VII Jornadas sobre Alternativas Religiosas en Latinoamérica

Asociación de Cientistas Sociales de la Religión en el Mercosur

27 al 29 de Noviembre de 1997

 Ponencias publicadas por el Equipo NAyA
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INVENTANDO TRADICÕES EM BUENOS AIRES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS.

PATRICIA MOREIRA
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO)

VII JORNADAS SOBRE ALTERNATIVAS RELIGIOSAS EN LATINOAMÉRICA

BUENOS AIRES, 27 AL 29 DE NOVIEMBRE DE 1997.

"El hombre necesitó entenderse consigo mismo. Entonces creó Dios a su imagen y semejanza:dual. Pero prefirió llamar Dios al bien y Demonio al mal. Nunca entendió lo que quiso llamar Dios. Entonces siempre necesitó del mal para entenderse con El."
Luis Felipe Noe.
(Pintor Argentino)

INTRODUÇÁO

Este artigo trata da possibilidade da Igreja Universal, uma igreja pentecostal brasileira, estar "inventando tradições" em Buenos Aires, ou seja, criando um novo imaginário mágico religioso em seus fiéis baseado na construção da figura do demônio.

A Igreja Universal no Brasil se caracteriza pelo diálogo as avessas que trava com as religiões afro estabelecendo assim uma relação de continuidade e ruptura com o imaginário já existente na sociedade brasileira. Dessa forma, o demônio , tão importante para a Universal, ganha imediatamente uma "cara", ou seja, o demônio está intimamente ligado com os orixás e demais entidades do panteão afro-brasileiro (Birman1997, Mariz1997, Moreira1996) que se manifestam em seus cultos geralmene nas pessoas que mantiveram contatos anteriores com estas religiões. Esta identificação no Brasil se dá de uma forma quase que automática na medida em que tendo ou não contato com as religiões afro, tais crenças já fazem parte do "ser brasileiro". Com isto quero dizer que é relativamente fácil para a Igreja Universal no Brasil criar uma imagem nítida do diabo e responsabilizá-lo por todos os malefícios. Seus fiéis passam a ter uma outra visão de suas antigas crenças , não desacreditando-as, mas vendo-as agora como algo profundamente malígno, ou seja, a universal no Brasil recria o mal a partir de um imaginário já existente, na medida em que, como já disse, todos bem ou mal, partilham de um mesmo universo cognitivo como bem mostra Gilberto Velho(1994:14) quando narra o caso do preto velho que incorporou em um senhor em plena rua do Rio de Janeiro causando um, pequeno tumulto na medida em que se formou uma fila para consultas e que apesar do inusitado da situação, por se estar fora de um espaço ritual, não causou estranheza sendo até legitimado pela ação da polícia que salvaguardava o evento. Todos sabiam o que estava passando.

Fica claro que no Brasil a Igreja Universal se estabelece dentro deste código e sua força está justamente calcada nesse imaginário encantado. Desse modo, creio que o que é a sua força no Brasil, é um problema em Buenos Aires, uma cidade em que o encantamento não é tão claro como no Brasil, ou no caso do qual estou tratando, do Rio de Janeiro.

CONSTRUINDO PONTES

Como estabelecer pontes com a sociedade em Buenos Aires? Frigerio(1996) ressalta esta dificuldade pela qual passam as igrejas pentecostais brasileiras em Buenos Aires, ou seja, a dificuldade de encontrar um elemento religioso forte dentro do imaginário de seus fiéis. É certo que todos os fiéis da Universal em Buenos Aires se disseram católicos, mas ressaltavam que tinham uma relação frouxa com o catolicismo vendo-o agora como algo pouco eficaz. Também é certo que as religiões afro já têm o seu espaço, mas estão longe de ter a abrangencia que têm no Brasil. Os elementos de força que encontro nos fiéis em Buenos Aires é a idéia da existência do mal, num sentido mais individualizado e psicologizado relacionado com pensamentos negativos ou energia negativa, e a idéia da existência do demônio proveniente do catolicismo tradicional. Creio que é através destas duas bases que a Universal tenta estabelecer uma ponte com a sociedade, tratando de reencantar a sua maneira, a figura do demônio e a idéia de mal tão associada em Buenos Aires com malefícios morais e principalmene psicológicos. Este desencantamento poderia explicar o maior uso da bíblia durante os cultos e um certo pudor em atribuir demasiada importância ao demônio sem, é claro, descartá-lo, tentando sempre que possível reencantá-lo tendo sempre em consideracao a especificidade do imaginário local.

Da Universal em Buenos Aires, podemos dizer, de maneira geral, que seus fiéis se dividem em dois grupos: aqueles que já frequentaram a umbanda e o candomblé, que são a minoria, e aqueles que não conhecem tais religiões, mas que não por isso são completamente desencantados. Este segundo grupo se caracteriza por um discurso mais psicologizado, ou seja, o mal se manifesta em problemas como depressão, vontade de suicídio e tais problemas não seriam causados por alguma entidade malígna, mas sim por seus próprios mecanismos internos. Ao mesmo tempo não são completamente desencantados pois antes de conhecer a Igreja Universal tentavam resolvê-los através do tarot, de bruxos e adivinhos sem descartar a participação na Igreja Católica, ou seja, não se desqualificavam de católicos, transitando por estes dois mundos num movimento parecido ao que existe no Brasil entre a Igreja Católica e as religiões Afro. Desse modo, no Brasil, a Igreja Universal entra como um elemento de ruptura, mas que, apesar disso, nào rompe completamente o diálogo, como já disse anteriormente. Em Buenos Aires a Igreja Universal também entra como um elemento de ruptura, mas tem dificuldades em recriar o diálogo devido ao tipo de relação que existe entre os fiéis entre os bruxos e os adivinhos. Essa relação é muito individual, particularizada, como uma relação entre médico e paciente, uma relação que não sai muito do âmbito interno do indivíduo. E é a este grupo ao qual a Universal se dirige tentando criar um outro imaginário baseada na máxima tão propagada em seus cultos: "não se pode duvidar" e para isso os fiéis que conhecem ou já tiveram contato com as religiões afro têm um papel fundamental na medida em que "ensinam" e servem de exemplo aos outros fiéis que não as conhecem. Estes fiéis aprendem que a umbanda , o candomblé são coisas más, mas nem por isso passam a crer totalmente nas palavras do pastor, filtrando o seu discurso sem deixar de absorvê-lo em parte, articulando o imaginário anterior com o novo imaginário proposto pelo pastor. Meyer(1994) mostra através do encontro entre o cristianismo com a religião local em µfrica como se dá esta articulação sem implicar em um descrédito da religião local. Esta articulação também é clara em Buenos Aires. Maria Rosa por exemplo, diz que agora sabe que os bruxos e os adivinhos são coisas más porque "não são bíblicos", mas acha que

"são pessoas que têm poder e que tentam ajudar os outros, só não sabem que estão equivocados. Os pastores daqui também têm muio poder e usam de forma bíblica".

Ainda segundo Maria Rosa, as pessoas que se manifestam e dizem o nome de uma entidade afro,

"estão fazendo teatro mas não no sentido de enganar, mas para despertar a fé dos mais simples, dos que precisam ter coisas palpáveis para ter fé".

Noemi, que também não conhece as religiões afro, passou a conhecê-las através da Igreja Universal.

"O pastor diz que são coisas más, demoníacas, que matam animais e até pessoas e se ele diz não se pode duvidar. A dúvida é o caminho para o diabo entrar, mas isso não quer dizer que estas pessoas e os bruxos, saibam que estão do lado do demônio".

Cholly, que já frequentou tanto os bruxos como a umbanda e o candomblé, também tem uma opinião particular sobre as palavras do pastor não descartando como de todo mal a época em que ia a tais religiões. Segundo ela,

"Não foi de todo mal porque era uma época que eu queria ter forças e num primero momeno eu me sentia mais forte e cheguei a incorporar caboclos. Hoje sei que são espíritos malígnos, mas que têm muita força. Só os pastores aqui têm mais força que eles".

Fica claro entao que apesar de aceitar as palavras do pastor, nao se desqualifica as crencas anteriores o que inclui as religioes afro na medida em que estas sao colocadas pelo pastor, como uma nova espécie de bruxaria.

INVENTANDO O DIABO PARA CHEGAR A JESUS

É verdade que os pastores se esforçam para mostrar o quanto os bruxos, a umbanda e o candomblé são maléficos, mas não deixam de mostrar certa perplexidade diante da interpretação dos fiéis. Segundo um pastor, "as pessoas daqui não acham que os bruxos e tudo o mais sejam demoníacos, elas se assusam mais quando se fala de Jesus".

Por isso, em muitas vezes os cultos se convertem em verdadeiras aulas. Tive a oportunidade de assistir a algumas destas aulas e uma baseada na manifestação de uma garota de 12 anos foi a que mais me impressionou. A garota dizia estar possuída pelo Exú do Lodo e assim ficou por duas horas servindo de exemplo para o pastor explicar coisas sobre as religiões afro e bruxaria que habilmente tenta interligar, apresentando as religiões afro como um novo tipo de bruxaria. A aula consistia em perguntar coisas ao demônio que estava na garota como "qual é o seu nome?' "o que você pretende fazer com ela?" " você veio da macumba?" "mostre as suas mãos para que todos vejam como ficam as mãos de uma pessoa endemoniada" " traduza para o espanhol o que quer dizer Exú do Lodo" "diga o que se faz na macumba". Ao mesmo tempo induzia a participação da platéia perguntando coisas como "alguém sabe como é o nome de São Jorge na macumba? E Deus, como se chama na macumba?" Para mostrar a ineficácia dos santos católicos usava crucifixos com a imagem de Jesus ou desenhos de santos em calendários. Encostava na endemoniada com estes objetos e dizia que se ali,naqueles objetos, estivese Jesus o demônio iria gritar e sair. Unido a palavra ao gesto encostava os objetos na garota que se ria e debochava do pastor e assim seguiu até que o pastor decidido a acabar com o demônio ali presente começou o exorcismo invocando o poder de Jesus para assim demonstrar toda a sua força sobre satanás e legitimar o exorcismo e as práticas da Universal.

Dessa forma, creio poder dizer que está ocorrendo um reencantamento do imaginário já existente, ou seja, o diabo tradicional e um pouco difuso, está ganhando uma nova cara. Seus efeitos se tornam mais conhecidos e identificáveis e a importância de nào se ter dúvida ajuda a que se construa este novo imaginário que é interpretado pelos fiéis.

Baseada na crença da existência do mal, a Universal parte deste ponto básico reforçando-o ora com consultas a bíblia, evocando imagens clássicas como a de Lúcifer, "o anjo preferido de Deus que se voltou contra ele",e também ressaltando a importância de se ter um "pensamento forte para afastar o demônio". Dessa forma a Igreja Universal logra unir em seu discurso os elementos mais "desencantados" da sociedade, como a crença na força da mente, com o seu discurso encantado, povoado de entes malígnos que espreitam os fiéis por todos os lados. Um exemplo desta união pode ser visto na fala altamente inverossímel de Esther mas que nem por isso deixa de ser válida pois une imagens clássicas do diabo com o discurso dos pastores. Segundo Esther,

" Eu sou um dos anjos do Senhor Jesus, mas era um daqueles que decidiu seguir a Lúcifer e a seus anjos decaídos e quando vim para a terra decidi mudar de lado e servir a Jesus. A partir daí sou perseguida noite e dia pelos demônios que tentam me matar. São gatos com chifres, duendes ,um homem de capa preta... Este conseguiu me matar mas na mesma noite veio Jesus e me ressucitou. Jesus mandou que eu me protegesse com cruzes, então eu esquentei esta cruz que você está vendo e marquei todo o meu corpo, mas nem assim os demônios me deixaram em paz."

Vemos em seu depoimento a união de diversas imagens do demônio inclusive a proposta pelo pastor , ou seja, a imagem do Exú representado pelo homem de capa preta. Esta mistura de imagens também é presente no depoimento de outra fiel que diz,

"Eu sou sensitiva e posso ver aos demônios. Aqui mesmo na igreja eu os vejo e são pequenos, têm uma roupa engraçada , barba comprida e orelhas pontudas como duendes. Ficam agarrados nas cortinas da igreja."

CONCLUSÇÁO

Baseando-me então no argumento de Horton(1975) e Peel(1976) onde a sociedade seleciona e interpreta segundo seus próprios parâmetros as novas influências sem deixar de estar em constante movimento de interação, creio que a Igreja Universal consegue estabelecer uma relação de continuidade, ainda que frouxa, com o imaginário social criando assim a possibilidade de se inventar tradições baseada no forte princípio da impossibilidade de se ter dúvida a fim de se tornar inteligível para os fiéis. Nao podemos dizer que as tentativas dos pastores de dar uma cara ao diabo tenham sido em vão embora talvez, o resultado não tenha sido o esperado. De alguma forma conseguiram demonizar o que antes era corriqueiro como consultas a tarotistas, ou a crenca em duendes e fadas, mas mais que isso estão criando um novo diabo afro interligando-o com as práticas já presentes na sociedade, na medida em que o afro seria uma "nova bruxaria". Podemos dizer então que os pastores da Unversal inventam e os fiéis reinventem e esse processo de construção segue continuamente durante o contato resignificando experiências anteriores e tornando mais visível ao diabo colocando-o como um importante caminho até Jesus.

BIBLIOGRAFIA

BIRMAN,P. Males e Malefícios no Discurso Neopentecostal. In: O Mal à Brasileira. de. UERJ,1997.

FRIGERIO,A. Estableciendo Puetes: Articulación de Significados y Acomodación Social en Movimientos Religiosos en el Cono Sur. Ponencia apresentada na mesa redonda "Transnacionalização Religiosa nos Países do Cone Sul". Porto Alegre, 6 a 8 de novembro de 1996.

HORTON,R. On the Rationality of Conversion. In: Africa, n.1,1975.

HORTON,R. AND PEEL,J. Conversion and Confusion: a rejoinder on christianity in Eastern Nigeria. In: Canadian Joural of African STUDIES VOLX n.3,1976.

MARIZ,C. O Demônio e os Pentecostais no Brasil In: Omal à Brasileira. de. UERJ,1997.

MEYER,B. Beyond Syncretism; translation and Diabolization in the appropriation of protestantism in Africa. In: Stewart,c. end Shaww,r.(orgs). Syncretism/ Anti- Syncretism Londres: Routledge,1994.

MOREIRA,P. A Igreja Universal do Reino de Deus: continuidades e rupturas. Trabalho apresentado na vi jornada sobre alternativas religiosas na américa latina. Porto Alegre 6 a 8 de novembre de 1996.

PEEL,J. The Pastor and the Babalawo: the interaction of religions in nineteenth-century yorubaland. In Africa 60 (0),1990.

VELHO,G. Unidade e Fragmentação em Sociedades Complexas. In: Projeto e Meamorfose: antropologia das Sociedades Complexas. de. Zahar,1994.

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