna patente que, apesar de igualmente inserido numa mesma problemática de intervançâo urbana, comandada prioritariamente pelos princípios de especulaçâo e segregaçâo, típicos de um sistema capitalista, eles tm qualificaç>es urbanas bastante distintas, que decorrem de idias diferentes de cidade. A Avenida Rio Branco ainda uma rua pr-moderna. A Presidente Vargas já está afinada com a mentalidade moderna de primazia do carro sobre o pedestre. Mas a Avenida Chile o paradigma do urbanismo e da arquitetura modernas funcionalistas. Não traz nenhum benefício â discussão dos problemas atuais das cidades brasileiras, especialmente do Rio de Janeiro, incorporar todas essas experincias urbanas, havidas na cidade desde a Repoblica, como sendo igualmente negativas, pelo fato de serem provenientes do mesmo sistema capitalista, que provoca inevitavelmente a mercantilização dos solos urbanos e a segregação social. E claro que esta tem sido a realidade económica e social que tem servido de pano de fundo a todos os nossos problemas urbanos desde entâo, mas igualmente verdade que houve mudanças significativas na forma de pensar a cidade, capazes de gerar espaços bastante diferenciados.

A CONSTRU,ÌO DE UMA NOVA E EFICIENTE CENTRALIDADE PARA O RIO DE JANEIRO

Echos de partout

...Ici tout fleurit, tout prospre.

N'avons nous pas toutes les belles

avenues en perspective?

N'avons nous pas le Dr. Passos, qui avec son rare gnie a sauv la prfecture,

embelli nos places publiques,

et nous a dlivr de tant de ruines

qui donnaient um aspect triste et monotone

â notre pauvre Rio?

Il a mme mis en revolution tous les propritaires.

Bientót, nous pourrons voir trainer

nos belles quipages le long des avenues

et nous nivrer du parfum des mognolias.

Quelle chance, d'avoir une place pour se runir,

et promener ensemble!

O Paiz, 5/05/1904 (14)

Ao longo do seus cinco sculos de existncia, o Rio de Janeiro sofreu mudanças significativas na sua centralidade. Inicialmente instalado no Morro do Castelo, aí funcionou no sculo XVI, at que começasse um processo de expansâo para a várzea. Durante todo o sculo XVII e a primeira parte do sculo XVIII, a cidade viveu uma situação ambígua em relação â sua centralidade. Embora o centro ainda estivesse sediado no antigo Morro do Castelo, quase todos os marcos importantes de representatividade dos poderes civil e religioso já estavam se deslocando para a várzea, transformando o Largo do Carmo num polo vital para o funcionamento da cidade, estrategicamente articulado ao principal caminho interno - a via formada pelas Rua da Misericórdia e a Rua Direita - e ao onico caminho externo - o porto de acesso ao caminho marítimo para a Metrópole. Na segunda metade do XVIII, a longa situação de ambiguidade chega a uma solução, com o total abandono do antigo centro, o Morro do Castelo, e o agenciamento pelo Estado do Largo do Carmo como centro oficial da cidade, agora tambm capital, atravs de uma srie de obras poblicas monumentais, seguindo o modelo da Lisboa pombalina.

No sculo XIX a cidade enfrenta um processo acelerado de crescimento. At a dcada de 70 essa expansâo se faz sobretudo em direçâo a Sâo Cristovâo, bairro preferido na poca para a residncia das classes mais abonadas, e atravs da ocupação da Cidade Nova, antigos terrenos alagadiços, agora aterrados para garantir a comunicação deste vetor norte. Inicia-se, assim, um novo processo de ambiguidade na centralidade do Rio de Janeiro. O centro oficial continua sendo o Largo do Carmo, mas o Campo de Santana começa a polarizar uma srie de atividades cívicas e de entretenimento, mais propícias â sua maior extensâo, e a congregar inomeros prdios administrativos. O Campo de Santana se articulava ainda ao novo caminho interno - o Caminho do Aterrado - que liga a parte velha â parte nova da cidade, e para o qual vâo ser feitos vários projetos a fim de transformá-lo numa grande avenida monumental. Articula-se tambm, depois da dcada de 50, com um caminho externo importante - o da Estrada de Ferro D. Pedro II - que, tendo a estação terminal justamente no Campo de Santana, faz a ligação das regi>es interioranas, onde está a produção cafeeira, com o porto do Rio, agora estendido para os lados da Saode e da Gamboa (15).

Tudo parecia indicar que a cidade continuaria crescendo prioritariamente em direção â zona norte e que o Campo de Santana transformar-se-ia no novo centro, substituindo o antigo Largo do Carmo. Mas, a partir da dcada de 70, o vetor sul de expansão da cidade começa nitidamente a suplantar o vetor norte na preferncia das classes abastadas, representando uma opçâo de residncia mais saudável numa poca de epidemias. A implantaçâo sincrónica dos serviços regulares de bondes e trens nesta dcada concretiza a territorializaçâo da cidade segundo a estratificaçâo social: os bondes atendem aos bairros selecionados, principalmente da zona sul, e os trens atendem aos bairros pobres, sobretudo na zona norte e seus suborbios (16). A centralidade da cidade, que já estava dividida entre o Largo do Carmo e o Campo de Santana, fica ainda mais problemática. O Largo do Carmo, bem situado em relação ao vetor sul de expansão, estava estrangulado em uma área exígua, cercada por uma malha estreita, densa e super-populada. O Campo de Santana, muito mais amplo e com potencialidade de crescimento, estava totalmente fora da nova rota preferencial da cidade. E muito significativa deste conflito de vetores e de definição de centralidade a quantidade de projetos que surgem nesta poca para a abertura de uma grande avenida na cidade: uma boa parte desses projetos prop>e o eixo norte-sul, insistindo na ligaçâo Largo do Carmo/Campo de Santana/Zona Norte, enquanto a outra parte desses projetos já apresenta a soluçâo leste-oeste, ligando o Largo da Prainha/Praia de Santa Luzia/ Zona Sul (17).

O Rio de Janeiro encontrava-se, portanto, na passagem do sculo XIX para o XX num processo de crescimento acelerado de sua malha urbana e de grave crise de sua centralidade. E exatamente neste momento que o Estado intervm, como tambm havia feito na segunda metade do sculo XVIII, para explicitar uma nova centralidade. A diferença entre esses dois momentos de atuação do Estado na construção da centralidade do Rio de Janeiro que, na segunda metade do sculo XVIII, o Largo do Carmo já era virtualmente o centro da cidade e o Estado intervm apenas no seu ordenamento visual para equipá-lo com uma imagem condigna, segundo os modelos da poca. Já no Governo Rodrigues Alves, o Estado atua de forma mais ampla: ele praticamente constrói o novo centro, constituído pelo conjunto formado pela Avenida Central, depois Avenida Rio Branco, e as duas praças situadas na sua extremidade - de um lado, o Largo da Prainha, depois Praça Mauá, acesso ao novo porto; e de outro lado, o antigo Largo da Mâe do Bispo, depois Praça Ferreira Viana, futura Praça Marechal Floriano, ou Cinelándia, acesso aos bairros elegantes da zona sul, atravs da recm-aberta Avenida Beira-Mar.

E muito significativo que, ao contrário dos centros anteriores que eram praças, o novo centro da cidade seja uma grande artria articulada a duas grandes praças. E que o Rio daquela poca já havia incorporado uma forma mais moderna de vida urbana, muito mais dinámica, essencialmente fundada na circulação. Aqui importante retomar a distinçâo entre a cidade pr-moderna do sculo XIX e a cidade moderna do sculo XX em relaçâo â circulaçâo. Na cidade atual a circulaçâo de pedestres tenderá a ser totalmente separada da de veículos, que se torna a prioridade maior. Já na cidade oitocentista as duas circulaç>es ainda estão unidas e, na verdade, o clima cosmopolita das suas grandes avenidas dado pelo movimento dos carros nas ruas, mas tambm pelo movimento dos pedestres na calçada.

O novo centro da cidade , portanto, uma grande via de trinta e trs metros de largura, com calçadas laterais e pequenos passeios centrais, onde se enfileiram e alternam os postes de iluminação e a arborização. As fachadas ocupam inteiramente as larguras dos lotes e possuem mais ou menos as mesmas alturas, formando grandes pared>es ao longo de cada quarteirâo. Forma-se assim uma unidade visual, que o quarteirâo de fachadas. Desde a Praça Mauá at a Cinelándia, esses quarteir>es se sucedem; as ruas perpendiculares, que cortam a Avenida, sâo as pausas, estabelecendo as esquinas, que em geral sâo muito valorizadas pelo arredondamento dos prdios, quase sempre terminados com torre>es. A arquitetura se rende, aqui, â importáncia prioritária da rua, com suas calçadas e esquinas e toma, neste contexto essencialmente urbano, uma função cenográfica. Cabe a cada fachada compor parte de um quarteirão, esse sim o grande elemento visual na percepção do usuário, que sempre tomado como o passante pela rua, de bonde ou de carro, ou pelas calçadas a p. E muito importante aqui destacar esta grande novidade na história da arquitetura. Pela primeira vez se projeta uma arquitetura que para ser vista prioritariamente por um espectador em movimento. Seu tempo de percepção outro, muito mais rápido, com uma possibilidade imediata de perceber cheios e vazios - no caso os quarteir>es compactos de fachadas e as esquinas entre as ruas perpendiculares. O ritmo que se estabelece ao longo da Avenida o impresso pela alternáncia desses dois elementos essenciais: os quarteir>es e a interseçâo de ruas.

Mas, apesar da importáncia da arquitetura na composiçâo dos limites visuais e do próprio ritmo na percepçâo desse espaço urbano, nâo há a menor dovida de que o principal da Avenida o próprio espaço urbano e toda a cena da animaçâo de pedestres e transportes. O movimento que se passa neste espaço urbano o seu ponto nodal. E preciso, no entanto, precisar que tipo de movimento ocorre aqui. Não logicamente o mesmo tipo de movimento que ocorria no antigo centro da cidade colonial, no Largo do Carmo.

Trata-se de um movimento processional: um desfilar incessante de pessoas e transportes, no sentido longitudinal, em que os espectadores tanto sâo os que estâo nas ruas e calçadas, como tambm os que estâo nas janelas e portas. A separaçâo mais ou menos rígida entre sujeito e objeto da arquitetura tradicional está aqui desfeita, numa situação nova em que o sujeito pode ser objeto e vice-versa.

Dentro dessa unidade visual primordial que o quarteirâo, cada prdio será secundariamente marcado na sua individualidade por uma fachada diferenciada. Pode ser a marcação diferente na divisão de andares; pode ser a própria diferença no nomero de andares; pode ser a forma de arremate superior, ou em platibandas ou em front>es ou em torre>es; pode ser ainda a escolha de determinado vocabulário decorativo, geralmente apoiada nos estilos classicizantes, mas âs vezes utilizando os estilos medievais; pode ser tambm no próprio tratamento da fachada, seja planimtrico ou volumtrico. Recorre-se aqui a uma arquitetura ecltica, que disp>e de largo arsenal de possibilidades decorativas, sugeridas pela longa tradiçâo ocidental, mas que as utiliza segundo um critrio básico: a valorizaçâo do ornamento na composiçâo das fachadas. Ao contrário do Racionalismo arquitetónico, triunfante a partir da primeira Guerra Mundial, que considera, como Adolf Loos, o ornamento um crime, o Ecletismo se estrutura numa maneira de ver a arquitetura indissociada da decoração. Pelo contrário, como dizia John Ruskin (18), a função decorativa uma de suas funç>es primordiais. E a ornamentação que dá caráter â arquitetura e cada estilo decorativo evoca um determinado tipo de uso de sua arquitetura. Assim, no usuário, já se forjou uma associação mais ou menos óbvia entre o neogótico ou o neo-románico e os prdios religiosos; ou entre o neo-renascimento ou o neo-barroco e os prdios civis de certo destaque. Escolhe-se, portanto, o estilo do prdio pela adequaçâo â sua funçâo utilitária, dando destaque â formaçâo de uma verdadeira tipologia no repertório visual do usuário. Dessa maneira, ao passear pela cidade, sem precisar necessariamente fazer uso de legendas ou placas indicativas, o usuário pode ler, pela própria tipologia do edifício, a sua destinaçâo. Nesse tipo de arquitetura, um prdio de uso cultural, como um teatro, uma biblioteca ou um museu, diferencia-se de um banco, ou um hospital, ou uma escola, ou uma igreja. E justamente porque faz uso de um repertório histórico, há muito incorporado ao acervo inconsciente do usuário, estas associaç>es se dão sem necessariamente precisar recorrer â erudição ou â iniciação artística. Esta capacidade do usuário denotar a finalidade do prdio pela Òsua própria caraÓ está hoje bastante diminuída, pelas dcadas de convívio com a arquitetura moderna, em que praticamente todos os prdios se parecem e sempre preciso recorrer â legenda para diferenciá-los. Mas mesmo hoje ainda ocorrem casos de identificaç>es instintivas de certos estilos com certos usos, como, por exemplo, o do Gabinete Portugus de Leitura, com seu estilo neomanuelino, que parece uma igreja e onde ocasionalmente pessoas entram e se ajoelham (19).

No caso da Avenida, todo aquele longo correr de fachadas, desde a Praça Mauá at quase a Cinelándia, refere-se a prdios comerciais, com lojas no trreo e escritórios nos demais pavimentos. Faz uso, na sua grande maioria, de decoraçâo filiada â tradiçâo classicizante: o Renascimento, o Maneirismo, o Barroco e o Rococó. Mas sempre predomina em todos esses casos o espírito maneirista, caracterizado pela apropriaçâo do vocabulário clássico, mas aplicado de forma livre, fora das prescriç>es canónicas renascentistas. E esse mesmo processo, que ocorreu durante o Maneirismo histórico do sculo XVI e seus prolongamentos pelo sculo XVII, que aparece no Ecletismo: há uma apropriação ousada de repertórios de significantes, que são aplicados fora das sintaxes tradicionais, a fim de compor novos significados, necessários a uma nova poca urbana. A rocaille do Rococó, as grandes volutas do Barroco, os pórticos com colunas dóricas, jónicas ou coríntias típicas do Renascimento, os front>es ondulados do Maneirismo e do Barroco, as copulas com arestas típicas do Maneirismo francs - tudo isto aparece incorporado como simples significantes. O lxico, a que estes significantes estavam relacionados, totalmente ignorado. Esse Ecletismo classicizante, pela sua maior neutralidade simbólica e pela sua internacionalizaçâo, cabe muito bem em prdios comerciais. Logicamente empresas mais poderosas como a Cia. Docas de Santos ou os Jornais O Paiz ou o Jornal do Brasil : tm prdios mais altos, ou mais largos, ou mais sofisticados do ponto de vista ornamental, mas essas diferenças individuais, apesar de presentes, estâo subjugadas â importáncia prioritária do quarteirâo como um todo e â percepçâo da Avenida como o principal centro de negócios da cidade.

Há poucas exceç>es ao predomínio marcante do Ecletismo classicizante: sâo os exemplos de revivalismos medievais. Alguns, associados ao neogótico, sâo prdios comerciais, mas de propriedades de ordens religiosas, como a Ordem de São Bento: nesse caso talvez a propriedade e não a função utilitária do prdio tenha influído na escolha do estilo. Outros como o neogótico do prdio nomero 22/24/26 de propriedade da Cia. E. F. S. Paulo e Rio Grande pode denotar a ligaçâo deste estilo com as construç>es de estradas de ferro. Ou ainda o neomourisco do prdio nomero 103/105, de propriedade de Joaquina Ferreira Cardoso: neste caso deve ter pesado simplesmente a vontade de um estilo exótico e pode estar ligado diretamente a seu arquiteto, Adolfo Morales de los Rios pai, espanhol radicado no Brasil, professor da Escola Nacional de Belas Artes e um dos grandes arquitetos atuantes no início do sculo no Rio de Janeiro.

As duas praças que limitam esse grande espaço processional da Avenida vâo tambm interferir na qualificaçâo de seu movimento. Se a orientaçâo longitudinal se dá nos dois sentidos, nâo há, no entanto, dovida de que a direçâo Praça Mauá - Cinelándia a mais privilegiada. Este o sentido em que a avenida vai ser apreciada, na perspectia de quem desembarca no porto; a primeira imagem da cidaade do ponto de vista propriamente urbano, depois da visâo da Baía de Guanabara ainda no navio. E tomada pelos estrangeiros ricos vindos a negócios, mas tambm pelos pobres imigrantes. E tomada tambm pelos próprios brasileiros, provenientes de outros estados, pobres ou ricos.

Programada como um verdadeiro roteiro cinematográfico, a Avenida parte de um espaço mais ou menos indiferenciado que porto e sua praça, a Praça Mauá, e caminha por quarteir>es ritmados, mais ou menos homogneos do ponto de vista sem6antico, at chegar ao seu espaço clímax: a então Praça Ferreira Viana.

Aí se colocam prdios com um tratamento diferenciado do correr da Avenida: ocupam todo o quarteirâo, portanto estâo destacados de vizinhos, e recebem um tratamento arquitetónico muito mais monumental e grandiloquente. Sâo o Museu Nacional de Belas Artes, acoplado â Escola Nacional de Belas Artes, em neo-renascimento francs, ou melhor dizendo, um neo-maneirismo francs, em estreita correlaçâo com o modelo do Museu do Louvre; O Teatro Municipal, em neo-barroco, remetendo diretamente â îpera de Paris: e ainda a Biblioteca Nacional, o Palácio Monroe entre outros. Dos prdios antigos somente dois persistiram por algum tempo: a Cámara Municipal em neo-gótico, futuramente substituída por outro prdio ecltico de linguagem classicizante, com uma grandiloquncia e universalidade mais apropriados â sua função; e o Convento da Ajuda, velha construção colonial, totalmente estranha neste ambiente essencialmente laico e burgus e que será brevemente demolida.

Este espaço da Praça Ferreira Viana nitidamente eleito como espaço do poder poblico por excelncia, marcado pela presença de instituiç>es importantes do legislativo e do judiciário, mas tambm por instituç>es culturais, agora incorporadas ao ámbito do Estado. Mas esta praça , na verdade, um espaço muito mais de representação do poder poblico, uma vez que tanto o legislativo e o Judiciário quanto a cultura, logicamente muito importantes na consolidaçâo do poder burgus no país e na cidade, nâo possuiam a mesma importáncia do Executivo, esse sim prioritário e centralizador, numa Repoblica ligada â oligarquia cafeeira, e localizado bem distante, no Palácio do Catete.

E preciso deixar bem claro que esse espaço-climax da entâo Praça Ferreira Viana - centralizaçâo das representaç>es do poder poblico do novo Estado - nâo tinha a configuraçâo da atual Cinelándia. At provavelmente â revalia de seus idealizadores, por causa da presença, então irremovível, do Convento da Ajuda, a praça tinha inicialmente um formato triangular, bem pouco usual no urbanismo pre-moderno so sculo XIX e mesmo em toda a tradição urbana ocidental. Intencioalmente ou não, a forma afunilada dessa praça só fez reforçar o sentido processional da Avenida em direçâo ao seu trmico, onde colocado o Obelisco.

At onde entâo, a Avenida leva os seus transeuntes, de uma forma quase que irresistível, pelo seu ritmo crescente, At o mar, at a visão lindíssima da Baía de Guanabara, que o viajante já havia visto de navio, mas na posição inversa. Aí se encontra exatamente o início da Avenida Beira-Mar, um outro espaço processional, mas totalmente diferenciado, porque paisagístico e ancorado na visâo panorámica de uma paisagem extraordinária.

O centro do Rio de Janeiro instituído pela reforma urbana de 1902/1906 remetia, portanto, diretamente a essas trs instáncias: os negócios, o Estado e a fruiçâo da natureza - tudo isto incorporado numa onica cidade, capital do país e do estado, nitidamente tratada como uma cidade especial.

Esta nova centralidade do Rio de Janeiro persiste at hoje, apesar da cidade ter crescido imensamente desde entâo e estar hoje com cerca de seis milh>es de habitantes, segundo estimativa do IBGE (18). As poucas tentativas de substituí-la nâo chegaram nem a tomar corpo: a hipóteses de transferncia da sede administrativa para a Cidade Nova ou mesmo para Jacarepaguá. O centro da cidade, no imaginário de seus milh>es de habitantes, continua sendo aquele centro instituído pela reforma de 1902/1906: a Avenida Rio Branco e suas adjacncias. aí continuam se congregando as atividades financeiras, administrativas, políticas. continua sendo um grande merado de trabalho, tanto formal, quanto informal. Sofreu, verdade, uma drástica redução na sua importáncia cultural e como local de entretenimento, pela implantação de teatros, cinemas, restaurantes e bares nos bairros, mas tambm verdade que bem recentemente este processo tem sido parcialmente revertido pela revitalização do seuacervo histórico, por trabalhos admiráveis como o do Corredor Cultural, e pela intensificação na programação de várioscentros culturais como o Centro Cultural Banco do Brasil e a Casa França-Brasil entre outros. E sobretudo contínua sendo um dos poucos espaços de manifestaçâo política da populaçâo numa cidade e mesmo num país, em que aa participaçâo popular e a cidadania sâo praticamente inexistentes. Ali se fazem os grandes comícios nas campanhas de mobilizaçâo nacional, assim como as manifestaç>es políticas de caráter local, ou as passeatas em movimentos grevistas.

A força da centralidade desse espaço instituído pela reforma de 1902/1906 persistiu mesmo com a praticamente total substituiçâo da arquitetura ecltica, que na poca lhe estava associada e que remetia â imagem de Paris. Como se pode explicar este fenómeno? Retomando a teoria de Kevin Lynch (19), pode-se afirmar que aí se encontram instalados os grandes marcos representativos do poder: os do poder poblico (federal, estadual e municipal) e os do poder económico e financeiro (os grandes bancos, as grandes firmas nacionais e sobretudo multinacionais). Mas nâo se pode mais dizer que por aí passem os caminhos internos e externos de releváncia para a cidade. Internamente, a autonomia dos bairros em praticamente todos os sentidos liberou os seus habitantes e usuários a terem de se deslocar para o centro da cidade para determinadas funç>es . Não há, portanto, caminhos na vida do carioca que necessariamente o levem a passar pelo centro da cidade. E externamente, o porto não mais o acesso onico e primordial com o exterior e com os outros estados, substituídos pelo aeroporto, principalmente o internacional, bem fora do centro da cidade. Mas, se em termos de caminhos reais o centro da cidade nâo mais o ponto de sua convergncia, nâo há dovida que ele continua sendo o ponto de convergncia de caminhos mentais de seus habitantes: o caminho do poder e do dinheiro que estrutura e aciona toda a cidade e toda a sociedade. Assim, nâo há dovida que, apesar de nâo desempenhar mais todas as funç>es polarizadoras da vida da cidade como antes, a Avenida Rio Branco e suas imediaç>es continuam com conotaçâo de centro da cidade no imaginário de seus habitantes.

O DESTAQUE DE BELEZA NATURAL E A CONSTRU,ÌO DE UM ESTILO DE VIDA PRAZEROSO

...Vae ser admiravel a avenida! Para um lado a recta corre longa e firme e só o Pâo de assucar, lá no fundo, a limita; para o outro, morre no canal. E ampla, grande, empolgante a impressão que dá agora, mal aberta, e será maravilhoso o seu effeito quando prompta...

Jornal do Brasil, 8/9/1904 (20)

A vista das novas casas nas ruas largas, claras e arejadas dá âs novas avenidas um aspecto de alegria no meio dos velhos quarteir>es ennegrecidos e esfumaçados do Rio.

A Avenida Central merece evidentemente uma mençâo muito especial, grandiosa por suas dimens>es e interessantíssima pela variedade das suas construç>es e os diversos motivos executados nas suas construcç>es.

O passeio a beira da bahia, desde a avenida Central at Botafogo, será igualmente uma maravilha do Rio de Janeiro. Do lado opposto, os picos da Serra do îrgâos sobem para o co, dominando Nictheroy, cujas casas formam uma cinta branca e vermelha, e do lado da cidade, a natureza resplandece em toda a sua belleza sobre a vertente das collinas, invadindo as alturas at o Corcovado.

Jornal do Brasil, 8/06/1906 (21)

...O effeito surprehendente e o deslumbramento que a todos causaram as duas esplendidas ruas de que se comp>e a avenida, contornando toda a bahia, desde o morro da Viova, at a juncçâo com a Avenida Central, foi dos mais enthusiasticos...

Jornal do Brasil, 13/11/1906 (22)

Analisando o conjunto das obras empreendidas durante a reforma urbana do Rio de Janeiro de 1902/1906, fica patente o tratamento diferenciado que lhes atribuído segundo a sua localização geográfica. A grande Avenida Central, a obra mais monumental de todo o projeto, realizado explicitamente para construir o novo centro da cidade, segue a diração leste-oeste, unindo o novo porto ao início do litoral sul da bahia de Guanabara. A Avenida Beira-Mar, segunda obra viária em importáncia no projeto, engloba um plano paisagístico sofisticado, justamente destinado â valorizaçâo desse mesmo litoral sul.

Em contraste com o tratamento precioso que dado a estas duas artrias de acesso â zona sul, as trs vias de ligação com a zona norte, ou não recebem nenhum cuidade especial, ou o recebem em doses modestas. A grande via formada pelas ruas Visconde de Inhaoma/Marechal Floriano Peixoto/Visconde de Itaona não passa de simples alargamento de ruas já existentes. O mesmo acontece com a outra grande via constituída pelas ruas da Assemblia/Carioca/Visconde do Rio Branco/Frei Caneca/Estácio de Sá, apenas com a retificaçâo de um trecho, abrindo assim a Salvador de Sá. Só a terceira via, a Avenida Mem de Sá nova, aberta sobre os terrenos ganhos com a finalizaçâo do desmonte do Morro do Senado, e revela a intençâo de um maior apuro urbanístico, com o desenho do onico rond-point de todo o projeto, na atual Praça da Cruz Vermelha. Nessas trs grandes vias de acesso â zona norte o objetivo dos reformadores apenas assegurar uma melhor circulação.

O projeto, portanto, nitidamente beneficia a zona sul, em detrimento da zona norte, consolidando uma estratificaçâo social que na verdade já estava claramente definida na cidade desde a dcada de 70 do sculo XIX, com a introdução dos bondes e dos trens: a zona sul para os ricos e a zona norte para os pobres.

O vetor norte de expansâo da cidade sempre havia sido o prioritário, desde o início do sculo XIX, com a escolha de D. Joâo de residir na Quinta da Boa Vista, transformando Sâo Cristovâo no bairro residencial mais aristocrático. Mas esse quadro urbano se transforma na segunda metade do XIX, quando o vetor sul de expansão começa a se destacar de forma crescente. Vários fatores seguramente devem ter contribuído para essa nudança de mentalidade entre as elites locais. A expansâo do porto para os lados da Gamboa e da Saode e a construçâo da Estrada de Ferro D. Pedro II nos anos 50, com estaçâo terminal no Campo de Santana, fazem desses áreas e da vizinha Cidade Nova locais de circulação de cargas pesadas e de concentração de classes mais pobres, seja como lugar de trabalho, seja como moradia. O perfil da freguesia de Santana, por exemplo, foi sempre, durante praticamente todo o sculo XIX, o de concetração mais popular, com grande nomero de habitaç>es coletivas. A situação sanitária da cidade começa a se agravar tambm nos anos 50, com epidemias quase que anuais, que incidem sempre mais dramaticamente sobre os bairros mais pobres. Começa assim a se formar nas elites locais a conscincia da moradia higinica, a procura de locais arejados para a instalaçâo de um estilo mais saudável de vida. Certamente, nâo deve ter faltado tambm nessa mudança de mentalidade em prol da higienizaçâo o antigo mecanismo de diferenciaçâo social com que as classes privilegiadas procuram sempre explicitar a sua distáncia das classes proletarizadas. Veblen (23) e Baudrillard (24) enfatizam a importáncia desses processos de distinção social, sobretudo na sociedade burguesa, escorada em estatutos igualitários, mas alicerçada na prática da desigualdade. A sociedade carioca nessa segunda metade do sculo XIX, se ainda não economicamente capitalista, segundo os padr>es historiográficos mais clássicos, já seguramente burguesa como modelo de mentalidade. Quando os transportes coletivos são regularmente implantados, como notaram claramente Carlos Nelson Ferreira dos Santos (25) e Maurício de Abreu (26), o destino da cidade já está traçado em termos de prestígio social: os bondes servem aos bairros ricos e os trens aos bairros pobres.

A reforma urbana no Rio de Janeiro no Governo Rodrigues Alves, portanto, nâo inaugurou, como sugerem alguns autores (27), a estratificaçâo social do espaço urbano carioca, mas foi certamente a sua consolidação, numa reorganização de sua centralidade, articulada ao ordenamento hierárquico de suas áreas perifricas.

Há, no entanto, uma questâo embutida nessa nova mentalidade de vida higinica que tem sido ignorada: a valorizaçâo do potencial paisagístico da cidade, sobretudo as suas possibilidades de lazer como balneário.

A beleza natural do Rio de Janeiro foi sempre muito destacada, sobretudo pelos inomeros viajantes que produziram descriç>es extasiadas de sua baía e de suas montanhas. Numa crónica publicada em A Semana em 20/08/1893 (28), Machado de Assis chega mesmo a criticar essa tendncia praticamente unánime entre os estrangeiros de só apreciarem na cidade a natureza: ele relata a visita que fez com um ingls ao Morro do castelo para mostrar-lhe a parte mais antiga da cidade com seus monumentos, mas nada o impressionava, nem a velha S, nem a Igreja dos Jesuítas, nem as ruínas das fortalezas, só mesmo a vista deslumbrante que de lá se descortinava.

E interessante notar que durante o sculo XIX são as montanhas e a floresta os recantos preferidos da sociedade carioca para os passeios, para os piqueniques. Os romances da poca, de Jos de Alencar, de Joaquim Manuel de Macedo ou mesmo do Machado de Assis inicial, estâo repletos dessas situaç>es prazerosas de convívio com a natureza, em que justamente a beleza de nossa vegetaçâo, entremeada por rios e pássaros, que constrói aquela atmosfera paradisíaca tâo cara ao Romantismo. As próprias chácaras, onde as famílias endinheiradas passavam os meses de verâo, tentavam reproduzir em seus jardins domsticos o encanto desta natureza tâo exuberante.

Ao contrário das montanhas e da floresta, as praias no sculo XIX sâo muito menos citadas, apenas em esporádicas excurs>es, em que todos se cercam de extremos cuidades, sobretudo as mulheres, numa poca de grande pudor corporal e de total apreço â pele muito clara. Só mesmo com recomendação medicinal, os banhos de mar eram mais frequentados, como no caso do próprio D. Joâo VI, obrigado a contragosto a frequentar sua Casa de Banhos na Praia do Caju.

Quando, na segunda metade do sculo XIX, o vetor sul de expansâo da cidade começa a suplantar o vetor norte, as classes mais ricas, que vâo se instalando na Glória, no Catete, no Flamengo e em Botafogo, estâo atraídas muito mais pela maior aeraçâo, pelas temperaturas um pouco mais amenas que a vida próxima ao mar proporciona, do que propriamente pelos banhos de mar. Nas oltimas dcadas do sculo, no entanto, quando se fazem os loteamentos de Copacabana, um empreendimento estreitamente articulado â implantaçâo das linhas de bonde para aqueles areais entâo quase desrticos, já se acena claramente no anoncios e propagandas com um novo estilo de vida moderno, mais higinico e saudável, associado inequivocamente â moradia â beira-mar.

A abertura da avenida Beira-Mar consagrou essa nova mentalidade de usufruir de um litoral de extraordnária beleza, seja pelos simples passeios de bonde ou de carro, ou a p pela área ajardinada, seja atravs de toda uma srie de atividades de lazer ao ar livre, seja ainda pela curtição do próprio mar, como nas regatas por exemplo.

De agora em diante serâo o mar e as suas praias, mais do que as montanhas e a floresta, que traçarâo o perfil da cidade e do seu estilo de vida peculiar. Pouco depois da reforma urbana de 1902/1906, Paulo Frontin, já Prefeito, abre a Avenida Atlántica. Com o desenvolvimento de Copacabana, essa associação da vida litoránea â vida saudável toma claramente a conotação de balneário - isto , a existncia de uma estrutura urbana e arquitetónica, voltada para a fruiçâo prazerosa da vida â beira-mar, sobretudo sob a forma de frequncia âs praias. E o lugar de uma vida mais descontraída, mais informal, em que o lazer ocupa o lugar prioritário. Ideal para temporadas de frias, o que não dizer então para moradia? Que maravilha maior pode existir senão a do cidadão que disp>e cotidianamente daquilo que outros sonham alcançar nas frias durante poucos dias ou semanas por ano?

A reforma urbana do Rio de Janeiro de 1902/1906 engendrou uma nova centralidade e consolidou um novo ordenamento das áreas perifricas da cidade que representam logicamente a idia de Brasil que prevaleceu naquela poca nas elites dominantes; a de um país essencialmente agrário, inserido no mercado internacional, ao qual adere ideologicamente, seja na própria concepçâo de uma economia apoiada na separaçâo entre capital e trabalho e dominada pela noçâo de lucro, seja na f entusiasmada no poder ilimitado da cincia e da tcnica na construçâo do progresso. O progresso realmente para estas geraç>es, tanto nos países industrializados quanto nos países dependentes, a grande utopia, capaz de solucionar todos os problemas materiais e substituir os velhos problemas espirituais por uma nova maneira de encarar o mundo, absolutamente lógica e racional. E, na verdade, uma ideologia totalitária, pois exclui a possibilidade de convivncia, a não ser sob a forma de dominação, com quaisquer outras vis>es de mundo: corresponde â hegemonia absoluta da cultura industrial, capitalista, burguesa, branca e predominantemente protestante e anglo-saxã.

Mas como se dá a construçâo desse tâo almejado progresso? Bem, uma das feiç>es fundamentais da metodologia de aburguesamento de qualquer sociedade justamente a organizaçâo muito clara desses dois universos - o do capital e do trabalho - segundo os parámetros da melhor eficincia e rentabilidade possíveis. Todas as instáncias da vida humana passam a ser regidas pela necessidade de serem produtivas. O tempo e o espaço passam a ser esquadrinhados, num esforço de maior adequaçâo â organizaçâo total dessa sociedade voltada para o lucro.

A reforma urbana do Rio de Janeiro no início do nosso sculo fez parte seguramente, como tm afirmado vários estudos recentes, de um grande projeto ideológico de aburguesamento da sociedade brasileira, ligado aos interesses da oligarquia cafeeira, já instalada no poder da Repoblica Velha. Ela procurou assegurar â cidade os meios indispensáveis ao seu funcionamento eficiente, nâo apenas como sede política e administrativa do país, mas tambm como peça importante na vasta rede de negócios internacionais. Ela celebra assim a hegemonia do capital e o papel do estado como seu aliado, sobretudo atravs da monumentalidade da Avenida Central. Retifica e alarga ruas antigas, abre novas ruas, eletrifica iluminação e bondes, constrói redes de esgotos e de abastecimento de água, canaliza rios, arboriza ruas e praças, combate as doenças endmicas - tudo isso seguramente para garantir a reprodução da força de trabalho, para assegurar a submissão do trabalho ao capital e sobretudo para ampliar o poder desse capital. Vários autores tm demonstrado esta ligação inequívoca da reforma urbana de 1902/1906 com a reordenação da cidade segundo o modelo burgus. Sidney Chaloub (29), trabalhando especificamente com o cotidiano dos operários cariocas nessa poca, ressalta o esforço das classes dominantes em implantar entre as camadas proletárias as noç>es de disciplina, de seriedade, de apego a bens materiais e de aspiraçâo â ascensâo social, naturalmente adequados âs suas condiç>es.

Ocorre, no entanto, que a reforma urbana de 1902/1906 aciona tambm uma outra dimensâo na vida da cidade: a possibilidade de fruiçâo da natureza, desenvolvendo um estilo de vida prazeroso, em que o lazer passa a tomar um lugar crescente no seu cotidiano, estabelecendo, assim, uma ambiguidade básica. De um lado, há o apelo â eficincia, â rentabilidade, â produtividade - o mundo da avenida Central e do novo porto, com toda a sua rede intrincada de relaç>es formalizadas e hierarquizadas. do outro lado, há o apelo â descontraçâo e â informalidade, nesse universo indisciplinado e improdutivo que o prazer - o prazer nâo só da vida animada do centro da cidade, mas tambm na vida â beira-mar.

O Rio de Janeiro, a partir da reforma de 1902/1906, claramente uma cidade estruturada simbolicamente segundo dois signos conflitantes: o universo capitalista do dinheiro e do poder e o universo do prazer. E preciso aqui deixar claro que toda grande cidade moderna, como São Paulo, Nova York ou Tóquio, por exemplo, tem logicamente grandes áras dedicadas a todo tipo de entretenimento de suas populaç>es. Este um tipo de diversão mais ou menos padronizada, ocorrendo em espaços e tempo específicos, que representa exatamente a forma esperável como pessoas engajadas produtivamente na sociedade burguesa ocupam as suas horas de ócio. Essa forma de distraçâo existe tambm no Rio de Janeiro, mas nâo absolutamente a que caracteriza a cidade, a que lhe dá identidade reconhecível, nâo só pelos seus habitantes, como pelos turistas.

A identidade do Rio de Janeiro decorre do fato de conjugar duas instáncias, geralmente destacadas na realidade urbana do mundo moderno. E uma verdadeira metrópole, mas prop>e a seus moradores e visitantes um estilo de vida descontraído e bem-humorado, que a própria celebração da pura e simples alegria de viver.

A IDENTIDADE DA CIDADE PARA RICOS E POBRES

Ser carioca viver sem afliçâo.

Moreira da Silva (30)

Mais uma vez se poderia argumentar que este novo estilo de vida prazerozo, fundado pela reforma urbana de 1902/1906 e desdobrado posteriormente com o desenvolvimento de Copacabana, era privilgio das classes mais altas, para as quais a zona sul estava destinada. Realmente esta a intenção da reforma, claramente visível no próprio projeto urbano e tambm reconhecível em todo o esforço do Estado, no caso o próprio Prefeito Pereira Passos, em promover a ocupação desses novos espaços de lazer, como a Avenida Beira-Mar, com entretenimentos ao gosto burgus, como as batalhas de flores e as regatas.

Ocorre, no entanto, que o espaço nâo uma matria inerte. Ele nâo moldado pelos seus urbanistas de forma definitiva. Nem sempre a leitura desses espaços pelos usuários coincide com a pretendida pelos seus autores. E nem mesmo todos os seus usuários os percebem da mesma forma. Aqueles novos espaços criados pela reforma urbana de 1902/1906 são projetados primordialmente para usufruto dos ricos, mas os pobres tambm passam por eles. Passam de bonde a caminho do trabalho; passeiam a p nos dias de folga; montam uma barraquinha para venda de refrescos e doces, porque, apesar de perseguiçâo do Prefeito aos quiosques e aos vendedores ambulantes, estes jamais desapareceram; ocupam-nos, especialmente no centro, em manifestaç>es de contestação.

Certamente admiram a beleza da paisagem e se sentam tambm orgulhosos de viver numa cidade tâo bonita. E muitos vâo inclusive viver na zona sul, instalando-se nas favelas sobre os morros, de onde a vista muitas vezes mais admirável do que das casas burguesas. Percebem tambm as diferenças nos comportamentos urbanos. O clima de descontração e de alegria não lhes passa percebido.

Nessa cidade, vivendo desde a reforma de 1902/1906 sob a ambiguidade de ser uma metrópole capitalista e um local prazeroso ao mesmo tempo, as camadas pobres da populaçâo tm pelo menos uma vantagem em relaçâo aos pobres de outras metrópoles capitalistas. São obviamente explorados pelo universo capitalista, submetidos â desigualdade e â marginalidade, mas no universo do prazer, boa parte a fruiçâo da cidade gratuita e, apesar dos esforços de segregaçâo, democrática. O próprio apelo a uma curtiçâo livre, descompromisada e alegre da cidade e da vida vai ter clara ressonáncia nas camadas populares, formando o perfil carasterístico do carioca. Claro que a sua vida duríssima, mas na sua estratgia diária para a sobrevivncia, a beleza da cidade e a sua peculiar alegria fornecem uma base de positividade, que vai lhe permitir inclusive tratar com humor e ironia aquele outro universo que oprime, o do capital e do trabalho.

Mas nâo foram só a beleza do cenário natural de cidade e o seu estilo prazeroso, consolidado pela reforma de 1902/1906, que devem ter contribuído positivamente na construçâo da identidade do carioca, tanto dos ricos, quanto aos pobres. Tambm a sua própria morfologia urbana certamente influiu. E interessante investigar at que ponto o modelo de cidade burguesa do sculo XIX, implantado no Rio de Janeiro no início do XX, poderia ter contribuído positivamente para estimular e incrementar as inomeras manifestaç>es populares da sociedade carioca.

Naturalmente os idealizadores da reforma urbana a fizeram com outros objetivos, como melhorar a circulaçâo, promover a higienizaçâo, facilitar o progresso e garantir uma melhor inserçâo no mercado internacional. Ocorre, no entanto, que esse modelo de cidade oitocentista, com seu enorme apelo a uma urbana animada, em que os usuários desenvolvem um comportamento bastante extrovertido e lodico, será incorporado nâo apenas pelas classes mais altas, aptas a formas burguesas de lazer, mas tambm pelas classes mais pobres que vivem uma outra temporalidade, fora dos parámetros da mentalidade progressista hegemónica.

Tanto Barthes (31) quanto Françoise Choay examinaram essa questâo importantíssima na análise da significaçâo dos espaços urbanos: a coexistncia de temporalidades diferentes numa mesma sociedade. No caso da sociedade brasileira, e em particular da sociedade carioca, esta sincronia de diferentes temporalidades toma importáncia maior, porque envolve grandes distáncias culturais, muito maior do que a simples oposição mentalidade urbana X mentalidade rural que Barthes e Choay apontam nas sociedades europias. Trata-se no Brasil, como descreve Muniz Sodr (33), de populaç>es visceralmente ligadas âs culturas de arkh, como a negra e a indígena, que possuem uma visâo de mundo, uma noçâo de território, uma conscincia do corpo totalmente diversas da cultura branca europia. As inomeras descriç>es da cidade do Rio de Janeiro no sculo XIX nos dâo conta da maneira lodica como os negros escravos se apropriavam dos espaços poblicos, seja para trabalho ou entretenimento, inclusive não fazendo muita distinção entre eles, com grande algazarra, fazendo uso da cantoria, da dança, do jogo, da brincadeira. Isto tudo em oposição ao comportamento da sociedade branca de herança colonial, muito introjetado no espaço domstico, sobretudo no caso das mulheres. Antes dos bondes, das confeitarias, das lojas de modas entrarem no cotidiano das classes altas e mdias do Rio de Janeiro por volta da dcada de 70 do sculo XIX, a vida social desses grupos ainda estava segregada â casa e â igreja.

Ora, a implantaçâo do modelo burgus de vida urbana imporá para essas classes a exposiçâo nos espaços poblicos e sua fruiçâo de forma lodica. Isso era uma novidade para esta parte branca da sociedade, mas nâo para os negros. E claro que nâo sâo mais os mesmos espaços poblicos, assim como as formas lodicas não são as mesmas dos antigos escravos: são espaços e formas lodicas burguesas, incorporadas naturalmente a um projeto de embranquecimento do país e da cidade que vários autores vm destacando. Mas aqui muito importante observar novamente que entre as intenç>es de um projeto e a realidade que ele detona existe uma distáncia que alguns autores tm desprezado. Logicamente nâo devia passar pela cabeça da classes dominantes da poca, em especial na de seus tcnicos mais competentes como Pereira Passos, Paulo do Frontin, Lauro Muller e outros, projetar ruas animadas, propícias â fruiçâo e â festa, para servirem melhor â natural inclinaçâo dos ex-escravos âs formas corporais e espaciais de expressão. Como bons tcnicos, fascinados pela imagem do progresso e da cincia, eles projetam esses novos espaços como celebração do dinamismo de uma vida urbana verdadeiramente cosmopolita e moderna. Ocorre, no entanto, que esses novos espaços passarão a ser vividos por ricos e por pobres, logicamwente de forma diferente, mas não necessariamente com conotação positiva para os ricos e negativa para os pobres. Se os nossos espaços segregam, isto não novidade para estes ex-escravos. Se eles tem que inventar formas de incorporaçâo a modelos que lhes sâo impostos, isto tambm nâo novidade para eles. Quando neste novo modelo existe algo que lhes seja proprício ou pelo menos estimulante nâo um fato tâo insignificante assim. Explorados e marginalizados pelas classes mais altas, nâo restará âs camadas pobres, na sua estratgia de sobrevivncia, senâo a extrema criatividade de se apropriar do que for possível do mundo dos ricos, misturando â sua próprio versatilidade. Foi assim com o futebol, com o chorinho, com o samba. Jos Murilo de Carvalho (34) chama atenção para um aspecto importante da sociedade carioca: são exatamente os pobres, os excluídos da cidadania, que constroem a identidade cultural da cidade. E o próprio Jos Murilo de Carvalho, ao tentar buscar uma explicação para este fato, levanta a hipótese da natureza diversa da cidade, embora ele a tome apenas na sua realidade económica/social/cultural, formando uma grande ruptura entre o modelo nórdico e o modelo ibrico.

A cidade do Rio de Janeiro, após a reforma de 1902/1906, passa a ser designada pelos seus habitantes e pelos visitantes de Cidade Maravilhosa. O próprio hino que lhe feito assim se denomina. Jos Mariano Filho nos anos 30, em seu ardor em defesa do património colonial, levanta dovidas quanto ao seu caráter maravilhoso e os estudos recentes da dcada de 80 chegam mesmo a usar esse adjetivo com ironia. Mas a cidade tornou-se realmente maravilhosa. Maravilhosa para os ricos. Maravilhosa para os pobres. Maravilhosa por permitir, numa poca cada vez mais organizada e disciplinada pelos padr>es de eficincia e rentabilidade da sociedade burguesa, a existncia do prazer tão pouco lucrativo, da alegria tão pouco rentável - maravilhosa, enfim, por resistir â tendncia quase universal â padronização cultural nas grandes metrópoles e permitir ainda a convivncia com as diferenças.

A conotaçâo de maravilha para o Rio de Janeiro perdurou praticamente at a dcada de 80, quando começou a ser posta em dovida, em face de um cotidiano cada vez mais caótico, poluído, desumanizado e violento. Mas mesmo nesta conscincia de perda de uma qualidade urbana invejável, o carioca sempre posiciona a sua cidade como vítima de uma realidade negativa que lhe impingida de fora - a grave crise que o país vem atravessando, as características próprias de todas as megalópoles ou o crescimento acelerado, especulativo e predatório. A cidade, enfim, continua sendo sentida como intrincecamente generosa, adorável e estimulante.

Talvez seja exatamente por ter-se tornado problematizado que o Rio de Janeiro vem sendo objeto ultimamente de vários estudo, que, de perspectivas diferentes, tentam refletir sobre suas peculiaridades. Trata-se, portanto, de um esforço para entender e, se possível, colaborar para que a cidade enfrente de maneira mais locida esta nova crise em sua identidade.

NOTAS

1- Deputado e mdico çlvaro Alberto, Sessâo de 19/11/1903, Annaes do Conselho Municipal, p. 22; PUC (1985) p.118-120.

2- BRENNA, Giovanna Rosso Del. O Rio de Janeiro de Pereira Passos, p.9; CHAVARA, Maria Pace. As transformaç>es urbanas do sculo XIX, p. 591. In PUC, O Rio de Janeiro da Pereira Passos. Rio de Janeiro, 1985.

3- CHIAVARI, M.P., op. cit., p. 576.

4- SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 237 - 238.

5- RIOS pai, Adolfo Morales de los. O Rio de Janeiro na Primeira Repoblica. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n¼ 272.

6- CHOAY, Francoise. O Urbanismo - utopias e realidade: uma antologia. Sâo Paulo, Perspectiva, 1979, p.4.

7- BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. Sâo Paulo, Perspectiva, 1976, p. 98.

8- RIO, Joâo do, A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro, Ediçâo da Organizaçâo Sim>es, 1951/1952, p. 9-10.

9- JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. New York, Randon, 1961.

10- BILAC, Olavo. Chronica. In Kosmos, outubro/1906; PUC, op.cit., p. 12.

11 BARTHES, Roland. Semiologie et unbanisme. In L'Architecture d'aujourd'hui, n¼ 153, dec. 1970/jan. 1971, p. 11-13.

12- O Paiz, 5/05/1904; PUC, op.cit., p. 177.

13- SISSON, Rachel. Marcos Marcos históricos e configuraçâo espaciais - um estudo de caso: os centros do Rio de Janeiro. In Arquitetura revista, Rio de Janeiro, FAU/UFRJ, 2¼ sem. 1986, p. 57-81.

14- ABREU, Maurício de Almeida. Evoluçâo urbana do Rio de Janeiro. 2¼ ed. Rio, Zahar/IPLAN, 1987, p. 37-53.

15- VAZ, Lilian Fessler e CARDOSO, Elizabeth Dezouzart. Obras de melhoramentos no Rio de Janeiro: um debate antigo e um privilgio concorrido. In PUC, op. cit. p. 615-616.

16- RUSKIN, John. The seven lamps of architecture. London, J.M. Dent, 1932.

17- Relato da Sra. Maria Gomes Fernandes â autora em 9/10/1990.

18- JORNAL DO BRASIL, 25/9/1991.

19- LYNCH, Kevin. The image of the city. Combridge, MIT Press, 1960.

20- JORNAL DO BRASIL, A Avenida Central, 8/09/1904; PUC (1985) p. 226.

21- TOLLIER, Ren. Jornal do Commrcio, Varias, 8/06/1906; PUC (1985) p. 484-486.

22- JORNAL DO BRASIL, Visitas presidenciais, 13/11/1906; PUC (10=985) p. 534-539.

23- VEBLEN, Theodor. La thorie de la classe de loisir. Paris, Gallimard, 1969.

24- BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa, Ediç>es 70, 1981.

25- SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Transporte de massa: condicionadores ou condicionados?Ó. In Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, setembro/outubro 1977.

26- ABREU, M. de A., op.cit., p.37-53.

27- CHIAVARI, M. P., op.cit, p. 591; BRENNA, G.R., op.cit., p. 7-10; BENCHINOL, Jaime Larry. A modernizaçâo do Rio de Janeiro. In PUC, op. cit., p. 599; ROCHA, Oswaldo Porto. A era das demoliç>es. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal da Cultura, 1986, p. 107-112.

28 ASSIS, Machado de. Crónica de A Semana em 20/08/1893. In Obra Completa. Rio de Janeiro, Jos de Aguiar, 1962, v. 3.

29- CHALOUB, Sidney. Trabalho, bar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro da Belle Epoque. Sâo Paulo, Brasiliense, 1986.

30- JORNAL DO BRASIL, Revista de Domingo, ano 16, n¼ 800, 01/09/1991, p. 22.

31- BARTHES, R., op. cit., 11-13.

32- CHOAY, Françoise. Remarques a propos de semiologie Urbane. In L'Architecture d'aujourd'hui, n¼ 153, dec. 1970/jan. 1971, p. 9-10; CHOAY, Françoise. Smiologie et Urbanisme. In L'Architecture d'aujourd'hui, n¼ 132, juin/juillet 1967, p. 8-10.

33- SODRE, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira. Petrópolis, Vozes, 1988.

34- CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repoblica que nâo foi. Sâo Paulo, Companhia das Letras, 1989.

35- MARIANO FILHO, Jos. A obra de um grande reformador. In Diário de Notícias, 29/8/1936; PUC, op.cit., p.13.


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