IV RAM – Reunião de Antropologia do Mercosul
Fórum: Turismo e Lazer
Organizadores: Margarita Barretto, Álvaro Banducci Jr e Rodrigo Grünewald
Pesquisadores:
Oswaldo Giovannini Jr – Bacharel em Antropologia e mestrando em Ciência da Religião – UFJF/MG
Maria da Graça Floriano – Bacharel em Antropologia e mestranda em Ciência da Religião – UFJF/MG

ROTA DE CURAS MILAGROSAS EM MINAS GERAIS

             Fazendo uma pequena digressão histórica do fenômeno turístico percebe-se que pelo menos desde a Roma Imperial, segundo J. Urry, existia para a elite um padrão bastante amplo de viagens voltadas para o prazer e para a cultura e que era possível viajar desde as Muralhas de Adriano até o Eufrates sem atravessar uma fronteira hostil (Urry:1999: 19).

Já na Idade Média o processo se dava de forma diferente. Dentro do ambiente religioso católico que dominava a sociedade da época muitas das viagens ocorriam em função de motivações religiosas. No século XII muitas das peregrinações se realizavam em função de penitência aplicada a pecadores que eram banidos, por causa de seus erros, dos locais em que viviam, só podendo voltar à sua sociedade após terminada a viagem ou peregrinação a local estipulado. Assim, viajar  tomava a forma de um rito de penitência ou contrição e possibilitava refazer uma ordem quebrada por atitudes ignóbeis. Deste período até o século XIV as peregrinações  se tornaram um fenômeno mais amplo a nível de sentido, pois passaram a ser vinculadas à busca de cura espiritual ou física, uma vez que começaram a surgir pessoas que faziam milagres e locais onde se realizava algum tipo de hierofania. O fato é que na Idade Média estas peregrinações motivaram inúmeros viajantes religiosos ou não, comerciantes ou aventureiros, pois havia, já nessa época, uma mescla de devoção, cultura e prazer nos aglomerados de pessoas que se formavam nestes locais sacralizados.

No século XV, segundo Urry, haviam excursões organizadas, que iam de Veneza à Terra Santa” e a partir do século XVII vários tipos de motivações para viagens turísticas podem ser registradas. Nota-se que com o renascimento -- a revalorização do humanismo e da cultura clássica --e com as colonizações além das terras européias, viajar passou a ter uma conotação de busca pelo conhecimento. Apoiado pelos livros e pela história, buscava-se um conhecimento “in loco”, com o olhar.

Mesmo passando por motivações diferentes o turismo sempre manteve alguns princípios básicos: a busca através do deslocamento e o imperativo da volta. Porém uma volta que tem a eficácia da mudança de um estado anterior, seja de pecado, como no início das peregrinações, seja de doença física ou espiritual, seja de um estado de conhecimento inferior a outro mais apurado.

No século XVIII desenvolveram-se na Europa numerosos balneários   com finalidade medicinal. Acreditavam os médicos da época que a água mineral que propiciavam, tanto para beber quanto para banhar, eram capazes de proporcionar a cura de diversos males. Na mesma ótica se desenvolveu o turismo para o litoral, sob a alegação de que os banhos de mar também tinham efeitos curativos.

Paralelamente a este desenvolvimento do turismo ocorreram mudanças nas relações de trabalho. Na Europa, ao longo dos séculos XVIII e XIX o trabalho passou a ser mais organizado e planejado. E, como atividade paulatinamente apartada do divertimento, da religião e das festas, os espaços e momentos de lazer passaram a ser racionalizados. Com a melhoria do padrão de vida dos países industrializados, a melhoria dos transportes e a diminuição da jornada de trabalho as viagens de lazer se ampliaram dando início ao turismo moderno com característica de um turismo de massa.

No Brasil do século XVIII, devido à importação de devoções religiosas aliadas a uma cultura que se forjava misturada com a autóctone, havia um forte movimento de romarias a santuários, cruzeiros, capelas e a residências de beatos afamados pela realização de curas milagrosas. Nossa cultura cunhada com base também em deslocamentos constantes e variados (Sanchis,s/d.), passou do nomadismo dos nativos às bandeiras, das peregrinações de conteúdo místico às viagens de aventureiros interessados em conhecer a cultura diversificada espalhada por tão vasto território.

Já no século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando o capitalismo se revigorou e atingiu, nos países europeus, um nível de padrão de vida jamais visto, o período de férias do trabalho se tornou uma conquista de cidadania. Passou a ser de aceitação geral o fato de que era uma necessidade para a renovação pessoal, e por conseguinte para uma boa saúde, gozar  férias e viajar para um lugar diferente. Percebe-se que, de uma forma secularizada, o turismo continua a manter um princípio original que é a busca, a renovação, o refazer de uma ordem prejudicada pela fadiga ou pela doença moderna do stress, estando assim, de certa forma próxima a uma eficácia simbólica de cura.

Para Levi-Srauss, em sua análise sobre o xamanismo, a cura se dá pela reordenação de um sistema, onde as coisas são colocadas todas no seu devido lugar. No caso clássico analisado por ele, a paciente seria induzida a viver um mito, duma estrutura que corresponderia analogamente à uma estrutura do corpo. Transferindo esta reflexão para o nosso caso pode-se arriscar a hipótese de que haveria uma estrutura que corresponderia à da existência à nascer – viver – morrer/renascer em outro plano, análoga a  sair – andar (peregrinar) – voltar (em um outro estado) ou no caso da doença, adoecer (desordem) – busca – cura (reordenamento). Assim, tal qual nos ensina Levi-Strauss, “a eficácia simbólica consistiria precisamente nesta propriedade indutora que possuiriam umas em relação às ouras, estruturas formalmente homólogas, que se podem edificar, com materiais diferentes, nos diferentes níveis do vivente, processos orgânicos, psiquismo inconsciente, pensamento refletido”. No nosso caso a eficácia da viagem está justamente em sua analogia com a existência, ou seja ordem e desordem tem a. ver com vida e morte, assim como viajar/peregrinar tem a ver com a trajetória do homem durante a vida. (Levi-Straus: a eficácia simbólica 233)

V Turner analisa os peregrinos pela ótica dos ritos de passagem, localizando três fases: A separação social e espacial do lugar normal de residência e dos laços sociais convencionais, a liminaridade, uma antiestrutura, fora do lugar e do tempo quando os laços convencionais são suspensos e é vivenciada a communitas, e ocorre uma experiência do sagrado e do sobrenatural; e por fim a reintegração, em que o indivíduo é reintegrado ao grupo social anterior, habitualmente em um status social mais elevado. A exemplo do peregrino, o turista desloca-se de um lugar familiar para um  distante e volta ao lugar anterior. No lugar distante não só o peregrino, como também o turista se entregam à veneração de espaços que embora sacralizados de modos diferentes, possibilitam algum tipo de experiência enaltecedora. MacCannell  “sustenta que existe normalmente um processo de sacralização, que torna um determinado artefato, natural ou cultural, um objeto sagrado do ritual turístico”(26).

Questionamos sobre a possibilidade de colocar em um mesmo plano de sacralização experiências de ordem religiosa, mística e experiências secularizadas. Parece-nos incompatível comparar a experiência que um torcedor de futebol vivência com a experiência de um fiel carismático, assim como afirmar que um ateu tem um vivência do sagrado só porque visita uma igreja histórica. Segundo Hans Kung, seguindo as reflexões da Ciência da Religião, a experiência do sagrado, ou experiência religiosa  “gira sempre em torno da experiência de um encontro com o santo, seja esta realidade santa compreendida como um poder,  como poderes (espíritos, demônios, anjos), como um Deus (pessoal), divindades (pessoais) ou como qualquer realidade suprema e verdadeira (Nirvana, Shûnyatâ, Tao)”. É uma experiência do homem com algo que transcende a si e a seu mundo, que se refere a um outro mundo, e não algo relativo,  finito, humano ou mundano. Para os casos em que estas experiências possam ser  elevadas à condição de absoluto (a ciência, o partido, o turismo, a arte, etc), cremos ser preciso criar novos conceitos ou refinar antigos conceitos para dar conta destas experiências e emoções humanas

Carlos Steil propõe uma análise muito perspicaz seguindo pela esteira de Rachid Amirou (1995) que considera turista e peregrino “...não apenas como experiências históricas de múltiplas formas de deslocamento espacial, mas sobretudo como categorias explicativas que condensam estruturas de significados que estão sendo atualizadas e reavaliadas na prática social. Trata-se, portanto, de idealizações opostas, ou tipos ideais, no sentido weberiano. A “estrutura peregrínica evoca o modelo convivial da comunidade emocional e religiosa, remete à communitas. Já o turismo, ligado a societas, reafirma um ethos moderno e se caracteriza pela construção de diferenciações sociais.

Controvérsias à parte, turismo e peregrinação, seja em sua realização histórica seja como construção metodológica, se aproximam em um ponto essencial: constituem um ritual de liminaridade que possibilita de alguma forma refazer uma ordem rompida ou ameaçada, mesmo que em um patamar diferenciado.

Para Steil, se na análise se definem duas estruturas de valores, turismo e peregrinação, ao nível empírico se apresentam com fronteiras fluidas. Não são como pontos num continuum, mas  estruturas de significados que se articulam, com muitas possibilidades de arranjos. Lógicas que surgem em certas situações dando diferentes sentidos, possibilitando um encompassamento por parte do campo religioso de uma lógica turística, ou vice-versa, surgindo assim o que se poderia chamar de turismo religioso.

Este turismo religioso, onde estariam envolvidos, mais que motivações, as “estruturas de significados” de que fala Steil, relacionadas ao lazer, ao consumo e a experiências religiosas, está muito presente na sociedade brasileira. Nestas experiências nota-se com facilidade a presença da questão da busca da cura, do milagre, da prevenção de todo mal..

Se turismo e peregrinação se aproximam na forma como buscam garantir uma eficácia simbólica dando sentido ao mundo, através do rito liminar da viagem, por outro, este momento liminar guarda diferenças quanto às estruturas de significado que estão sendo ativadas bem como suas combinações. Assim, percebe-se que entre o peregrino católico, o doente espírita, o turista cultural, turistas esotéricos, e outros mais, mesmo que guardem um sentido essencial de busca e construção de sentido, articulam valores e visões de mundo diferenciados que apresentam combinações e sincretismo os mais diversos.

Alguns casos já observados superficialmente podem dar uma idéia mais objetiva desta pluralidade. Selecionamos  apenas quatro que nos parecem exemplares: o caso de Cataguases, a romaria da SS Trindade em Tiradentes, O Centro Espírita de Barbacena e Trigueirinho  no sul de Minas.

A romaria que ocorre todo ano até o Santuário da Santíssima Trindade no mês de julho, na cidade de Tiradentes, é um caso típico de romaria voltado para a cura física através da intervenção divina. O culto da Trindade segundo os fiéis é o mais forte, dentro de uma estrutura católica, uma vez que lida com as três forças, o pai o filho e o espírito santo. É uma romaria para doentes, com missas para os enfermos, unção e sala de milagres. Alcança-se também outras graças que têm a ver com condições financeiras acidentes de trabalho e outras dificuldades pelas quais o povo enfrenta no seu cotidiano ordinário. A peregrinação é marcada pela promessa e pelo sacrifício, participando de uma estrutura católica tradicional de devoção aos santos milagreiros, com assentimento da igreja oficial, contando com a presença do sacerdote. O público é de origem predominantemente humilde e rural, que também costuma participar de outras festas do mesmo gênero. A estrutura que se arma para a festa também é grande, com muitos vendedores ambulantes, devidamente organizados em barracas pela Irmandade responsável pela festa. É uma festa em que se cruzam vários sentidos, do religioso ao lazer, do sacrifício ao gozo.

Em Carmo da Cachoeira, na zona rural, localiza-se uma fazendo cujo agrupamento se auto denomina Figueira. A princípio é um monastério  que surgiu há 14 anos e que tem como liderança um homem chamado  Trigueirinho, autor de inúmeros livros esotéricos. É um local onde pessoas sem uma identidade confessional, religiosa ou política se dedicam ao aprimoramento espiritual e à vida simples, atingidos através de estudos esotéricos, o cultivo da terra e a elaboração de uma medicina sutil baseada em ervas. É um grupo bem organizado e de razoável difusão, possuindo grupos extensivos em outras cidades de Minas, no Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e ainda na Argentina. Têm uma programação sistemática com várias atividades, desde atendimento individual para a cura de doenças físicas até grupos de estudo. As viagens até Figueira são organizadas de acordo com estas programações, exigindo contatos prévios e normalmente tendo os subgrupos como mediadores. A permanência no local pode ser muito breve ou durar alguns dias. Nas palavras do jornal quadrimensal que publicam, as pessoas que vão à Figueira “buscam seu próprio universo interior e, em conjunto com vários outros grupos constituem uma luminosa rede de energias que auxiliam na cura e no resgate do planeta. Unidas se fortalecem, e assim se preparam para o serviço aos demais nesta importante transição planetária.”  Antes de virem, recebem as informações necessárias e lhes é pedido que freqüentem  com assiduidade as reuniões, para se integrarem na energia que permeia todo esse trabalho. Imbuídos de certa missão planetária estas pessoas têm uma intenção de cura de uma dimensão maior que a individual e física.

Na cidade de Cataguases encontramos um outro centro voltado para cura. Chico Monteiro,o responsável pelos “milagres” trabalhou durante vinte anos como médium em um Centro Espírita e em 1995 depois que foi abdusido criou a Fundação Para-Científica Adolfo Fritz. Em 2000, ele e sua equipe passaram a atender em um enorme Galpão construído através de doação, para esta finalidade, na periferia de Cataguases. Alterna o atendimento mensal neste local com um atendimento em Petropólis, onde faz um curso superior de terapias alternativas e de medicina molecular.

Sem doutrina formalizada, sem nem mesmo explicar e ou conversar com os doentes, realiza suas operações através de gestos estranhos e aparentemente sem uso de nenhuma ferramenta. O interessante é que diante de seus gestos significantes, cada pessoa trata de formular seus próprios significados. É voz corrente entre os pacientes que se trata de uma cura espiritual pela incorporação de um certo doutor Fritz. Outros diziam que tratava-se de uma comunicação com seres espirituais que habitavam outros planetas.

Além das operações, no local também há a possibilidade de outros tratamentos com vários equipamentos desenvolvidos sobre sua orientação. Seu trabalho tem despertado o interesse de vários médicos e cientistas do Brasil e de diversas partes do mundo, como físicos que têm desenvolvido seus projetos.

No bairro Vista Alegre, em Barbacena, encontramos o Núcleo Cristão Dr. Luiz Wellasques uma instituição kardecista que conta com um hospital, ambulatório, gabinete odontólogico, asilo, albergue, creche e escola do ensino fundamental. Neste espaço foi montado também um restaurante para atender aos visitantes e uma farmácia que vende as ervas e os remédios homeopáticos receitados pelos médiuns curadores desta instituição.

Caravanas de pessoas vindas dos mais diversos pontos do Estado começam a chegar no local na madrugada de Sábado e é pela ordem de chegada que a fila do atendimento é formada. Este começa mais ou menos às 10:00hs e termina por volta de 16:00, quando a grande maioria já retornou ao seu lar.

Geralmente são quatro médiuns, auxiliados por um ou dois ajudantes, que atendem a cada um individualmente. De acordo com um calendário previamente estabelecido, um sábado é destinado às consultas e outro às operações espirituais, que são realizadas sem cortes. De acordo com os preceitos kardecistas não cobram nada pelos tratamentos que se tornam o sinal visível da Caridade Kardecista, que é o fundamento máximo de suas práticas.

Como vemos são vários os “centros” de sentidos e significados espalhados pelo interior de Minas Gerais. [1]

Estes “centros” levantam muitas perguntas que só podem vislumbrar respostas, ou interpretações, mediante um trabalho de campo apurado e minucioso feito caso a caso. Se a cura, enquanto reordenadora da realidade cuja ordem foi rompida, é de fato a motivação estrutural destas manifestações de deslocamento, devemos nos perguntar quais seriam as estruturas de significado ativadas e colocadas em articulação e como e onde elas são elaboradas. Por um lado têm-se o milagre ou a graça próprios do catolicismo, de outro a cura espiritual em consonância com uma doutrina espírita, de outro compreensões esotéricas espiritualistas. Crença em seres sobrenaturais como santos ou deuses e espíritos convivem com interpretações e justificativas assumidas como científicas. Como entender, ou melhor como eles entendem estes processos? Como os diferentes tipos de cura, milagres ou graça dão sentido a quem os procura? Quais são as explicações? Como são vistos pelos pacientes, enfermos, viajantes, fiéis, etc, os resultados alcançados? Como estas manifestações se relacionam em suas vidas com a medicina moderna? É um tipo de cura alternativa que cresce à medida em que piora a estrutura do sistema de saúde em nossa sociedade, ou há uma descrença geral na medicina e daí a procura de uma medicina do além? Estes centros formam communitas ou são espaços em que a societas é que dita as regras? Como caracterizar seus freqüentadores: peregrinos ou turistas?

Enfim, um fenômeno amplo que envolve grandes tradições religiosas, desafios científicos e motivações pessoais, experiências idiossincráticas definidoras de atitudes gestos e crenças. Atitudes de pessoas que, no limite da existência se despem de formulações doutrinárias ou racionalistas e se entregam à esperança de uma vida melhor ou simplesmente de uma sobrevida que pode às vezes significar apenas um adeus mais ameno. O fato é que o homem se coloca diante da infinidade da vida e da finitude de seu próprio ser com todas as dúvidas os sofrimentos e as esperanças que possam carregar de roldão, formulando sentidos de ordem cosmológicas nem sempre coerentes ou ordenadas, mas certamente muito humanas, nem sempre coletivamente mas individualmente. Acredito que o deslocamento, a peregrinação, a viagem é uma atitude, um significante, que guarda em si, como princípio essencial, o sentido da grande viagem da existência humana, a qual parte de algum lugar, peregrina pela vida e se defronta com o retorno para o mistério.

No entanto, manifestações de tal complexidade merecem atenção minuciosa e prudente, para que não se formule conclusões apressadas e generalizantes. É fundamental trabalhar no sentido de levantar dados empíricos sobre os locais destas práticas. Nosso projeto defende a necessidade de um trabalho preliminar, despretensioso quanto a teoria, mas laborioso quanto a etnografia, no sentido de mapear locais de curas milagrosas, romarias, festas, tratamentos e operações espirituais no Estado de Minas Gerais que promovem um deslocamento de grupos e pessoas. Até agora pouco detectável pelo “trade” turístico e desconhecido do mundo acadêmico pelo seu caráter quase subterrâneo,  este trânsito, que abarca uma experiência religiosa, de lazer, de consumo e estética, requer uma gama de serviços e socializações que sinaliza para uma riqueza cultural a ser valorizada.

A infra-estrutura ou os equipamentos, para usar um chavão da área turística, que envolvem, certamente guardam também  um caráter alternativo:  transporte individual, vans, kombis e ônibus fretados exclusivamente para este fim:  dormitórios, às vezes organizados pela instituição ou por pessoas do entorno assim como a alimentação e barracas de souvenir, ervas, livros montados só para atender a ocasião. Enfim, toda uma rede variável de sociabilidade, comércio e estrutura incomum, alternativa e subterrânea que envolve uma gama enorme de pessoas, muitas delas vivendo à margem da sociedade, da indústria do turismo, das grandes instituições e bem longe, certamente dos olhares de economistas e pesquisadores pouco habituados a circularem no meio do povo como pessoas presentes na sociedade onde vivem.

Como trabalho preliminar propomos um mapeamento destes locais em Minas Gerais e uma identificação geral das pessoas, grupos e instituições e equipamentos envolvidos com o objetivo de servir de base para pesquisas posteriores e mais específicas, a fim de promover um trabalho de investigação mais integrado e minucioso, que certamente há de envolver um maior número de profissionais, recursos e tempo. De início levantamos a hipótese central de que é  possível estabelecer uma rota de cura no interior do Estado, que é trilhada independente do credo religioso tanto dos curadores/locais como dos viajantes. Acreditamos poder identificar alguns eixos por onde as pessoas passam em busca de uma solução emergente para seus males e estabelecer quem são os turistas ou peregrinos que saem em busca de um sentido religioso para suas vidas.

            Levantar estes pontos criteriosamente e divulgá-los é importante como referência para pesquisadores e agentes do turismo, para a preservação e o respeito por culturas locais e ainda como um guia para aqueles que usufruem destes instrumentos. Propomos uma pesquisa que resulte em uma publicação de largo alcance, aproveitável tanto para pesquisadores quanto para turistas, sendo uma obra a meio caminho de uma pesquisa descritiva e um guia turístico, apontando histórias locais, significações culturais religiosas e equipamentos turísticos. Contribuiríamos assim, oferecendo pistas para discutir o turismo em Minas bem como sua cultura religiosa, e ainda, enunciar um campo de estudo de onde pode-se retirar reflexões fundamentais para o entendimento a respeito do homem, sua capacidade de produzir cultura e estabelecer relações sociais. Quiçá ainda este campo, tão pouco explorado pela ciência, talvez até por uma série de preconceitos, seja fértil para o entendimento das capacidades humanas de enfrentar as vicissitudes da vida e da morte.



[1] Rubem César Fernandes chama atenção para o fato de que no Brasil não existe um único e exclusivo centro de significado religioso como em  alguns  países europeus, mas vários centros  regionais.


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