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Negociações Urbanas: gestão de conflitos em torno do patrimônio

Luciana Teixeira de Andrade

Paulo Luiz Esteves

Resumo

O artigo analisa a experiência, em Belo Horizonte, em torno de um instrumento de preservação do patrimônio cultural: as negociações urbanas, praticadas pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município a partir de 1993. Tal instrumento permite que se abram exceções às diretrizes urbanísticas, face a uma contrapartida pelo proprietário.

As negociações urbanas inserem-se em um debate que busca ampliar conceitos fundamentais do patrimônio e da sua gestão. Essa ampliação caracteriza-se fundamentalmente pela percepção de que bens culturais são produzidos e apropriados de diferentes maneiras pelos diversos atores sociais. Dessa forma, privilegiam-se as noções de conjunto urbano e a participação pública nas definições das políticas de preservação do patrimônio.

A partir de dois tipos exemplares de negociações urbanas, o presente artigo descreve os resultados das negociações, tendo em vista os interesses públicos e privados envolvidos, e avalia a capacidade inovadora desse instrumento para a resolução de conflitos urbanos em torno de concepções divergentes sobre o patrimônio cultural, apontando seus dilemas e perspectivas.

Criado pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -- tinha como objetivo a salvaguarda dos bens móveis e imóveis "cuja conservação (fosse) de interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico" (Decreto lei nº 25 apud Gonçalves, 1988). Tratava-se de recuperar a tradição brasileira através das obras significativas de sua civilização. Durante mais de quarenta anos (1937 a 1979), o SPHAN seguiu um modelo de ação marcadamente salvacionista, que propunha o resgate da tradição nacional associada a uma perspectiva pedagógica.

Nesse sentido, o bem patrimonial é avaliado ora por sua relação com os eventos edificantes da nacionalidade, ora por seu caráter singular e excepcional. Em ambos os casos, destaca-se o caráter substancialista e monumentalista desse imaginário preservacionista. De fato, preservar significa colocar modelos estéticos e simbólicos ao abrigo do tempo e da história. Tal estratégia é responsável pela monumentalização e objetificação do patrimônio, uma vez que veta e vela os conflitos sociais e culturais que subjazem às formas de produção e apropriação dos bens patrimoniais (Canclini, 1994).

O instrumento de preservação característico dessa concepção de patrimônio histórico é o tombamento. Trata-se de um procedimento legal através do qual os bens culturais são transformados em bens patrimoniais, sendo oficialmente reconhecidos e incluídos em um livro de tombos, onde encontra-se elencado todo o patrimônio nacional. O tombamento constitui-se em uma estratégia de apropriação dos bens culturais por parte do Estado e essa concepção torna-se instrumento de monumentalização na medida em que  retira o objeto de seu contexto, imputando-lhe um caráter aurático, tornando-o intangível.

O panorama aqui exposto permaneceu relativamente inalterado até fins da década de 1970, quando a política preservacionista do SPHAN foi colocada em questão. Como percebeu Fonseca, a partir dos anos 70, vários foram os fatores que contribuíram para a produção de mudanças significativas no interior do imaginário preservacionista, tanto no Brasil quanto no exterior: em primeiro lugar, alterações nos paradigmas dominantes no interior de disciplinas acadêmicas como História ou História da Arte; em segundo, a afirmação de identidades coletivas - como gênero, etnia etc. - que sobrepunham-se e mesmo confrontavam-se com a perspectiva de uma identidade nacional totalizante; finalmente, em terceiro lugar, o impacto dos movimentos de descolonização, que colocavam em xeque a noção eurocêntrica de civilização (Fonseca, 1997:194). Especificamente no caso brasileiro, deve-se levar em conta o processo de redemocratização, que alça a questão da cidadania ao topo da agenda política e, com ela, o direito à cultura e à memória. É nesse contexto que se insere o debate sobre a preservação do patrimônio em Belo Horizonte.

A Política de Preservação do Patrimônio em Belo Horizonte

Belo Horizonte é uma cidade relativamente nova, fez cem anos em 1997, e, no entanto, pouco resta das suas primeiras construções. Segundo Castriota, isso pode ser explicado por dois fatores: um de natureza político-administrativa e outro de natureza cultural. Tendo sido construída para abrigar a capital do estado, Belo Horizonte, em suas primeiras décadas, não contou com uma atuação mais decisiva do poder municipal, uma vez que o poder estadual comandava a maioria das ações, inclusive aquelas que diziam respeito à organização do espaço e às políticas urbanas. O outro fator, de natureza cultural, refere-se ao ideário modernizante já presente na fundação da cidade: "nada mais natural que desde os primórdios de sua história, a cidade incorpore a lógica própria da modernidade, a sua rápida obsolescência e constante transformação: aquilo que é velho tem que desaparecer" (Castriota, 1992). A sedução pelo que é novo e moderno, somada a uma certa debilidade do poder municipal, fizeram com que a cidade fosse objeto de muitas renovações, comandadas, em sua maioria, pelos grupos privados, mas também pelo poder público.

Somente nas três últimas décadas, movimentos da sociedade civil começaram a pressionar o Estado no sentido de regular as ações dos grupos imobiliários e industriais em favor da preservação do meio ambiente, da qualidade de vida e da memória da cidade. Os primeiros protestos organizados pelos grupos ambientalistas - contra a mineração na Serra do Curral e contra o corte de árvores no pátio de Igreja São José -- juntaram-se à campanha pela revitalização da Praça da Estação conduzida pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil/Seção Minas Gerais (IAB/MG), todos na década de 70.

Em 1983, aconteceu a mais ampla e organizada manifestação pela preservação do patrimônio cultural da cidade, motivada pela venda do Cine Metrópole, antigo Teatro Municipal, construído em 1906, ao Bradesco. Mas, apesar de todas as manifestações públicas, da divulgação da Carta-Manifesto de Belo Horizonte assinada por 42 entidades e da aprovação por unanimidade do tombamento do prédio pelo Conselho Consultivo do Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural de Minas Gerais (IEPHA/MG), a decisão final sobre o seu destino coube ao Governador Tancredo Neves, que, segundo o texto do seu despacho de 23/08/1983, "deixa de determinar o tombamento do prédio do Cine Metrópole, nesta Capital" (Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - PBH, 1993: 73).

Já totalmente depredado internamente, o que restou do cinema foi destruído e o Bradesco ergueu no lugar um prédio de 9 andares.

O evento revelou aspectos que seriam decisivos na formulação das políticas de preservação do patrimônio na cidade. O primeiro desses aspectos diz respeito à própria disputa entre setores distintos da sociedade civil, o que por si só já coloca em questão as concepções de patrimônio até então vigentes. Segundo as concepções tradicionais, o patrimônio é constituído por um conjunto de bens que simbolizam a unidade e a homogeneidade cultural da nação, ou, no caso, da cidade. Ora, a disputa em torno do Cine Metrópole iluminou exatamente aquilo que até então se encontrava velado: o conflito de interesses que há no momento da eleição daquilo que deve ou não ser preservado. Mas, há ainda um segundo aspecto da disputa em torno do tombamento do Cine Metrópole que deve ser levado em consideração. Tanto na perspectiva do tombamento, quanto naquela do cancelamento do tombamento e da conseqüente demolição do prédio, percebe-se, no que se refere ao processo decisório, um relativo "insulamento burocrático". É no rastro da experiência do Cine Metrópole que se desenham os contornos de uma política de preservação em Belo Horizonte.

Uma das reivindicações da Carta-Manifesto de Belo Horizonte pelo tombamento do Cine Metrópole não demorou muito para ser atendida: "As entidades que subscrevem este manifesto esperam do Governo eleito a sua sensibilidade para as questões ligadas ao nosso patrimônio cultural, não só no sentido de rever os mecanismos de proteção hoje existentes, mas também na criação de novos instrumentos de preservação e revitalização deste patrimônio" (PBH, 1993: 48).

Em julho de 1984, foi decretada a lei número 3.802, que Organiza a Proteção do Patrimônio Cultural do Município e cria o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, composto por nove membros: pelo Secretário Municipal de Cultura e Turismo, que o preside; pelo Diretor do Departamento de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, que substituirá o presidente em suas faltas ou impedimentos; por um representante do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana de Belo Horizonte; por um representante da Universidade Federal de Minas Gerais; por dois representantes da Câmara Municipal; por um representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano; por um representante do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -- SPHAN; e por um representante do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico - IEPHA (Lei Nº 3.802 de 06/07/1984, artigo 28).

No entanto, até 1990, o Conselho se reuniu apenas esporadicamente. Em 1986, foi publicado o seu regimento interno (Decreto Nº 5.531) e, em 1989, a sua composição foi alterada (Decreto Nº 6.337 de 21/09/1989), passando de nove para quinze membros. Os membros efetivamente novos são: um representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, um representante da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, um representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB/MG, um representante do Núcleo Regional de Minas Gerais da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH-MG) e um representante da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural, Estético e Paisagístico da Procuradoria Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais. Saem o representante do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana de Belo Horizonte e o representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e aumenta a participação da Prefeitura: "três membros escolhidos pelo Prefeito Municipal dentre profissionais de notório conhecimento na matéria, nas áreas de antropologia ou arqueologia ou arquitetura e urbanismo ou artes plásticas ou direito ou história." Em 1997, duas novas alterações foram realizadas: passam a compor o Conselho um representante da Secretaria Municipal de Atividades Urbanas e outro do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sindiscon).

A primeira mudança ampliou a participação da Prefeitura e da sociedade, já a segunda procurou trazer para a "mesa" do Conselho duas áreas de constante conflito com as políticas de preservação: os interesses da construção civil e a Secretaria Municipal de Assuntos Urbanos (SMAU) que, apesar de ser um órgão da Prefeitura, nem sempre agiu em consonância com as diretrizes e políticas de preservação do patrimônio. 

Em 1994, ocorre o tombamento de 11 conjuntos urbanos na área central da cidade: Para BRASIL (1996: 4), esse tombamento representa um marco na proteção do patrimônio da cidade, não apenas pela extensão da área protegida, mas pelo avanço conceitual: "‘Manchas urbanas’ e ‘pedaços’ constituíram parte do escopo conceitual empregado para abordar os conjuntos urbanos, bem como para balizar a sua proteção em consonância com a dinâmica sócio-cultural. Procuram apreender a cidade em suas referências plurais: de diferentes ‘grupos’, de seus suportes, práticas e representações; a cidade em suas temporalidades".

Na prática, o tombamento significa que as intervenções nos conjuntos devem ser analisadas pela Secretaria Municipal de Cultura. As intervenções possíveis são as que não descaracterizam nem depreciam os "elementos e valores que motivaram seu tombamento (...). Tombar não implica, portanto, a perpetuação de edificações ou conjuntos urbanos no estado em que se encontram. Nem tampouco a inviabilização de investimentos desde que estes venham contribuir para a valorização e promoção do patrimônio cultural, em especial aqueles que propiciem a reabilitação de bens que se encontram deteriorados" (PRAXIS, 1996: 11-12).

Levando em conta a diversidade de bens abarcados pelo conjunto, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte determinou graus de proteção. O primeiro deles é a declaração de interesse cultural, que deve ser acompanhada do registro documental com fotos, plantas, textos e outros documentos, o segundo é o tombamento parcial de fachadas, volume e altimetria que se aplica especialmente aos conjuntos urbanos: "Isto porque é comum existirem nestas áreas edificações que, isoladamente, não contam com a motivação da excepcionalidade ou singularidade, seja do ponto de vista histórico, artístico ou arquitetônico mas que, por fazerem parte de um conjunto ou estarem inseridas num contexto específico, assumem valor cultural, justificando-se assim seu tombamento". Finalmente, o tombamento total incide sobre os planos internos e externos do bem cultural: "Tradicionalmente vinculada à proteção de monumentos ou edificações de caráter excepcional, com interiores apresentando elementos artísticos singulares, esta categoria máxima de tombamento vem progressivamente sendo utilizada para proteger a integridade de edificações cujo valor cultural está associado à solução da planta, ao sistema construtivo, ou a outro aspecto vinculado à parte interna do edifício" (PRAXIS, 1996: 12).

As Negociações Urbanas como Instrumento de Proteção ao Patrimônio

Entre as ações do Conselho, as negociações urbanas destacam-se por seu caráter inovador bem como pelo conjunto de questões que levantam. Elas constituem um instrumento de diálogo entre os interesses dos proprietários e as políticas do Conselho e permitem que se abram algumas exceções, como, por exemplo, a de altimetria, tendo, em contrapartida, uma ação do proprietário, que pode ser a restauração de um bem tombado.   

A Casa da Serra foi a primeira experiência de negociação empreendida pelo Conselho. Trata-se de um longo processo que teve início em dezembro de 1992, com o tombamento da área onde originalmente estava localizada a antiga residência do médico e professor Antônio Aleixo, construída em 1914. A partir de 1933, a casa, em estilo eclético, foi submetida a uma série de modificações quanto ao uso e recebeu um anexo em estilo modernista. Na década de oitenta, a casa e seus anexos abrigavam o Colégio Promove que, em 1992, vendeu o terreno à Construtora Líder que, então, pretendia derrubar as construções ali existentes para dar lugar a uma nova edificação. Em dezembro de 1992, o Conselho do Patrimônio decidiu pelo tombamento dos imóveis e da área. A decisão do tombamento foi alvo de recurso e, a partir daí, tem início um processo de negociação entre a Construtora Líder e os representantes do Conselho. Em junho de 1993, o Conselho aprovou um parecer favorável à proposta da construtora Líder:

"(...) Dadas as características do tombamento do Colégio Promove Júnior, no qual não se privilegiou o excepcional valor arquitetônico das edificações e se buscou romper com a velha herança intelectual que supõe a antagonização entre o ‘moderno’ e o antigo, apontando para uma política de preservação capaz de contribuir com a gestão da cidade e com a construção da cidadania plena, as "negociações urbanas" foram iniciadas na perspectiva de implantação de uma casa da memória, ou de um centro de referência cultural, que abrigaria acervos bibliográficos e iconográficos de interesse para a região e para toda a cidade. (...)

Parecer:

Se a Construtora Líder aceitar doar (ou ceder em comodato por 99 anos) a edificação estilo eclético para o uso como ‘Casa da Serra’ na perspectiva de preservar o visível e o vivido, o Conselho, conforme previsto no inciso X do artigo 8°  do capítulo II de seu regimento interno, poderá cancelar o tombamento da edificação modernista e poderá permitir a demolição da intervenção que acresceu a caixa de escadas. A restauração deverá obedecer a projeto arquitetônico e paisagístico a ser aprovado na forma de lei" (Comissão, 1993:2-3).

Portanto, o processo de negociação urbana culmina, de um lado, com a preservação e restauração da antiga casa e sua cessão à Prefeitura em comodato por um período de  99 anos e, de outro, com a demolição do colégio e a construção de dois grandes edifícios em parte da área verde anteriormente tombada, enquanto a outra parte dessa mesma área ficou para uso restrito dos condôminos.

A Casa da Serra foi a primeira experiência de negociação urbana em Belo Horizonte. A partir dela, a experiência generalizou-se e é hoje uma das alternativas para a resolução de conflitos em torno do patrimônio. A proposta de negociação pode vir tanto da parte de um proprietário ou empreendedor, quanto do próprio Conselho que, diante de uma situação que foge às diretrizes de proteção, sugere que os interessados apresentem uma contrapartida que beneficie o patrimônio cultural da cidade. A negociação se dá, portanto, entre os proprietários dos imóveis ou os empreendedores e o Conselho e cada processo é tratado como um caso específico.

Entre as negociações já realizadas pelo Conselho, podem-se distinguir dois tipos básicos, agrupados segundo a correspondência ou não entre o benefício auferido pelo proprietário e a contrapartida oferecida ao patrimônio municipal. O primeiro tipo -- aqui denominado negociações convergentes -- envolve processos nos quais o bem imóvel restaurado e/ou doado por parte da iniciativa privada possui uma vinculação orgânica e correspondência com o benefício auferido, ou seja, contrapartida e benefício dizem respeito a uma mesma edificação. A Casa da Serra é um dos exemplos desse primeiro tipo de "negociação urbana". A prática das negociações urbanas gerou ainda um segundo tipo de negociação -- aqui denominado negociações não convergentes -- que caracteriza-se pela não correspondência entre benefício e contrapartida. Nesse segundo tipo, encontram-se os processos que compreendem, por exemplo, a restauração e/ou conservação de um monumento ou a doação de equipamentos para um bem público tombado em troca de um benefício que não guarda nenhuma vinculação com a contrapartida, vale dizer, contrapartida e benefício não dizem respeito a uma mesma edificação.

As negociações urbanas supõem o conflito de interesses de diferentes atores sociais. Nessa perspectiva, a própria noção de patrimônio comporta diferentes leituras e definições, sendo, portanto, passível de disputas. As negociações se constituem, então, em um espaço comum, onde esse conflito pode ser publicamente resolvido. Atores tradicionalmente vistos como opositores quase que inconciliáveis -- o setor privado, mais especificamente, os interesses imobiliários por um lado e os conselheiros e técnicos do patrimônio, por outro --  encontram-se frente a frente em um embate cujo horizonte é a  busca de entendimento. Convém assinalar a relevância do Conselho como arena pública para a resolução desses conflitos. Trata-se de uma nova modalidade de administração do patrimônio, que permite, na forma de seções públicas, a expressão e a negociação de concepções e interesses antagônicos.

A negociação urbana diferencia-se da política nacional tradicional de preservação do patrimônio em basicamente dois aspectos. Dentro dos contornos dessa política nacional, o tombamento era quase que a única modalidade de preservação colocada em prática e as decisões sobre o que deveria ser tombado eram tomadas por especialistas visando, principalmente, a preservação de monumentos que expressassem a cultura e os valores da nacionalidade. No caso da política municipal, as decisões passam a ser tomadas por conselhos muito mais amplos e não necessariamente de especialistas, uma vez que, em alguns casos, os conselheiros vão conhecer mais profundamente a política de preservação durante o seu período de atividade. Portanto, não se trata mais de um conselho de notáveis, mas de representantes da sociedade civil e do poder público. Uma vez que as reuniões são abertas e os interessados têm direito à palavra, instaura-se um ambiente de negociações, nem sempre ameno e algumas vezes pouco amigável, ou seja, basicamente conflituoso, mas que tem como objetivo a busca do consenso. A negociação urbana se diferencia também no que diz respeito à própria definição de patrimônio e dos valores que lhe são associados. Nota-se um alargamento dessa definição, que passa a incorporar outras expressões culturais, nem todas elas referidas aos valores tradicionalmente chamados de valores da nacionalidade. Esse alargamento pode ser melhor observado justamente no contexto municipal, uma vez que os bens passíveis de preservação estão ligados à história da cidade e aos modos de vida de seus cidadãos e nem sempre são a expressão dos valores nacionais. Nota-se, ainda e por fim, um outro aspecto diferenciador, de natureza mais quantitativa: o número de tombamentos municipais é muitas vezes superior (considerada obviamente a relação com a área atingida) aos tombamentos federais, até porque nos municípios foi onde se privilegiou, a partir dos anos 80,  o tombamento de conjuntos urbanos. E, ainda que dentro desses conjuntos os imóveis, em sua maioria, não sejam tombados, eles são objetos de leis restritivas e toda intervenção precisa passar pela avaliação dos técnicos do Departamento do Patrimônio da Secretaria Municipal de Cultura ou pelo Conselho.

Enquanto instrumento de viabilização da proteção ao patrimônio, incorporando a lógica do conflito como seu pressuposto fundante, as negociações urbanas possuem três aspectos políticos marcantes. Em primeiro lugar, instauram uma lógica do convencimento e da produção do consenso e, ainda que esse não seja necessariamente o resultado final, ele encontra-se no horizonte de expectativas dos atores. Assim, o parecer técnico é apenas uma etapa da negociação e sua validade poderá ser colocada em questão a qualquer momento.

O segundo aspecto que merece destaque diz respeito à própria concepção que orienta a política do patrimônio. Marcadas pelo conflito, as negociações urbanas desvelam uma dimensão das ações preservacionistas: toda ação que busca preservar o patrimônio implica  escolhas e, portanto, perdas e ganhos de parte a parte entre os atores envolvidos. Ainda que de maneira impressionista, é possível distinguir, no caso específico da Casa da Serra, ganhos e perdas por parte dos dois atores envolvidos, bem como dos moradores do bairro. Da parte do poder público, a Secretaria Municipal de Cultura recebe, por um lado, instalações para a montagem de seu Centro de Referência Audiovisual -- destinação última da Casa da Serra -- o que significa tanto ampliação dos quadros burocráticos, quanto possível ampliação de seu espectro de atuação. Por outro lado, o poder público abre para o debate com a sociedade um importante instrumento de intervenção urbana que até então encontrava-se exclusivamente vinculado ao crivo do parecer técnico: o tombamento.  Do ponto de vista da Construtora Líder, se por um lado há a perda da área que poderia ser aproveitada para construção, por outro há o ganho em marketing e propaganda gratuita, uma vez que a recuperação e doação em comodato da Casa da Serra ganham destaque no noticiário local. Do ponto de vista dos moradores, a perda refere-se ao impacto da construção de dois grandes edifícios de apartamentos, que se contrapõe ao ganho da construção de um centro de cultura que, além de atendê-los, pode gerar valorização em seus imóveis.

Finalmente, o terceiro aspecto político das negociações urbanas refere-se à possibilidade de superação do imenso fosso que comumente se abre entre as ações de preservação do patrimônio cultural e a dinâmica urbana propriamente dita. Uma vez que a lógica que preside as negociações urbanas já não é mais a da imposição do parecer técnico imune à deliberação pública e sim a do convencimento da possibilidade de ganhos multilaterais, observa-se uma maior flexibilidade, seja em relação à abertura real ao diálogo, seja em relação ao entendimento da dinâmica urbana. Com efeito, considerar a dinâmica histórico-cultural da cidade implica perceber as alterações que têm lugar não somente na superfície inerte dos bens culturais, mas, sobretudo, nos usos e significados que lhe são atribuídos.

 

Dilemas e Perspectivas das Negociações Urbanas

As experiências com as negociações urbanas geram, entre os atores envolvidos, avaliações divergentes [1] . A primeira dessas divergências diz respeito ao próprio instrumento, se ele deve ou não ser utilizado. O primeiro tipo de negociação -- convergentes -- consegue reunir maior número de defensores e as discordâncias concentram-se em torno dos procedimentos: como se deu a restauração, o que foi conservado e o que foi construído no terreno e, ainda que não claramente explicitado, quem mais lucrou em prestígio político com os resultados finais. Um exemplo de caso polêmico são as preservações apenas de fachada. Para alguns conselheiros, no caso de ser possível manter apenas a fachada, ela deve permanecer fisicamente como registro arquitetônico; outros avaliam que melhor seria fazer apenas o registro histórico e demoli-la, acusando essas preservações parciais de pastiche, de violação da dignidade do bem, de transformação do bem em apenas uma porta de entrada para o novo empreendimento. Em geral isso ocorre porque os empreendedores demandam o aproveitamento máximo do terreno. O resultado, então, não favorece uma relação harmônica entre os dois objetos arquitetônicos; seja pela falta de afastamento mínimo, pela altura e proporções do novo edifício, seja pelo próprio projeto que não consegue integrá-los.

O segundo tipo de negociações -- não convergentes --  concentra posições ainda mais polêmicas. Uma delas avalia que, diante da precariedade de recursos públicos, a restauração, por exemplo, de um monumento pode ser considerada de grande valor para a cidade. Já outra avalia que essa prática está instituindo uma política de escambo, de indulgência, e alerta para a possibilidade de se instituírem práticas semelhante às de corrupção. As negociações abririam as portas para um balcão de negócios: um  empreendedor, diante de um problema com a política de preservação do patrimônio, pode procurar contorná-lo oferecendo uma contrapartida. A diferença (para alguns, fundamental e, para outros, nem tanto) é que o dinheiro em vez de ir para algum receptor privado vai para o patrimônio.

Outra polêmica versa sobre o tipo de negociação desejável. Há ou não a necessidade de convergência entre benefício e contrapartida? Segundo os estudos que orientaram essa prática, a contrapartida deveria ser revertida para o próprio conjunto urbano tombado. Entre os conselheiros existem aqueles que argumentam que as negociações só se justificam se ligadas ao próprio bem (na denominação por nós utilizada, se são convergentes) e os objetos das negociações seriam a liberação da nova construção diante da preservação do bem tombado ou de outras condições que digam respeito exclusivamente a este bem. Para outros, o fato da contrapartida reverter para o conjunto urbano já seria suficiente. Há ainda outras posições menos restritivas, que avaliam que, em princípio, a contrapartida não precisa estar vinculada ao bem e nem aos limites de um mesmo conjunto urbano, abrindo possibilidade, nesses dois últimos casos, para as negociações não convergentes.

Ainda que as negociações devam ser feitas caso a caso, a ausência de definições a respeito do que pode e deve ser a contrapartida para o município aumenta a possibilidade de divergências na hora da tomada de decisões. Alguns conselheiros querem avaliar a contrapartida em função dos ganhos que o empreendedor pode obter com a liberação; para outros, isso não faz sentido, uma vez que argumentam que a preservação não deve se pautar por critérios estritamente quantitativos. Uma forma proposta para se enfrentar a divergência em torno do que deve e pode ser negociado é a elaboração de uma agenda de prioridades em relação às contrapartidas. A ausência dessas definições permite que o próprio empreendedor proponha a contrapartida, o que abre margem para práticas clientelísticas. E, apesar de as negociações serem analisadas caso a caso, uma negociação realizada com um empreendedor pode posteriormente ser demandada por um segundo e um terceiro, ou seja, criam-se certos precedentes.

Essas divergências são, em parte, produto das diferentes concepções em disputa sobre a política de preservação e, portanto, é de se esperar que elas permaneçam. Outra parte pode ser explicada por uma certa insegurança e receio dos conselheiros diante do uso de um instrumento novo, ainda carente de institucionalização e diante também da possibilidade, ainda não verificada (mas possível em tese) de práticas clientelísticas e até mesmo corruptas.

Algumas posições aqui mencionadas são compartilhadas pelos empreendedores, principalmente por aqueles das grandes construtoras que já submeteram mais de um projeto ao Conselho. A diferença é que as suas críticas visam menos o instrumento e mais o próprio Conselho e suas ações. Quanto ao instrumento, eles criticam a falta de definição das negociações; e, em relação ao Conselho, criticam a morosidade e a subjetividade do processo. Quando um projeto entra na pauta do Conselho, ele ainda corre o risco de não ser analisado naquele dia por falta de quorum ou tempo, e, quando analisado e com sugestões de mudanças acordadas, ele só poderá voltar a ser analisado no tempo mínimo de um mês, uma vez que o Conselho reúne-se mensalmente. No que se refere à subjetividade, critica-se a inconstância e a incoerência das decisões tomadas. Critica-se também a falta de consonância entre os órgãos afins da administração municipal, uma vez que ocorre, com uma certa freqüência, que deliberações do Conselho entrem em choque com outras políticas municipais.

Apesar de todas as críticas e dificuldades inerentes ao instrumento negociações urbanas, há avaliações positivas de ambos os lados. No caso dos conselheiros, as avaliações expostas acima demonstram, em geral, um interesse pela sua manutenção, ainda que alguns ajustes e aperfeiçoamentos sejam demandados. Por parte dos setores privados, há também  avaliações favoráveis, ainda que obviamente menos freqüentes [2] ; entre elas, registramos relatos sobre retornos positivos de seus empreendimentos, através da divulgação obtida nos meios de comunicação, o que evitou gastos com publicidade. No  primeiro caso de negociação urbana anteriormente analisado, a empresa não encontrou dificuldades para colocar no mercado os seus imóveis e nem precisou anunciá-los nos veículos de comunicação. A empresa conseguiu ainda mais publicidade quando foi uma das escolhidas para receber o prêmio "Gentileza Urbana", conferido pelo Instituto dos Arquitetos de Belo Horizonte. Obteve também outros benefícios indiretos ao associar sua imagem à preservação da história e da memória da cidade. O mesmo pôde ser verificado em outros empreendimentos desse mesmo porte e, ainda que durante as negociações com o Conselho as empresas privadas tentem diminuir as exigências e descaracterizar ao máximo as necessidades de preservação, uma vez que o projeto é negociado, ele passa a ser um dos elementos principais de divulgação do empreendimento. Nesse momento, a negociação é citada nos meios de comunicação como um exemplo positivo de preservação, ou seja, passada a negociação, os setores privados aparecem também como defensores e agentes públicos da preservação do patrimônio cultural da cidade.

Considerações Finais

Do panorama exposto acima, é possível extrair algumas considerações acerca da experiência das negociações urbanas. Em primeiro lugar, elas inserem-se em um processo de ampliação dos conceitos fundamentais do patrimônio e de sua gestão. No caso específico de Belo Horizonte, pode-se relacionar essa prática à própria história das políticas municipais de preservação. Com efeito, como se viu, a institucionalização das políticas de preservação em Belo Horizonte nasce sob o signo do confronto entre setores distintos da sociedade civil. Tais setores compõem o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte que, por sua vez, constituiu-se como fórum decisório no que respeita às ações preservacionistas que têm lugar na cidade. Do encontro entre o processo de rediscussão dos conceitos relativos ao patrimônio e da institucionalização das políticas municipais de preservação -- em um marco que acentua a dimensão do conflito --, é que emergem as negociações urbanas. De fato, a principal novidade das negociações urbanas é a articulação direta dos interesses dos diversos atores envolvidos e a conseqüente explicitação a respeito dos significados de bem cultural.

Neste ponto, é possível afirmar que, não obstante as negociações urbanas serem marcadas pelo conflito entre setores distintos da sociedade civil, elas acabam por produzir um espaço comum de argumentação que visa o convencimento de parte a parte e a busca do consenso. Nesse sentido, ao romper com o "insulamento burocrático", que de maneira geral caracterizou as políticas tradicionais do patrimônio, as negociações envolvem, responsabilizam e legitimam as decisões do Conselho.

Uma terceira consideração diz respeito aos tipos de negociação que se realizaram nos últimos anos. Tais negociações foram aqui agrupadas em dois grandes tipos, em função da correspondência ou não entre os benefícios auferidos pela iniciativa privada e a contrapartida oferecida. O primeiro tipo caracteriza-se pela convergência entre benefício e contrapartida -- ambos dizem respeito a uma mesma edificação; essas negociações convergentes são as que apresentam maior consenso entre os conselheiros e técnicos, embora seja possível detectar oposição, especialmente no que diz respeito ao mérito da contrapartida oferecida pela iniciativa privada. O segundo tipo de negociação urbana caracteriza-se pela não convergência entre benefício e contrapartida; as negociações não convergentes enfrentam mais oposição, uma vez que se eleva o nível de arbitrariedade no que toca à definição da contrapartida.

Finalmente, as negociações revelam um dos dilemas que envolvem as novas concepções de patrimônio e de sua gestão. Uma vez que as negociações apontam para uma flexibilização da própria noção de herança cultural, que agora encontra-se vinculada à dinâmica histórica da cidade -- permitindo, assim, a existência do instrumento -- todo bem cultural é passível de negociação. No limite, os processos de negociação urbana ameaçam, com um relativismo autofágico, a própria noção de patrimônio cultural. Tal ameaça é tanto maior quanto menor forem a institucionalização e a formalização das negociações urbanas. Contudo, se, de um lado, institucionalizar, formalizar e limitar o escopo do instrumento permite conter o nível de arbitrariedade, de outro, a limitação do seu espectro de ação pode significar a corrosão dos princípios sobre os quais a prática se assenta, especialmente, aqueles que dizem respeito à possibilidade de explicitação das diferentes concepções acerca do que deve ou não ser preservado ou, dito de outra forma, o que pode ou não ser negociado.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Flávia de Paula Duque (1996). Parecer: Relatório de Revisão do Conjunto Urbano da Avenida Afonso Pena. Secretaria Municipal de Cultura, Belo Horizonte, xerox.

CANCLINI, Nestor Garcia (1994). "O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional". in: Revista do IPHAN As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense.

CASTRIOTA, Leonardo Barci (1992). "Algumas considerações sobre o patrimônio". In: Arquiamérica: I Pan-American Congress of Architectural Heritage, Ouro Preto, setembro.

COMISSÃO relatora do parecer referente a proposta apresentada pela Construtora Líder Ltda. A propósito do tombamento do Colégio Promove. (1993)

Decreto Nº 5.531. Regimento interno do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte.

Decreto Nº 6.337. Dispõe sobre a composição do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. 21/09/1989.

ESTANISLAU, Lídia Avelar (1997). "Política Municipal de Memória e Patrimônio Cultural". Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, xerox.

FEATHERSTONE, Mike (1995). Cultura de Consumo Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel.

FONSECA, Maria Cecília Londres (1997). O patrimônio em processo - trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN.

GONÇALVES, José Reginaldo (1988). "Autenticidade, memória e ideologias nacionais: o problema dos patrimônios culturais". Estudos Históricos, 2(1).

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Luciana Teixeira de Andrade
Professora do Departamento de Sociologia e Mestrado em Ciências Sociais: Gestão das Cidades da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC.Minas. Av. Dom José Gaspar, 500 CEP -- 30535-610. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Fone: (31)
3194966
e-mail landrade@pucminas.br


Paulo Luiz Esteves
Professor do Departamento de Sociologia e Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC.Minas. Av. Dom José Gaspar, 500 CEP -- 30535-610. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Fone: (31) 3194258
e-mail pesteves@pucminas.br


NOTAS

[1] - Aqui vamos nos concentrar nas posições dos conselheiros que estão há mais tempo envolvidos com as negociações e, por isso mesmo, já consolidaram algumas posições; em relação ao outro lado da negociação, os empreendedores ou proprietários, as posições ainda não se consolidaram e as críticas não se concentram no ponto que estamos abordando agora, ou seja, o processo e as modalidades das negociações, mas no próprio Conselho e suas ações. 

[2] - A obviedade a que nos referimos aqui diz respeito ao fato de que as negociações, ainda que signifiquem uma certa liberalização em relação às diretrizes de preservação, implicam, como todo instrumento de preservação, em limites e, no caso da contrapartida, em gastos ou redução de lucros. E tais limites não são facilmente aceitos pelos empreendedores.


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