Tradição e modernidade no Turismo educativo brasileiro: possibilidades de empreendedorismo social no samba
Profa. Dra. Cristiana Tramonte*
*(professora. da Universidade Federal de Santa Catarina/ Brasil)
Resumo
Nesta virada de milênio, a atividade turística destaca-se como uma importante forma de lazer e vem se transformando, acompanhando as inúmeras modificações porque passam as sociedades em todo o mundo. A própria concepção de turismo vai se alterando, conforme avançam as exigências sociais em termos de cidadania, manutenção do patrimônio histórico cultural, valorização das identidades e reafirmação da diversidade em todos os níveis. Neste sentido, a busca do lazer atualmente tem interessado pessoas e grupos na aliança entre tradição e modernidade.
A própria noção de empreendorismo no lazer se transforma, superando a visão consumista e parcelas da sociedade passam a pleitear atividades turísticas que permitam o intercâmbio cultural, o contato com outros povos, o reconhecimento das diferenças e identidades sem que haja a destruição dos patrimônios culturais dos diversos povos que habitam o planeta.
Introdução
Nesta virada de milênio, a atividade turística destaca-se como uma importante forma de lazer e vem se transformando, acompanhando as inúmeras modificações porque passam as sociedades em todo o mundo. A própria concepção de turismo vai se alterando, conforme avançam as exigências sociais em termos de cidadania, manutenção do patrimônio histórico cultural, valorização das identidades e reafirmação da diversidade em todos os níveis.
A própria noção de empreendorismo no lazer se transforma, superando a visão consumista e parcelas da sociedade passam a pleitear atividades turísticas que permitam o intercâmbio cultural, o contato com outros povos, o reconhecimento das diferenças e identidades sem que haja a destruição dos patrimônios culturais dos diversos povos que habitam o planeta.
Neste sentido, a busca do lazer atualmente tem interessado pessoas e grupos na aliança entre tradição e modernidade. As escolas de samba no Brasil são um exemplo, entre muitos, do potencial desta forma de turismo e dos dividendos culturais e sociais que podem auferir, sem deixar de representar também uma fonte de recursos para os promotores, configurando uma opção de empreendorismo social que busca aliar espetáculo, tradição e intercâmbio intercultural. Examinaremos especificamente o caso das escolas de samba da Grande Florianópolis, estado de Santa Catarina.
Antecedentes históricos
O crescimento das escolas de samba da Grande Florianópolis traz algumas reflexões sobre a possibilidade de promoção do turismo Educativo e Cultural Local.
Segundo PELUSO JR.,[1] o primeiro ciclo de crescimento populacional da região havia ocorrido nas décadas de 50 e 60, principalmente no perímetro da capital, gerando subdivisões de grandes áreas na ilha e loteamentos semelhantes no Estreito. O desenvolvimento da indústria da construção civil em decorrência deste aumento populacional atraiu a população da área rural, aumentando os bairros de população de baixa renda. Os anos 60 também foram significativos para a evolução da área urbana e dois fatos foram marcantes para esse desenvolvimento: a fundação da Universidade Federal de Santa Catarina em 1960 e a implantação da rodovia BR-101. Em torno dela, instalaram-se muitos trabalhadores, depósitos, oficinas e pequenas atividades industriais. Esta expansão foi tão grande que ultrapassou até mesmo os limites do município de Florianópolis atingindo São José. A população pobre de Florianópolis desloca-se para o espaço entre a capital e São José. Em 1970, a população de Florianópolis era de 115.547 habitantes e registra em 1980 153.547 indivíduos. Segundo ainda PELUSO JR. Florianópolis perde sua característica de cidade individual e passa a constituir "conurbação com as cidades vizinhas". As novas populações vão instalar-se nos prédios de apartamentos da capital, ou nos loteamentos de chácaras e propriedades rurais da ilha, dos municípios de S.José, Biguaçu e Palhoça. Em 1970, três grandes obras estimularam ainda mais a expansão urbana: a ponte Colombo Salles, o aterro da Baía Sul e a via expressa em continuação à Avenida Rubens de Arruda Ramos. As áreas mais procuradas foram Trindade, Itacorubi, Córrego Grande e Pantanal, na ilha e Campinas e Barreiros (entre Florianópolis e a BR-101). "É através desta última área que os planos urbanos de Biguaçu, São José e Palhoça se fundem com o de Florianópolis"[2]. A construção da ponte Colombo Salles vai facilitar a instalação de setores econômicos importantes na região do Continente, propiciando seu crescimento como centro comercial e industrial com relativo poder, tendência que se acentuará cada vez mais. A construção das pontes, a melhoria das estradas, o incremento de linhas de ônibus fez com que se estreitassem ainda mais os laços entre Florianópolis e sua região, o que resultou no que se denominou a partir da década de 70 a “Grande Florianópolis”. "Na realidade é a nova versão criada pelo aumento de população e pela inovação tecnológica, do mesmo fenômeno que antes da construção da ponte se mostrava na praia do mercado com a chegada de canoas e outras embarcações das cidades e povoações costeiras da região de Florianópolis"[3]. Segundo ainda PELUSO JR., a partir de 60 Florianópolis firma-se como cidade de serviços e nos anos 70, "a maior parte das indústrias existentes transferiram-se para o continente e os novos empreendimentos industriais procuraram a nova área conurbada, principalmente a margem da BR-101" [4].
Tradição e modernidade: entendendo a complexidade
Nas décadas de 80 e 90 as exigências infra-estruturais e econômicas às escolas de samba são cada vez maiores, resultado do crescimento da escola de samba como “mercadoria cultural” e a inspiração no modelo Rio de Janeiro: o novo padrão mínimo exigido nos desfiles demanda uma organização administrativa e uma infra-estrutura só possível com grande poder econômico. O poder público já não pode e não quer suportar esta carga. As escolas de samba haviam emergido nas décadas de 40 e 50 também aproveitando-se das brechas do Estado populista e paternalista. Na década de 80, o eixo de atuação do poder público no governo militar e nos chamados anos da “redemocratização” com a devolução do poder aos civis, distanciava-se das práticas populistas anteriores e, ao contrário do nacionalismo das primeiras décadas do século, promove abertamente a privatização, num estilo marcadamente neoliberal que buscará afastar cada vez mais do Estado as responsabilidades com prioridades sociais como saúde, educação e lazer. O poder econômico representará para as escolas de samba, portanto, fator importante para a vitória no carnaval. Entretanto, muitas escolas tem a clareza de que somente poder econômico não garantiria a superioridade.
Buscar articular poder econômico e base comunitária será uma característica das escolas de samba de Florianópolis nas décadas de 80 e 90.
A crise em que emergem as escolas de samba nesta época é perfeitamente compreensível se analisarmos sua trajetória e o contexto histórico de Florianópolis. O município havia sofrido profundas transformações a partir da década de 70 que implicariam em nova estruturação a nível econômico, social e político e rearranjo das forças a nível das escolas de samba. Por seu lado, as escolas de samba também haviam entrado num processo vertiginoso de crescimento. Natural, portanto que as antigas estruturas, da época da fundação das escolas de samba adaptadas ao contexto de Florianópolis nas décadas de 50 e 60, entrassem num processo de rearranjo para adaptar-se às novas exigências. A este respeito analisa SODRÉ: "Com a aceleração da industrialização e da urbanização, as manifestações lúdico-folclóricas e as atividades artístico-culturais populares são profundamente atingidas, não apenas pela desestruturação das antigas relações sociais e pela mudança no modo de vida, mas igualmente pelo desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e pelo aparecimento da profissionalização e organização das atividades de lazer enquanto espetáculo".[5]
Afinal, nas décadas de 40 e 50, o poderio econômico não era tão determinante para as escolas de samba, já que as exigências de espetáculo eram menores, e as capacidades concentravam-se mais na execução artística de fundamentos como a dança, o canto e o ritmo. As articulações políticas eram, portanto, mais importantes do que as articulações econômicas, já que a disputa da vitória se daria muito mais na disputa de prestígio social. Evidentemente, prestígio econômico alia-se a prestígio social, mas na atual estrutura das escolas de samba não existe o segundo sem o primeiro. Prova disso é que as Escolas de Samba que não conseguem vencer, às vezes por falta de poder econômico, perdem prestígio político e entram num processo de esvaziamento social. Escola de Samba que não vence carnaval, não mantém por muito tempo seu prestígio político.
Além do trabalho comunitário aliado à visão empresarial, existe valorização do aspecto comunitário e dos temas regionais, que não ocorre descontextualizada. A exemplo de outras épocas em que o Brasil viveu períodos marcadamente nacionalistas, vivia-se no Brasil de 1984 um momento em que o sentimento de nação se fazia muito presente, resultado do importante movimento social por eleições diretas que ficou conhecido pela palavra de ordem “diretas já” e o término da fase dos governos militares. O movimento pelas “diretas já” atingiu praticamente todo o país e todos os setores sociais e foi um dos mais importantes movimentos de amplos setores da sociedade civil nos anos da chamada “redemocratização”, só comparável à movimentação social e política em torno da exigência de “impeachment” ao governo Collor de Melo, nos anos 92/93.
Novas Alianças, Novos Horizontes
O crescimento das escolas de samba e, portanto, das exigências de sua estrutura continua gerando novas necessidades orçamentárias e demandando novas articulações sociais, com empresários e demais setores da sociedade
O intercâmbio com escolas do Rio de Janeiro, será uma constante a partir da década de 80, mesmo porque o “modelo” Rio de Janeiro influenciará muito as escolas de samba locais, sempre alternando com a busca da autenticidade, que será uma das características do carnaval de Florianópolis até meados da década de 90: buscar resistir a partir da clareza sobre as conseqüências do “gigantismo” e da inadequação do modelo Rio de Janeiro em sua totalidade no carnaval local e ao mesmo tempo espelhando-se na estrutura estética e organizativa das escolas cariocas.
Outro aspecto do "gigantismo" é o atraso e a reticência cada vez maior do poder público, simbolizado pela Secretaria de Turismo, em ceder e repassar verbas, Em Florianópolis esta mudança não ocorria por acaso: o Estado havia passado, nos últimos 50 anos por transformações históricas, desde o cunho populista que marcou a década de 30, ao estilo neoliberal dos anos 90, passando pelas chamadas "Frentes Populares" oriundas da aliança entre partidos de esquerda. Esta diversificação do Estado resultará em distintas posturas em relação às suas ações e, especificamente, na questão crucial que estamos abordando: o financiamento dos desfiles.
Existe ainda o fator da vinda de centena de paraguaios, uruguaios e principalmente argentinos, que nas décadas de 80 e início de 90 virão maciçamente na época de verão a Florianópolis, caracterizando um verdadeiro fenômeno turístico até meados dos anos 90 quando estas incursões recrudescerão, em função da valorização da moeda nacional e dos custos elevados do turismo na ilha.
Como salientou PELUSO JR.[6], o notável crescimento populacional de Florianópolis no perímetro urbano ocorreu no período de 1950-60; a partir daí os antigos moradores dos morros começariam a sentir as conseqüências da imigração desordenada para uma cidade cuja lógica seria excludente dos mais pobres.
Segundo AZEVEDO "os estereótipos raciais e nacionais são juízos de valor, sob a forma de representações mentais que indivíduos de um grupo humano fazem dos membros de outras raças que de ordinário baseiam-se em impressões... ou em conhecimento incompleto e imperfeito". "O estereótipo muda com o tempo e responde à situação econômica e política do momento" [7]. Isto significa que, muito da credibilidade conquistada nas décadas de 50 e 60 pelas classes populares de origem negra de Florianópolis, através de suas entidades associativas, como as escolas de samba, sofrem sérios revezes e encontram-se diante de graves impasses quando enfrentam situações de crescimento desordenado da população e do agravamento dos conflitos sociais em que o estereótipo racial e social negativo é reforçado.
Conscientes de suas possibilidades, as classes populares lutam para manter suas entidades associativas e a escola de samba é fundamental como atesta esta resposta à questão “o que o morro pode oferecer à cidade?”: "Trabalhadores. O melhor está no morro. Alegria, escola de samba, carnaval é do morro".[8]
Na verdade, nesta época as escolas de samba passam por um momento de afirmação de suas identidades:
Participação ou gigantismo: o desafio do crescimento turístico
O ano de 1989 é o ano de inauguração da Passarela do Samba, “Nego Querido” com 770 metros de extensão. A mudança do desfile para a Passarela será outro “divisor de águas” entre os sambistas. Esta alteração colocará em discussão a participação popular no carnaval e com ela, a autenticidade do carnaval como manifestação pública popular à qual todos tem acesso como atesta a declaração do coordenador do carnaval de rua José Nicodemo A declaração do carnavalesco Schneider revela claramente as estratégias de afirmação das emergentes escolas de samba locais: "É o marketing que impressiona, que deixa marca. E nós viemos para deixar uma marca"[9].
Uma declaração do publicitário Júlio Pacheco revela a potencialidade das escolas de samba como veículo de mídia publicitária e de formação de opinião pública: "É (a escola de samba) uma forma de fixar a imagem junto ao público, de participar junto a comunidade; o carnaval é engrandecedor do turismo da ilha e os empresários já vem aí possibilidade de fixar suas marcas, seus produtos"[10]. Mas, apesar do reconhecimento dessa potencialidade, os dirigentes das escolas de samba continuam vivendo imensas dificuldades para organizar o desfile,
Um acordo RBS-Setur para o ano de 1990, garante o financiamento do desfile em troca da exclusividade de transmissão para a Rede de Televisão, dando continuidade à parceria entre iniciativa privada, poder público e entidades carnavalescas iniciada no ano anterior, quando o poder público comprometia-se a garantir as obras da recém-criada Passarela do Samba Nego Querido e a RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação) propunha-se a assumir as transmissões televisivas. O tema da participação da iniciativa privada, sempre presente, assume mais força com a discussão aberta através dos Meios de Comunicação de Massa. A visão empresarial do desfile das escolas de samba que o apresenta como “mercadoria vendável” e potencial “fonte de renda” será um tema constante que “dividirá as águas” no Mundo do Samba e acabará predominando em poucos anos.
Outro fenômeno que chama a atenção neste ano é a presença, antes esporádica, agora maciça de profissionais do Rio de Janeiro na organização dos desfiles, resultado da tentativa das escolas de cada vez mais assemelharem-se ao modelo carioca, aproximação que não ocorre sem conflitos inicialmente, mas que, aos poucos vai sendo assimilado pelas escolas de samba locais.
Para 1992, a Passarela do Samba tem uma capacidade de público de 5.600 pessoas. A exemplo do Secretário de Turismo em anos anteriores, o administrador da Passarela garante programação de show populares e manifestações da ilha, visando superar o abandono em que se encontra. Entretanto, isto não ocorrerá e o abandono e necessidade de restaurar a Passarela antes dos desfiles será uma constante nos anos seguintes.
Produtos turísticos e culturais: modelos em xeque
O ano de 1992 é encerrado com o “ïmpeachment” do Presidente da República Collor de Mello, acusado de corrupção passiva. Resultado de um crescimento rápido e uma sobreposição artificial do “modelo Rio de Janeiro”, a maioria das escolas sofre revezes por não conseguir adaptar sua estrutura anterior às novas exigências do “carnaval-produto” turístico e de mídia. Um exemplo disso é a Copa Lord, que passou dois anos sem desfilar, devido às dívidas assumidas pelo carnaval de 1990. Para recuperar-se, realizou promoções durante todo o ano em sua sede social no Morro da Caixa. Segundo dona Uda Gonzaga, a diretora financeira da escola, uma parte da renda possibilitou organizar o carnaval de 93 e pagou algumas dívidas.
Esta crise era previsível. Afinal, se o Rio de Janeiro é a proposição- modelo do desfile como produto turístico e cultural e Florianópolis inspira-se bastante neste modelo, a estrutura econômica entre as duas cidades é completamente diferenciada. Em primeiro lugar, pela presença dos “bicheiros” na estrutura da escola de samba carioca, o que lhe proporciona base econômica sólida; em segundo lugar, pelo enorme volume de capitais que gira a indústria do turismo da “cidade maravilhosa”, completamente diverso da ainda incipiente indústria turística local. Resultado deste descompasso entre proposta de desfile e infra-estrutura econômica, a tônica da organização do carnaval deste anos será a busca de financiamento e de autonomia em relação ao poder público. Algumas iniciativas alternativas contribuem para o financiamento das escolas de samba de Florianópolis neste ano: em troca da divulgação constante dos ensaios e “clipes” das escolas nos meios de comunicação, as televisões estão livres de pagar o direito de transmissão. Também neste ano a iniciativa privada participa do financiamento dos desfiles, através da Lei Rouanet que permite às empresas debitar do Imposto de Renda os recursos aplicados em projetos culturais[11]. O BESC (Banco do Estado de Santa Catarina) destina grandes quantias de dinheiro para escolas de samba e Grandes Sociedades. Outras alternativas, consideradas “muito cansativas” foram tentadas (como rifas), mas sem muito resultado. A loteria “raspadinha” também foi cogitada para ajudar nos gastos. A ASSECAF (Associação das Entidades Carnavalescas de Florianópolis) e a recém- reativada LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba) participam das reuniões para discussão e viabilização do carnaval, mas a Prefeitura assume somente os gastos com reformas na Passarela. O Secretário de Turismo Ugo Dickhuber aponta a tendência do poder público que se verificará em outros locais do Estado de Santa Catarina: "A partir deste ano eles (os carnavalescos) vão promover eventos e procurar o apoio de empresas para arrecadar fundos"[12]. Fazendo uma análise de 1992, o Secretário declara: “Em 92 a Prefeitura gastou o que não podia para oferecer um carnaval de elite com preços lá em cima para meia dúzia e de pessoas e com a Passarela em péssimo estado de conservação. Este ano o preço será simbólico - menos do que um cerveja[13]". Entretanto as dificuldades financeiras continuam, como a falta de barracões para montagem dos carros alegóricos e ensaios.
Alguns comentários nos jornais atestam que o desfile das escolas de samba continua sendo a grande atração do Carnaval e mesmo da ilha. A tônica das discussões que envolvem a decisão sobre o desfile será a defesa do “Carnaval” como um valor máximo, integrador e democratizante, o que será melhor analisado no capítulo III. Por enquanto, vale citar uma declaração nos jornais que atesta a luta pela valorização do carnaval enquanto festa popular concomitantemente a suas possibilidades turísticas e mercadológicas, confirmando a convivência de noções como autenticidade, profissionalização e indústria cultural no carnaval de Florianópolis: "Buscaram outros eventos alternativos como a Festa da Tainha, Café, Mandioca, Marisco, Sertaneja, Country e uma tal Florifesta, porém tudo terminou num grande fracasso. Se o Carnaval como festa popular sobrevive mesmo sem receber os devidos cuidados é por ser um produto forte, a merecer melhor tratamento cultural...O produto Carnaval oferece farta oferta de mão-de-obra mesmo a não-especializada no período e no comércio local gira milhões de cruzeiros, além do envolvimento da população em torno da festa” (grifo meu)[14].
Nos anos 90, a tônica será a relação Poder Público e escolas de samba, evidenciada nos dois extremos expressos nos anos de 93 e 94, este último sem o apoio do poder público aos desfiles. O desenrolar do processo de negociação entre escolas de samba, entidades organizativas das escolas de samba e Prefeitura é uma excelente síntese para se entender os principais “nós” de estrangulamento dos impasses das escolas de samba atualmente, em torno do que se convencionou chamar “carnaval espetáculo”, produto turístico e cultural.
No ano de 1993, a Prefeitura Municipal expressa abertamente a necessidade de autonomia das escolas de samba e do desvencilhamento do poder público deste tipo de responsabilidade: para os próximos anos a Prefeitura propõe-se a assumir apenas a infra-estrutura para os desfiles. A imensa maioria dos dirigentes das escolas de samba, bem como os participantes e a opinião pública em geral, estão de acordo com este ponto de vista. Entretanto, veremos que a construção da autonomia não é um processo simples: ao contrário, esbarra na ausência de maturidade política de ambos - financiados e financiadores - que implica na construção de propostas alternativas de largo prazo. Que o carnaval é importante fonte de renda, atestam os dados expressos pela lotação dos hotéis: "Tradicionalmente é a semana do carnaval que atraia o maior número de turistas para Florianópolis, e este ano não será diferente"[15]. Inserida no contexto do Mercosul, o poder público investirá esforços no sentido de tornar Florianópolis a “capital turística do Mercosul” e, segundo o prefeito, o carnaval é um dos esteios desta meta de médio prazo. “É a confirmação da capital como pólo turístico do Mercosul. O melhor carnaval popular”[16]. Apesar da declaração de intenção do poder público de relevar o carnaval como investimento, os incentivos concretos demonstram que o tipo de promoção turística a ser feita dependerá muito da capacidade de pressão dos diferentes grupos sociais, que vão desde o empresariado dos balneários, setores oriundos dos extratos médios da sociedade (que demandam opções culturais de alcance específico como festivais de teatro, etc.), passando pelo chamado “Mundo do Samba”.
Responsabilidade do Poder público no turismo cultural: ainda um desafio
Embora o Poder Público admita as possibilidades da exploração turística da cidade, isto não significa necessariamente que abrirá espaço para os desfiles das escolas de samba, apesar de seu reconhecido potencial turístico. Conseguir implantar os desfiles das escolas de samba como atração turística da cidade significa a vitória de uma visão de cultura e de turismo que valoriza a cultura popular de origem afro-brasileira que historicamente, em Santa Catarina, sempre disputou espaço com o estereótipo difundido de “estado mais europeu do país”. Em Florianópolis, especificamente, a cultura afro-brasileira disputa espaço com a cultura de origem açoriana, objeto privilegiado dos folcloristas e imagem preponderante do turismo local, ao lado das praias. As imagens da “rendeira”[17] e do pescador artesanal preponderam no material de divulgação turística da cidade em detrimento das manifestações afro-brasileiras, como os desfiles das escolas de samba, embora não haja nenhuma incompatibilidade entre elas; ao contrário, os brancos pobres, de origem açoriana e os escravos negros representam a base da formação cultural local.
Um dos desafios que enfrentam neste momento as escolas de samba para sua sobrevivência em face do modelo “espetáculo” adotado é traçar estratégias de captação e potencialização desses recursos junto aos setores empresariais. Numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o publicitário Nizan Guanaes da DM9 (agência que tem a conta da Antarctica), garante que no ano seguinte a cervejaria vai investir no carnaval de Florianópolis[18]. Se a escola de samba emerge de ambientes sociais marginalizados e consegue impor-se às custas da construção de um processo de hegemonia cultural, suas alianças políticas, entretanto, não avançarão muito além da relação paternalista com o Estado e em alguns casos com a iniciativa privada. Conjugar interesses com a iniciativa privada e com o Estado, propor formas de “participação nos lucros”, estabelecer canais de diálogo ainda são estratégias embrionárias para as escolas de samba de Florianópolis e para uma possibilidade de pensar o turismo educativo e cultural comunitário local.
No início dos anos 90, a Prefeitura ensaia dar os primeiros passos de seu desligamento como força econômica estrutural dos desfiles das escolas de samba. Este desligamento terá seu ápice no ano de 1994 quando o Poder Público se recusa a financiar os desfiles e as Associações de Escolas de Samba, principalmente a LIESA, acusam o Prefeito de desinteresse pela gestão dos recursos junto às empresas. Alegando escassez de verbas neste ano de 1993 , o Poder Público veta o apoio financeiro à decoração das ruas, investindo somente na iluminação dos espaços, mas ainda garantindo apoio aos desfiles. Propõe-se a organizar e garantir infra-estrutura para os bailes públicos de rua: em frente à Catedral, na Praça XV, em frente ao Clube Roma, na avenida Hercílio Luz e na praia do Pântano do Sul, no sul da Ilha. Algumas atividades tradicionais também continuam garantidas: uma delas é a escolha da Rainha do Carnaval de Florianópolis[19], que se renova anualmente. Interessante notar que etnicamente a raça negra passa a predominar nestes concursos: tanto no número de concorrentes quanto nas vitórias das candidatas, consolidando ainda mais a hegemonia, que até poucos anos atrás se perpetuava nas candidatas da raça branca.
A luta pela autonomia desenvolve nas escolas de samba diversas formas de arrecadação de recursos; uma delas é a realização de promoções culturais nos finais de semana na sede da escola. Esta declaração exprime o crescimento das instâncias administrativas das escolas: como explicitamos anteriormente, a alteração da função e das expectativas em relação aos desfiles implica necessariamente em alteração das funções administrativas. Racionalizar, planejar, são ações que passarão para o primeiro plano das preocupações das escolas de samba,
Após os desfiles de 1993, algumas mudanças começam a ocorrer: a Prefeitura, conforme vinha anunciando, confirma que não financiará os desfiles em 1994. O Secretário de Turismo alega que “chega de paternalismo”[20] e sugere a fusão das Grandes Sociedades com as escolas de samba. A orientação predominante das discussões em jornais e no Mundo do Samba em torno da polêmica questão do financiamento das escolas de samba é "sem paternalismos mas com o apoio do poder público" entendendo-se apoio do poder público como intermediação nas gestões junto à iniciativa privada para captar recursos, sendo citado inúmeras vezes o exemplo do Rio de Janeiro quanto à sua autonomia do poder público e apoio de "setores privados" a estrutura das escolas.
Os desafios da autonomia do turismo educativo e cultural
Na verdade, esta consciência da problemática expressa pela sambista já está presente nas escolas de samba, tanto que grande parte delas promove eventos em suas sedes visando a arrecadação de recursos. Entretanto, estes eventos são totalmente insuficientes para cobrir os gastos necessários com os desfiles, segundo os dirigentes.
Embora o coordenador do carnaval de Rua de 1994 José Nicodemo Ribeiro, garanta que "a tônica da festa será a democracia de espaços e ritmos"[21] e a Prefeitura invista numa estrutura do carnaval de rua, o que se viu foi que as escolas de samba continuaram confirmando sua presença como carros-chefes do carnaval: com sua ausência, o carnaval foi um dos mais “sombrios” como define o jornal: "poucas pessoas nas ruas... comerciantes com cara de enterro...o palco montado pela Prefeitura em frente a catedral estava vazio, com caixas de som tocando a mil...para público nenhum...O guia turístico Rudinei Azevedo disse que a falta dos desfiles das escolas de samba afugentou os turistas... a empresa Santo Anjo bateu recorde de venda de passagens para Laguna... A falta dos desfiles nos ajudou, disse o balconista da empresa"[22].
Para justificar esta secundarização, a Prefeitura menciona pesquisa desenvolvida pela SANTUR que “prova” a ineficácia do carnaval das escolas de samba como investimento turístico. Entretanto, quando o poder público superdimensiona o carnaval apenas como “investimento turístico”, está deixando de lado todo o aspecto organizativo e comunitário das escolas de samba, cuja existência desde 1948 em Florianópolis já comprovou largamente sua consagração e reconhecimento como manifestação cultural legítima e fundamental, não só a nível local, mas a nível de Brasil; até mesmo como investimento turístico, como já foi demonstrado anteriormente pela avaliação dos hotéis. Afinal, o carnaval de 1994 que não apresentou as escolas de samba, teve como resultado o esvaziamento completo da cidade, conforme declaração das próprias empresas de ônibus interurbanos e aumentou o fluxo de saída para outros carnavais, como Laguna, por exemplo. Acrescente-se a isso o fato de que as escolas de samba são hoje uma instituição nacional, símbolo mundial da brasilidade, como foi demonstrado no capítulo I. Historicamente, está mais do que demonstrado que as escolas de samba são forças culturais organizativas populares significativas no país, que articulam importantes setores da sociedade civil, fato a ser considerado quando do estabelecimento de prioridades por uma Prefeitura que baliza sua atuação pelo aspecto “popular” e que proclama a democratização do direito ao lazer e à cultura.
Ironicamente, neste mesmo ano, enquanto os desfiles eram cancelados em Florianópolis sob a alegação de outras prioridades sociais, as escolas de samba locais ajudariam a promover as relações internacionais da cidade quando a Prefeitura da cidade francesa de Saint-Etienne financia a viagem de um grupo de foliões da Consulado para ir à França “ensinar” e “organizar” uma escola de samba. A partir destes contatos Florianópolis e Saint-Etienne tornam-se “cidades irmãs”, "uma demonstração de que as duas comunidades não são irmãs apenas de maneira protocolar mas exercem de fato o intercâmbio artístico cultural e econômico que caracteriza suas relações. O evento estará a partir deste ano definitivamente incorporado ao calendário turístico de Saint-Etienne.. Isto significa que Florianópolis deverá estar presente nos espetáculos dos próximos anos”[23]. O aspecto irônico da questão não fugirá à jornalista Patrícia Márcia que abre a matéria falando da viagem dos foliões com a frase: “Quem diria! Florianópolis nem teve e já está exportando"[24].
Quando a voz do morro incrementa o turismo
O ano de 1995, é marcado pelo clima de euforia e otimismo com a reconstrução do carnaval de Passarela e de “reconciliação” entre o Mundo do Samba” e o Poder Público expresso na afirmação do colunista Cacau Menezes: "E nada mais verdadeiro do que o famoso samba que diz: Quando derem vez ao morro toda a cidade vai cantar".[25] Com a aproximação dos desfiles de 1995, as relações arranhadas entre Prefeitura e escolas de samba já estão amenizadas. Em carta publicada nos jornais, os dirigentes da LIESA e ASSECAF pedem a efetivação do secretário Homero Gomes, como titular da A Prefeitura também arca com um terço das despesas, complementadas pela comercialização das lixeiras e pela RCE/CNT. Numa atitude de autocrítica sobre o cancelamento dos desfiles no ano anterior o secretário de turismo Homero Gomes admite: "A Prefeitura não aceitou pagar o carnaval e não procurou outra alternativa e as escolas também não se mobilizaram Confirmando a “vocação” turística do Carnaval, cujos acontecimentos de 1994 haviam provado que o carro chefe são as escolas de samba, os jornais noticiam a duplicação da população de Florianópolis na época do carnaval. [26]
A opinião geral não poupou elogios às escolas de samba. Rapidamente começa a crescer o prestígio da Prefeitura, atestando a força política das escolas de samba, agora não só pela participação de significativos segmentos oriundos das camadas populares, seus iniciadores, como também pelo apoio e participação dos extratos das camadas médias e mesmo altas, no caso dos desfiles: “O sucesso do Carnaval transformou o prefeito de vilão em herói. Grando foi cumprimentado até nos camarotes onde estava a elite da cidade que se acostumou a falar mal de sua administração”[27].
O jornalista Moacir Pereira declara a respeito dos desfiles: "No meio de tanta subserviência aos poderosos... tanta bajulação oficial... destruição de valores culturais pelas redes nacionais de televisão, o Carnaval surge como uma exceção a valorizar o que as comunidades tem de mais criativo e positivo. Os enredos costumam buscar figuras... que marcaram não pelo poder político mas por suas qualidades... pessoais...Só as comunidades mais organizadas, como aquelas...nos municípios de colonização germânica...mantém praticamente inalterados estes valores culturais dos antepassados. O ressurgimento do carnaval em Florianópolis...tem este componente político fortíssimo porque vem aliado ao esforço coletivo...exemplos magníficos de dedicação ao próximo, das formas mais variadas" (grifo meu). Os resultados políticos e sociais dos desfiles não escapam à observação arguta do jornalista: “O governo municipal fatura, a cidade fica mais conhecida, o turismo melhora, os habitantes passam a usufruir, direta ou indiretamente dos benefícios da maior festa popular do país...A administração popular do prefeito tem assim, se correr tudo bem até o fim da festa, uma prova de que a população quer atrações organizadas e presença competente do governo do município”[28].
Considerações finais: a convivência intercultural através do turismo
Como atividade turística educativa e cultural as escolas de samba de Florianópolis tem muitos desafios a conquistar e barreiras a superar: autonomia, autenticidade, credibilidade, preconceito, etc. As possibilidades são inúmeras, entretanto, o rumo será decidido pela conjugação de forças e capacidade de exercício de hegemonia que os diferentes segmentos em questão sejam capazes de solidificar. As escolas de samba passam à história da cidade como uma ferramenta preciosa de construção da cidadania das classes populares de origem negra e como uma oportunidade formidável de dinamizar o crescimento do turismo educativo e cultural, a grande possibilidade da atividade turística que está apontada neste III milênio, que vem atraindo mais e mais pessoas, que desejam algo mais do que o mero deliete, ou a atividade de lazer predadora e consumista, e que buscam o turismo como fonte de conhecimento prática da convivência intercultural na diversidade. Possibilidade cidadã através da prática turística será o resultado da combinação de múltiplos fatores, dos quais a questão cultural é um dos esteios principais para se pensar em transformações essenciais, além da superfície dos estereótipos raciais e sociais e para uma possibilidade de pensar o turismo educativo e cultural comunitário no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Thales de. Cultura e Situação no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. 148 p.
. Carnaval, reflexões II. Cadernos do Centro de Estudos Rurais e Urbanos, Iª série, n.11, p. 67-76. São Paulo, 1978.
PELUSO JR., Victor Antonio. Estudos de Geografia Urbana de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC; Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, 1991. 396 p.
. O crescimento populacional de Florianópolis e suas repercussões no plano e na estrutura da cidade. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Florianópolis, 3ª fase, n.3, p. 7-43. 1981.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval brasileiro. O vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1992. 237 p.
. Escolas de samba do Rio de Janeiro ou a domesticação da massa urbana. Cadernos do Centro de Estudos Rurais e Urbanos, IIª série, n.1, p.7-35. São Paulo, 1985.
SODRÉ, Olga. Lazer e cultura no processo democrático. Boletim de Intercâmbio, Rio de Janeiro: SESC, v.4, n.13, 1983. p.20-30.
SOUZA, Eronildo Crispim de. Estudo da estrutura interna e das relações socio-espaciais da Comunidade do Mont Serrat. Florianópolis, UFSC, 1992. Monografia ( bacharelado em Geografia) - Curso de graduação em Geografia, Universidade Federal de Santa Catarina, 69 p.
TRAMONTE, Cristiana. O samba conquista passagem. As estratégias e a ação educativa das escolas de sabma. Petrópolis: RJ, Vozes, 2001
Periódicos
Jornal Diário Catarinense. Florianópolis, SC.
Jornal A Notícia. Joinville, SC
Jornal O Estado, Florianópolis, SC.
Jornal Zero. UFSC, Florianópolis, SC.
[1]1991:319
[2]PELUSO JR, 1991:321
[3]PELUSO JR, 1991:331
[4]1991:344-345
[5]1983:24
[6]1991
[7]AZEVEDO, 1966
[8]SOUZA, 1992, mimeo.
[9]Transmissão televisiva no primeiro dia de carnaval.
[10]Imagens televisivas gravadas nos dias dos desfiles de 1989.
[11]Segundo artigo no jornal, mais de vinte empresas já estariam sensibilizadas para a participação, entre elas a Brahma, Coca-Cola, Banco Bamerindus e Arisco. DIÁRIO CATARINENSE, 8/11/92. SCARDUELLI, Paulo. Recursos serão de Cr$ 2 bilhões.
[12]A NOTICIA, 16/1/93
[13]A NOTICIA, 16/1/93
[14] O ESTADO, 22/1/93 ,SIMÕES, Aldírio. Carnaval, um bom produto.
[15]O ESTADO, 16/1/93
[16]Prefeito Sérgio Grando em entrevista a O Estado em 20 e 21/2/93. Parlamentares e governadores do Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil reuniram-se em Florianópolis em novembro de 1993. "Nesta reunião o prefeito Sérgio Grando conseguiu viabilizar a tese de Florianópolis como capital turística do Mercosul". DIÁRIO CATARINENSE, 13/11/93
[17]Denomina-se "rendeira"a mulher que faz renda de bilro, uma tradição açoriana.
[18]Conforme nota publicada em O ESTADO, 25/2/93
[19]São quesitos considerados para a eleição da “rainha”: samba no pé, comunicabilidade, beleza, simpatia, extroversão, charme e espírito carnavalesco.
[20]DIÁRIO CATARINENSE, 28/2/93. POGLIA, Tarcísio.
[21]O ESTADO, 6/1/94. BIANCO, Nilva.
[22]O ESTADO, 15 e 16/2/94
[23]O ESTADO, 22/5/94. DAMIÃO, Carlos.
[24]Jornal Zero, junho 94.
[25]DIÁRIO CATARINENSE, 22/2/95. MENEZES, Cacau.
[26]DIÁRIO CATARINENSE, 24/2/95
[27]DIÁRIO CATARINENSE, Diário do Carnaval, 28/2/95. Opinião, pág.2.
[28]O ESTADO, 27/2/95.
Buscar en esta seccion :