VII Jornadas sobre Alternativas Religiosas en Latinoamérica

Asociación de Cientistas Sociales de la Religión en el Mercosur

27 al 29 de Noviembre de 1997

Ponencias publicadas por el Equipo NAyA
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RENOVAÇÃO CARISMATICA CATOLICA E O DEMONIO: notas do monitoramento da Revista Jesus Vive e é o Senhor

Sílvia Regina Alves Fernandes1

INTRODUÇÃO

Pretendo neste estudo apresentar a Revista principal do Movimento de Renovação Carismática Católica,- Jesus Vive e é o Senhor - delineando seu perfil e estilo tomando por base o mapeamento acerca do tema: representações do mal. Viso investigar de que forma o demônio é apresentado na revista: influências sobre o homem; idéia de pecado (mal); estratégias de combate, considerando que no trabalho de campo realizado, não raras vezes os membros desse movimento mencionam sua "importância" como agente causador de malefícios ao homem. Daí a busca de formas de libertação deste mal, seja participando de ritos de exorcismo ou orações de libertação e cura interior. Se por um lado, Deus é a encarnação do bem, o demônio é o próprio mal. Portanto, quanto mais próximo se está de Deus, mais investidas se sofre daquele que é contrário ao bem.

O diabo, que não pode adorar, enfurece-se ao ver os crentes adorar o Senhor. Ele procura por todos os meios, desviá-los da verdadeira adoração (...) numa espécie de pretensão demente, procura fazer-se ele mesmo adorado. (J. V.197:22)

Detentor de um estilo religioso profundamente intimista, o Movimento de Renovação Carismática Católica parece apresentar uma visão do mal bastante semelhante aos grupos neopentecostais, onde se admite a idéia de que os homens estão vivendo um período de "batalha", contra as forças malignas que oprimem o mundo. Percebida esta similaridade nos termos e alusões ao demônio, pretendo comparar com a Igreja Universal do Reino de Deus a representações do mal, distinguindo as interpretações a partir do ethos de cada grupo.

I - JESUS VIVE E É O SENHOR

O nome da Revista Carismática nos faz lembrar uma frase que já nos acostumamos a ver estampada nos numerosos templos da IURD: Jesus Cristo é o Senhor. Afirmar o senhorio de Cristo significa negar "outros senhores", pois "Este nome invencível é, portanto, a arma por excelência que o Pai nos deu para vencermos os principados e potestades, poderes estruturadamente organizados que estão semeando mentiras, seitas, e resistindo a verdade de todas as formas, visando preparar o mundo para a manifestação do Anticristo, o filho da perdição".(J.V. 204: 11,12)

Publicada pela Comunidade Emanuel - uma associação particular de leigos carismáticos que busca "servir à Renovação Carismática na Igreja Católica, incentivando os seus leitores à vida sacramental"- há 20 anos, a revista tem como fundador D. Cipriano Chagas - monge da ordem dos beneditinos - e possui uma tiragem mensal de 18.000 exemplares2. Composta de várias seções, que incluem artigos publicados em revistas estrangeiras (Rinnovamento, New Covenant, Christ for the Nations) a revista se apresenta com uma proposta evangelizadora voltada para os próprios católicos no sentido que aborda temas de caráter doutrinário e de esclarecimentos acerca dos diversos "ministérios" que constituem parte integrante na composição do Movimento. No período monitorado3as seções sofreram poucas mudanças, não tendo havido nenhuma extinção. Em um período aproximado de dois anos a Revista abordou com freqüência a temática referente ao mal ou ao demônio, priorizando a abordagem nos espaços ""Vida e Conhecimento" e "Ensino"o que denota a natureza da abordagem como sendo prioritariamente doutrinária. As seções podem ser classificadas como:

ARTIGOS:
- Limiar : São feitos comentários sobre um determinado trecho bíblico;
- Comunhão Eclesial: Comentários sobre encíclicas do Papa ou reprodução da Encíclica;
- Vida e Conhecimento: Seção composta de vários mini-artigos espirituais de autoria de membros da RCC (com raras exceções), de vários países. Ao fim de cada artigo, é informado o nome do autor (a), profissão e cidade/ país onde reside;
- Carismas e Ministérios: A partir do ano de 1996, esta seção passa a compor a revista. Nesta seção é explicado ao leitor a função de vários "ministérios" ou serviços da RCC. Ex.: ministério de cura, de canto, de pregação. No período monitorado a ênfase foi para os dois primeiros.
- Ensino: Oferece orientações gerais sobre assuntos polêmicos (ex.: profecias de Nostradamus), outras religiões, seitas.
- Entrevista: Esta seção não aparece em todas as publicações; apresenta entrevistas com lideranças do Movimento no Brasil ou no exterior.
- Infantil: Esta seção foi encontrada a partir dos números de 1995, não sendo editada todo mês. Conta estórias infantis com mensagens educativas;
- Santo do Mês: Relato da vida do Santo ref. ao mês de publicação da Revista;
ESTUDO:
- Estudo Bíblico: sugere o exercício de um questionário a partir do trecho bíblico indicado na seção;
- Caixinha de perguntas: São perguntas propostas pela edição da Revista na maioria dos casos, assuntos espirituais. Ex.: "O que é a oração e a invocação do Santo Nome de Jesus"?
- Meditações diárias: Mensagens de Fé ou ânimo pra cada dia do mês;
- Calendário litúrgico do Mês: Consta as leituras bíblicas diárias da Igreja Católica mais abrangente, além das festividades do ano litúrgico.

TESTEMUNHOS:
- Seção composta de no máximo três testemunhos enviados de todo o Brasil;

DIVERSOS:

- Cartas: Membros da RCC escrevem elogiando algum artigo anterior, mencionando "profecias"que teriam sido reveladas ao grupo a que pertencem, etc.
- Notícias (Nacionais e Internacionais): São noticiados eventos da RCC;
- Propagandas: Anúncios de produtos vendidos em lojas da RCC: livros, camisetas, fitas e/ou anúncios de cursos promovidos pela comunidade Emanuel.

No período pesquisado, destacamos três temas mais freqüentes: Cura, Demônio e Virgem Maria, sendo que mapeamos apenas a ocorrência do tema demônio obtendo os seguintes dados:

REVISTA JESUS VIVE E É O SENHOR
OCORRÒNCIA DO TEMA DEMâNIO POR SEÇÕES4
ARTIGOS ESTUDO TESTEM. DIVERSOS TOT.

REVISTAS
Qtde. 377 85 34 166 22
Monit.
Qtde. 76 4 4 57 22
Tema

As abordagens acerca do demônio são diversas, com admoestações aos fiéis para que não se deixem enganar evitando as ocasiões de pecado: "Precisamos evitar a ocasião próxima de incorrer nos pecados que nos são mais comuns (...) aquela tentação que expõe nossas fraquezas da carne, facilitando a ação maligna na indução ao pecado" (J.V. 201:.13). Para os católicos carismáticos, os planos do demônio contra o homem podem ser revelados através de sonhos ou pesadelos e podem ser "frustrados através da oração e da Fé".

Existem alguns sonhos que são, de fato, uma revelação das intenções de Satanás contra nós ou outras pessoas. Pesadelos, sonhos de horror e visões perturbadoras de coisas macabras e medonhas estão nesta categoria (J.V..205:.22)

Particularmente a oração é a mais forte arma contra as investidas de Satanás pois a seção de ARTIGOS em sua grande maioria tratam de ensinar a orar com a Bíblia, estabelecer uma relação mais íntima com Deus a fim de que se esteja continuamente "vigilantes". O caráter evangelizador é mais nitidamente percebido nesta seção, as mensagens são objetivas e possuem um tom admoestador:

Como é que podemos, templos de Deus que somos, nos deixar subjugar por coisas que hoje são e amanhã não são mais ou pela ação do inimigo de Deus? Justamente nós, a quem foi dada a incumbência de expandir o Reino de Deus e destruir o de Satanás! Como é que podemos fazer acordo com o inimigo? (J.V.195:25)

É preciso estar atentos para rechaçar o demônio pois com os olhos cheios de sua fumaça não vemos claramente (J.V.203:27)

Na seção classificada como ESTUDO, o tema aparece na "Caixinha de perguntas" pretendendo dar respostas a questões formuladas pela edição da Revista, como por exemplo: "A oração é um combate espiritual"?(J.V.207:37). A resposta a todas as perguntas enfatiza que a orientação está afinada com a doutrina da Igreja Católica pois inicia-se a resposta afirmando "Segundo o Novo Catecismo da Igreja Católica..."

Na seção de DIVERSOS (Propagandas, notícias sobre a RCC e cartas) o tema se destaca nas propagandas, pois vários livros são recomendados, além dos cursos ministrados por Dom Cipriano Chagas que em geral ocorrem na Comunidade Emanuel, sendo posteriomente transformados em material didático- pastoral (fitas cassete, vídeos,etc). Possuem títulos como "Combate Espiritual"; "Intercessão de Combate"e outros.

Na seção de TESTEMUNHOS, a ênfase é dada aos testemunhos de cura. Este expressão é mais usual do que a expressão libertação, entretanto os agradecimentos se remetem também a libertações alcançadas. A interpretação da doença como ação demoníaca é pouco expressa nos relatos testemunhais e ocorrem geralmente nos artigos sobre Ministério de Cura. O mesmo não se verifica nos testemunhos orais dados nos grupos de oração ou até mesmo em entrevistas realizadas em outra fase deste estudo. Nestas situações, os fiéis não hesitam em atribuir a causa de seus problemas físicos ao demônio em muitos casos afirmando que os médicos não conseguiam resolver seus problemas por ser um problema espiritual (Fernandes,1996).

A diferenciação de abordagem nestes dois espaços, pode ser explicada primeiro pelo caráter mais elaborado do texto escrito, segundo, longe da efervescência dos grupos de oração, os fiéis possivelmente mantêm uma postura mais racionalizante no que tange à atribuição do problema físico ao demônio, e por fim face às recomendações da CNBB em documentos oficiais, que advertem como um dos perigos do Movimento o exagero na importância do "poder do mal", expressar essa importância em relatos testemunhais escritos pode não ter um efeito positivo para a RCC junto a hierarquia: Cristo venceu o demônio e todo o espírito do mal. Nem tudo se pode atribuir ao demônio, esquecendo-se o jogo das causas segundas e outros fatores psicológicos e até patológicos (Doc. CNBB, 53: 30)

II- AS REPRESENTAÇÕES DO MAL

a) Quem é o demônio e o que ele pode?

O demônio com sua elevadíssima ciência e inteligência, pode intuir os pensamentos, mas não conhecê-los se não por permissão de Deus. no entanto, é certo que ele pode sugerir pensamentos ou pode provocar doenças mentais. (J.V. 204:15) É interessante a atribuição de qualidades ao demônio, ou o reconhecimento de tais qualidades por parte dos carismáticos. O demônio é "inteligente", "conhece até mesmo as Sagradas Escrituras" (J.V.200:21), porém é ao mesmo tempo o "opressor", o "inimigo de Deus" e possui um método de investida contra os fiéis que adoram a Deus: As maneiras pelas quais Satanás e os seus demônios atuam para nos prejudicar são basicamente três: 1- pela tentação ou sedução; 2- pela oposição (a Deus) 3- pela servidão, que pode ser física, mental ou psíquica e/ ou espiritual, sendo a mais terrível delas, a possessão. (J.V. 223/224:35)5.

A tentação que o demônio realiza pode ser sobre os sentidos externos da pessoa: - Visão: aparecendo sobre formas repelentes ou sedutoras - Audição: a pessoa pode ouvir palavras obscenas, gargalhadas e/ou ruídos de animais; - Tato: infligindo golpes e feridas; - Olfato: levando a pessoa a sentir perfumes tentadores ou mau cheiros; - Paladar: fazendo sentir, lembrar do gosto de bebidas alcoólicas, por exemplo6.

Satanás pode conduzir o homem à devassidão e aqui novamente encontramos semelhança com o ethos pentecostal no sentido que as questões relacionadas à sexualidade, atribuindo a prostituição, o homossexualismo e outros "desvios" como oriundos de influência maligna.

Segundo Reich (1988) as descobertas Freudianas no campo da sexualidade demonstram que o código moral no ser humano não possui origem divina, sendo proveniente da educação dada pelos pais ou seus representantes. Argumenta que a disjunção entre o sentimento religioso e o sentimento sexual irá transformar este último em algo mau, infernal e diabólico. O medo da punição de Deus ou da não salvação se concretiza pela absorção de concepções religiosas que irão negar a sexualidade.

Na revista, um dos membros da Comunidade Emanuel - J.

Mendes - declara que existem ocasiões de pecado que devem ser evitadas e dentre estas enfatiza a sexualidade: "Ela (a ocasião) pode ser uma revista ou filme pornográfico, um grupo de pessoas fofoqueiras, o bar da esquina, uma casa de jogos, uma companhia atraente do sexo oposto (...) pois assim como quem brinca com fogo acaba se queimando, também quem brinca com a tentação acaba pecando"(J.V. 201: 13) Ele é uma "força opositora", "o inimigo de Deus", aquele que induz as pessoas a agirem contra a própria vontade, porém quem buscar a Deus através da Igreja e da oração carismática consegue livrar-se das "manobras" de Satanás e alcança a libertação : "Nenhum grilhão mais pode me prender! manobra maliciosa alguma pode me enredar"! (J.V. 219:11)7.

a.1) A opressão e a possessão

"Ele oprime as pessoas, a vida das pessoas, através do sentidos externos. Mas, ele pode também agir sobre os sentidos internos: a imaginação, a memória, a afetividade, excitando de maneira 'opressora' as paixões. O homem é como que invadido por imagens inoportunas, obsessoras, que persistem apesar dos esforços para combatê-las. (J.V. 226:.23)

Na seção Carismas e Ministérios, é explicitada a influência que o demônio pode exercer no ser-humano, de modo particular na área da saúde ("Ministério de Cura"). Fica explicitado que a doença existe em decorrência da malignidade presente no mundo:

O trabalho do médico que faz o diagnóstico e aplica a terapêutica (...) não terminará até que a paz divina se estenda sobre a face da terra; até que seja, totalmente instalado na terra o "reinado messiânico" do Senhor jesus e que o maligno, o pecado e suas consequências sejam totalmente vencidos e eliminados da face da terra. (J.V.217:22)

Para distinguir se existe opressão demoníaca e não de fato um problema de origem mental, é imprescindível que um sacerdote (exorcista) ou leigos com o "dom do discernimento" possam avaliar o caso antes que seja considerado de fato opressão demoníaca:

É necessário distinguir a opressão e a obsessão demoníacas das alucinações por doença mental. E é aí, entao, que um sacerdote, exorcista - oficial ou não - um diretor espiritual, um grupo de oração formado por leigos amadurecidos, enfim, pessoas que exerçam o dom do discernimento são indispensáveis nestes casos. (J.V. 226:23)

A idéia de que o demônio influencia o homem é entendida também como opressão maligna. São exemplos de opressão: a mentira, a desobediência e toda ação que não seja considerada virtuosa, trazendo conseqüências maléficas para o homem.

Nos casos de possessão maligna, os carismáticos requisitam o sacerdote exorcista ou um Bispo, e advertem que os leigos não têm autorização para realizar o exorcismo. O sacerdote pode dirigir-se diretamente ao demônio, para que ele se retire do corpo do possesso "em nome da Igreja". O exorcismo é um sacramental que pode ser ministrado exclusivamente pelos bispos ou por aqueles sacerdotes (por isso nunca pelos leigos) que tenham recebido específica e "expressa licença" do bispo. (J.V.204:14)

A RCC parece inaugurar a idéia do demônio como o causador dos conflitos na comunidade, dos desentendimentos entre os "irmãos": "Satanás está persuadido a nos desanimar, a nos esfriar e ele não se cansa de jogar um irmão contra o outro". (J.V. 197: 27). O sentimento de unidade na comunidade expressa o ethos católico entre os carismáticos, é corrente a visão do demônio como provocador de contendas e maledicências difundindo a discórdia na comunidade. Para destruir a unidade da Igreja e a sua paz, também o maligno precisa dos nossos corpos e efunde naqueles que se prestam a isto o espírito de inveja, maledicência e soberba. (J.V.223/224:18)

Percebemos então, o tamanho do nosso pavio, e o quanto estamos dividindo o corpo do Senhor, da forma como Satanás deseja que fizéssemos (...) Eis o alvo mortal do exército das trevas à Igreja: dividir o corpo de Cristo. Nenhuma arma maligna tem realizado tanto estrago entre nós.(J.V.197:25)

O exacerbamento de atenção na acolhida de novos membros, seja nos abraços afetuosos dentro da comunidade e/ou grupo de oração, seja no desejar a "paz de Cristo"sempre que um carismático encontra-se com outro ou até mesmo nas conversas por telefone8 expressa por um lado semelhança com a recepção dos grupos pentecostais em sua igrejas e por outro, uma tentativa de criar um ambiente de unidade e reciprocidade no interior dos encontros carismáticos. Interessa manter o clima de unidade e interação para que o demônio não encontre espaço para suas ações.

Já entre os grupos pentecostais, o demônio é o provocador de contendas na família, no indivíduo. Não sendo representado como criador de diversidade e oposições no interno das comunidades. Isso talvez se explique pelo próprio caráter cismático dos grupos evangélicos não atribuindo malignidade às dissidências.

b) As estratégias de combate

b.1) A oração de libertação

Só é possível vencer o mal na medida em que se lança mão da oração - instrumento de poder contra o demônio - capaz de libertar o homem . É a oração que mantém o homem como que "revestido de Deus" de forma que o demônio não tem poder contra sua vida.

A RCC adverte que para que a oração possa se realizar em favor da pessoa oprimida, deve ser feito primeiramente um "diagnóstico" através do discernimento sobretudo quando o requisitante é um membro novo. Em casos de dúvida os líderes contam com a ajuda do Espírito Santo para compreender se efetivamente se configuram os casos de influência diabólica, pois não apenas admitem a possibilidade de ocorrer sugestão psíquica como declaram ser muito frequentes. Salientam que o requisitante da oração deve ser ouvido pacientemente com muito respeito e sensibilidade (J.V. 204:16). Temos aqui uma espécie de confissão onde o fiel deverá declarar por que deseja a oração ou em outras palavras, que tipo de má ação teria realizado para merecer a oração de libertação.

b.2) O uso do nome de Jesus e a palavra de Deus

Este nome invencível é portanto, a arma por excelência que o Pai nos deu para vencermos principados e potestades ... ( J.V. 204:11) Os católicos carismáticos assim como os pentecostais valorizam o trecho bíblico que enfatiza o poder do nome de Jesus (Col 3,7)9. A simples pronúncia do nome de Jesus com fé pode repreender o inimigo e combatê-lo, mas não apenas isso. O nome de Jesus pode curar, libertar e ser usado em todas as circunstâncias, até mesmo para que uma oração chegue até Deus. Segundo D. Cipriano, "o nome de uma pessoa (...)significa muito mais do que a própria palavra. Significa a pessoa inteira: seus atributos, a sua personalidade e o seu poder" (J.V. 204: 26) daí procede toda a sua eficácia.

Outra arma eficaz para o "combate espiritual" é a Bíblia. Através dela, "espada do espírito" é possível afastar e revelar a influência de Satanás. A orientação para o uso da Bíblia ensina que deve-se não apenas diagnosticar as causas, mas fundamentalmente perceber e apropriar-se do "remédio" certo que irá confortar os que estão oprimidos pelo demônio, e curar os que são perturbardos. É a única arma ostensiva, a qual S.Paulo se refere em Efésios 6. A armadura para a proteção, a Espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, é útil tanto no ataque quanto na defesa(J.V.204:27)

Um membro da RCC testemunha na Revista sua experiência. Tendo vivido 21 anos no espiritismo e estando prestes a se tornar "Pai de Santo" passa a ter "sonhos e visões"do que seria o castigo dos espíritas. Pouco tempo depois relata ter entrado em atrito com uma entidade da Umbanda e ter ido "procurar consolo"na Bíblia, embora naquela época não acreditasse mais nela e até mesmo a desprezasse. A partir disso abandona o Espiritismo: "Hoje eu amo e sirvo a Deus, de todo o coração, sempre bendizendo e glorificando o nome de Jesus que me tirou do vale das trevas".(J.V.199: 35)

b.3) A justiça

Referido à noção de santidade, o discurso a respeito dessa "arma" afirma as oposições sofridas no exercício do "ministério de libertação". "Armadura do cristão", a justiça protege- os dos ataques "nos prepara para estarmos prontos para tudo". Sempre citando o apóstolo Paulo, a idéia do "combate", da "guerra" é constante.

Pentecostais simbolizam em seus cultos essa noção de guerra chegando até mesmo a construirem espadas de materiais descartáveis para melhor ilustrar o caráter de disputa. São as forças do bem contra as opositoras. Nesta luta, onde Deus deve ser o vencedor, combate-se em primeira instância as imperfeições humanas que deixam de ser consideradas humanas expurgando a culpa dos fiéis e imputando-as ao demônio.

b.4) O uso dos dons espirituais

Segundo D. Cipriano, os dons que mais se apropriam ao combate espiritual são a palavra de sabedoria, a palavra de ciência e o discernimento dos espíritos. Estes dons quase que simultaneamente contribuem para identificar as situações e ações que devem ser realizadas em cada uma delas. De posse do dom da ciência, por exemplo, pode-se identificar as diversas fontes provenientes dos fatos e assim saber exatamente como proceder em cada caso já que "não há forças neutras no reino espiritual e se não é de Deus, está sendo usado por Satanás"( J.V. 204: 28). No combate espiritual, os dons que mais usados, mais apropriados são a palavra de sabedoria, a palavra de ciência e o discernimento dos Espíritos (...) a palavra de sabedoria mostra a situação e a resposta que deve ser dada (...) os dons do discernimento dos espíritos é um dom que discrimina, que é indispensável na guerra espiritual (J.V.204:28)

c) Modernidade x Globalização?

"Deus está fazendo um chamado por toda a terra para que não durmamos enquanto o demônio investe pesadamente na massificação de conceitos, ideologias e valores malignos afim de cauterizar o homem deste século a tudo o que vem de Deus" (J.V. 202: 12)

O conservadorismo marca a RCC, a idéia de apartamento do mundo é presente assim como o rigor moral. Entretanto, como assinalou Oro (1996), em alguma medida, a modernidade religiosa acompanha o estilo da vida moderna. Percebe-se que os grupos carismáticos vêm assimilando algumas práticas da modernidade como por exemplo, tentativa de adaptação/junção entre uma atividade tida como secular para um evento religioso. Os encontros promovidos em especial para a juventude, denominados "barzinho de Jesus" expressam bem esta aceitação da modernidade. Neste evento, os fiéis dançam e cantam músicas com ritmos seculares porém, letras evangélicas.

Além dessa prática, outras ocorrem entre os carismáticos, como a formação de bandas musicais adotando um estilo musical religioso não tradicional e até mesmo a promoção de shows evangelísticos em ginásios ou casas de show convencionais.10Incorporar práticas da modernidade como até mesmo o uso da mídia (Mariz, 1997) que visa ampliar os espaços de evangelização, é uma estratégia necessária e imprescindível para fazer frente ao mal que está presente no mundo. A promoção de um calendário evangelizador nesse âmbito, não implica na percepção da globalização de forma positiva, mas esta é vista como um fenômeno mundano que impõe ideologias e práticas de Satanás:

"O mundo se prepara para receber o anticristo, visto que os meios de comunicação colaboram intensamente em tornar tudo tão comum, que até os mais fiéis servos do Senhor estão sendo confundidos. Esta é a artimanha do Maligno, tornar comum ou desvirtuar a palavra de Deus, como fez com a mulher no paraíso".(J.V. 221: 14)

Assim católicos carismáticos rejeitam as novas formas de espiritualidade, a "Nova Era" é o "ressurgimento do fetichismo" que irá preparar sutilmente a vinda do anticristo através da proliferação no mercado, de símbolos esotéricos, duendes, gnomos tidos como "símbolos do paganismo antigo"(J.V. 221:14). Entre estas "pseudo-espiritualidades" destaca-se a astrologia criticada como capaz de satisfazer necessidades místicas do homem sem imputar-lhe demandas morais:

O astrólogo, como o bruxo, ou o que lê as cartas ou a mão, se converte simplesmente em um médium para os espíritos malignos, os quais iluminam seu consciente com idéias e informação que eles desejam passar para os clientes .(J.V.201:16)

Da mesma forma que o mal difunde-se rapidamente através destes símbolos e ideologias, Deus precisa ser "globalizado". A competição ultrapassa a esfera do religioso tencionado ganhar os espaços seculares: mídia, casas de shows, ruas onde existem aglomerações de jovens.

IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vale a pena destacar que muitas orientações formais e de cunho doutrinário, não encontram terreno muito fértil nos grupos de oração onde o discurso é mais pulverizado. Se por um lado, a Revista orienta que o demônio precisa ser conhecido para ser reconhecido, em alguns grupos de oração, particularmente os de classe média, os membros ouvem das lideranças orientações para que se evite mencionar o nome do demônio. Não se percebe no discurso dos líderes dos grupos de oração uma valorização dos dons como estratégia de combate ao demônio. São mais freqüentes as orações de libertação e o uso da Bíblia em casos de exorcismo realizado por sacerdotes.

Tais diferenças podem ser interpretadas considerando-se o esforço do Movimento em ser reconhecido como pertencente à identidade católica (Fernandes,1996). Entretanto, a prática dos grupos se distancia das diretrizes oficiais tanto do Movimento como da Igreja tradicional pois a experiência subjetiva dos adeptospautada em suas necessidades individuais sobrepõem-se às regras prescritas. Portanto, a "clientela"da RCC busca soluções para problemas de ordem diversa e em geral são pessoas angustiadas que tendem a mistificar os acontecimentos da própria vida buscando para estes uma explicação de ordem sobrenatural em face do declínio da secularização 11presente nos dias atuais. O sentimento de crença no demônio quase que se explica pela possibilidade de combatê-lo atribuindo a estes atores o título de "vencedores" pelo poder de Deus, eliminando-se o sentimento de impotência diante das adversidades e superestimando o Espírito Santo, elemento motor da espiritualidade carismática.

Enquanto existir o demônio, a glória de Deus poderá se manifestar, delegando ao homem a legitimidade de exercer a libertação das opressões e possessões. Neste sentido, a experiência individualizada das manifestações malignas funciona como demonstração de eficácia tanto do poder dos agentes que processam a libertação quanto da palavra de Deus, tornando tal experiência assimilada pelo grupo e portanto, coletivizada.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:

CNBB, doc. 53 - Orientações pastorais sobre a Renovação Carismática Católica, Paulinas, 1994

Conselho Nacional. "E sereis minhas testemunhas".Ofensiva Nacional I, Aparecida, SP, ed. Santuário, 1993.

DeGrandis R. O ministério da Cura, São Paulo, Paulinas, 1975.

Hertz R. "A preeminência da mão direita: um estudo sobre a polaridade religiosa" in Religião e Sociedade ...s/n Lima, Dércio M. de. Os demônios descem do Norte. Rio de Janeiro, 1987.

Mariz, C. L. Mídia e identidade religiosa na TV por assinatura: comparando "Rede Vida de Televisão" com "Vinde TV" Projeto de pesquisa para o CNPq, 1997. Mimeo

___________ "Libertação e Ética: uma análise do discurso de pentecostais que se recuperaram do alcoolismo" in Nem anjos, nem demônios . Rio de Janeiro, Vozes, 1994.

Mariz, C. L. e Machado, M.D.C. "Sincretismo e Trânsito Religioso: Comparando Carismáticos e Pentecostais"in Comunicações do Iser, n. 45, 1994.

Nogueira, Carlos Roberto F. O diabo no imaginário cristão. São Paulo,µtica, 1993.

Oro, A. "Considerações sobre a Modernidade Religiosa" in Sociedad y Religión núm. 14/15 - Assoc. de Cient. Sociales de las Religiones en el Cono Sur - Buenos Aires, 1996

Reich W. "Os três elementos fundamentais do Sentimento Religioso"in Psicologia de massas do Fascismo , Martins Fontes, São Paulo, 2a. edição, 1988 p.136-143

Souza, L.A.G. "Secularização em declínio e a potencialidade transformadora do sagrado - religião e movimentos sociais na emergência do homem planetário" in Religião e Sociedade, 13/2 Julho, 1986

REVISTAS CITADAS:

Jesus Vive e é o Senhor, ns:

Ano 1994: -195; 197 Ano 1995: - 199; 200; 201; 202; 203; 204; 205; 207 Ano 1996: - 219; 221; 223; 224; 226

Endereço da autora:

Rua Min. Moreira de Abreu, 315- Bl.01 ap. 402
CEP 21071-480 Olaria - Rio de Janeiro RJ
Fone: (021) 290-0002
Email: M9710701@UERJ.br
_______________________________ 1Mestranda da UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

2Obtivemos esta informação através de um dos membros da Comunidade Emanuel responsável pela área de assinaturas.

3O período monitorado foi de 08/94 a 04/97 com excessão de alguns exemplares que não tivemos acesso acesso, correspondentes ao período de 10/95 a 06/96 além do número referente ao mês 03/97. Monitoramos no total 22 exemplares.

4 A ocorrência foi quantificada conforme a classificação das seções acima demonstradas

5 A autora é médica nefrologista e professora universitária, pertence à Renovação Carismática desde 1975. Fonte: Revista Jesus vive e é o Senhor.

6Dados da Revista no. 226, p.23

7A autora é membro da Comunidade Bom Pastor

8Durante o trabalho de campo para minha monografia, pude conversar com alguns membros por telefone a fim de agendar entrevistas e verificar o uso dessa saudação. A observação pode ser feita também quando encontrava-me na casa de algum membro da RCC.

9"Tudo que fizeres, seja em palavras, seja em obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus".

10Os grupos carismáticos da área da Leopoldina no Rio de Janeiro realizam shows frequentemente nestes espaços. Atualmente tencionam implementar o projeto "Virada radical" que pretende promover encontros musicais nas ruas buscando "ir aonde o jovem está".

11Para um debate acerca do declínio da secularização ver Souza, L. A.G "Secularização em declínio e a potencialidade transformadora do Sagrado - religião e movimentos sociais na emergência do homem planetário"in Religião e Sociedade, 13/2, julho 1986.

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