"UMA PROPOSTA DE TURISMO CULTURAL  NOS CAMPOS GERAIS "

Autora: PEREIRA JORGE, Maria Augusta – Professora Mestre

Instituição: Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná - Brasil

É inegável a vocação turística do Brasil. As belezas naturais existentes, principalmente na extensa faixa litorânea, são amplamente exploradas para o turismo de lazer e de entretenimento. Nas últimas duas décadas, o poder público e a iniciativa privada vêm procurando diversificar ações, voltadas para outros segmentos do mercado turístico brasileiro. O turismo de saúde, de aventura, de negócios, de eventos, esportivo, cultural, científico, para a terceira idade, entre outros, são nichos de investimento do ramo turístico em todas as regiões do país.

O turismo de cultura ou de conhecimento é um segmento com grande potencial no Brasil. Com exceção de algumas cidades históricas em Minas Gerais, em Pernambuco, no Rio de Janeiro, na Bahia ou no Maranhão, o investimento em empreendimentos turísticos de sol e mar, tem sido priorizado. De uma forma geral, alguns estados brasileiros não despertaram, ainda, para o potencial do patrimônio cultural como fator de desenvolvimento, que pode ser transformado em produto turístico para atender à demanda existente, a qual procura os fazeres e saberes cotidianos, o modo de ser, o linguajar, a gastronomia que formam, entre outros, o capital antropológico de uma sociedade, merecedor de estudos e de preservação.

Nesse sentido, a preservação de bens culturais (conjunto de toda a produção material e imaterial do homem), torna-se fator determinante para o conhecimento dos grupos humanos e de sua identidade, garantindo o desenvolvimento do turismo cultural que “assenta-se justamente na busca de tudo aquilo que convencionamos chamar de patrimônio histórico, artístico e cultural” (SANTOS, p. 03, s.d.).

As manifestações culturais das grandes cidades e/ou dos pequenos lugarejos representam os contrastes que deixam marcas indeléveis, tornando-se um atrativo turístico de categoria, já que “há, na atualidade, uma nítida tendência para a viagem cultural (…) onde se incluem os conhecimentos sobres as manifestações históricas, artísticas, arquitetônicas, religiosas, gastronômicas, ecológicas e outras” (LAGE, MILONE, 1995, p. 22). Essa tendência vem fazendo do turismo cultural uma realidade que desponta no século XXI.

O turismo cultural, que tem a sua origem a partir do desenvolvimento dos meios de transportes e da consolidação da burguesia no início do século XIX, começa a mudar nos anos 50, após o término da 2ª Guerra Mundial, quando o desenvolvimento tecnológico e as transformações sociais fortaleceram o crescimento da classe média. A reconstrução das cidades destruídas pela guerra possibilitou uma associação de resgate de identidade e nacionalismo político nos povos europeus que ficou latente quase até o final do século XX, por conta da chamada “guerra fria” entre os Estados Unidos e a União Soviética.

Com a formação da União Européia esse tipo de associação, de acordo com Santana[1], "auspicia os nacionalismos políticos como ente diferenciador e vinculante (.) que potenciam a recuperação, o olhar para as origens, o resgate daqueles elementos patrimoniais e com eles, o esforço de uma identidade.". Dessa maneira, o turismo cultural, histórico e étnico está sendo considerado, desde a última década do século XX, como uma diversificação de oferta em relação ao turismo de praia e de sol, visto que o turista europeu que, em geral, já visitava museus e galerias de arte em suas viagens, está buscando agora o pitoresco, as características tradicionais, o passado, a história das localidades, procurando conviver com a população e entender o seu cotidiano. 

No Brasil, o turismo cultural vem sendo incentivado como forma de possibilitar, principalmente ao turista brasileiro, a percepção não só de que existe um grande potencial para o turismo de lazer e entretenimento, do qual o extenso litoral é o exemplo, como também de que existe uma nova vertente a ser explorada: o turismo de conhecimento, de informação “já que não se pode mais compreender a atividade turística sem associá-la à utilização sustentável do patrimônio histórico, cultural e ambiental”.[2]

Nesse contexto, não se pode esquecer a história do Brasil que, por suas raízes, tem como registro inúmeras construções centenárias. Esses conjuntos arquitetônicos têm sido alvo dos olhares dos governos municipais e estaduais, pois estão em evidência as discussões sobre a preservação do patrimônio cultural e a conseqüente efetivação do processo, o qual vem sendo consignado como “politicamente correto”.

Uma problemática, que também vem sendo discutida diz respeito à utilização dos espaços restaurados, uma vez que “a revitalização de bens culturais arquitetônicos, geralmente acaba elevando a qualidade de vida de seus usuários (...) é o que de nossa parte, chamamos  de preservação ativa do bem patrimonial” (PELLEGRINI, 1997, p.109).

É uma nova visão para a função e utilidade do bem patrimonial preservado que deve ser concretizada como atividade planejada, já que “... o turismo cultural com base em centros históricos revitalizados contribui não só para o incremento ou captação de recursos financeiros como estimula a preservação de edifícios, garantindo-lhes seu uso original ou adaptando-os a novas funções...” (COSTA, 1995, p. 25-26).

No Brasil, a idéia de patrimônio e preservação configura-se oficialmente, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, em 30 de novembro de 1937, com a participação de intelectuais como Mário de Andrade, que dirigia o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo e já desenvolvia ante-projetos com o intuito de criar uma política oficial preservacionista.  O Governo do Paraná instituiu a Lei de Preservação e Tombamento, em 1953 e todavia, apesar da existência da legislação, o Estado carecia de políticas públicas que legitimassem as ações de proteção ao patrimônio. Os tombamentos em edificações, monumentos, áreas ambientais eram esporádicos e não seguiam uma regra comum.

Na gestão governamental 1991/1994, a Secretaria de Estado da Cultura do Paraná desenvolveu, em conjunto com as prefeituras municipais, um cadastramento dos principais bens culturais do Estado, com o objetivo de orientar os estudos e os processos de preservação e restauração de antigas casas, prédios e monumentos existentes, que refletiam a história dos paranaenses nos municípios mais antigos. Tais ações foram incentivadas e, na grande maioria, concretizadas com o apoio indispensável da comunidade. Mesmo assim, os poderes públicos, visando ao crescimento econômico pela atividade turística, voltaram as ações principalmente para o patrimônio natural, numa franca e evidente falta de percepção da importância do patrimônio histórico na mesma vertente.

Dentro desse contexto, foi elaborado um projeto de pesquisa que resultou em Dissertação de Mestrado junto ao Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria, da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – em Santa Catarina. A pesquisa se desenvolveu  enfocando a região dos Campos Gerais, no Estado do Paraná, já que o interesse pelo assunto está diretamente ligado às questões de interpretação da realidade desta região, onde as políticas públicas ou privadas dos municípios procuram, de algum tempo, impulsionar o turismo por meio dos atrativos naturais existentes. Entretanto, isso vem acontecendo com menor ou nenhum direcionamento de estudos para a viabilização e valorização do espaço histórico enquanto atividade turística, pelo conjunto de igrejas, palacetes, sobrados, prédios públicos, museus, residências, sedes de fazendas, construções quase ou centenárias,  atividade essa que pode tornar-se economicamente rentável.

Tal realidade proporcionou questionamentos sobre a possibilidade de desenvolvimento do turismo cultural em algumas das cidades do Paraná, que possuem raízes históricas semelhantes, a partir do movimento do tropeirismo[3] que contribuiu para a fixação humana e o conseqüente povoamento da região.

O Estado do Paraná está inserido no contexto da região sul brasileira, não só no aspecto político-geográfico, mas principalmente pelas raízes históricas do processo de colonização, com outros dois estados: Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A fixação humana foi se efetivando na região interiorana com o movimento dos tropeiros, os quais se dirigiram para o sul do Brasil, em busca do gado existente e disperso pelos campos do Rio Grande do Sul,  por conta da destruição das reduções jesuíticas, para iniciar a criação de rebanho ou mesmo para vendê-lo nas feiras do interior paulista, em Sorocaba. Esses viajantes foram os responsáveis pelo surgimento de pequenos núcleos urbanos ao longo dos caminhos que iam sendo percorridos.

Um dos caminhos mais conhecidos - o Caminho do Viamão - que entrava pelo sul do Estado do Paraná, foi tracejado pelos tropeiros e possibilitou o aparecimento das cidades de Rio Negro, Campo do Tenente, Lapa, Porto Amazonas, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul, Jaguariaíva e Sengés. “Por onde passavam as tropas caminhava também o povoamento (...) tiveram origem em antigas fazendas, pousos e currais das tropas que passaram pelo Paraná” (WESTPHALEN, apud LAVALLE, 1983, p.3).

Apesar da semelhança em suas origens, essas cidades se desenvolveram de maneira diferenciada e com singularidades expressivas, pelo fato de algumas terem recebido a contribuição cultural de imigrantes de diversas etnias, que começaram a chegar à região no final do século XIX.

Outro fator de similaridade foi o despertar da consciência coletiva para a preservação dos bens edificados, por meio dos governos municipais e/ou de ações isoladas de particulares, apoiados pela Coordenadoria do Patrimônio Histórico Cultural da Secretaria de Estado do Paraná, com o tombamento de edificações de relevante importância para a memória histórica das comunidades.

Num primeiro momento se entende que o processo de preservação da memória deve atingir a comunidade na qual está inserido o bem patrimonial, visto que “... o desconhecimento das comunidades do seu patrimônio histórico e cultural, como valor fundamental para este tipo de atividade turística, é um dos grandes problemas. Necessário se faz o despertar e a conscientização das comunidades, principalmente aquelas mais interioranas, para o seu próprio potencial” (SANTOS, GOULART, 1998, p.26). Esse potencial para o desenvolvimento do turismo cultural geralmente esta latente, daí a necessidade de incentivá-lo, provocá-lo.

Em decorrência do viés histórico-cultural e tendo como fio condutor o Caminho de Tropas, elo comum que liga as cidades da Lapa, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul e Jaguariaíva, o recorte para a efetivação da pesquisa foi realizado a partir da verificação de que essas cidades possuem potencial real na região, pelo conjunto de edificações centenárias, um significativo patrimônio, “construído como acumulação dos esforços que uma sociedade herda e que vem expressar o crescimento e desenvolvimento de sua capacidade construtiva através do tempo”.[4]

Nesse sentido, a pesquisa foi concretizada na perspectiva de contribuir para a atualização do mapeamento dos bens patrimoniais edificados, determinando as possibilidades de sua utilização como suporte para o desenvolvimento do turismo cultural, bem como levantar dados para a elaboração de um roteiro de turismo cultural, considerando os bens existentes e evidenciando o patrimônio edificado como fundamento potencial de diferencial turístico. 

Para tanto, foi realizado um estudo exploratório, visando a melhor compreensão  do objeto de estudo e a pesquisa de campo foi fundamentada nas relações sociais, que possibilitaram o acesso às fontes primárias e secundárias, concernentes ao patrimônio histórico-cultural dos municípios, de seus bens edificados e de sua localização,  indicando as amplas possibilidades de elaboração do  roteiro turístico.

Deve-se destacar que os municípios que foram alvo da análise, apresentaram diferentes estágios de percepção a respeito de seus bens patrimoniais, como também diferentes dificuldades na fase de coleta do material. Relatórios ou documentos já elaborados, semi-elaborados, ou mesmo sem nenhuma sistematização, exigiram uma verdadeira “garimpagem” para a definição de sua utilização.

A participação dos acadêmicos do Curso de Turismo, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, que realizavam estágios nos Departamentos e/ou Secretarias de Turismo das cidades citadas, foi de máxima relevância, uma vez que, coletando dados, contribuíram na elaboração dos Inventários de Oferta Turística de cada município.

Outras fontes importantes para a pesquisa foram o Projeto “Paraná da Gente, Terra, História e Memória”, realizado pelo Governo do Paraná em 1994, e o Rol de Bens Tombados, da Coordenadoria do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural, da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.

Inúmeros documentos foram consultados nas questões pertinentes à pesquisa, sobre os temas turismo, cultura, patrimônio, história das cidades e do movimento tropeiro no sul do Brasil. Com exceção feita àquelas específicas sobre turismo cultural, uma área ainda com publicação restrita, o acesso às demais publicações, antigas ou recentes, artigos, teses, dissertações que discorrem sobre os temas, foi de extrema importância para a fundamentação teórica do trabalho, que foi definido em três momentos:

1º. - a visão geral demonstrada pelo cenário histórico da formação de seis cidades situadas na região dos Campos Gerais do Paraná, objeto de estudo, e do ciclo econômico do tropeirismo que, com a abertura dos caminhos coloniais, foi fundamental para a criação de novas povoações, além de  incrementar o desenvolvimento de outras, consolidando a integração do território meridional brasileiro;

2º. - a importância do patrimônio histórico como fator de turismo cultural, especificamente o edificado, valorizando principalmente a cidade como produto turístico, já que as edificações foram relacionadas, descritas e registradas, fotograficamente, como testemunhas tangíveis da história e como tal, devem ser sinalizadoras de novas incursões, de cunho científico, sobre as diversas manifestações culturais existentes em cada município, para o incremento do turismo cultural;

3º. – o  resultado final  que se concretizou por meio de uma proposta de roteiro turístico cultural, com mapas de viagem,  de sinalização e dos equipamentos de infra-estrutura (hotéis e restaurantes), que foram relacionados partir do Inventário de Oferta Turística  de cada município.

O roteiro, baseado no antigo caminho de tropas, foi vivenciado pela autora, não apenas com a finalidade de deslocamento para a realização da pesquisa, como também com o propósito de verificação, in loco, do estado de conservação das edificações relacionadas, das distâncias e períodos de viagem entre as cidades.

A pesquisa pontuou, apenas, as edificações históricas de seis cidades da região dos Campos Gerais, na perspectiva de contribuir para que o rico patrimônio cultural existente  se configure, cada vez mais, como fator alternativo em ações estratégicas, alavancando o crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida das comunidades e possibilitando o desenvolvimento de projetos de Turismo Cultural, em toda a sua plenitude.

Referências bibliográficas:

GOULART, M., SANTOS,R.I.C. Uma abordagem sócio-cultural do turismo. Turismo – Visão e Ação, Itajaí, v.1, p. 19-29, 1998.

LAGE, B. H. G., MILONE, P. C. (orgs.). Turismo: Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 2000.

LAVALLE, A. M. Origens de Ponta Grossa. Ponta Grossa:Imprensa Universitária – UEPG, 1985.

LUPORINI, T. J. Lugares da Memória: políticas pela preservação do patrimônio cultural. In: Ciências e Letras, Educação e patrimônio Histórico-cultural, Porto Alegre, n.27, p.205-207, 2000.

PELLEGRINI FILHO, A. Ecologia, Cultura e Turismo. 2ª ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997.

SANTOS, R.I.C, dos. Conhecimento, conscientização e preservação do patrimônio cultural na prática do Turismo.



[1] SANTANA, A., Universidade Laguna, 1998, Disponível em: <htpp//www.equiponaya.com.ar > Acesso em: 12 mai. 2001.

[2] CARVALHO, C. L. de.  Presidente da Embratur, Disponível em: <http//www.embratur.gov.br > Acesso em: 25 abr. 2000.

[3] Viajantes que desde o século VIII dirigiram-se para o sul em busca do gado disperso e selvagem, com o intuito de iniciar a criação de rebanhos como também de comercializar o gado nas feiras de Sorocaba, sendo responsáveis pelo surgimento de pequenos núcleos urbanos ao longo dos caminhos que foram percorridos.

[4] DROPA, M. M. Memória do Patrimônio Histórico Tombado em Ponta Grossa – Paraná. 1999. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho – Campus de Assis –São Paulo, 1999.


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