49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Ítalo Arnaldo Tronca

49 Congresso Internacional de Americanistas

Sesiones Generales - Sección Medicina y Salud

TÍTULO:

Questões teóricas para uma abordagem sobre saúde e urbanismo na cidade de Campinas

AUTOR: Ítalo Arnaldo Tronca

Professor Doutor do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas ( Brasil )

RESUMO :

Queremos evitar nesta pesquisa um tratamento teórico tradicional, que insiste numa relação de causalidade mecânica entre as condições sociais de vida e o fenômeno da doença. Adotamos aqui uma abordagem que envereda pelo campo da cultura e da formações discursivas, na tentativa de apreender as representações imaginárias que a sociedade elabora diante do fenômeno da saúde e da salubridade.

TEXTO:

01. APRESENTAÇÃO

O Centro de Memória, instituição ligada à Reitoria da Universidade Estadual de Campinas-SP, vem desenvolvendo estudos históricos principalmente voltados para o Estado de São Paulo, como meio de desvelar processos sociais, econômicos, políticos e culturais, definidores da formação e do desenvolvimento regional. Através de um conjunto de projetos temáticos de pesquisa, os estudos priorizam não apenas áreas distintas do conhecimento, como também um conjunto de áreas que interagem, buscando a compreensão histórica desses processos.

A iniciativa deste projeto inaugura no Centro de Memória - UNICAMP, uma nova linha de pesquisa, a área da Saúde Pública. Este trabalho se propõe a ampliar o conhecimento dos processos sociais, econômicos, políticos e culturais, enfatizando a articulação existente entre o fenômeno da doença e tais processos.

Esta pesquisa aborda a saúde no espaço urbano de Campinas, tendo como tema central o seu desenvolvimento histórico-institucional. O projeto desdobra-se em 04 sub-projetos, abordando os seguintes temas: medicamentos secretos - saberes e institucionalização; Campinas (1850-1950): hospitais, saúde, desenho urbano ou a formação de uma cidade moderna; O fenômeno do suicídio em Campinas: uma abordagem histórico-institucional; Campinas, 1918: impressões sobre a gripe espanhola..

02. INTRODUÇÃO

2.1 PERSPECTIVA INSTITUCIONAL

Discorrendo sobre a natureza do poder, Michel Foucault, em conversa com Gilles Deleuze, coloca em questão o desconhecimento geral sobre o que seja o poder, algo ao mesmo tempo visível e invisível, alertando para a necessidade de se buscar conhecer as várias instâncias sociais onde ele estaria presente1.

Tais observações são extremamente instigantes quando se pretende estudar aspectos da organização do saber sobre a saúde, pois estimulam a analisar a instituição médica, como instituição de poder social, poder sobre o corpo, que molda os homens de forma específica. Segundo Foucault, o corpo é um alvo estratégico da dominação capitalista. Nesta perspectiva:

O corpo é uma realidade bio-política. A Medicina é uma estratégia bio-política. 2

Assim a construção do coletivo se dá através das instituições, que são elementos normatizadores que se apresentam como conjuntos culturais, simbólicos e imaginários na busca de uma identidade à qual aspira o social.

A instituição de saúde é um local reconhecido de organização e discussão das condições sociais. Condições de trabalho, de moradia, de alimentação, de acesso ao saber, de elaboração, organização e execução de propostas de saúde que extrapolam os órgãos governamentais e remetem à participação de diversos grupos. Cabe, então, analisar a saúde pública sob a perspectiva institucional, seu caráter criador de políticas e práticas na constituição de uma cidade saudável, bem como os embates sociais no decorrer desse processo.

Isto não quer dizer que se vá recorrer unicamente à uma perspectiva foulcaultiana na abordagem dos diversos objetos eleitos neste estudo. O que se quer evitar, porém, é um tratamento teórico mais tradicional das relações entre saúde e sociedade que, durante um longo período, insistiram em estabelecer uma relação de causalidade mecânica entre as condições sociais de existência e o fenômeno de eclosão da doença. Esta é a razão por que se adotou neste projeto uma perspectiva histórico-institucional que envereda pelo campo da cultura e das formações discursivas na tentativa de apreender as representações imaginárias que a sociedade elabora diante do fenômeno, sempre impactante, da doença e da insalubridade.

2.2 PERFIL HISTÓRICO DA CIDADE

Campinas, a segunda cidade do Estado de São Paulo, hoje uma das mais importantes localidades brasileiras, destaca-se sobretudo por sua capacidade produtiva, e pelo contingente populacional, estimado em 883.894 habitantes (1994).

A história do desenvolvimento de Campinas, foi marcada por alguns períodos que representam importantes modificações nos processos sócio-econômicos da região. O primeiro deles ocorreu ainda nas décadas de 40 e 50 do séc. XIX, no período da escravidão (a abolição aconteceu em 1888), quando houve a expansão da cultura da cana e da produção de açúcar. A cidade começou então a despontar dentre as mais importantes da Província3.. O segundo período de transformação foi definido pelo apogeu da cultura cafeeira, nas últimas décadas do séc. XIX. Nesse momento Campinas transformou-se em capital regional e ao mesmo tempo em que mantinha intensa ligação com o campo, assumia feição nitidamente urbana, consolidando-se como grande centro comercial e de prestação de serviços.

A partir do final do século XIX, a cidade passou de capital agrícola da região a um centro industrial. No século XX, seu parque fabril expressivo foi sucessivamente ampliado4. Essa trajetória econômica significou o estabelecimento de complexas relações sociais responsáveis pela construção de um universo urbano, marcado indelevelmente por problemas relacionados com a salubridade e a saúde e, consequentemente, por instituições responsáveis pela elaboração das políticas públicas locais.

Em 18745 ocorreu em Campinas uma grande epidemia de varíola, e logo em seguida, em 1876, foram registrados alguns casos de febre amarela6. A primeira e mais violenta epidemia de febre amarela eclodiu em 1889, seguida de outras, especialmente fortes em 1892, 1896 e 1897. A água que abastecia a cidade, bem como as condições higiênicas foram repetidamente apontadas como causas da moléstia. Mas mesmo antes das grandes epidemias a municipalidade campineira preocupava-se com a questão da salubridade. A Câmara Municipal editou uma série de Códigos de Posturas (1858, 1864, 1866 e 1880), cujas medidas ineficientes foram incapazes de dotar a cidade das condições de infra-estrutura de saneamento e de organização urbana desejáveis, apesar de já demostrarem a importância atribuída ao problema da salubridade devido ao crescimento urbano.

Somente após a eclosão da febre amarela, que dizimou grande parcela da população, o Município, associado ao governo estadual, a investir maciçamente no saneamento de Campinas, em grande parte graças à atuação do sanitarista Emílio Ribas, que também foi o responsável pelo fim das epidemias de febre amarela na cidade, combatendo o mosquito transmissor da moléstia. Esse é o momento da realização de um conjunto de obras de saneamento urbano.

Quanto às políticas de saúde no período, cabia ao Estado o desempenho do papel de polícia sanitária, debelando a ameaça social e econômica representada pelas doenças. O cuidado individual, isto é, o tratamento de moléstias que não ameaçavam a ordem pública, constituía-se em encargo das instituições privadas (apesar de várias receberem subsídios estatais), filantrópicas em sua maioria. Este modelo de saúde manteve-se praticamente inalterado até recentemente.

A prática campineira de uma medicina privada, iniciada ainda no século XIX, cujo exemplo mais expressivo é a Santa Casa de Misericórdia de Campinas, inaugurada em 1876, coexiste atualmente com o segmento público, estruturado com a implantação de programas pioneiros que, desenvolvidos na cidade, contribuíram para o redirecionamento da política de saúde dos governos estadual e federal.

A Prefeitura Municipal atualmente organiza esses serviços de saúde priorizando os cuidados básicos, implantando uma rede de serviços primários, articulada com a rede estadual e as duas Universidades (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas e PUCCAMP - Pontifícia Universidade Católica de Campinas). Assim, um conjunto de instituições sanitárias compõe a rede pública de equipamentos sociais de saúde, que coexistem com um grande número de serviços médicos privados.

Contudo, graves problemas sociais persistem e se refletem na organização das instituições de saúde, entre os quais destacam-se, a favelização intensa, a carência de infra-estrutura urbana e de saneamento em várias porções da área urbanizada ( devido principalmente a um intenso processo de migração ), um sistema de transportes deficiente, além da ocorrência constante de surtos de doenças (anos 70, meningite; anos 80, dengue; anos 90, a ameaça do cólera) e uma alta incidência de moléstias infecto-contagiosas ( como a AIDS ). Agravam-se os problemas na medida em que a população local vem crescendo a uma taxa anual de 2,21%7.

Desta forma, incapaz de equacionar graves problemas sanitários, a cidade que enfrenta um processo de crescimento econômico rápido e desordenado, tem dificuldades para atender a expansão da demanda de serviços de saúde.

Mas apesar do grande número de estabelecimentos de saúde, persiste ainda uma condição sanitária pouco compatível com o nível de desenvolvimento econômico da cidade e da região.

03. ESTUDO PROPOSTO

O processo de formação e desenvolvimento da cidade de Campinas remete-nos à observação mais acurada dos processos de natureza econômica8. Pode-se dizer que a trajetória histórica de Campinas foi indelevelmente marcada por transformações econômicas a partir da produção açucareira, na primeira metade do século XIX, até a grande indústria.

Esta proposta de trabalho transita pela necessidade de analisar as maneiras pelas quais a sociedade

campineira tentou instrumentalizar-se na luta contra a doença. Em outras palavras,(01) refletir sobre as relações que se estabeleceram entre o espaço urbano e a doença, (02) como a cidade se organizou na luta contra a constante ameaça representada pela insalubridade, (03) quais foram os agentes envolvidos nessa problemática e como atuaram. Assim este estudo procurará resgatar, historicamente, o impacto das medidas que visaram equacionar as questões da doença e da insalubridade.

O estudo abrangerá o período compreendido entre o início do século passado até a década de 50 do século XX. O limite inferior foi marcado pelo início da modificação dos padrões locais de urbanização, com o apogeu da cultura de cana e da produção de açúcar nos anos 50, forjando as pré-condições para a futura expansão da cidade. A década de 50 desse século limita o projeto de pesquisa porque este período marca uma nova fase de industrialização que altera as feições urbanas.

Trata-se de uma pesquisa desenvolvida a partir da reunião de informações referentes a alguns aspectos histórico-institucionais relacionados à saúde e à cidade. No intuito de facilitar a obtenção e a análise dos dados e de compatibilizar os diferentes enfoques do tema em um longo período, foram estabelecidos três sub-períodos para investigação, a saber:

1. 1800-1910: Nos anos 50 ocorre o apogeu da economia açucareira. O município preocupa-se tanto com a saúde dos escravos (imprescindíveis para a produção agrícola nesse período) quanto com a propagação dos surtos de doenças que atacam a população, como o cólera ( Campinas edita seu primeiro código de posturas em 1858), mas nos anos 70, coincidindo com a ascensão da economia cafeeira e com uma grande epidemia de varíola, são criados os primeiros hospitais. Nos anos 80/90, final da Escravidão e do Império, uma sucessão de epidemias de febre amarela arrefece o desenvolvimento da economia cafeeira e da grande expansão urbana. Entra em vigor o primeiro Código Sanitário do Estado de São Paulo (1894).

2. 1910-1930:O incremento das obras de saneamento, que não impede a epidemia de gripe espanhola de 1918 e o medo de nova devastação epidêmica, faz surgir uma cidade limpa e moderna. Dotada de toda a infra-estrutura urbana, Campinas retoma o desenvolvimento econômico quando já havia perdido a primazia dentre as cidades paulistas. Um grande impulso ocorre nos anos 30, com o início da elaboração do Plano de Melhoramentos Urbanos (Prestes Maia) aprovado em 1938.

3. 1930-1950: Urbanização intensa ao longo de todo o período, execução de parte das obras previstas no plano de Prestes Maia, Campinas consolida-se como capital regional, com grande ampliação do setor comercial e de serviços privados de saúde.

A seguir, os sub-períodos com a descrição dos aspectos a serem desenvolvidos no projeto:

1. 1800-1910: a utilização dos medicamentos secretos; os hospitais e o desenho urbano; o fenômeno do suicídio.

2. 1910-1930: a gripe espanhola; os hospitais e o desenho urbano.

3. 1930-1950: os hospitais e o desenho urbano.

NOTAS

1- FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder . Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1984, p.75.

2- Idem, ibidem, 80

3- O território brasileiro é dividido em unidades que, até 1889 eram denominadas Provínciase, a partir desta data com a Proclamação da República, passaram a ser nomeadas Estados.

4- Vejamos as taxas de urbanização da população campineira, segundo os Censos Demograficos: 1940: 70,75%; 1950: 77,66%; 1960: 85,98%; 1970: 89,33% e 1980: 89,01%.

5- Ver Almanaque de Campinas - 1900, p. 158.

6- Jornais Campineiros: Gazeta e Diário.

7- FIBGE. Censo demográfico-1991: resultados preliminares

8 - A história econômica entendida como história social.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do engenheiro Saturnino de Brito . Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1992.

BRESCIANI, Maria Stella. Permanência e ruptura no estudo das cidades . IN: CIDADE E HISTÓRIA:

MODERNIZAÇÃO DAS CIDADES BRASILEIRAS NOS SÉCULOS XIX E XX. (org. A. Fernandes e M. A. F. Gomes). Salvador: FAU/UFBA, 1992.

BERLINGUER, Giovanni. A doença. São Paulo: Hucitec, 1988.

CORBIN, Alain. Saberes e odores : o olfato e o imaginário social nos século XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder . Rio de Janeiro: Graal, 1979.

________. O nascimento da clínica . Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.

________. Vigiar e punir: nascimento da prisão Petrópolis: Vozes, 1983.


Buscar en esta seccion :