VII Jornadas sobre Alternativas Religiosas en Latinoamérica |
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Asociación de Cientistas Sociales de la Religión en el Mercosur27 al 29 de Noviembre de 1997 |
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Reencantamento e dessecularização: a propósito do autoengano em sociologia da religião
Antônio Flávio Pierucci
Departamento de Sociologia da USP
"Já mais ledos os pássaros gorjeiam."
(Gonçalves Dias, Obras poéticas)
"Vão indo que eu não vou."
(José Simão, articulista da Folha de S. Paulo)
Essa brilhante pop star que me perdoe, mas não vou começar falando dela. Apesar do incalculável avanço científico que a ovelhinha Dolly representa, sintetiza, promete e projeta - isto sem falar do avanço no debate em bioética -, não vou tratar de clones e clonagem. Bem que eu deveria. Pois quando se começa a falar de secularização e desencantamento do mundo, a primeira coisa que vem à mente é justo a ciência, a ciência moderna em luta incessante contra os mais diferentes idola: a superstição, a credulidade, a ignorância, o preconceito e - convém nunca esquecer - contra a obediência.
E a segunda coisa a nos acudir à mente neste contexto semântico é desdobramento necessário da primeira, o progresso da ciência como nosso destino - the fate of our times, disse-o Max Weber na boa tradução de Hans Gerth e Wright Mills para sua frase "das Schicksal der Zeit" - nosso fado, nossos tempos, mais que apenas nossa profissão (Weber, 1922). Raramente os sociólogos pensam na secularização da arte, da moral, do lazer, da conduta erótica, da morte... E até mesmo na secularização do direito, campo de origem da secularização na era inaugural da modernidade, raramente se pensa.1
Regra geral, no senso comum sociológico os temas gêmeos secularização/desencantamento costumam nos reportar antes de mais nada e preeminentemente ao mundo da ciência experimental moderna. Força que não pára de nos surpreender e arrebatar, poder deste mundo que não cessa de se exercer afirmativamente ante nossos olhos maravilhados e ouvidos atônitos, sobre nossos corpos produtivamente racionalizados e gratificadamente medicalizados, a ciência como ars inveniendi não pára de nos surpreender e encantar a todos ao prosseguir desencantando, nessa "arte da decoberta", o mundo real à nossa volta, despovoando-o até dos marcianinhos verdolengos, aqueles! Aí estão a missão Pathfinder e o robozinho farejador Sojourner a nos excitar uma vez mais a vontade de saber, nem bem nos refizéramos da surpresa Dolly. Despovoando de um lado e, de outro, povoando cada vez mais essa nossa Terra de inéditas criaturas dotadas de vida, "dom da vida" de origem nada misteriosa, nada divina, nada sobrenatural e, até o momento, nem mesmo extraterrestre, mas mesmo assim fantástica, pura maravilha da capacidade humana de criar, beleza pura. Cordiais saudações, Dolly! E até logo, pois ainda volto a te encontrar nesta palestra em que pretendo, atrevendo-me a ser claro desde o início, fazer um discurso sobre o persistente declínio da religião, que tem como pretexto e contraste o também persistente autoengano - ledo engano - dos risonhos acadêmicos portadores mais que celebrantes do alegado "retorno do sagrado" e, se monoteístas esses portadores, da "revanche de Deus".
É incrível como soa atrevido e torto no Brasil de hoje um sociólogo da religião falar em declínio da religião e ousar qualificá-lo de persistente. E no entanto, declínio é claramente o termo, antes, o termo-chave, o processo-chave a ser nomeado quando se leva a sério a secularização da sociedade, ainda que o indivíduo continue a crer e quem sabe a praticar suas crenças múltiplas. Também quando se fala em desencantamento do mundo - processo de longo curso deflagrado pelo monoteísmo judaico na Era Axial (Eisenstadt, 1982) e levado a cabo pelo protestantismo puritano a partir do final do século XVII da Era Cristã - o termo é sempre este: declínio. Nesse último caso, declínio da magia, que caiu do galho principal vitimada pela sublimação ético-religiosa da Reforma-cum-Contra-Reforma e pela violência da caça às bruxas no sentido literal (Thomas, 1985; Hill, 1987).
Mas é tal a pletora de religiosidade explícita a que hoje se assiste por aí, por esse mundo afora e esse Brasil d'agora, é de tal ordem e de tamanha variedade a fermentação religioso- espiritual que se exibe na cena global contemporânea desde os anos 70 ou final dos 60 (Frigerio & Carozzi, 1994; Robbins, 1988; Beckford, 1985; Robbins et al. 1978; Wilson, 1981), que pareceria mais correto, mais "científico", falarmos de escalada da religião ou, pelo menos, de sua retomada, antes que de sua supressão ou extinção ou decadência, mesmo que lenta, mesmo que irregular.
1. "A religião não morreu" - proclama a plenos pulmões um sem-número de intelectuais e acadêmicos soi disant não- religiosos, entre os quais diversos cientistas sociais. Que, a meu ver, passam irresponsavelmente ao largo das implicações intelectuais do descaso que demonstram para com a tese macrossociológica da secularização, treinados que se crêem para observar empiricamente "o que de fato acontece", os fatos sociais. A religião não morreu, pelo contrário! E comemoram: "a fé generalizada na existência de Deus é um fato social observável" (Dogan, 1995); "os dados disponíveis para a Europa mostram que, mesmo nos países tidos por mais 'secularizados', a porcentagem de indivíduos que crêem em Deus é elevada e supera amplamente a dos que se declaram ateus" (Frigerio, 1995); "o declínio da religião, quando há, tem-se mostrado um fenômeno geográfica e socialmente confinado"; se é alta a taxa de novos movimentos religiosos (NRMs) nos Estados Unidos, nos países europeus ela é "duas vezes maior" (Stark, 1993); "as religiões têm-se revitalizado, expandido e multiplicado consideravelmente nesses três decênios finais do século XX", último quartel, por sinal, do século mais secularizado de todos os séculos, fenômeno que abrange do Primeiro ao Terceiro Mundo, passando pelo Leste europeu (que aliás, andam dizendo, virou pós-comunista também por este motivo). O sagrado revigorado tem sido apresentado como um fenômeno que só surpreenderia aqueles que "por ideologia" embarcaram nos prognósticos equivocados, agora frustrados, dos racionalistas, iluministas, positivistas e materialistas de todos os matizes, que não só prediziam como pretendiam o "fim histórico do sagrado", y compris os pais fundadores da sociologia.
A atual visibilidade midiática da religião massivamente professada tende a tornar o fenômeno ainda mais impactante, mais impressionante, mais irrefutável à proporção que se aproxima o ano 2000, fim de século que ainda por cima - e para compor melhor o cenário propício à logomaquia pretensamente pós-moderna dos velhos e novos celebrantes do sagrado recidivo - é fim de milênio. Tudo se passa agora como se a evidência bruta dos fatos indicasse com nitidez meridiana que a grande teoria sociológica perdeu, também neste caso, mais um paradigma, o paradigma da secularização (Tschannen, 1991), atribuído unanimemente a Max Weber, não raro a um Max Weber "superado".
Superado porque datado. Ou melhor, out of date. Vale a pena ouvir o que tem sido dito por aqui mesmo, no Brasil. Cito como exemplo significativo a postulação de um pesquisador da USP, altamente prestigiado nos meios brasileiros de sociologia da religião, para termos uma idéia inicial dessa grande onda formada pelos defensores do reencantamento do mundo: "As análises de Weber foram válidas para um período encerrado da história do Ocidente: o apogeu da racionalidade num mundo desencantado, em que o sagrado se exilou. Mais recentemente vivemos o período dos chamados 'retorno do sagrado' ou 'revanche de Deus', em que este mundo, de alguma forma, se reencanta. Mesmo se considerarmos a realidade do Terceiro Mundo em geral e do Brasil em particular, em que o sagrado persistiu, é inegável que a religião aí se revitalizou, paralelamente ao reencantamento primeiro-mundista" (Negrão, 1994: 134). Ou seja, se bem entendo, aqui na periferia do capitalismo nem houve desencantamento; continuamos num jardim encantado -- pelo jeito o trânsito infernal e a poluição letal de São Paulo não significam (nem ressiginificam) nada! - enquanto de seu lado as sociedades desenvolvidas vão sendo reencantadas pelo sagrado avigorado.
Segundo a simplificação que fazem da teoria da secularização atribuída a um Weber evolucionista, o protestantismo puritano teria sido a última formação religiosa possível no desenvolvimento cultural do Ocidente, a etapa superior do cristianismo, la religion de la sortie de la religion (Gauchet, 1985: II). Mas convém perguntar: estaria a religião marcada para morrer no capítulo final da "grande narrativa" weberiana do macroprocesso de racionalização ocidental, uma vez secularizado o cristianismo por força do seu próprio desenvolvimento interno, do desdobramento lógico de sua própria imagem de mundo religiosa, vítima da astúcia da introversão religiosa que ele produziu e que acabou dando na razão técnico-científica e tecnocrático-funcional?. Quaestio disputata. Pretendo discutir melhor este ponto noutra ocasião. Entrementes, não custa lembrar, nem que seja só de passagem, que Max Weber sempre foi metateoricamente avesso a previsões fechadas com pretensão nomológica no formato teleológico- hegeliano tipo filosofia da história. Como então atribuir-lhe a tese do "fim histórico da religião"? De todo modo, a leitura que os críticos da tese da secularização fazem de sua obra vai no sentido de lhe atribuir um prognóstico de "no future" para a religião na sociedade moderna ou modernizada cada vez mais travejada pela racionalidade formal, espécie de profecia que não se cumpriu. Como se Weber não costumasse escarnecer das profecias acadêmicas... Em curto artigo no caderno Mais! da Folha de S. Paulo, cujo título é já em si um compêndio, um epítome - A profecia desmentida - o Prof. Pierre Sanchis escreveu recentemente o seguinte: "as impressões contemporâneas parecem, até dramaticamente, não confirmar semelhante profecia", referindo-se ao fato (empírico, por supuesto) de que "a modernidade não expulsou nem suprimiu a religião" (Sanchis, 1997: 8).
Que não a tenha suprimido ou extirpado, vá lá, nem era o caso; mas... não a expulsou de onde? pergunto eu. Havê-la banido do centro mesmo que articula arquitetonicamente a coesão do corpo social, pergunto eu, é pouco? Desbancá-la do seu papel de matriz cultural totalizante, insisto, é pouco? Terem abandonado o "dossel sagrado" (Berger, 1967), num processo altamente dinâmico e generalizado de especialização institucional, as esferas normativas do direito positivo moderno e da ética racional, as esferas expressivas da arte moderna e do entretenimento e, last but not the least, as esferas cognitivo-intelectuais da filosofia e da ciência, é pouco? Pois me parece que foi assim, contentando-se com o pouco que sobrou para a religião na moderna civilização ocidental - a saber, a esfera privada-íntima, e olhe lá! - que começou a tomar forma entre os cientistas sociais da religião essa atitude mental de valorização simpatizante do "retorno do sagrado", fenômeno assim nomeado por alguns já na segunda metade dos anos 70 (Bell, 1977; Alves, 1979; Wilson, 1979), posição que no início dos 90 viria a ser rebatizada com este que eu particularmente reputo um título de extremo mau gosto, La revanche de Dieu (Kepel, 1991). Mau gosto, primeiro, por seu injustificado triunfalismo e, em segundo lugar, pela marca acintosamente abraâmico-monoteísta do seu significante central. Do eclipse à reconquista: chrétiens, juifs et musulmans à la reconquête du monde, diz o excludente subtítulo de Kepel.
Em parte esse tipo de reação poderia ter sido bem saudável intelectualmente, não fosse a ingenuidade, a má fé ou a carolice com que foi abraçada por muitos cientistas sociais e outros estudiosos da religião aqui no Brasil, que, no intuito arrevesado de "dessacralizar" a teoria da secularização2, acabaram praticamente ressacralizando a própria sociologia da religião, transformando-a numa espécie nada revolucionária de Tendenzliteratur, só que envergonhada, uma "sociologia religiosa" não assumida como tal. Contra o velho paradigma hegemônico que descrevia o inevitável "eclipse do sagrado" (nos anos 60-70 gostávamos de dizer isto em italiano, l'eclissi del sacro, pelo fato de ser italiano o autor da expressão (Acquaviva, 1961), mas também por referência/reverência ao belo filme de Antonioni, L'eclisse) começaram a convergir para essa atitude de desconfiança ou descaso em relação à tese da secularização pesquisas de todo formato sobre todo tipo de religião e forma de religiosidade, igrejas, seitas, movimentos religiosos, cultos, práticas mágicas, práticas esotéricas e neo-esotéricas etc. (Magnani, 1996) e, com isso, aos poucos foi tomando corpo essa tese-réplica que narra em tom maior a revanche de Deus, desforra divina que parece ter começado por conceder o dom da salvação à própria sociologia da religião ao injetar vida eterna em seu objeto de estudo, matando com isto o velho paradigma da secularização pensada como "morte de deus".
2. De minha parte continuo a insistir: não há crise de paradigma nessa área do conhecimento3. No frigir dos ovos, trata-se mesmo é de declínio da religião. Trata-se, por sinal, do que "já aconteceu" e não apenas do que "vai acontecer" com a religião no Ocidente, "no que vai dar", pela perda estrutural da posição axial que ela ocupava nas sociedades tradicionais. Ou seja, a religião literalmente perdeu o lugar já na Europa do século XVIII - época da "Grande Transformação" (ou "Grande Profanação", como a chama Daniel Bell) - e desde então sua situação não parou de piorar, ainda que de forma não linear, vendo-se ela a ter que desfiar um rosário infindável de perdas, resultado da confluência no tempo e no espaço de uma série de processos de longa duração historicamente identificáveis: após a perda de espaço e poder no aparelho de Estado laicizado, que implicou na perda material de uma série de bens e domínios eclesiásticos (cf. Marramao, 1983), veio a galope a perda de chão ou de raízes na sociedade societalizada e a perda de alcance sobre a pluralização das esferas culturais autonomizadas; e daí, perda de influência no espaço público, perda de força e de autoridade sobre a vida quotidiana, perda de prestígio cultural na vida urbanizada e até mesmo, eu diria, perda de charme.
Que capacidade têm hoje as igrejas e cultos no primeiro mundo de exercer influência vigorosa sobre as instituições sociais, uma infuência que realmente conte, e não essa que alguns sociólogos da religião dizem estar enxergando ao observá-la através de microscópios, lupas e outros tipos de lentes de aumento? E o que dizer da alta produção cultural, a arte? Falando nisto, uma bene trovata maneira de lidar empiricamente com a secularização enquanto processo cultural de longa duração foi encontrada por William Silverman há uns dez anos: para testar a hipótese da tendência histórica de perda de influência da religião na produção cultural, usou como indicador a coleção de pinturas do Metropolitan Museum of Art da cidade de Nova York; os resultados a que chegou mostram que do século XIV ao final do século XX ocorreu um declínio acentuado e constante de temas religiosos na pintura (Silverman, 1989). E o quanto de religião dá para encontrar no cinema, na tevê, na música pop? Bryan Wilson pontua, a propósito, que na sociedade moderna contemporânea o carisma foi marginalizado: é o que ele chama de "periferização" do carisma. O carisma pode estar aparecendo muito por aí, mas aparece cada vez mais restrito a esferas "não sérias", tais como a do entretenimento e a dos esportes. E não custa nada acrescentar que estas esferas "não sérias" são justamente as grandes portadoras da mais radical secularização do tempo livre jamais vista na História, o que, convenhamos, registra um feito nem um pouco desprezível em se tratando de sociedades pós-industriais ou de capitalismo tardio como estas em que vivemos, nas quais o tempo ocioso das pessoas só faz crescer e a esperança de vida terrestre, aumentar. Ora, vida longa é uma das promessas mais ancestrais, mais arcaicas da religião, promessa "paleozóica" que quem está cumprindo não é nenhuma igreja ou seita, mas o progresso da ciência com desenvolvimento econômico, aos poucos e por conta própria.
No lazer de modo geral, principalmente o das crianças e adolescentes, qual o influxo da religião (cf. Katz, 1976)? Um acontecimento recente diz muito sobre isto: a tentativa frustrada dos batistas do Sul dos EUA de boicotar os produtos e serviços da Disney, acusada de políticas homofílicas. Conta a revista Istoé: "12 mil representantes das 40 mil congregações nacionais de batistas do Sul dos Estados Unidos, uma facção evangélica que comanda nada menos do que 15 milhões de fiéis, declararam boicote ao conglomerado Disney. E não estão apenas contra Bambi e seus amiguinhos, mas contra todos os produtos da empresa. O que despertou a ira dos batistas foi a última reunião de homossexuais no Gay Day, uma celebração anual que reúne milhares de gays na Disney World, noticiada por ISTOÉ há duas semanas. Neste ano calcula-se que 80 mil desembarcaram no "Reino Encantado". Junte-se a esta invasão tolerada o fato de que as empresas Disney têm uma das políticas mais liberais para a contratação de homossexuais, inclusive estendendo benefícios médicos e sociais a parceiros de funcionários gays. Para enfurecer ainda mais os batistas, a rede de tevê ABC - que pertence à Disney - exibiu um episódio da popular série cômica Ellen, na qual a personagem revela ao mundo ser lésbica. A comediante Ellen DeGeneris, aliás, é lésbica de carteirinha e vivia até duas semanas em companhia de uma atriz. 'A Disney tem uma política de tolerância ao homossexual', protesta o pastor Richard Land, presidente da Comissão Vida Cristã, que propôs o boicote. Muitos fiéis, no entanto, confessam que será difícil conter os filhos diante da tentação representada pelo filme Hércules, um dos grandes sucessos do verão. Além disso, muitas famílias fizeram reservas na Disney World há muito tempo. Por isso, uma rápida pesquisa feita por órgãos de imprensa mostrava fiéis descontentes com a decisão e muitos diziam abertamente que não iriam aderir ao boicote. Por outro lado, a Disney ganhou ainda mais prestígio com o público liberal e a comunidade gay. 'A sociedade está mudada e caminha para a integração dos homossexuais. Nossas fileiras contam com 80% de pessoas com alto poder de consumo e com 60% de profissionais com empregos de boa renda. A Disney sabe que não pode desprezar esses consumidores', diz Donald Suggs, diretor da Gay-Lesbian Alliance Against Defamation, uma poderosa organização que luta contra discriminações" (FREITAS JR. 1997).
E alguém já atentou para a indolor secularização por que vai passando o domingo, o outrora "dia do Senhor", central para a prática da comunhão cristã desde o Concílio de Nicéia nos tempos de Constantino, o Grande? (Orsini, 1977). Hoje o domingo é vivido não só como um dia de lazer profano quase obrigatório, "imperdível", mas também, por injunção de crises econômicas setoriais (nas vendas, no nível de emprego etc.), crises de efeito enobrecedor sobre a liberdade de trabalhar e comerciar e sobre a volúpia de faturar, passa a se ver praticamente igualado aos outros dias da semana; vira um "dia normal" de ir às compras, um dia a mais de comércio varejista aberto, precioso tempo para o indivíduo se expor e ceder, com mais conforto e menos trânsito, estando só ou em família, aos mais prazerosos impulsos consumistas - sem culpa ritual ou moral. Se isto não significa declínio da religião também na vida privada, significa o quê? E quanto à chamada "cultura jovem", com seu diversificadíssimo leque de subculturas estetizantes, qual a parte da religião na produção dos estilos de vida jovem? (Hebdige, 1987 e 1988; Costa, 1993; Abramo, 1994; Amit-Talai & Wulff, 1995) E o que dizer da universidade? E não me refiro aqui somente à universidade pública laica, mas também e principalmente às ditas confessionais ou comunitárias: que legitimidade ainda conseguem aí o vínculo religioso e a autoridade religiosa quando se trata de transmitir saberes profanos, que são os que realmente contam para a formação profissional?
Perda de charme, dizia eu acima. Perda de encanto, se me permitem o trocadilho. Literalmente, des-encanto. Entzauberung der Welt, disse-o Max Weber, parafraseando o inspirado sintagma que Schiller cunhou na poética sonoridade da língua alemã, Entg"tterung der Natur, des-divinização da natureza, colando-lhe neste transfert um significado muito diferente, bem mais forte aliás do que o que neste momento emprego para aludir à perda de atrativo da religião na cultura moderna (cf. Winckelmann, 1980). Que outro fato individual que assombrasse o mundo, pergunto, um fato religioso do porte e, como dizem os italianos, da portata universalista da clonagem de uma ovelha puderam as mais dinâmicas das mais miraculosas religiões jamais produzir nos últimos tempos? Alguém se lembra de algum milagre recente tão impactante, tão sedutor, tão significativo para todos os seres humanos quanto a ovelha Dolly? É essencial para o meu argumento esta qualidade inerente às descobertas científicas, a de serem os seus resultados e procedimentos imediatamente publicáveis, comunicáveis, replicáveis e universalizáveis. Isto o carisma religioso não faz, nem pode. Um indivíduo portador do HIV pode perfeitamente desejar e pedir para si próprio um milagre do seu deus (ou deuses), do seu santo forte ou do seu guru - e oxalá venha mesmo a alcançar a graça da cura pessoal, tomara - mas ninguém em sã consciência espera que o milagre possa acontecer para todos no mundo todo. A cura ordinária da AIDS, para todos, virá da potência do saber científico. Mesmo os ouvidos mais sinceramente religiosos estão esperando ouvir um dia a boa notícia que virá dos meios científicos e dos laboratórios, não das igrejas e cultos ou da feitiçaria. Apertemos nossa memória individual, vasculhemos nossos arquivos de recortes de jornais e revistas, recolhamos relatos de família, visitemos tantos sites da internet quantos forem necessários, o fato é que fora da imaginação não iremos encontrar nada que se assemelhe, de longe que seja, a mais essa revolução científica, a revolução dos clones, tão densa de implicações ativamente dessacralizantes do nosso modo de estar aí no mundo e aí nos reproduzir. E nos reproduzirmos sem coito nem inseminação. ·s portas do século XXI e do III Milênio, eis-nos remetidos pela ciência à possibilidade de reprodução assexuada em massa. Cinco meses transcorridos da notícia da clonagem da Dolly, e já nos apresentam um séquito de outros mamíferos absolutamente terráqueos clonados com sucesso, e desta vez transgênicos.
Que fatos outros, fatos novos, com implicações contrárias tão incisivas e universalizáveis (contrárias, digo, no sentido de des-secularizantes ou contra-secularizantes) estaria hoje a religião a produzir de seu lado? Afeita a enfrentar questões últimas [ultimate concerns], que soluções ou respostas inovadoras e criativas as religiões têm sido capazes de produzir em benefício de seu próprio prestígio que não sejam meramente adaptativas, acomodatícias, condescendentes com a própria modernidade que a descarta e pulveriza? A religião no mundo moderno é sempre-já "segundo violino", gostava de dizer o grande mestre brasileiro em sociologia da religião, Cândido Procópio Ferreira de Camargo (cf. Pierucci e Prandi, 1996, p. 101). Ou seria a república islâmica uma boa solução?
E no entanto, entre nós sociólogos que estudamos religião nas sociedades modernas e em modernização tem-se tornado quase uma esquisitice continuar a falar de secularização, tamanho o consenso espontâneo que se foi formando e firmando em torno do "mito da secularização" (Ferrarotti, 1984; Hadden, 1987; Ammerman, 1994). Um mito a mais da grande teoria sociológica, dizem alguns, este sim um mito facilmente desmitizável, porquanto a religião está aí de volta, cheia de vida e fazendo bem. Alguns, como o antropólogo argentino Alejandro Frigerio, na esteira de William Swatos (1989), em vez de mito usam a palavra dogma para se referir à tese da "secularização", um dogma sociológico: "Esta idéia de que a religião estava (sic) perdendo importância e que finalmente ia desaparecer no mundo contemporâneo foi, durante muitos anos, um dos dogmas mais aceitos na sociologia que lhe deu origem, bem como noutras disciplinas" (Frigerio, 1995). Se mesmo nas sociedades tecnológica e economicamente mais desenvolvidas o sagrado faz parte importante da vida de tanta gente, se o sagrado perfaz aí, nos dias de hoje, seu próprio "retorno do recalcado" e deixa-se ver por todo lado a reencantar o Primeiro Mundo, o tal do desencantamento weberiano deve ter ido mesmo para o ralo da História, sendo agora substituído com vantagens (humanas!, dizem, humanísticas! garantem) pelo "Tao da física" dos "religiosos por natureza" (Soares, 1989).
Mas o que é isto, me pergunto a toda hora que leio ou escuto algo assim, que síndrome é esta? Pós-modernismo? Boa vontade cultural? Influência do "olhar antropológico"? Geertzismo desenfreado? (Levi, 1995) Ou é empiria pura, efeito cumulativo, sem teoria e sem autocrítica, da acrescida pesquisa empírica em sociologia da religião e antropologia cultural? Digo isto porque não consigo esquecer a provocação que li certa vez em James Richardson, ferrenho adversário da teoria da secularização. Escreveu ele o seguinte: "Disse Feuerbach muito tempo atrás que 'o segredo da teologia é a antropologia' [antropologia filosófica, esclareço eu - AFP]. Talvez a pesquisa sobre conversão às novas religiões esteja sugerindo que 'o segredo da sociologia da religião é também a antropologia' [antropologia cultural, desta vez - AFP] e este 'segredo' revela que a teoria da secularização é mal- fundamentada. Centenas de milhares de jovens na América e em outros lugares, membros da geração mais escolarizada e afluente que já existiu, estão tomando decisões conscientes de 'converter-se' a novas religiões, mesmo que por tempo relativamente curto para muitos. Muitas vezes esses eventos têm apenas importância individual, mas cumulativamente eles têm um significado cultural considerável." Diante disto, adverte ele, "os sociólogos da religião fariam bem em reconhecer na teoria da secularização esta importante anomalia e procurar perspectivas teóricas mais frutíferas com as quais enfrentar o continuado interesse na religião, próprio da espécie [species specific] entre os seres humanos" (Richardson, 1985: 115).
Toda vez que vejo uma posição como esta sendo tomada por um sociólogo da religião, quer-me parecer apenas e tão-somente mais um caso de neoconservadorismo (cf. Habermas, 1989). E fico me perguntando se, em meio à vasta categoria dos sociólogos brasileiros, não seremos nós, os sociólogos da religião, uma das alas com mais fortes propensões ou tiques neoconservadores, em função justamente da preferência pela religião como objeto de interesse intelectual, preferência que talvez já traga em seu bojo essa maldição, esse ovo de serpente, ou, tentando ser menos patético, esse handicap de ficar torcendo en ethnologue pela sobrevivência "física" do próprio objeto e sair comemorando tão logo esse coitado comece a dar sinais de vida ou mostras de sobrevida? (A respeito de sobrevivência do objeto, é bom lembrar a famosa entrevista de Lévi-Strauss à Folha de S. Paulo em outubro de 1989.) Mesmo entre os que aceitam a secularização como um processo em curso insinua-se quase sempre o risco do neoconservadorismo pró- religião, instala-se meio inadvertidamente aquele jeito de olhar que trai um modo de pensar favorável à permanência da moralidade religiosa enquanto fator fundamental de integridade do processo civilizador, garantia da coesão social e da permanência da plena humanidade do homem. Daniel Bell (1977, 1978) está aí para não me deixar mentir, para não dizerem que exagero quanto a esse tipo de risco.
3. Mas afinal, existe uma teoria da secularização? Muito esforço já foi canalizado nesta direção e eu teria que dispor de mais espaço para poder, em meio à vasta produção acadêmica internacional nesta sub-área, fincar aqui e ali certas balizas a fim de que os menos familiarizados com o tema possam entender minimamente a história que estou contando. Sobre a teoria da secularização, a favor e contra, é possível perfilar os dois seguintes (e incompletos) elencos de autores e obras, em ordem cronológica:
Favoráveis: Acquaviva, 1961; Wilson, 1966; Luckmann, 1967; Berger, 1967 [1969]; Camargo, 1971; Cipriani, 1973; Parsons, 1974; Wilson, 1976; Fenn, 1978; Martin, 1978; Brandão, 1980; Dobbelaere, 1981; Wilson, 1982; Marramao, 1983; Turner, 1983; Wallis, 1984; Dobbelaere, 1984; Séguy, 1986; Dobbelaere, 1987; Wallis, 1987; Robbins, 1988; Bruce, 1990; Lechner, 1991; Giorgi, 1992; Bruce, 1992 e 1996; Pierucci & Prandi, 1996. Adversários: Greeley, 1973; Bell, 1977 e 1978; Fichter, 1981; Richardson, 1985; Stark & Bainbridge, 1985; Hadden, 1987; Crippen, 1988 e 1992; Swatos, 1989 e 1993; Stark, 1993; Stark & Iannaccone, 1994; Warner, 1993; Negrão, 1994; Frigerio, 1995.
Citei de início dois brasileiros importantes. Ouçamos agora argumentos contrários à tese da secularização esgrimidos fora do Brasil. O principal deles lança raízes justamente no crescimento conspícuo das últimas décadas, nas sociedades euro- norte-americanas, de crenças alternativas e práticas ocultas ou esotéricas, exóticas muitas vezes e às vezes chocantes, como os casos de suicício coletivo, que parecem não apenas borrar, mas detonar os limites da racionalidade cultural. Na metade dos anos 80, um cientista norte-americano ironizava: "Com efeito. No atual clima antirracional, difícil é saber se uma emenda constitucional para repelir o Iluminismo não passaria mais facilmente do que a emenda dos direitos iguais [a ERA, Equal Rights Amendment]" (Weissman, 1985, apud Robbins, 1988: 53).
Pois bem, a teoria da secularização tem aparecido a alguns estudiosos como a grande vítima do crescimento das novas religiões e da presente arribada do cristianismo evangélico (para não falar da irrequieta mobilização política dos muçulmanos e judeus ortodoxos). O crescimento dos novos movimentos religiosos (NRMs) parece ter precipitado nos sociólogos da religião a produção de humores antidepressivos associada a uma retórica triunfal, que tematiza como inestancáveis os mananciais de religião e, por via de conseqüência, a inconsistência ou superficialidade da teoria da secularização. As formas do sagrado emergentes nas últimas décadas são vistas como se apontassem com precisão para a realidade fundamental do ser humano como "não secular", Unsecular Man, segundo Greeley (1973). No começo dos anos 80, uma pesquisa sobre "a juventude em busca do sagrado" levou o sociólogo inglês Joseph Fichter a afirmar que "é a secularidade que está em crise, não a religião" (Fichter, 1981: 22). São palavras de claro viés auto-referente, que podem ser ouvidas ou lidas no Brasil de hoje a todo momento. Pinço um exemplo: "De fato, o que desconcerta hoje não é a falta de religião, o ateísmo e o secularismo, mas, ao contrário, a superoferta de sentido religioso que nos acomete de todos os lados" (Moreira e Zicman, 1994, p. 11). Enunciado meramente denotativo na aparência, aparentemente uma simples constatação, repousa ele no entanto numa certeza de fundo quanto à "vigência sempre presente" do sagrado como uma experiência silenciada dos seus próprios autores, certeza da qual nasce e se alimenta o projeto intelectual em curso de "rever o chamado processo irreversível de secularização" (idem, p. 11).
Pessoalmente não tenho nada contra a reversibilidade de processos históricos tidos como inexoráveis; apenas não me convencem argumentos metafísicos. Não à toa me referi acima, criticamente, à posição de quem considera próprio da espécie humana o interesse religioso. É que não dá para não ver a incongruência de quem jovialmente festeja o "retorno do sagrado" e ao mesmo dá de barato que ele nunca se foi. A volta do que não se foi? Os teólogos costumam ser mais coerentes do que certos sociólogos da religião4. Argumentos aparentemente mais elaborados têm aparecido, como o da prolífera dupla de sociólogos da religião, Stark e Bainbridge, que num sem número de publicações tem insistido fortemente na seguinte tecla: o crescimento dos cultos e das formações religiosas não tradicionais e não raro não institucionais na sociedade estadunidense é prova (sic) de que a secularização é na verdade um "processo autolimitador" [self- limiting process]. Quando paramos para examinar mais de perto a arquitetura do argumento segundo o qual, quando as tradições religiosas dominantes fenecem, geram-se novos credos que vão tomar seu lugar, damos de cara mais uma vez com a necessidade do sagrado como invariante da condição humana. Que entretanto se manifesta em formas e formações que são variáveis; variáveis na eficácia, na extensão, na profundidade da adesão, assim como estão sujeitas também a durabilidade variável (Stark & Bainbridge, 1985).
Falar em durabilidade variável das formações ou dos compromissos religiosos com o intuito de rebater a tese da secularização é o tipo do argumento bifronte, que acaba também funcionando como um argumento a favor, a saber: a secularização ocorre, sim, só que num processo irregular e não linear. Como propôs Robert Wuthnow já nos anos 70, a secularização pode perfeitamente se dar como um processo irregular, descontínuo, com flutuações marcantes no compromisso religioso dos indivíduos, seja com a doutrina professada, seja com a comunidade concreta de fé. Wuthnow procurou demonstrar sua tese com base em estatísticas levantadas para a sociedade americana no período de 1950 a 1972. Não desgosto dessa idéia. Parafraseando o título inglês do conhecido livro de Albert Hirschman sobre o envolvimento na ação política, Shifting Involvements (Hirshman, 1983), dá para dizer que também no campo religioso os envolvimentos são inconstantes, podendo mudar de intensidade quase que ciclicamente. Quero dizer com isto que a um período de intensa mobilização religiosa de parte considerável da população pode perfeitamente seguir-se um outro, de desmobilização, desengajamento e desinteresse pela comunidade religiosa, ou mesmo de decepção com a vida religiosa enquanto tal, resultando numa pausa quase necessária que o indivíduo põe em seu ativismo altruísta para egosticamente se dar de presente "um tempo", a fim de se dedicar mais intensamente à vida íntima e aos negócios privados não-religiosos. Esse retraimento em relação ao fervor religioso e ao ativismo apostólico pode ser mais mais ou menos radical e mais ou menos duradouro.
A secularização consistiria, assim, de momentos em que os limites do campo religioso (muitas vezes arbitrários, posto que sempre cambiantes) alternadamente se contraem e se expandem. Se entre a dedicação à esfera pública e a imersão total na vida privada, entre o ativismo político e o mergulho no privado, entre o cidadão arregimentado e o consumidor egocentrado ocorre isso que Hirschman batizou de shifting involvements - simplesmente porque ninguém é de ferro! - o mesmo se pode também dizer do envolvimento com a religião. São muito raras as pessoas que se acham mobilizadas religiosamente no curso inteiro de suas vidas - e esses, tal como aqueles da política, tornam-se por isso mesmo profissionais da religião. Oblatos, diria Bourdieu. Que, por sua vez, também podem ser mais ou menos ativos, mais ou menos dispostos ao proselitismo e à militância, mais ou menos seguros das metas a atingir, mais ou menos bem sucedidos no agir, ainda que sempre devotados.
Observado pois em curtos lapsos de tempo, o processo de secularização pode mostrar-se bem mais oscilante do que quando se toma para exame período de mais longa duração. Foi o que constatou um grupo de pesquisadores da Universidade do Texas ainda na década de 1970, ao replicarem o levantamento feito por Wuthnow anos antes, acrescentando mais setenta anos ao período de vinte e dois examinado pelo primeiro, com o objetivo de checar a hipótese da secularização como processo descontínuo. Acabaram por descobrir que, no período de quase cem anos que vai de 1880 a 1972, quatro das sete variáveis utilizadas exibiam tendência linear para o século XX (Rigney et alii, 1978). Isto quer dizer que, no curto prazo, a secularização se processa de modo irregular e oscilante, o que entretanto não a impede de realizar-se de modo linear e irreversível no trecho histórico longo.
4. Não custa, porém, complicar um pouco mais. A ingenuidade das fórmulas simples, afinal, nem sempre tem permitido àqueles sociólogos da religião que as empregam captar os processos mais complexos e intrincados, menos unívocos em sua ocorrência. Refiro-me agora, noutras palavras, ao fato de que na era dos fluxos globais se produzem, com maior freqüência do que antigamente, processos locais mistos de secularização-com-intensificada-mobilização-religiosa. Uma não obsta a outra; ao contrário, combinam-se, polinizam-se e se exponenciam. A realidade histórica às vezes gosta de experimentar o sabor dos paradoxos.
Não obstante, portanto, a sofreguidão dos adversários em sepultar a teoria da secularização, as teorizações favoráveis elaboradas por sociólogos ingleses e norte-americanos têm procurado desenvolver fórmulas menos rígidas do que as da leitura feita pelos oponentes e que dêem conta da compatibilidade entre os dois fenômenos: a explosão recente dos novos movimentos religiosos e o prosseguir aprofundado do processo de secularização.
Algumas teorizações vão ainda mais longe. Para mim são as mais satisfatórias. Empregam a secularização da sociedade como explicação da emergência atual de expressões religiosas não tradicionais (Robbins, 1988: 54). Esta idéia, segundo a qual é a secularização que causa, e portanto explica, a fermentação religiosa a que estamos assistindo nas últimas décadas do século XX, e, por conseguinte, o chamado retorno do sagrado nas mais diferentes formas não joga no lixo a teoria da secularização, parece-me a mais estimulante, por ser a mais complexa, a que mais instiga e desafia os intelectos imaginativos interessados no assunto. O mais importante, influente e sofisticado defensor deste ponto de vista é Bryan Wilson, a quem pretendo dedicar alguns parágrafos. Para Bryan Wilson, o processo de secularização como declínio sem volta do significado sociocultural das instituições religiosas tradicionais ou convencionais é uma realidade histórica, está longe de ser um mito. Também para ele o crescimento dos novos movimentos religiosos encontra sua condição de possibilidade na perda estrutural de posição da religião (cristã) estabelecida ou hegemônica e, antes que sinal de reversão ou desmentido desse processo de declínio, constitui uma de suas melhores expressões. Bryan Wilson argumenta que o número e a variedade de movimentos espirituais crescem justamente sob o impacto da secularização na medida em que ela significa, ou implica, declínio geral do compromisso religioso. A secularização relativiza esses compromissos, digamos assim, abrindo a possibilidade de que sejam passageiros. Sendo a sociedade moderna caracterizada pela vigência generalizada de padrões burocráticos impessoais de controle social, fica impedido de se dar um autêntico "Great Awakening" [Grande Despertar] capaz de transformar a sociedade e a cultura. As novas religiões de hoje, então, encontram a religião já reduzida a um item de consumo e botam mais lenha nessa fogueira. O consumidor religioso escolhe uma e até mais de uma experiência mística, ou solução espiritual, ou serviço religioso dentre uma grande variedade de propostas provocantemente expostas no "supermercado espiritual". Mas, lembra bem Wilson, bom sociólogo que é - e me parece que é aqui que os outros se enganam - cada compra feita pelo consumidor religioso "não tem conseqüências reais para as outras instituições, para a estrutura do poder político, para as constraints e os controles tecnológicos". Ele chega a radicalizar, o que me parece absolutamente saudável, como nesta passagem em que afirma que as novas formações religiosas "não acrescentam nada a qualquer reintegração prospectiva da sociedade e não contribuem com nada para a cultura pela qual a sociedade poderia viver" (Wilson, 1976: 96).
Se no ambiente cultural de hoje diversas e heteróclitas estruturas religiosas produtoras de sentido podem coexistir competindo, coabitar crescendo umas sobre as outras ou contra as outras, se conseguem até mesmo ser tolerantes a maior parte do tempo não obstante os surtos de conflito mais agudo, é precisamente porque uma secularização onívora perpassa a sociedade de cabo a rabo, ainda que em ritmos desiguais, reduzindo os sistemas espirituais e as experiências sobrenaturais a ofertas de serviços pessoais ao alcance da mão de qualquer um que se sinta interessado, necessitado ou simplesmente curioso. Mesmo aqueles intelectuais que consideram a necessidade do sagrado, ou do sobrenatural, como uma invariante da condição humana hão de convir que existem atualmente mil formas e modos de satisfação dessa alegada necessidade metafísica e a escolha das formas é livre, dependendo ou da preferência de cada qual, ou da estrutura da oferta, ou da oportunidade, ou de uma série de outras contingências mais prosaicas.
Quem argumenta com a efervescência das novas formas de vida religiosa que estariam pululando no Primeiro Mundo euro- norte-americano fica no plano privado-individual do exercício religioso, ou no nível das relações pessoais, nos quais o sobrenatural pode, sim, ter um valor muito grande e um significado fortissimo (a metáfora aqui é musical), que entretanto não têm conseqüências de peso ou de fôlego para as instituições sociais dominantes, para a dinâmica do poder político, para os processos tecno-econômicos, para a administração pública e a condução dos negócios, repisa Wilson. Desde quando a sociedade moderna repousa sobre as relações pessoais? Delírio micro-sociológico do mais puro - digo eu, aproveitando a deixa. Este, aliás, é um dos pontos de que Weber tratou explicitamente em seu ensaio "A ciência como vocação", na famosa passagem em que fala do destino do nosso tempo. "O destino do nosso tempo é caracterizado pela racionalização e pela intelectualização e, acima de tudo, pelo 'desencantamento do mundo'. Precisamente os valores últimos e mais sublimes se retiraram da vida pública e se refugiaram ou no reino transcendente da vida mística ou na fraternidade das relações humanas diretas e pessoais. (grifo meu) (...) Nada há de acidental no fato de que, hoje em dia, só nos círculos mais pequenos e íntimos, nas situações humanas pessoais, em pianissimo [como Weber gostava de metáforas musicais!], é que pulsa algo que corresponde ao pneuma profético que nos tempos passados abrasava grandes comunidades e as mantinha coesas" (Weber, 1948 [1922], p. 155). Nada de acidental, diz Weber; ou seja, a racionalização secularizante causa, explica - no sentido científico forte de explicação - a vitalidade do sagrado na esfera privada. A tendência básica é a racionalização da sociedade e da cultura. Por aí é que corre o leito principal (além de Wilson, ver também Wallis, 1987).
5. E nós aqui, a quantas ficamos? Digamos que de fato a população brasileira em suas mais diferentes camadas esteja experimentando um importante reavivamento religioso e que toda essa efervescência religiosa signifique mais do que um efeito midiático de amplificação e fantasia, correspondendo de fato a um aumento da importância da religião na vida das pessoas. Digamos que estamos tendo por aqui um fim de século XX semelhante, mutatis mutandis, ao fim do século XVIII nos Estados Unidos, período em que a sociedade norte-americana foi sacudida pelo Great Awakening protestante. Pois muito bem. Volto ao ponto: é preciso que entendamos que, por maior que seja a magnitude demográfica dessa mobilização religiosa, por mais que se intensifiquem a adesão e a prática religiosa de pessoas até então desinteressadas e desmobilizadas, por mais que novos grupos religiosos e novas igrejas se formem e agitem o campo com novas energias de combate e conquista, isto não significa de modo algum o fim do processo de secularização. Antes pelo contrário, ajuda-o, acelera-o.
Secularização, para mim, tem que ser vista como desenraizamento dos indivíduos - e é por isso que os neocoservadores se perfilam entre seus oponentes na prática, quando não na teoria. É apenas nessa operação de arrancar de seu habitat cultural o indivíduo, que ela se põe e se efetiva como dessacralização da cultura. Esta, se não for para soltar o indivíduo das amarras tradicionais, descentrá-lo das lealdades tradicionais, não tem sentido, não vale a pena. É preciso entender que mobilizar religiosamente um indivíduo implica fazê-lo duvidar da santidade da tradição religiosa, lançando-o no pós-tradicional, abrindo-o para a apostasia. Ora, a primeira apostasia é já a possibilidade de uma série, a virtualidade de experimentar tantas outras quebras de lealdade quantas calharem. É uma espécie de variação do cogito cartesiano, entendido como corajosa recusa da cultura circundante e herdada. Que maneira melhor de desenraizar as pessoas do que desconectá-las da religião tradicional e da tradição religiosa, desafiliá-las de suas crenças tradicionais, destituí-las de suas tradicionais formas inerciais de prática e absenteísmo? Haverá melhor forma? Numa hora dessas Weber nos orienta muito melhor do que Durkheim quanto aos efeitos psicossociais da religião na modernidade enquanto locus de ruptura e autonomização individual: não se trata tanto de enfatizar as "necessidades" criadas no indivíduo pela modernização enquanto racionalização e diferenciação social acelerada, e aí nessa anomia localizar as "causas" da atual revitalização religiosa como "busca da comunidade perdida"; trata-se, antes, de identificar nesses processos o que eles implicam de transformação das estruturas de consciência (Bewusstseinswandel) numa direção pós- tradicional (cf. Habermas, 1987; Berger & Berger & Kellner, 1974).
Do meu ponto de vista, quero crer que, quanto mais esse alardeado fortalecimento da religião em nossa sociedade depender do aumento real da oferta de religiões e de sua diversificação interna, da extensão do leque de opções religiosas ao alcance de cada indivíduo, do crescimento numérico e da difusão-dispersão de organizações religiosas diversas entre si nas promessas que fazem para disputar as mesmas almas, tanto mais essa sociedade avançará no sentido de produzir para si, não o reencantamento do mundo, mas a dessacralização da própria cultura como condição de possibilidade do trânsito religioso legítimo dos indivíduos e grupos e, por conseguinte, da apostasia religiosa como conduta socialmente aceitável e individualmente reiterável, sem culpa. No mundo globalizado de agora, eu diria que quanto maior o número de religiões compartilhando o mesmo espaço-tempo comprimido, tanto mais intensificada se vê a secularização estrutural da cultura, seja nas sociedades individualmente tomadas, seja no próprio não-lugar da cultura global; e tanto mais, desta ótica, o processo histórico-cultural de secularização se projeta como busca e, a um só tempo, garantia de liberdade religiosa para todos, autonomizando-se desse modo em relação à trajetória ascendente ou declinante de cada competidor religioso em particular, de cada instituição que administra a salvação, de cada "igreja" ou "seita" ou "culto" e, para completar, autonomizando-se também em relação ao timing próprio dos awakenings e ferments e revivals religiosos, que podem acontecer e durar o quanto puderem. Só que o leite já está derramado.
Noutras palavras: liberdade religiosa implica um grau mínimo de pluralização religiosa; e pluralismo religioso não é apenas resultado, mas fator de secularização crescente.
Esta é uma leitura da tese da secularização que tem pretensão de generalidade, mas que me parece sobremaneira apropriada para a realidade latino-americana, que a muitos aparece como um conjunto de sociedades não secularizadas e até mesmo alheias ao desencantamento do mundo. Já ouvimos acima colegas brasileiros expressarem posição contrária ao recente discurso do reencantamento por não se aplicar a nós e ao Terceiro Mundo de modo geral: como reencantar um mundo que, segundo eles, não foi sequer desencantado? Considero-os equivocados. Melhor seria que pelo menos aderissem ao ponto de vista daqueles que, como Christian Parker no Chile, identificam a peculiaridade (sic) do processo de secularização na América Latina no fato de que "não significou o incremento linear e ascendente da não-crença, mas sim, fundamentalmente, do pluralismo religioso" (Parker, 1994: 189, nota 4). Penso, até, que ler nesta chave a tese da secularização, não só para a América Latina, para a qual se reivindicaria esta "outra lógica" (Parker, 1993), mas também para todas as sociedades em vias de modernização bem como para as sociedades euro-norte- americanas de capitalismo avançado, pode redundar em percepção mais aceitável da irreversibilidade histórica que a tese implica. Entender o processo de secularização como a passagem de uma situação de monopólio-ou-hegemonia de uma única religião para um cenário diversificado de pluralismo religioso plenamente aceito e definitivamente instalado: eis o pulo do gato para exorcizar eficazmente o enganoso diagnóstico de crise de paradigma na sociologia da religião (Pierucci & Prandi, 1996: 225; ver também Breault, 1989; Prandi, 1991; Bruce, 1992).
6. Antes de encerrar, quero falar um pouco de sexo. Da secularização do sexo. Da valorização da sensação erótica, do cultivo consciente do gozo sexual, essa outra força produtora de sentido e de "salvação intramundana", grande valor deste mundo, o mais vital de todos os valores. E tome Weber de novo, desta vez na Zwischenbetrachtung ["Reflexão intermediária: teoria das rejeições religiosas do mundo e suas direções"], para quem "a ética fraternal da religião de salvação está em tensão profunda com a maior força irracional da vida: o amor sexual. Quanto mais reflexiva é a sexualidade, e quanto mais baseada em princípio e coerente é a ética de salvação fraternal, tanto mais aguda a tensão entre o sexo e a religião" (Weber, 1915 [1980], p. 255).
Um outro Bryan, Bryan Turner, tem lá umas idéias bem interessantes sobre isso. Ele as expôs pela primeira vez num livro de 1983, intitulado Religion and Social Theory (Turner, 1983). A idéia-força que perpassa o livro é que "a função básica da religião é o controle social da reprodução e da sexualidade". Isto posto, eis aberto todo um continente a ser sociologicamente explorado, na medida em que na etapa atual do capitalismo - capitalismo tardio (segundo Mandel), capitalismo desorganizado (segundo Offe) - decresce drasticamente a importância da família e do sistema de primogenitura para a acumulação e a reprodução do capital. Por conseguinte, dissolve-se no ar o atrativo da recompensa para uma conduta sexual pautada segundo os padrões da norma moral religiosa, inclusivamente para as mulheres. Para quê, então, ser religioso ou, pior ainda, ortodoxo em matéria de sexualidade, se isto significa deixar-se reprimir ou se podar sem ter mais por quê? O imperativo da restrição sexual em chave religiosa começa a não fazer sentido quando deixam de estar em jogo, no sexo, a reprodução da espécie e a transmissão da riqueza.
Ora, comento eu agora, a diminuição da necessidade de fortalecer a integridade familiar mediante a sanção religiosa da dominação masculina na esfera privada é um processo consecutivo à retirada da religião do domínio público para se refugiar justamente na esfera privada. Pois é aí que reside, a meu ver, a originalidade da contribuição de Bryan Turner, quando ele mostra estar em curso um processo histórico-social verdadeiramente alucinante de erosão das religiões éticas, uma grande ironia da História, ironia em dobro, eu diria, que apronta para a religião essa enrascada que a enreda num processo exponenciado, espiralado, helicoidal de secularização sem escapatória: a religião se vê confinada a um domínio, o domínio privado, no qual ela também vai perdendo seu principal objeto de domínio, o "uso dos prazeres", para dizer feito Michel Foucault, sobretudo o uso do prazer sexual. Quando o prazer sexual passa a ser gozado por "corpos seculares" autonomizados do dever de procriar, estamos diante de uma secularização radical, altro che des-secularização. Podemos até enxergar aí um modo bem interessante de reencantar o mundo, desde que não percamos de vista que se trata de um reencantamento bem diferente: não por energias sobrenaturais, não por revitalização ou fermentação religiosa, nem muito menos por qualquer retomada da norma ético-religiosa. Um reencantamento inteiramente outro, para além do bem e do mal.
Voltemos a Bryan Turner. Em estimulante exercício de variação sobre o tema, ele vai identificar uma inegável homologia entre a diversificação religiosa atual e a diversificação das práticas sexuais. Assim como a religião se torna crescentemente diversificada, assim também a sexualidade se torna crescentemente variegada, ambas cada vez mais heterogêneas, ambas cada vez mais heterodoxas, ambas cada vez mais exóticas, ambas cada vez mais mercadoria. É assim que, na análise de Turner, a revolução sexual aparece reforçando a tese da secularização inexorável, sem volta, sem choro nem vela, na medida em que a acrescida diversidade religiosa encontra no desejo errante espaço para se expandir ainda mais, para expandir-se sem peias no uso incrementado da atividade sexual, na fruição sem pecado dos chamados "prazeres da cama" sem propósitos reprodutivos.
E assim é que chegamos ao final desta palestra falando da crescente capacidade humana de reproduzir a vida humana sem o intercurso sexual e, com isto, voltamos a tocar num tema que tem tudo a ver com nossa grande estrela-clone, a ovelhinha Dolly. E uma vez mais haveremos de convir que, diante dela, o sentimento geral só pode ser de assombro, esse misto de medo e encantamento que a ciência, muito mais do que o sagrado, nos faz experimentar, a ciência moderna, que em sua trajetória incessante de desencantar a natureza nos reserva surpresas inauditas e realiza, como arte da descoberta, milagres para todos.
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Reencantamento e dessecularização: a propósito do autoengano em sociologia da religião. Antônio Flávio Pierucci
RESUMO
A sociologia da religião só se põe como sociologia porque tem na moderna crítica radical da religião sua pós-tradicional condição de possibilidade enquanto ciência. Não obstante, certos sociólogos da religião vêm celebrando em seus textos a factualidade empírica da "revanche de Deus", que identificam na nova visibilidade pública da efervescência religiosa. Aplaudem nesse alegado "retorno do sagrado" o fim do processo de secularização. Mais uma profecia, das clássicas, a não se cumprir. Como se os dados empíricos da nossa mais plena contemporaneidade estivessem a provar que o anunciado desencantamento do mundo não se deu. Também integra a síndrome "revanchista" este outro engano: o de achar que secularização e desencantamento do mundo seriam o mesmo conceito e, portanto, a mesma profecia desmentida. Vou argumentar que os que assim pensam estão enganados. A ingenuidade das fórmulas simples não lhes tem permitido captar processos intrincados, menos unívocos em sua ocorrência e direção.Palavras-chave: secularização; declínio da religião; desencantamento do mundo; desenraizamento; apostasia; reencantamento; pluralismo religioso; sociologia da religião; Max Weber.
Keywords: secularization; decline of religion; disenchantment of the world; uprooting; apostasy; reenchantment; religious pluralism; Sociology of Religion; Max Weber.
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NOTAS
1 "Secularização" é uma metáfora. Surgida na época da Reforma, originalmente em âmbito jurídico (para indicar a expropriação dos bens eclesiásticos em favor dos príncipes ou das igrejas nacionais reformadas), a palavra veio a conhecer, ao longo do século XIX, uma notável extensão semântica: primeiramente, no campo histórico-político, em seguida à expropriação dos bens e dos domínios religiosos fixada pelo decreto napoleônico de 1803 (daí a carga polêmica com a qual o termo foi empregado durante o Kulturkampf), e posteriormente no campo ético e sociológico". (Marramao, 1983, p. 30. Ver também Blumenberg, 1985).2 Veja-se a respeito o interessante título de um artigo de Jeffrey K. Hadden, um dos adversários obstinados da tese da secularização, Toward Desacralizing Secularization Theory (Hadden, 1987).
3 Ver a este respeito o capítulo de Pierucci e Prandi sobre a eleição presidencial de 1994, no qual, a propósito da distribuição sócio-espacial das estatísticas de pertença religiosa no Brasil atual, afirmamos com todas as letras: "Até aí, portanto, nenhuma crise de paradigma" (Pierucci e Prandi, 1996, p. 225).
4 "Por isso, não há volta do sagrado, porque nunca se foi. Há, sim, modificações de suas formas de expressão." (Libânio, J. B., apud Moreira e Zicman, 1994, p. 11).
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