49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Carmen Sílvia Moraes Rial

Título do simpósio: Género y Simbolismo

Chave do Simpósio: (GEN 04) 49 ICA

Título do paper:

RUGBI: ESPORTE e MASCULINIDADE

Autora: Carmen Sílvia Moraes Rial

RUGBI: ESPORTE e MASCULINIDADE

"Um homem decide um belo dia escalar o Himalaia. Nâo tem obrigaçâo nenhuma de fazer semelhante esforço" Porque o faz? Compartilho aqui do espanto de Vladimir Jankélévitch diante desse homem que se aventura, se arrisca, se exp>e a perigos, sofre para executar uma atividade a qual nada o obriga e ainda denomina essa faina de esporte. A escolha do rugbi se justifica por esse esporte contestar dois pressupostos que guiam muitos estudos do campo esportivo: o de que o processo civilizatório que se estende ao esporte a partir do século XVI, tende a extinguir as práticas esportivas violentas e o pressuposto de que também presente na teoria de Elias mas que foi desenvolvido e aprofundado nos trabalhos de Bourdieu e seus seguidores, é o de que os esportes violentos, se nâo desaparecem com a Modernidade, ficaram restritos as classes populares, as atingidas mais lentamente pelo processo civilizatório. Ora, o rugbi é um esporte de grande implicaçâo física, porém, desde o início e ao contrário do futebol, se disseminou entre as classes média e altas tendo se apropriado de um ethos amador para manter essa discriminaçâo social. Hoje, a extensâo de sua prática as mulheres é exemplar do decrescimo de espaços de homossociabilidade masculina.

RGBI: ESPORTE e MASCULINIDADE

Para o Nando e o Bebeto, dois homens.

Carmen Sílvia Moraes Rial (UFSC)

"Um homem decide um belo dia escalar o Himalaia. Nâo tem obrigaçâo nenhuma de fazer semelhante esforço. Ele é obrigado a pagar os impostos, a fazer o serviço militar e a exercer um ofício, já que todas essas coisas sao 'sérias', mas escalar o Evereste, a isso nada o obriga." Porque o faz? Compartilho aqui do espanto de Vladimir Jankélévitch diante desse homem que se aventura, se arrisca, se exp>em a perigos, sofre para executar uma atividade a qual nada o obriga e ainda denomina essa faina de esporte , palavra que, na sua origem inglesa, remete a disport , que quer dizer, se divertir, se entreter. f essa a perplexidade que guia minha visita aqui a esportes tradicionalmente considerados como masculinos, e em especial ao rugbi.

Começo com duas historias, de dois praticantes, colhidas em inumeras conversas com eles, seus familiares e amigos, e através de observaç>es diretas de seus treinos e atuaç>es. A primeira história é a de um menino, hoje um homem de 37 anos, que chamarei de X.

O JUDO

X nasceu prematuro, aos 7 meses de gestaçâo, e foi desde cedo uma criança de uma compleiçâo muito frágil, chegando a ter acessos de asma. Além disso, era de temperamento introvertido, mais retraído do que os pais supunham deveria ser um menino ou um homem. Isso tudo constatado, decidiram coloca-lo a praticar um esporte vigoroso. O judo era na época, início dos anos 60, dentre as chamadas lutas marciais a mais desenvolvida no sul do Brasil. E lá se foi o pequeno e frágil X para uma academia de judo e jiu-jítsu. Ele portava, ficava numa espécie de altar na parede; e por fim, saudar aos mestres contempor?neos. Era um momento de recolhimento, de meditaçâo e de demonstraçâo de reverencia diante de superiores. A mesma saudaçâo humilde ele dirigia ao adversário, antes de cada combate.

Mas até obter o direito de fazer face a um adversário, X foi compelido a passar por muitas e muitas horas de um treinamento exaustivo e doloroso. Nada semelhante as academias de musculaçâo atuais, que com a sua parafernália de equipamentos computorizados, fazem os exercícios físicos parecerem a conduçâo de um Fórmula Um: os numeros dando conta da dist?ncia percorrida, do tempo gasto, das calorias queimadas nos distraem do esforço, que é bem menor quando há uma máquina dirigindo nossa força exatamente para o musculo visado.

Como aquecimento muscular, X tinha de bater os pés e as mâos com força no tatame, rolando de um lado ao outro do seu corpo, por cem, duzentas vezes. Com isso aprendia, também, a distribuir o impacto nas quedas. Os exercícios abdominais eram incontáveis. Com eles, desenvolvia um escudo protetor na frente do corpo que deveria ser tâo rijo quando o das costelas nas costas. Os chamados "apoios" eram as dezenas e, se inicialmente eram as mâos que eram exigidas, logo passaram a ser as pontas dos dedos - com a força dos dedos ele era obrigado a erguer o peso do corpo todo, sem descansa-lo no châo, até cem vezes.

Qualquer hesitaçâo ou erro, era castigado com uma série de exercícios complementares, alguns bem ridículos, como correr pulando em uma perna só em volta do tratem, enquanto a platéia formada pelos seus companheiros de academia admirava a performance as gargalhadas e lançava piadas que atingiam a sua identidade sexual: "mas é uma galinha...", "olha só a mulherzinha dançando para nós...".

Quando se aproximava um campeonato, os treinos se encrueciam e eram acrescidos de uma outra sessâo de suplício: a sauna. Como o lutador goza de vantagem ao enfrentar adversários de uma categoria inferior a sua - as categorias sâo estabelecidas pelo critério do peso - o nosso probre X era condenado a perder quilos em alguns dias para baixar de categoria na marra. Além do regime alimentar em casa, que poderia consistir em um dia ingerindo apenas glicose, e dos exercícios extras na academia, ele invariavelmente acabava encerrado na sauna durante horas. Encerrado é a palavra certa pois X era trancado na c?mara quente pelos minutos que o treinador julgasse suportável e entâo era retirado de lá e conduzido para um banho frio, pesado e reconduzido ao inferno por mais algumas gramas. Quem pensa que a sauna pode ser um lugar agradável, e o é, se voluntária, deveria ouvir o testemunho de X. Nâo poucas vezes, desesperado, ele esmurrou a porta implorando para ser solto.

Invariavelmente nas vésperas de um campeonato, X sentia-se mal; ^s vezes dizia estar gripado, outras com indisposiçâo estomacal, outras ainda com dor em um braço ou num ombro. Os familiares se dividiam entre os que acreditavam que realmente ele tinha algo e os que diziam: "de novo, tá com medo de lutar e fica fazendo fita". Era incentivado a superar o que quer que tivesse e a desprezar a dor, que geralmente era esquecida assim que o campeonato terminava. Porém, por causa de um problema de saude, X nâo embarcou para competir na Olimpíada.

Nos campeonatos, nâo se tratava apenas de medir forças com um adversário, isso era o menos importante. Estava em jogo a honra do treinador, a honra do mestre da academia e a honra do pai, que nunca ia aos treinos mas estavam sempre a beira do tratem nos dias de campeonato, gritando como se incentivasse um galo de rinha, ajudado pelo resto da família, evidentemente. A mâe nâo assistia as lutas: dizia nâo suportar a emoçâo, e se retirava para ficar rezando fora dos estádios, retornando apenas quando o combate estava terminado, para abraçar o vencedor ou consolar a vítima, ou seja, nos dois casos, X e o seu pai.

Quando vencia, e esse era comumente o caso para X que foi várias vezes campeâo no Rio Grande do Sul, em Sâo Paulo, no Rio de Janeiro e sagrou-se bi-campeâo brasileiro da categoria, seguia-se o ritual do pódio: o ganhador subia no degrau mais alto e recebia a medalha, geralmente das mâos do dono da academia cujas cores tinha honrado. Era fotografado e aplaudido. f provável que esse fosse um momento de prazer, de genuína alegria para X. Tendo a considera-lo, acima de tudo, como um momento de alívio, de fim provisório da maratona de dor e de adiamento da desonra.

Como os campeonatos colocavam frente a frente os melhores, lutadores, X se defrontava frequentemente com os mesmos adversários, colegas ou nâo de academia. Assim, com o tempo, as respectivas famílias se conheceram entre si, sem que isso tenha propiciado encontros outros que nâo os do estádio onde a luta se realizava e que eram marcados pela rivalidade intensa. Também os treinos e o pós-treino nâo eram momentos de confraternizaçâo para X.

Foram anos e anos de treinamentos, duas a tres vezes por semana, durante horas. Esses anos de judo tornaram X um jovem musculoso e forte, assediado por namoradas potenciais. Nâo se tornou um brigador na rua, ao contrário, costumava se impor com serenidade evitando a força física. Assim que deixou a casa dos pais, ou seja, quase 14 anos depois de ter começado a lutar e obter vitórias significativas como os títulos estaduais paulistas e brasileiros ou a designaçâo de melhor atleta no ano entre todos os esportes amadores no Rio de Janeiro, X deixou também o judo e, até hoje, nâo voltou a pratica-lo.

O RUGBI

Nosso segundo caso, é o de um jogador de rugbi que eu vou chamar de Y e que acontece ser sobrinho de X. Como X, ele provém de uma camada social média/alta, pais com escolaridade superior. Ao contrário de X , nâo nasceu prematuro: foi um bebe de 4 quilos e meio e 53 centímetros de altura, que apresentava desde cedo um porte físico superior a dos meninos de sua idade e uma agressividade inusitada: mordia as pessoas estranhas, "por timidez", segundo uma psicóloga consultada pelos pais.

Foi incentivado a praticar esportes, inicialmente o futebol e mais tarde o tenis, mas nâo ingressou em nenhuma escola para esse fim. Jogava na rua, com os outros meninos, parecendo divertir-se com essa prática. Destacou-se no futebol quando morou no Suiça, sendo o goleador do time da escola. Os treinos de futebol e tenis de Y nunca apresentaram nem de longe o grau de sofrimento dos treinamentos de X e as competiç>es, embora assistidas também pela família, nâo pareciam relacionar tâo diretamente a honra .

Y cresceu demonstrando grande apego pelos esportes em geral e na adolescencia resolveu criar uma equipe de rugbi, o Desterro, com alguns amigos do condomínio residencial onde mora, a maioria, como ele, com uma estatura física bem acima da média. Com a participaçâo nessa equipe de rugbi, sua biografia esportiva foi bastante alterada: dos treinos e jogos ocasionais passou a obedecer um calendário estrito indo treinar duas a tres vezes por semana e consagrando grande parte do seu tempo a organizaçâo da infra-estrutura necessária a equipe, uma vez que o rugbi era desconhecido na cidade. Contatar clubes e proprietários de terrenos onde os jogos poderiam se desenvolver, organizar festas para arrecadar dinheiro, contatar lojas que vendessem o material desportivo necessário passaram a ser atividades desenvolvidas por Y, além de ver vídeos de rugbi e escrever press-realeases sobre seu time, etc.

Como X, Y também praticava um esporte duro. Nos treinamentos e nos jogos de rugbi nota-se uma grande implicaçâo física dos praticantes, especialmente nos lances chamados hack, ou seja, as formaç>es fixas com a bola no châo - aquela montanha de homens sobre uma bola - e nos mauls , as formaç>es fixas em pé, com a bola na mâo. Como forma de se aquecer e se preparar para os contatos físicos do jogo, os jogadores costumam bater com toda a sua força nas suas próprias orelhas e uns nas dos outros e esfregarem-se os rostos e cabeças. Para aumentar a resistencia, carregam-se mutuamente.

Há, evidentemente, além do esforço físico, muita dor envolvida num jogo de rugbi, bem mais do que numa partida de futebol, volei ou tenis. Mas essa dor é vivenciada por Y com uma certa dose de prazer; as cicatrizes sâo exibidas com orgulho e nâo raras vezes, ele e seus parceiros sacrificam-se jogando machucados. Muitas vezes após os treinos, chegando suado em casa, sozinho ou com algum companheiro de equipe, Y se dedica a complementar os exercícios com meia hora de musculaçâo nos aparelhos que ocupam boa parte do seu quarto e foram presentes do avo, pai de X.

A dor aqui é signo, isto é, representaçâo de outra coisa para alguém. O que está sendo representado? Y responde claramente quando diz que rugbi "é jogo pra macho". O modo de cumprimento entre si dos seus amigos/jogadores aliás, é exemplar. Ouvi muitas vezes Y dizer a um companheiro de equipe ou receber dele a saudaçâo: "Aí macho, tudo bem". "Tudo bem, macho" é a resposta que vem em troca, numa afirmaçâo constante e mutua da masculinidade. Macho aparece no seu discurso como algo para além do homem, ou seja, o homem nas suas qualidades ideais. A resistencia a dor é demonstraçâo para si e para os outros de que ali está um verdadeiro macho.

Os trotes de ingresso na equipe marcam a separaçâo do iniciante de sua posiçâo anterior de nâo-macho e sâo marcados pela dor. f caso, por exemplo, da brincadeira cuecâo , criada pela equipe do Desterro. O novato é posto só de cuecas em frente aos jogadores veteranos que o suspendem erguendo-o através do elástico da cueca, de modo que o peso do corpo todo pressiona os testículos. O infeliz é mantido assim até que o tecido da cueca ceda e rasgue ou que os companheiros cansem de segura-lo. A dor experienciada nesse ritual, suponho, é intensa e segundo o Y "tem que aguentar porque aí se prova que é macho mesmo". Resistir a dor significa, como em muitos rituais limiares, ascender a uma nova condiçâo, no caso, de masculinidade

Em Curitiba, o trote usado também reafirma uma condiçâo de masculinidade maior dos veteranos em relaçâo aos outros mortais através de outro estratagema. Lá se faz o chupa, chupa . Os jogadores veteranos se revezam para chupar o pescoço do novato que acaba marcado pelos chup>es . Ou seja, feminizam o iniciante, por uma ultima vez, pois daí em diante ele será macho e também terá o direito de feminizar outros iniciantes colocando-se numa situaçâo hierárquica supostamente superior a dos outros homens.

Afora as zombarias de iniciaçâo, outros momentos exaltam a condiçâo de masculinidade dos jogadores. O rugbi, por tradiçâo e em todos os lugares do mundo, preve um "terceiro tempo" após os jogos, quando entâo se encontram os integrantes das equipes para beberem cerveja e realizarem brincadeiras, em bares ou locais especialmente reservados. Esse encontro é exclusivo, sendo vetado o acesso das mulheres.

A equipe de Y costuma realizar, durante os terceiros tempos, uma dança que chamam de "Chopichapi", criada por eles inspirada em um hipotético ritual primitivo, e que supostamente guarda semelhança com a saudaçâo da seleçâo de rugbi da Nova Zel?ndia - uma das equipes de maior destaque nesse esporte, que se sauda os adversário imitando uma dança maori. O Desterro inventou também brincadeiras onde se flerta com o "homoerotismo", como é o caso do jogo com a cadeira (sentam no colo um dos outros, até a cadeira desabar pelo peso dos corpos).

Já que eu nunca pude observar diretamente um terceiro tempo, isso me foi relatado por Y e por sua irmâ, que namora um companheiro de equipe de Y, embora ela também jamais tenha participado do terceiro tempo. Tendo a pensar que, nessas reuni>es, o cavalheirismo das intereraç>es intersexuais assim como a agressividade regrada, normatizada pelas imposiç>es do regulamento do jogo encontra o seu contra-ponto na manifestaçâo de uma suposta selvageria (danças imitando "índios", gritos de guerra), propriedade de quem é macho , ainda que essa selvageria seja em parte desconstruida pelo riso que a acompanha.

Y pratica o rugbi há 3 anos, tendo já viajado para a Argentina e o Uruguai para disputar partidas e recebido equipes de rugbi do Brasil e do exterior. Quando viaja, hospeda-se em alojamentos de clubes ou, mais frequente, nas casas de outros jogadores, desconhecidos até entâo. Também recebe atletas em sua casa, quando esses veem ^ Ilha de Santa Catarina para disputas. f comum a troca de presentes e esses geralmente sâo endereçados ^ família que recebe: artesanato, chocolate, etc. Quando emprestei minha casa para que alguns atletas uruguaios se hospedassem ali, encontrei na volta uma garrafa de uísque de boa marca e de 14 anos de envelhecimento, uma atençâo inesperada para mim e surpreendente pois vinda da parte de adolescentes.

Há uma ativa participaçâo da família no levantamento de fundos para financiar a equipe, com a organizaçâo de almoços (churrascos, carreteiros) em tardes de domingo que era inicialmente realizados na casa de um dos jogadores e hoje, com a expansâo do numero de presentes, em clubes. Muitos dos pais, porém, se op>em a que os filhos pratiquem esse esporte, sem contudo impedi-los. De fato, o publico dos jogos divide-se entre os torcedores (os amigos e familiares que estâo ali para incentivar) e os familiares, que vâo ao campo para certificarem-se que os filhos terminarâo o jogo com saude e inteiros ou, como me disse o pai de M., atleta do Desterro "nós viemos porque ele pode precisar (que o leve a um hospital), nem sempre há uma ambul?ncia presente. Por mim, M nunca jogaria isso, nâo é esporte, é pura violencia". E, de fato, durante todo o transcorrer do jogo, os pais de M. trocavam entre si observaç>es aflitas "Meu Deus, estâo todos sobre ele!" "Nâo te preocupa, ele está caminhando bem, nâo houve nada". "Quanto tempo falta, ainda?" "Olha, ele já está exausto".

Nesse tarde, a seleçâo brasileira jogava contra o Desterro e o repórter que entrevistava os presentes acabou ouvindo os pais de M. Eles repetiram convictos ^ televisâo os comentários amargos contra o rugbi - "O outro filho eu consegui convencer e nâo joga mais, isso deveria ser proibido" . A reportagem causou grande constrangimento entre os atletas do Desterro quando foi transmitida. A equipe se esforça por tornar o jogo conhecido, através de contatos com a imprensa, já tendo conseguido implanta-lo em uma das principais escolas publicas da cidade, e as declaraç>es dos pais de M foram nesse sentido desastrosas. Eu mesma nâo suportei aquelas lamurias e, com o risco de parecer antipática, em dado momento nâo me contive: "Vamos ver o jogo, o jogo." f claro que eles nâo estavam ali para ver o jogo e muito menos torcer, aliás, a unico momento de alegria foi no fim da partida; M. tinha sobrevivido ileso a mais uma prova.

De fato, nâo havia exagero na inquietaçâo dos pais de M. Ao nosso lado na arquibancada nessa tarde estava um rapaz que parecia entender as regras do jogo em suas nuanças - o que nâo é meu caso, compreendo o básico. Pedi-lhe um esclarecimento em um lance e aproveitei para perguntar se jogava rugbi. Ele me lançou um sorriso resignado: "Já joguei, mas rompi os ligamentos e nâo posso mais jogar". Alguns degraus abaixo de nós, outro atleta/torcedor exibia o gesso na perna. "Ele nâo joga mais, já se . Logo o médico presente entrou em campo, para sair em seguida. Nós torcedores continuávamos sem entender o que estava se passando, vendo o jogador do Desterro e o outro quase que abraçados, testa com testa. Até que uma versâo passou a predominar entre as interpretaç>es que circulavam nas arquibancadas: o jogador da seleçâo tinha deslocado o pescoço e precisava apoiar sua cabeça. Senti um arrepio, como se estivesse assistindo, impotente, alguém que corria o risco de ficar paraplégico, se um movimento fosse feito. O médico voltou, após alguns longos minutos, com um aparelho que imobilizou o pescoço e a cabeça do jogador, no momento em que entrava no estádio o carro do corpo de bombeiros que sempre é deixado de alerta nos dias de jogos. Pensei que a partida seria suspensa mas ela recomeçou, como se nada tivesse ocorrido. Na verdade, Y me explicou depois do jogo, isso já tinha acontecido antes com esse mesmo atleta e por isso ninguém em campo estava muito preocupado.

Todos os jogos que observei foram, portanto, amistosos como se diz na linguagem esportiva. Porém nâo se pense que por serem amistoso tenham sido vividos como uma brincadeira. Os jogadores do Desterro treinam arduamente, tres a quatro vezes por semana, geralmente nas areias da praia da Joaquina e ^s vésperas dos jogos importantes como o foi da seleçâo brasileira, os treinamentos passam a ser diários. Antes desse jogo, Y emagreceu visivelmente. Como a maioria dos atletas está cursando a Universidade, o seu tempo de lazer acaba restringindo-se aos treinos e algumas festas nos fins-de-semana. Apesar de saber dessa dedicaçâo e a seriedade com que os amistosos sâo vividos, confesso que fiquei aturdida quando fui comprimenta-lo após a partida: Y tinha lágrimas nos olhos e se afastou rapidamente balançando a cabeça. O Desterro tinha perdido, por pouco mas tinha perdido.

O Desterro existe há 3 anos; em 96, pela primeira vez disputou o campeonato nacional. Alguns meses depois da derrota no amistoso contra a seleçâo, X obteve o título de campeâo brasieiro de rugbi.

Pontos para uma antropologia do esporte

Partindo dessas duas trajetórias esportivas, gostaria de refletir sobre alguns pressupostos da sociologia do esporte e apontar para os referenciais que considero relevantes para se pensar o esporte em sua dimensâo de masculinidade.

Existe uma vasta literatura sobre esporte porém grande parte dela refere-se a trabalhos biográficos sobre tal ou tal grande jogador. Nossos intelectuais tem-se mantido, no mais das vezes, distantes do campo dos praticantes, preferindo o caminho muitas vezes ilusório da biografia de grandes desportistas. Mesmo no Brasil, onde a literatura antropológica/esportiva tem se concentrado em torno do futebol e nesse campo nâo sendo desprezível, o enfoque tem privilegiado o do futebol como revelador de um caráter nacional (Da Matta; Gil) ou o futebol de grandes estrelas, como Garrincha. O futebol de várzea, amplamente praticado nas favelas ou nas areias das praias, nos campinhos do interior ou nos terrenos baldios das cidades, permanece invisível a esta antropologia/sociologia. Ou entâo mantém em relaçâo ao esporte uma atitude de negaçâo absoluta. f o ópio do povo, dizem de diversas formas - é o caso de uma forte corrente na França, liderada por Jean-Marie Brhsm. Concordando com Bourdieu, creio que é a antropologia/sociologia do esporte deve deixar de lado as abordagens que enfocam um ou outro desportista famoso, reconhecido amplamente, e passar a acompanhar o que fazem os praticantes normais desse esporte no dia-a-dia. Ou seja, deve-se começar a pensar o boxe nâo exatamente a partir de Mike Tysson mas dos milhares de jovens que passam a tarde a esmurrar sacos de areia e a levar socos no rosto no interior de academias.

Deixo claro, inicialmente, que a construçâo da masculinidade nâo está sendo considerada aqui como um processo que ocorra apenas no esporte; ela está presente, na socializaçâo na família e na escola, na divisâo do trabalho e em outras formas de sociabilidade que nâo o esporte. Tampouco o esporte está sendo tomado como uma atividade exclusivamente a serviço da construçâo da masculinidade. Ele proporciona a descarga de energia libidinal constrangidas por um processo civilizatório (Elias), é uma atividade subtitutiva para a guerra, diverte, dá prazer, ensina obediencia a regras, fortalece o corpo, disciplina o corpo, serve a construir identidades pessoais e locais ou nacionais, etc.

O ponto que enfatizo aqui vai de encontro ao trabalho de Lsic Wanquantquando ressalta que nâo é a mesma masculinidade que está sendo construída em rinques e campos de futebol. Cada esporte possui seu modo de codificaçâo específico e constrói ethos específicos. Mesmo nos esportes considerados "de homem" observa-se uma grande diversidade. Ou seja, o habitus pugilista , bem descrito por Wanquant, é completamente diferente do habitus de um judoca.

Para se ter uma idéia dos diferentes ethos em jogo basta comparar, por exemplo, o mito de origem do judo com a origem do full-contact , completamente diferentes embora possam ser vistos como fazendo parte da mesma genealogia de lutas marciais. O judo teria sido criado por um sábio zen a partir da observaçâo de uma árvore pequena que, por ser mais flexível, se curvava ao peso da neve e depois de passado o inverno voltava a posiçâo vertical enquanto as árvores maiores que, rígidas, tentavam resistir ^ neve, tinham seus galhos quebrados e as vezes morriam. Ou seja, desde sua origem se faz presente a idéia de que vencesse com humildade; tirando proveito e nâo negando a fragilidade.

Já o full-contact , é um esporte criado pelo Hollywood e difundido mundialmente através dos filmes de Bruce Lee. Ele é uma síntese de diversas lutas marciais (jiu-jitsu, carate, judo, etc) com o boxe. Como mostra Gastaldo, é uma espécie de vale-tudo, sendo usado em brigas de rua. Ao contrário das lutas centenárias sino-japonesas, o full-contact nâo traz consigo um código de ética, o objetivo sendo menos o de fazer "gestos nobres" ( judo vem do japones ju do , quer dizer "nobre modo") ou de usar "dez astucias" (significado de jujutsu em japones) mas de conseguir suplantar o adversário seja como for, o que nâo exclui golpes mortais.

A mesma diferença aparece se compararmos nosso conhecido futebol com o rugbi, por exemplo, no que diz respeito a honra , embora ambos possam ser aproximados por serem ambos jogos coletivos e com grande implicaçâo física dos participantes, assim como pela dimensâo do campo onde se desenvolve, numero de participantes e objetivo de transpor com a bola a linha do campo adversário ou uma parte dela. Como já disse, o rugbi é tradicionalmente um esporte amador - ele é considerado o esporte amador, o amadorismo estando na origem de sua separaçâo do futebol, que se profissionalizou muito cedo. O rugbi seguia a definiçâo do Amateur Athletic Club fundado na Inglaterra em 1866 e que definia assim o amadorismo esportivo: "f amateur todo o gentleman que jamais participou de um concurso publico aberto por dinheiro proveniente dos ingressos no campo ou outros, ou com profissionais por um preço ou por dinheiro proveniente dos ingressos no campo ou outros; ou que jamais foi, em nenhum período de sua vida, professor ou monitor de exercícios desse genero como meio de existencia, que nâo é nem trabalhador, nem artesâo, nem diarista ". Na formulaçâo de 1880, está ultima cláusula, que coloquei em itálico aqui, foi suprimida. Nâo era necessária, o amadorismo garantia o recrutamento social dos seus praticantes pois ainda que nâo excluindo explicitamente as camadas populares, o fato de permanecer amador mantinha o rugbi como um patromonio da elite. Foi somente em 1996 (no ano passado, portanto) que o rugbi se profissionalizou oficialmente e, assim mesmo, nâo em todos os lugares. Na Argentina, o país da América do Sul onde o rugbi é mais praticado, ele continua estritamente amador a ponto da seleçâo nacional nâo convocar jogadores atuando no exterior por estes terem se profissionalizado nos países onde jogam. Jogar por dinheiro seria algo menor nesse esporte que presa tanto a nobreza.

A própria auto-construçâo da imagem pessoal por parte dos jogadores também é reveladora disso. Ao contrário da maioria dos jogadores de futebol, os de rugbi fazem questâo de aparecerem em circunst?ncias publicas enquanto equipe usando terno e gravata - o que pode causar problemas no Brasil, por nâo ser uma vestimenta usual mesmo entre os jovens de camadas mais abastadas. Lembro que no embarque da equipe de Desterro para a Argentina, um dos companheiros de Y esqueceu a gravata obrigando o pai a fazer 40 quilometros do aeroporto até a casa e volta exclusivamente para busca-la. Fazem questâo também de se mostrarem cavalheiros nas interaç>es intersexuais, ainda que se construam enquanto selvagens nas interaç>es privadas da equipe, como vimos nos rituais de entrada e nos do "terceiro tempo".

Essa busca de um ethos nobre é explicitada por eles: "O jogador de rugbi nâo humilha o adversário nem desistimula o jogador que é companheiro", me explicou Y. Um jogador de rugbi saudo o time adversário ao entrar em campo, gritando o seu nome, e repete o gesto ao final da partida. O jogador de futebol, sauda apenas a sua torcida - embora os capitâes das equipes concedam um aperto de mâo diante do árbitro. Eu mesma pude presenciar uma cena hilariante quando da primeira apresentaçâo publica do time do Desterro contra um adversário de fora. Tâo logo começou a partida, o time do Desterro pontuou e a pequena torcida, que mal conhecia as regras do jogo, foi ao delírio, como se estivesse nas arquibancadas de um estádio de futebol. Os jogadores do Desterro, que se encaminhavam lentamente para o centro do campo, tiveram que correr em direçâo aos torcedores, rogando que parassem de comemorar e fizessem silencio.

Um gentlement nâo marca gols para comemora-los depois, ele o faz por esporte - como também, em outros tempos, nâo caçava para levar comida para sua mesa, desprezando os animais que cruzavam o seu caminho e concentrando-se apenas no aprisionamento de uma pequena raposa, para a surpresa do espectador estrangeiro a esse código. Estamos aqui, embora se trate de um jogo coletivo e com grande implicaçâo física, mais próximos ao ethos do tenis do que o do futebol, onde nos acostumamos a ver comemoraç>es de gols que teatralizam a vingança - lembro apenas duas, mais recentes: a do atacante Viola, entâo corintiano, que, pondo-se de quatro, imitou o porco, símbolo do Palmeiras após marcar um gol contra essa equipe; e a Romário, que chegou a ser processado na Justiça esportiva e absolvido por ter comemorado o gol com um gesto obsceno - correu até a torcida adversária para mostrando um dedo erguido na mâo e os outros fechado e em seguida, moveu os dois braços flexionados, simulando a penetraçâo em um coito.

Ou seja, embora possam ser comparados em linhas gerais, o futebol e rugbi de um lado e o judo e full-contact de outro falam de valores pessoais e sociais bem diferentes. E, indo além, constroem masculinidades diferentes. "A diversidade de experiencias e identidades apontam no sentido de existirem várias masculinidades". Margareth Mead já mostrava isso no seus estudo em Samoa quando comparara os homens Arapesh (senso artístico muito desenvolvido, homens que preferiam apanhar a bater em alguém) com os seus vizinhos Mundugomor (coléricos, agressivos) ou quando compara os meninos Tchambuli (tímidos) com os Iatmul (audazes sexualmente).

No esporte, esse aprendizado de uma masculinidade se dá através de uma incorporaçâo : o ethos que é incarnado no verdadeiro sentido do termo, transforma-se em carne, é corporificado. O menino aprende a ser ativo, mais ou menos agressivo através da incorporaçâo dessas características como habitus. Essa incorporaçâo, em muitos esportes, se faz com dor intensa. Creio que a relaçâo dor e masculinidade é outro ponto importante a ser considerado em uma antropologia do esporte. Me permito um parentesis para que considerarmos o trabalho do antropólogo norte-americano David Gilmore sobre masculinidade. Gilmore se refere a inumeros exemplos de provas de virilidade entre povos de diferentes culturas, guerreiros ou nâo, ressaltando que essas confrontaç>es "sâo jogadas em um palco publico". Publicamente os jovens das tribos por ele estudadas tinham que mostrar coragem, impassividade diante da dor e desprezo ^ morte. As cicatrizes eram exibidas como provas de mudança de estado.

Nâo pretendo, contudo, optar por uma explicaçâo psicanalítica: a de que sempre nos defrontaríamos com uma fase de separaçâo da mâe, dolorosa mas necessária a construçâo da masculinidade. O ponto a ressaltar aqui é mais modesto: na nossa sociedade como o foi em outras (nâo sei se em todas e se no futuro o será) o trabalho sobre o corpo é importante na definiçâo da identidade de genero e a dor, presente também na construçâo da feminilidade, das mulheres ou dos travestis, o é ainda mais na construçâo da masculinidade. A dor masculina é publica, a feminina nâo tem sido.

As práticas de muitos esportes implicam em esforço, sacrifício e dor. Sacrificar o corpo no esporte aporta um capital simbólico ao praticante. A derrota nâo desonra se o derrotado for capaz de suportar a dor até o final (assim como a pobreza nâo desonra). A desonra vem de nâo se ter sacrificado o corpo, de nâo se ter resistido a dor. O filme "O Touro Indomável" de Martin Scorcese, apresenta nesse sentido uma cena exemplar; o personagem de um boxeador intrépido interpretado por Robert De Niro é voluntariamente derrotado para máfia se beneficiar na bolsa de apostas. O personagem de De Niro se deixa massacrar pelo adversário, perde a luta mas nâo cai no rinque. E ao final, com o rosto deformado e em sangue, diz, como se tivesse vencido: "Voce nâo me derrubou".

A dor mantém a honra do derrotado. Para merecer a vitória, é preciso sofrer; senâo no rinque, nos treinos. A vitória fácil culpabiliza o vencedor. Nâo quero dizer com isso que nâo ocorram mudanças. Quem observa o jogo de rugbi hoje percebe que o "passe" tem um papel central na movimentaçâo das equipes - do mesmo modo, aliás, que no futebol. Passando-se a bola para um companheiro de equipe evita-se o 'hacking' o choque com o adversário. E durante muito tempo no rugbi, a bola e os pontos marcados eram secundários; o fundamental era o "hack", capacidade demonstrada no confronto físico direto com o inimigo. Evitar o golpe do adversário, desde a Grécia antiga, num ethos de guerreiro, era considerado um ato covarde, nâo sendo aceitável o recuo em nenhuma circunst?ncia. Ora, como Elias nos mostra, a aprovaçâo do "passe" já é uma mudança em direçâo a uma maior civilidade do jogo ao mesmo tempo que revela uma mudança de valor de masculinidade ali expresso.

Nâo é por outra razâo que temos dificuldade em lidar com os jogadores que parecem conseguir tudo muito fácil como é o caso do goleador Tulio, em quem a bola parece bater e entrar no gol, e seria o caso de Romário, que nâo treina e nem corre muito durante os jogos, nâo fosse por sua complicada vida pessoal que o constrói como um sofredor em outro campo.

E aí chegamos a outro ponto importante a considerar: a estreita relaçâo entre a dor e o prazer. O boxe, o judo, o rugbi e os esportes onde o corpo é exigido mostram a estreita relaçâo entre o sofrimento e o prazer. A maioria dos praticantes desses esportes o fazem por vontade própria, como é o caso de Y e seus companheiros, e até contra a vontade dos pais. Nâo estamos mais diante das situaç>es descritas por Gilmore, de um menino que é arrastado e supliciado para se tornar homem.

Se nâo podemos falar em uma imposiçâo social, algum prazer há, de tal modo que "nâo se sabe mais onde está o gozo do atleta, se na dor do prazer ou no prazer da dor". A psicanalista francesa Françoise Champion, autora da frase citada, aponta para o masoquismo presente nesses esportes e sublinha como central a relaçâo entre o mestre/treinador e o lutador/jogador que muitas vezes ultrapassa a de um pedagogo aproximando-se da relaçâo de mestre/escravo em casais sado/masoquistas. Sem desconsiderar relaçâo entre esses esportes e a construçâo da masculinidade, aponto que eles sâo também lugares de uma busca voluntária de sofrimento e risco, que se expressam de modo extremo na experiencia de uma morte ou de um assassinato simbólico.

"Para se correr uma aventura", nos confirma Jankélévitch, "é preciso ser mortal e de mil maneiras vulnerável; é preciso que a morte possa penetrar em nós por todos os poros do organismo, por todos os pontos do edifício corporal". Essa experiencia é vivida como um aprendizado, sobre si mesmo e sobre os outros; como revelam depoimentos eloquentes como o de Albert Camus, ex-goleiro da seleçâo da Algéria: "O que sei de modo mais seguro sobre os homens, devo ao esporte".

Há prazer na dor do esporte. E mais do que a dor, o esporte pode proporcionar aos praticantes e fâs uma experiencia simbólica da morte , uma vivencia mimética da perda . A morte aparece teatralizada sob muitas formas. Sabemos que as derrotas sâo em geral vividas como perdas: "perde-se o jogo, sofre-se o gol". Algumas derrotas - em Campeonatos mundiais, em torneios importantes - chegam a significar, ainda que brevemente, experiencias próximas a da morte de um ente amado. As express>es sociais de sentimentos nesses momentos sâo as de dor e luto: se diz que o estádio fez "um silencio mortal", um "silencio de velório. Como o publico nos estádios ainda é predominantemente masculino, nâo há lágrimas mas os gestos sâo de afliçâo, ainda que por tempo limitado. Esse sentimento aparece no léxico esportivo: no futebol, quando as partidas terminam empatadas e o regulamento preve uma prorrogaçâo até que uma das equipes marque o gol, chama-se esse espaço de tempo decisivo de "morte subita".

O esporte pode proporcionar uma vivencia imitativa da morte. O que é o knock-down, o clímax de uma luta de boxe, senâo a experiencia em vida da morte? O corpo do perdedor se estende no châo, imóvel, incapaz de se erguer. Os nocautes no boxe, as imobilizaç>es no judo, os rucks no rugbi, momentos em que o adversário é imobilizado, deitado, parecem metáforas da morte ou do assassinato; revelam um flerte com a morte, é um modo de vivencia-la em uma dose homeopática. Mais do que uma feminilizaçâo do adversário apontada por Gastaldo, que nâo desconsidero creio que esses esportes proporcionam uma vivencia simbólica da morte.

Por ultimo, gostaria de enunciar duas tendencias contempor?neas em relaçâo a esses esportes. A primeira, aponta para a crescente penetraçâo entre as camadas superiores de esportes a risco. f preciso repensar um dos pressupostos que tem balizado as poucas análises desses esportes - felizmente, nâo no Brasil. Qual seja, o que considera a escolha do tipo de esporte como sendo determinada diretamente pela origem social e o capital cultural do praticante. Segundo Bourdieu, que parece teorizar a partir dos pensamentos de Elias sobre o esporte, o grande investimento físico, a dor, o risco e o sofrimento no esporte sâo apanágio das classes populares. As camadas médias e as elites se desinteressariam por esses esportes ou só o apreciariam por um tempo limitado, na juventude, preferindo as práticas desportivas onde o físico nâo é tâo exigido.

Hoje, nâo se pode (se é que em algum momento foi possível) associar de modo irredutível esporte e origem social, capital economico ou cultural. Essa análise, que já nâo fazia sentido no que diz respeito ao rugbi, conhecido mundialmente como o esporte dos amateurs, da elite, parecia no entanto explicar bem a escolha dos outros esportes franceses. Mas, definitivamente, nunca pode ser aplicada no Brasil onde o futebol é apreciado e praticado por todas as camadas sociais.

A interpretaçâo de Bourdieu aliás, deixa de valer completamente a partir dos anos 80, com a entrada em cena dos chamados esportes radicais e sua adoçâo especialmente entre a elite. Asa delta, parapentes, escaladas com o uso apenas das mâos, mergulho, surfe no ar a partir de avi>es, quedas com elástico que permitem saltos em queda livre de alturas inimagináveis, velejamentos solitários ao redor do globo sâo esportes que nâo apenas implicam um grande investimento físico como também um risco considerável.

A segunda tendencia contempor?nea a considerar é o decréscimo dos espaços de homossociabilidade masculina, com a participaçâo crescente das mulheres em todos os esportes. Essa presença das mulheres nos esportes, entre a aristocracia, se muito cedo. Mas se restringia a atividades como a equitaçâo, a caça, o tiro. Ainda assim, em 1864 e 1865, cinco mulheres escalam o Mont-Blanc. O tenis em canchas privadas já contou com mulheres ao final do sex XIX. Mas entre as classes populares essa participaçâo ocorreu bem mais tarde, sendo decisiva para isso o incentivo das professoras nas escolas publicas. A apariçâo da mulher desportiva tem enormes repercurs>es na imagem social que lhe era atribuida até entâo. A moda, por exemplo, evolui no sentido de uma simplificaçâo uma vez que a bicicleta exigia o porte de calças cumpridas e a nataçâo roupas mais adeguadas.

f verdade que muitos esportes ainda funcionam como verdadeiras "casas de homens", lugares interditos ^s mulheres. A academia de judo de X era assim - hoje já nâo é mais, há meninas em aulas de judo e até nas escolinhas de futebol - mas a grande parte das salas de treinamento de boxe ainda se mantém como espaço de homossociabilidade. f principalmente através do esporte que o homens como X e Y, de classes médias e altas, reunem-se exclusivamente entre homens. E, ainda que se verifique fortes express>es de homoerotismo nos esportes tidos como de macho , os homossexuais sâo aí geralmente vitimas de sarcasmo. Isso é especialmente constatável entre os praticantes de rugbi e nâo apenas entre os jogadores do Desterro. Ainda assim, muitas esferas associadas a esses esportes sâo lugares de sociabilidades intersexuais, como os bailes e festas para levantamento de fundos para as equipes.

Nâo é mais possível, ainda que levando em conta tudo o que foi dito acima, se associar de modo exclusivo esporte e masculinidade. Hoje, reduz-se cada vez mais o que é tido como espaço exclusivamente masculino no esporte. Até um dos redutos mais sagrados da masculinidade que é o rinque - eu diria que comparável apenas a arena dos toureiros - deixou de ser espaço exclusivamente de homens ou masculino: quem assistiu a ultima luta pelo título maior do boxe dos pesos pesados, teoricamente o momento em que se escolhe o homem mais forte do planeta, acabou se deparando com a imagem de duas mulheres lutando boxe.

Para mim, leitora das páginas transpiráveis de Norman Mailer, que celebram a exaustâo a inteligencia dos boxeadores através dos socos de Ali-Frazier, e das inumeráveis passagens de Hemingway sobre o boxe, as corridas de cavalo, as touradas, jamais imaginei ver um dia uma mulher num rinque de boxe ou numa arena de touros. Qual seria a reaçâo de Hemingway, esse assumido macho americano, se fosse Gertrud Stein e nâo Ezra Pound que tivesse solicitado liç>es de boxe?Em guarda, nâo é, como quer Maurice Maeterlinck, "a mais bela atitude do corpo viril?" Pode parecer exagero para quem é alheio ao mundo do boxe e das touradas mas creio que o avanço das mulheres nesse espaço é possivelmente tâo significativo quanto a conquista do sufrágio universal. Em 1909, um jornalista europeu escrevia (Badinter cita-o): "o campo de rugbi é o unico lugar onde a supremacia masculina é incontestável". Acho que permanece assim. Resta saber por quanto tempo.

A presença das mulheres, como tem sido bem demonstrado pelas teorias de genero, por si só nâo "desmasculiniza" de imediato esses espaços, nâo representa a feminilizaçâo desse esporte. Ao contrário, a por muito tempo o que ocorria é que a mulher que os praticava se contaminava pelo masculino. Porém, no caso do futebol e talvez também no do boxe agora, do mesmo modo como antes ocorreu com o volei e tantos outros esportes, a presença das mulheres nesses espaços fez com que perdessem o seu caráter de genero, deixam de ser marcas de masculinidade. O comparecimento das jogadoras de basquete em revistas tipo Playboy , as fotos de jogadoras de futebol em poses sensuais que aparecem na revista Placar ou em jornais de circulaçâo nacional mostram que a habitaçâo desses campos tidos anteriormente como masculinos nâo necessariamente as contamina do masculino aos olhos sociais.

Voltemos a nossa citaçâo inicial, a perplexidade diante do alpinista do Himalaia. Até pouco tempo, poderíamos dizer que ele escalaria o Evereste para provar que é homem. "Seja Homem", se diz; "prova que tu é um homem" se desafia; logo, ser homem nâo é algo espont?neo, precisa ser constantemente atestado, ainda que tenha uma contrapartida generosa, apontada por Bourdieu, "é suficiente dizer a um homem para elogia-lo és um homem ". Hoje, com o crescente numero de mulheres alpinistas e de todos os outros esportes de risco, é dificil aceitar essa interpretaçâo.

Notas:

1. As reflex>es desse artigo foram inicialmente suscitadas pela leitura da dissertaçâo de mestrado de Edson Luis Gastaldo, Kickboxers: esporte de combate e identidade masculina, UFRGS, 1995. Agradeço a profa. Ondina F. Leal pelo convite para participar da banca.

2.Luta desenvolvida a partir das tecnicas do antigo jiu-jítsu.

3. Esporte inventado em 1823 no Colégio de Rugby, na Inglaterra, praticado por duas equipes de 15 jogadores, com um bola oval que deve ser conduzida até a linha final do campo do adversário ou passada por cima do arco do adversário (em forma de H) com um chute.

4.Poderiamos, brincando com o estruturalismo, traduzir as representaç>es do grupo de jogadores de rugbi através de um contínuo de genero onde os extremos se tocariam dando a forma de círculo ao contínuo. Na parte superior do círculo teriamos a esquerda a Natureza, a direita a Cultura. O homem apareceria na parte superior, no lado da Cultura. Nas posiç>es intermediárias teríamos a esquerda a menina ( mais próxima da Natureza e a direita o menino (mais próximo da Cultura). A mulher ficaria na parte inferior do circulo, no meio entre a Natureza e a Cultura.O macho ocuparia o lugar oposto, na parte superior do círculo, entre a Natureza e a Cultura.

5.Cf. Turner, V. Le phénomne rituel: structure et contre-structure . Paris, PUF, 1990.

6.Dunning fala dos rituais de equipes inglesas de rugby cujo componente central é o 'striptease' masculino, um ritual que satiriza as mulheres strippers. O inicio do ritual ingles descrito por Dunning, canta-se uma musica chamada 'o guerreiro Zulu'. Em algumas cerimonias de iniciaçâo, o iniciado é despido - frequentemente ^ força - e o seu corpo, especialmente os genitais, é lambuzado com cera de engraxar sapatos ou com vaselina. Dunning, no entanto, observa "transformaç>es", ainda nâo nos rituais mas na relaçâo que as equipes estabelecem com as mulheres. Os clubes ingleses atuais já nâo sâo exclusivamente masculinos, as mulheres sâo bem-vindas pelo menos nos bailes que servem para levantar fundos. Nâo que antes estivessem completamente ausentes - elas faziam chá, preparavam as refeiç>es e compunham a torcida.

7.Dunning nos fala que nos terceiros tempos ingleses se bebe cerveja em excesso, há apostas e rituais que aumentam o consumo e a velocidade com que os parrticipantes se embriagam. Quando estâo bebados, os jogadores cantam canç>es obsenas e se a esposa ou namorada de algum esta presente, cantam a cançâo 'Goodnight Ladies" como sinal para que se retirem. Dalí em diante os acontecimentos sâo tidos como masculinos e qualquer mulher que tenha escolhido permanecer é vista como degradada. Os temas das canc>es giram em torno da ridicularizaçâo das mulheres e dos homosexuais. Nas canç>es, as mulheres sâo sexualmente insatisfeitas e os heróis tem que usar de poderes extra-humanos para satisfaze-las. Dunning relaciona essas temáticas com o crescente poder das mulheres na sociedade. O rugbi torna-se um jogo de adultos por volta de 1850, época das sufraggettes , e entre a classe média alta e média, o mesmo estrato social dessas mulheres revulucionárias. Para ele,o rugbi torna-se um enclave onde a ameaça feminina pode ser contestada onde os homens poderiam expressar abertamente sua masculinidade ameçada. Cf. Dunning, Eric "Sport as a Male Preserve: Notes on the Social Sources of Masculine Identity and its Transformations" in Elias, Norbert and Eric Dunning Quest for Excitement: Sport and Leisure in the Civilizing Process London, Basil Blackwell, 1986:274.

8. Depois de ter escrito esse artigo, vi com satisfaçâo ser publicado um livro sobre as torcidas organizadas de Sâo Paulo e soube da recente defesa de uma dissertaçâo de mestrado em Antropologia sobre futebol e masculinidade, junto a UNB.

9.Wanquant, Lsic J.D. Corps et ?me - notes ethnographiques d'un apprenti-boxer. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , n.80 - nov. 1989.

10. Idem

11. Para uma análise mais completa desse esporte e sua masculinidade, ver a dissertaçâo de fdson Gastaldo, UFRGS, 1995, mim.

12.Cf. Pitt-Rivers, J. Anthropologie de L'Honneur. La mésaventure de Sichem. Paris, Le Sycomore, 1983.

13.O rugbi e o futebol se originaram de uma variedade de jogos medievais que eram praticados segundo regras orais, nas ruas dos vilarejos através da Inglaterra. Esses jogos nâo tinham agentes externos de controle, como sâo os árbitros, e ^s vezes chegavam a envolver mil pessoas de cada lado. Jogos semelhantes eram conhecidos também na China desde tempos remotos e na Itália mas o rugbi e o futebol, na sua forma moderna tal como sâo hoje praticados no mundo todo, se originaram nos colleges ingleses. Depois do estabelecimento de regras escritas e de um árbitro nos jogos, o que ocorreu primeiro nas escolas publicas inglesas, a prática desses esportes se organizou em torno de Federeç>es, uma de futebol e outra de rugbi. A de futebol permanece a mesma até hoje (FIFA), tendo cedo aceito a profisionalizaçâo dos jogadores das equipes integrantes. A de rugbi, ao fim de uma longa polemica envolvendo o amadorismo, se dividiu em duas: uma liga amadora e outra profissional. As equipes da liga profissional nunca foram aceitas e sua import?ncia permaneceu insignificante. A equipes da liga amadora, ao contrário, se expandiram rapidamente pela Inglaterra e Irlanda, tornando o rugby um esporte nacional. Sobre essa cisâo, importante para o entimento da questâo da honra no rugbi, ver Smith, David and Gareth Willimams Fiels of Praise - the oficial history of the welsh rugby Union 1881-1981 Cardif University of Wales Press, 1980. 505pp. Para uma abordagem sociológica desses esporter ver ELIAS, Norbert e Eric Dunning Quest for Excitement: Sport and Leisure in the Civilizing Process . London, Basil Blackwell, 1986. 312pp.

14. Callede, Jean-Paul L'ésprit sportif Press Universitaire de Bordeaux, 1987.pp191.

15.Há, é claro, excess>es. Heleno de Freitas era tido como um homem muito elegante no seu tempo; mais recentemente, nos anos 80, Paulo Robero Falcâo, na sua passagem pelo Sâo Paulo Futebol Clube vindo da Itália, introduziu no Brasil o uso do terno e gravata entre os jogadores, moda que permanece pelo menos em circunst?ncias oficiais, como as viajens da seleçâo brasileira.

16.Almeida, Miguel Vale de Senhores de Si - uma interpretaçâo antropológica da msculinidade. Lisboa, Fim de Século Ediç>es, 1995.

17.Incorporaçâo é entendido aqui como quer L. Wanquant: "um processo insconsciente de aprendizagem pela imitaçâo de posturas corporais, gestos, reaç>es psicosomáticas que tem um significadao nas relaç>es sociais, establecendo hierarquias entre as quais as dos generos e que constitui uma da formas mais resistente de memória sociais." Idem.

18.Recolhi alguns exemplos da etnografia de Gilmore, que foram citados por Badinter, onde a associaçâo entre a dor e a construçâo da masculinidadeaparece de modo claro. Na Nova Guiné, entre os Sambias, o pai tem pouco contato com o menino que tem acesso ao seio da mâe ^ vontade até os 3 anos e dorme nu junto com ela até o fim do aleitamento e a dolorosa separaçâo. Flautas anunciam o início do ritual de separaçâo. Os meninos sâo roubados ^ mâe, levados ^ floresta, chicoteados até sangrar por 3 dias, para "abrir a pele e estimular o crescimento". Sangram pelo nariz para se livrarem dos fluidos femininos. No terceiro dia, lhes contam o segredo das flautas e eles tem que jurar jamais revela-lo ^s mulheres, caso contrario, serâo punidos com a morte. Os Baruya, depois da separaçâo, sâo proibidos de falar com a mâe até que eles próprios tornem-se pais - ou seja, sua identidade masculina fique atestada através da geraçâo de um filho. Entre o Bimin-Kiskusmin a separaçâo ainda é mais terrível. Aos 7 ou 10 anos, sâo roubados da mâe, ouvem dizer que sâo seres poluidos, sujos, tem suas roupas queimadas, ouvem dizer que serâo mortos, que foram poluidos pelas suas mâes. Choram histéricos, veem as mâes que também choram e se vestem de luto. Sâo levadas para mais longe na florestas e batidos com paus até o corpo ficar coberto por feridas. Por quatro dias sâo humilhados, bebem urina e sangue de porco para vomitar,etc. Depois, simula-se o seu assassinato que nâo se consuma e só aí podem retornar a tribo. Cf.Badinter, Elizabeth X/ Y . Esses exemplos servem para que, num movimento inverso ao posposto pela antroppologia (ver o que há de familiar no exótico) percebamos que nossa sociedade nâo está inventando nada de tâo estranho ao associar a dor e a masculinidade, essa associaçâo aparece em muitas outras culturas.

19.Cf. Elias, N. "The genesis of sport as a sociological problem" in Elias, Norbert and Eric Dunning Quest for Excitement: Sport and Leisure in the Civilizing Process London, Basil Blackwell, 1986. pp 126/149.

20. V. Jankélévitch L'Aventure, l'ennui, le sérieux. Paris, 1963:19. (minha traduçâo).

21.Quais foram os grandes lutos nacionais? Mortes reais, como a de Getulio Vargas, de Tancredo Neves, de Ayrton Senna mas também a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 50. Os instantes que se seguiram ao segundo gol do Uruguai, registrados em filme, nâo deixam duvida: um silencio absoluto no estádio onde estavam 150 mil torcedores, seguido pelas lágrimas das mulheres e seus lenços brancos, pela circunspecçâo ou o desespero contido no rosto dos homens; pelo cortejo mudo na saída do Maracanâ.

22.Origem social é medida empiricamente pela profissâo do pai; capital cultural pelos diplomas obtidos pelo indivíduo em questâo. Para um aprofundamento desses conceitos, remeto a Bourdieu, P. La Distinction : critique sociale du jugement Paris, Minuit, 1979.

23.Stéphen d'Arve Histoire du Mont-Blanc et de la Vallée deChamonix. Paris, Delagrave, 1878. (334pp)

24.Callede, JeanPaul L'esprit sportif Press Universitaire de Bordeaux, 1987.(191pp).

25. Dunning cita cançoes executadas nos "terceiros tempos" ingleses que gozam as mulheres e outras, os homossexuais, como nessa: "For we're all queers together, Excuse us while we go upstairs. Yes, we're all queers togheter, That's why we go round in pairs".

26. Mailer, Norbert Le combat du sicle . Paris, Clancier Guenaud, 1988. A paixâo dos escritores pelo esporte tem sido pouco destacada. Alguns exemplos: Marcel Proust, quem diria, era praticante de tenis, e inclue nada menos que 14 vezes a palavra tenis na sua " la Recherche"; Emile Zola era um ciclista de longos passeios no Bois de Boulogne; Jack London conta entre os primeiros praticantes de surf, tendo estado no Hawaii para esse fim e seu conterr?neo, Jack Kerouac, praticava o futebol americano. Sâo conhecidas as longas caminhadas de Simone de Beauvoir por estradinhas do interior da França, mas ela exibia ambiç>es maiores: "Je donnerais le Reaudot pour savoir le christiania aval" dizia Mlle Beauvoir ("Eu daria o Renaudot - premio literário - para saber a descida christiania" - movimento de esquiaçâo. E John Irving ecoa Camus quando declara "Eu estou completamente convencido que a luta me ensinou bem mais que qualquer aula de escrita" .Cf. L'fquipe Magazin n. 764 nov 1996 e Sport e Littérature Revue Europe, 1996.

27.Cf. Hemingway, Ernest Paris é uma festa . RJ, Civilizacâo Brasileira, 1991.

28.A primeira toureira chama-se Cristina Sanchez e tem atuado na Espanha e no sul da França. Cf. CRISTINA SANCHEZ, UNE FEMME MATADOR, documentário sueco dirigido por Susanna Edwars, 1996.

29.Como as viuvas do mediterr?neo descritas por Pitt Rivers, que ao assumirem os papéis tradicionalmente masculinos passam elas também a serem vistas enquanto homens ou, como no caso das mulheres chamadas "virgens" do norte da Turquia que nâo apenas passam a ser tidas socialmente como homens, mas a vestirem e se comportarem como homens, tendo direito de esposarem outra mulher. Cf. Grémaux, René "Woman becomes Man in the Balkans" Herdt, Gilbert (org) Third Sex, Third Gender Beyond Sexual Dimorphism in Culture and History, New York, Zone Books, 1996, p.241/281.

30.Citado por Badinter, E. X/Y.

Bibliografia:

Almeida, Miguel Vale de Senhores de Si - uma interpretaçâo antropológica da msculinidade. Lisboa, Fim de Século Ediç>es, 1995.

Badinter, E. X/Y.

Bourdieu, P. La Distinction : critique sociale du jugement Paris, Minuit, 1979.

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Elias, Norbert and Eric Dunning Quest for Excitement: Sport and Leisure in the Civilizing Process London, Basil Blackwell, 1986

Gastaldo, Edson Luis Kickboxers: esporte de combate e identidade masculina , dissertaçâo de mestrado,UFRGS, 1995.

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Pitt-Rivers, J. Anthropologie de L'Honneur. La mésaventure de Sichem. Paris, Le Sycomore, 1983.

Smith, David and Gareth Willimams Fiels of Praise - the oficial history of the welsh rugby Union 1881-1981 Cardif University of Wales Press, 1980. 505pp.

Stéphen d'Arve Histoire du Mont-Blanc et de la Vallée deChamonix. Paris, Delagrave, 1878. (334pp)

Turner, V. Le phénomne rituel: structure et contre-structure . Paris, PUF, 1990.

Wanquant, Lsic J.D. Corps et ?me - notes ethnographiques d'un apprenti-boxer. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , n.80 - nov. 1989.

Miguel do Vale de Almeida Senhores de Sí, uma interpretaçâo antropológica da masculinidade .

Concordo com Giddens e Almeida quando apontam que as identidades de genero sâo cada vez mais algo que se escolhe.(desenv)

Gilmore

Esportes Marciais

Judo, filosofia de serenidade e paciencia, saudaç>es ao altar, técnica vence a força

Jankelevitch - aventura

Esportes marciais e a globalizaçâo: Hollywood,

risco - Giddens: Como mostra Giddens, vivemos talvez em uma era onde podemos contar com um grau de segurança jamais experienciado por indivíduos em outros tempos. O aviâo que nos apanha em Sâo Paulo nos deposita em New York nove horas depois, com uma alta taxa de certeza de que nâo seremos apanhados em nenhum triagulo das Bermudas. Quer dizer,

sofrimento - masoquismo, honra.

O estoicismo frente a dor controe o homem no esporte. Mas constrem outros generos também. Constroe o travesti, como mostra Hélio Silva. Está presente na construçâo do "ser mulher", talvez até mais. Um estudo sobre as modelos, no campo da moda, mostraria que sua trajetória é marcada pela dor física: regimes drrásticos de contençâo alimentar, gin'stica, depilaç>es, lipo-aspiraç>es, implantes de silicone, casos que hoje já nâo sâo extremos mas cotidianos.

Freud, nos "Tres ensaios sobre a teoria da sexualidade", tematiza o esporte colocando-o como um dos possíveis substitutos para o prazer erótico.

Os esportes de combate (full-contact) é um modo de construir o "ser homem".

Na contemporaneidade o genero nâo é uma questâo de aprendizado na inf?ncia, de uma identidade psicanalítica construida para sempre. Genero requer uma monitorizaçâo permanente, contínuam da gestualidade e do corpo. Estamos longe do genero enquanto extensâo biológica: libertos dos constrangimentos da procriaçâo, a identidade sexual torna-se cadavez mais uma questâo de estilo de vida (Giddens).

A homofobia e a afirmaçâo da inferioridade das mulheres aparecem como característica central do discurso dos praticantes. O full-contact e o box sâo lugares de uma grande homofobia. As piadas em torno de quem é homem e quem é veado fazem parte do dia a dia dos lutadores. Isso evidencia o quanto é frágil essa masculinidade, que precisa redizer-se permantemente. O discurso verbal dá forma, dá visibilidade a um masculinidade de outro modo talvez inisivel. Agride-se verbalmente as mulheres e principalmente os homossexuais, vistos enquanto praticantes de um sexo passivo, simbolizado na figura da penetraçâo anal que feminiza o homem.

e mostra as divis>es que existem entre os homens, para além da divisâo maior entre homens e mulheres.

Full contact nâo existe apenas para construir o homem. Pensar assim seria reduzir as ritualidades masculinas ^ funçâo de "fazer homens". Subir no ring é correr o risco de se feminilizar, mas, para além disso, há algo maior nesse gesto:

René Girard nos fala da violencia enquato uma estrutura antropológica presente em todas as culturas. Esses esportes, ritualizam a violencia, normatizando-a, criando espaços legítimos para sua expressâo, realizando-a entre indivíduos com arbítrio e liberdade de escolher, ninguem é obrigado a escalar o Everest ou subir num ring. A violencia aí tem um caráter estético.


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