ILHÉUS, UM CENÁRIO LITERÁRIO, UMA CIDADE TURÍSTICA: O CASO DO QUARTEIRÃO JORGE AMADO *

MENEZES, Juliana Santos

Universidade Estadual de Santa Cruz/Universidade Federal da Bahia

Mestre em Cultura & Turismo

Grupo de Pesquisa Identidade Cultural e Expressões Regionais - ICER

jumenezes2@hotmail.com

Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada seguimento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.

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Deste modo a cidade repete uma vida idêntica deslocando-se para cima e para baixo em seu tabuleiro vazio. Os habitantes voltam a recitar as mesmas cenas com atores diferentes, contam as mesmas anedotas com diferentes combinações de palavras.

Ítalo Calvino

 

O trabalho analisa as imagens de Ilhéus ficcionalizadas pelo escritor Jorge Amado e como elas podem ser utilizadas para a valorização da cultura local e para o desenvolvimento do turismo, agregando significado e valor ao patrimônio reunido no roteiro turístico-cultural Quarteirão Jorge Amado. Discute patrimônio, turismo cultural, cultura e literatura, conceitos que fundamentam a pesquisa. Aborda o patrimônio material de Ilhéus focalizado na obra amadiana e analisa a sua importância para o turismo. Examina a relevância de um planejamento interpretativo para que haja uma relação eficaz entre turismo e patrimônio cultural. A pesquisa parte do pressuposto de que a literatura influencia e é influenciada pela história; e de que o turismo cultural pode andar junto com a sustentabilidade na medida em que se busquem alternativas capazes de contribuir para a promoção do bem estar da comunidade, garantindo a valorização de sua identidade cultural e o fortalecimento da economia. Este estudo conclui que a formatação do Quarteirão Jorge Amado é uma importante iniciativa para a dinamização do turismo cultural. Um planejamento interpretativo que envolva a comunidade, assim como ações que valorizem a cultura do local e a experiência do turista são possíveis soluções para o desenvolvimento de um turismo cultural sustentável.

Palavras-chave: Literatura, cultura, turismo sustentável, preservação, interpretação do patrimônio.

 

 

•  INTRODUÇÃO

 

 

Este trabalho se propõe a oferecer um texto crítico capaz de gerar reflexões sobre a relação patrimônio-cultura-turismo, de maneira que contribua para uma eficaz utilização do patrimônio cultural como atrativo turístico, que desenvolva um turismo cultural sustentável, na cidade de Ilhéus.

Situada na Região Sul do Estado da Bahia, Ilhéus é um dos destinos turísticos mais procurados da região por seu patrimônio natural, que engloba a variedade da vegetação da Mata Atlântica, áreas de manguezais, praias, cachoeiras e lagoas, e por seu patrimônio cultural do qual fazem parte elementos ligados à história das Capitanias Hereditárias, à saga do cacau e ao processo de hibridação cultural que configuraram a identidade da região.

Em decorrência das suas grandes plantações de cacau, Ilhéus foi considerada uma das mais prósperas cidades da Bahia durante toda a primeira metade do século XX. Foi a época dos frutos de ouro, em que os coronéis acumularam grandes fortunas e que pessoas de diferentes lugares vieram para a cidade em busca de melhores condições de vida. Esses migrantes contribuíram para compor uma população marcada pela multiplicidade de etnias, na qual se misturam hábitos, falares, costumes e crenças.

A partir de 1940, a cacauicultura, que era o alicerce da economia da cidade, passou por crises cíclicas relacionadas ora ao empobrecimento dos produtores, ora ao esgotamento da terra ou a situações climáticas inadequadas. Por volta da década de 80, com o aparecimento da praga conhecida como podridão parda ( Citofora Palmivora ) e, mais tarde, da vassoura-de-bruxa ( Crinipelis Perniciosa ) a situação ficou incontrolável e desencadeou grave crise econômica sobre a cidade.

Em função dessa crise, atualmente, tem-se investido em outras atividades como o turismo, a pecuária, a indústria, a piscicultura e a fruticultura, na tentativa de reerguer a cidade economicamente. Ilhéus apresenta grandes potencialidades turísticas, por isso políticas públicas são traçadas para a dinamização do turismo e, simultaneamente, valorizar seus recursos naturais e culturais.

Dentre as potencialidades culturais, aqui é dado destaque à Literatura da Região do Cacau, por seu significativo lugar no panorama da Literatura Brasileira. Autores como Jorge Amado, Adonias Filho, Hélio Pólvora, Cyro de Matos, Valdelice Pinheiro, dentre outros compõem o painel da Literatura Sul-Baiana.

A obra do escritor Jorge Amado tem sido responsável por boa parte da divulgação da cidade, por ter ficcionalizado muito da vida, dos costumes e da identidade da região. Por conta disso, Ilhéus é conhecida mundialmente como Terra de Jorge Amado, Terra da Gabriela e Terra dos Coronéis do Cacau.

Devido a essa projeção, o leitor amadiano tem especial interesse em conhecer a cidade e identificar locais históricos habitados pelas personagens ficcionais. Dentre outras razões, esse interesse tornou imprescindível a preservação do patrimônio cultural. O poder público, em função disso, formatou atrativos turísticos potencializando a imagem e a recepção do escritor grapiúna no cenário mundial.

As imagens da terra de Jorge Amado constituem uma temática de inquestionável relevância por promover reflexões acerca de questões identitárias e culturais, já que, ao ficcionalizar a sua terra, como acontece nos romances Cacau (1933), Terras do Sem Fim (1942), São Jorge dos Ilhéus (1944), Gabriela, Cravo e Canela (1958), Tocaia Grande: A Face Obscura (1984) e A Descoberta da América pelos Turcos (1994), o autor não só deu visibilidade à identidade de sua região, como também foi considerado universal. Daí se afirmar que a universalidade da obra amadiana se dá não apenas por ter sido traduzida em quase cinqüenta idiomas, mas, principalmente, pela maneira particular com que focou a sua terra.

A receptividade da obra amadiana constitui-se ainda razão que justifica a sua abordagem nesta pesquisa, visto que Jorge Amado tem o sucesso de sua obra atestado nas inúmeras reedições e várias transposições para cinema, televisão, música e teatro.

Objetivando discutir a obra e a sua apropriação pelo turismo, este estudo destaca o Quarteirão Jorge Amado, roteiro turístico-cultural, localizado no centro da cidade de Ilhéus, que tem por base as imagens desta cidade ficcionalizadas na obra do escritor grapiúna. O Quarteirão reúne um manancial de elementos culturais, sociais e históricos que particularizam a região, corroborando para a compreensão de sua identidade e para a valorização da cultura local, além de servirem de atrativos intensificadores do turismo da cidade.

No entanto, tem-se observado que parte da comunidade local mal sabe localizar o Quarteirão e quase não conhece as histórias contadas por Jorge Amado, muito menos o seu valor cultural, social e histórico. Isto acaba dificultando a preservação do patrimônio e a valorização da cultura. A população não compreende o valor intrínseco que há na restauração e revitalização do patrimônio cultural e, portanto, não interage de forma a contribuir para preservação da sua cultura.

Fica por conta dos guias turísticos dar informações básicas sobre a história do local. Isso sinaliza que ainda não se tem dado muita atenção à maneira com que as informações culturais são fornecidas, o que dificulta a compreensão e apreensão do significado do lugar e do próprio patrimônio.

Considerando tal problemática, este estudo analisou como agregar valor e significado ao patrimônio cultural da cidade de Ilhéus, reunido no roteiro turístico-cultural Quarteirão Jorge Amado, de forma a que tanto moradores quanto visitantes tenham uma melhor compreensão e apreciação do lugar, incorporando atitudes para a sua valorização. A hipótese é que o envolvimento da comunidade no processo do planejamento turístico e a informação a respeito do valor cultural do Quarteirão Jorge Amado, assim como um planejamento interpretativo podem contribuir para a atribuição de valor e significado ao Quarteirão, evitando que a obra amadiana seja utilizada apenas para atender às solicitações de consumo, realizando, assim, um turismo cultural sustentável. Desta forma, a cidade de Ilhéus, rica em potencialidades culturais, poderá alcançar índices mais satisfatórios no desenvolvimento do turismo cultural, fenômeno que deverá aliar investimentos na preservação, desenvolvimento e promoção do patrimônio e constituir-se-á eficaz estratégia de sustentabilidade.

O patrimônio cultural (material e imaterial) e o patrimônio natural da cidade estão imortalizados através dos romances amadianos Terras do Sem Fim , São Jorge dos Ilhéus , Gabriela, Cravo e Canela , tomados como corpus basilar da análise por apresentarem imagens marcantes de referências culturais e identitárias da região Sul da Bahia e, mais especificamente, da cidade de Ilhéus.

Para a abordagem proposta, a pesquisa toma como base a concepção de patrimônio enquanto todo e qualquer fazer humano representativo da coletividade (BARRETO, 2000). O turismo é tratado na perspectiva da sustentabilidade e foco cultural (SWARBROOKE, 2000; SIMÕES, 2002). O turismo é conceituado aqui como inter-relacionamentos entre produção e serviços, em que se integram uma prática social com base cultural e histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade e troca de informações interculturais (MOESCH, 2000).

Os romances amadianos corroboram para a relação que a pesquisa pretendeu entre patrimônio, cultura e turismo. O Quarteirão Jorge Amado é aqui entendido como um lugar de memória (NORA, 1993), cuja principal razão de ser é impedir o esquecimento e revestir os lugares de sentido, tornando-os apaixonantes.

O trabalho ainda tem por base a literatura, elemento cultural que influencia e é influenciado pela história (SIMÕES, 1998) e se constitui como uma realidade imaginada capturada do vivido e constituída em sentido. Enfocado na perspectiva antropológica, o texto literário é, portanto, uma duplicação da realidade que é integrada ao imaginário ficcional "como se" fosse ( ISER, 1996 ). Como elemento que é influenciada pela história, a literatura expressa a cultura de um povo que passa a ser conhecida através do texto.

Nessa perspectiva, o leitor ao ter conhecimento da cultura, sente-se instigado a conhecer, na realidade, o que já foi visto na ficção. Assim, o turismo torna-se elo entre a ficção e a realidade. E é desta maneira que se estreita, neste trabalho, a relação entre cultura e turismo. No entanto, sabe-se que nem sempre o patrimônio é valorizado por seu valor cultural, mas apenas por suas implicações de consumo, o que provoca a banalização da cultura.

Para analisar como o patrimônio cultural de Ilhéus, especificamente aquele reunido no Quarteirão Jorge Amado, pode ser utilizado para a valorização da cultura local foi realizada, inicialmente, a leitura dos textos literários amadianos, já aqui referidos, a fim de observar a pertinência da denominação "Quarteirão Jorge Amado", "Circuito Cravo" e "Circuito Canela", e a identificação do patrimônio ilheense tornado cenário ficcional.

O estudo de caso do Quarteirão Jorge Amado foi desenvolvido com vistas a possibilitar a análise da atual situação do turismo com base na literatura amadiana e de como as imagens de Ilhéus ficcionalizadas pelo escritor de Gabriela têm sido utilizadas para a valorização da cidade como centro turístico. Neste estudo é feita uma apropriação da concepção matemática de mapeamento como a aplicação de uma configuração em outra, transpondo-a para a proposição da idéia de mapa de bens simbólicos desenvolvido por Simões (2004), que aqui é considerado como mapas culturais. Tal estudo deu-se por um lado, através da análise do texto literário, considerando a visibilidade (CALVINO, 1995) do discurso amadiano; por outro lado, através da observação in loco , notícias em jornais e revistas e conteúdo dos folhetos e mapas turísticos produzidos pela Secretaria de Turismo de Ilhéus - SETUR.

Com base nestes critérios, o Quarteirão Jorge Amado é analisado, produzindo um mapa cultural de natureza material a partir da ficção amadiana. Sob o ponto de vista deste mapa, o patrimônio cultural material da cidade é analisado observando como vem sendo aproveitado para a valorização do turismo cultural de Ilhéus e sugerindo ações para a aplicação de estratégias interpretativas que atribuam o valor de significado (MARTIN, 2001) ao roteiro turístico-cultural Quarteirão Jorge Amado, fazendo com que turistas e comunidade compreendam a história e a formação de sua identidade através do patrimônio material construído e para que se desenvolva um turismo cultural sustentável.

2 O Quarteirão Jorge Amado

Atraído pela notícia das belezas naturais e por conta do manancial cultural dos romances amadianos que revelam uma variedade de imagens que sinalizam tanto aspectos culturais quanto econômicos, naturais, históricos e arquitetônicos da região, além do sucesso de sua obra atestado nas inúmeras reedições e pelas transposições para cinema, televisão e teatro, o leitor-turista tem especial interesse em conhecer e identificar locais históricos habitados pelos personagens amadianos e, ao mesmo tempo, conhecer a história e a cultura da cidade e aqui aporta, transformando-se em turista-leitor (SIMÕES, 2002).

Caminhar pelo cenário onde viveram os personagens amadianos, sentar no Bar Vesúvio e experimentar o quibe do Nacib, visitar o Bataclan, conhecer cada pedacinho que conta a história de Ilhéus, é tudo que o turista quer. Desta forma, "se o turismo é um traço estável da vida moderna então representa um potencial para o qual se pode planejar, um movimento que pode ser guiado e a preservação poderá andar de mãos dadas com a criação" (FRY, 1976, p. 234). Assim, a literatura atesta a vocação da cidade para um turismo cultural, aquele que tem a cultura humana como o seu principal atrativo.

A ficção de Jorge Amado narra acontecimentos que, a partir da chegada do cacau e com a importância econômica que ele adquiriu, geraram uma multiplicidade de relações que acabaram promovendo o progresso na região. Juntamente com esse progresso, a mentalidade, os hábitos e os costumes da população foram se modificando, contribuindo para a formação e configuração da região do cacau.

Nos romances, o escritor sinaliza o mapa cultural de natureza material de Ilhéus ao fazer referências a bairros, ruas, praças, casas e igrejas da cidade que serviram de cenário para o desenrolar de tais acontecimentos. Lugares como o Bar Vesúvio, a Igreja Matriz de São Jorge, a Catedral de São Sebastião, o Bataclan e o Antigo Porto saltam da realidade das ruas para as páginas do livro.

Por isso, é comum o leitor deparar-se com um personagem subindo a ladeira da Conquista, contemplando a Avenida da Praia (hoje a Avenida Soares Lopes), ou os Jardins da Praça Seabra (a Praça da Prefeitura), atravessando o ancoradouro para ir ao Pontal e andar por suas poucas ruas de areia. Nos romances é possível "ver" a cidade de Ilhéus desde o Morro do Unhão ao Morro da Conquista, das casas elegantes da praia aos casebres da Ilha das Cobras, do Pontal ao Malhado, das residências familiares às casas de mulheres da vida. Nesta ambiência, Jorge Amado conta casos, conflitos, escândalos domésticos e fatos históricos.

Iniciara a desesperada busca pelo morro do Unhão. O corpanzil atirado para a frente, suando em bicas, o paletó sob o braço, Nacib percorrera Ilhéus de ponta a ponta, naquela primeira manhã de sol após a longa estação das chuvas.[...] No Unhão desfizera o trato com duas cabrochas acertadas para ajudar Filomena no preparo do jantar da empresa de ônibus.[...] Perguntara pelo porto, passara em casa do tio: não sabiam por acaso de cozinheira? [...] Nacib tocou-se para a Conquista, a ladeira ainda escorregadia das chuvas, um grupo de negrinhas a rir quando ele caiu, sujando os fundilhos da calça.[...] Nacib desceu pela ladeira da Vitória, passou pelo cemitério.[...] Aconselharam-no dar uma busca no Pontal.[...] Tomou a canoa, atravessou o ancoradouro. Andou pelas poucas ruas de areia, sob o sol, onde crianças pobres jogavam futebol com bola de meia (AMADO, 1998, p. 52-56 passim).

A ficção de Jorge Amado é povoada de fatos históricos e personagens inspirados em pessoas que viveram naquela cidade que fazem a trama e habitam, trabalham, passeiam em espaços "reais". É nessa perspectiva que a literatura é alimentada pela história. Ao apresentar esses espaços como cenário de seus romances, este escritor imortaliza esses lugares, levando-os para o mundo inteiro. Ao mesmo tempo, atribui à sua obra maior visibilidade, o que faz com que os leitores "vejam" a cena e desejem conhecer os lugares que serviram de ambiência para os romances. Neste caso, o leitor "vê com os olhos da imaginação o lugar físico onde se encontra aquilo que deseja contemplar" (CALVINO, 1998, p. 100).

Num processo inverso em que a história é alimentada pela literatura, esses espaços focados na ficção de Jorge Amado foram, gradualmente, adquirindo importância cultural e histórica no decorrer do tempo e à medida que a obra amadiana foi reeditada em vários idiomas, de forma que passou a ser lida por pessoas do mundo inteiro. Assim, foram ganhando importância porque fazem parte da memória da cidade, sendo testemunho dos tempos áureos do cacau, quando os coronéis construíram imponentes palacetes que refletem, até hoje, todo o poder e ostentação da época. Tempos que foram preponderantes na formação da cidade de Ilhéus e na configuração da identidade da região.

Desta maneira, esses espaços transformaram-se em patrimônio cultural na proporção em que começaram a lhes atribuir um valor. Essa atribuição de valor, segundo Martin (2001), não está centrada somente na antigüidade ou beleza, está centrada principalmente naquilo que representa no presente e que pode representar no futuro. Este valor está diretamente relacionado com a capacidade de informar sobre aspectos históricos, culturais, econômicos e sociais de uma época.

A respeito dos valores, Garreta (1999) afirma que é uma qualidade atribuída pelas pessoas e que pode modificar a depender da percepção e do comportamento humanos. Depende, portanto, de referências intelectuais, históricas, culturais e psicológicas que variam com as pessoas e os grupos que atribuem valor. O que quer dizer que os valores mudam no decorrer do tempo e a depender de cada pessoa. Assim, a Casa de Cultura Jorge Amado, por exemplo, que foi construída para ser a residência da família Amado, com o passar do tempo, foi vendida e ressignificada em Clube dos Bancários, em seguida abrigou a sede da Faculdade de Direito, após passar por uma restauração, torna-se a Casa de Cultura e Fundação Cultural de Ilhéus, voltadas para a realização de eventos culturais e onde são expostos um acervo pessoal do escritor Jorge Amado, com fotos, livros, esculturas e curiosidades, não possui mais o mesmo valor que recebeu na época de sua construção. No decorrer dos anos, a casa foi restaurada e ressignificada tendo a sua função modificada várias vezes, mudando, portanto, o seu valor. Agora, é considerada uma referência cultural importante para a cidade, que é visitada por muitos turistas que querem conhecer um pouco do escritor que levou Ilhéus para o mundo.

Da mesma forma, acontece com os outros espaços que se tornaram patrimônio. A esses bens simbólicos podem ser atribuídos o valor de uso, que diz respeito à utilidade que esse patrimônio tem para a sociedade, como a sua utilização pelo turismo que satisfaz uma necessidade material, de conhecimento ou um desejo; o valor formal, por apresentar qualidades no sentido da forma que atraem e despertam os sentidos, proporcionando prazer; ou o valor de significado, por transmitir para as gerações vindouras as idéias, as tradições, os costumes e a identidade de uma comunidade. Esse valor atribui ao patrimônio o poder de participar, ao mesmo tempo, do passado, do presente e do futuro.

Os espaços citados por Jorge Amado, tornados patrimônio cultural, adquiriram o valor de consumo, na medida em que o leitor-turista, instigado pelas imagens dos romances, deseja conhecer ao vivo aquilo que foi descrito na ficção, transformando-se em turista-leitor, quando viaja para conhecer esses lugares.

O valor de consumo, conforme Martin (2001), se dá a depender do quanto útil, artístico, significativo e original o patrimônio é. Neste caso, o patrimônio pode passar a ser visto como recurso turístico porque é foco de interesse do visitante e porque pode gerar emprego e renda para a cidade.

Entretanto, uma das principais críticas em relação ao uso do patrimônio cultural como recurso turístico está voltada para a questão da ênfase no valor de consumo do patrimônio em detrimento de seu valor de significado. De acordo com especialistas, a ênfase no valor de consumo, acaba provocando a banalização da cultura, pois o patrimônio passa a ser importante porque pode ser "vendido" como produto turístico e não por sua significação na história.

Por outro lado, utilizar o patrimônio cultural como recurso turístico é uma boa estratégia de valorização da cultural local, ajudando na dinamização do turismo e da economia.

Desta maneira, as imagens arquitetônicas da cidade de Ilhéus citadas por Jorge Amado, assim transformadas em patrimônio cultural material, podem ser uma eficiente estratégia de valorização da cultura, uma vez que, medidas estão sendo traçadas no sentido de incentivar a preservação e a revitalização do patrimônio e no sentido de se criar um roteiro turístico-cultural baseado na ficção do escritor de Gabriela, Cravo e Canela .

Com este tipo de atividade, o que antes saiu do real para povoar os romances amadianos, agora percorre um caminho inverso. Os personagens, os casarões, as igrejas saltam dos romances para a realidade das ruas e o turista não só os identifica e faz relação com os livros, como também procura conhecer a história dos lugares, da cidade e a maneira de ser e pensar de seus habitantes. Isso pode contribuir para a valorização e afirmação da identidade cultural da região e satisfaz o desejo do turista.

Dessa forma, as imagens de Ilhéus retratadas nos romances de Jorge Amado transformaram-se em recurso turístico no projeto denominado Quarteirão Jorge Amado.

Neste projeto, a figura do escritor baiano é utilizada a todo o momento: nos banners colocados na parede de cada patrimônio, nos folhetos de informação, nos mapas e cartazes de divulgação. Da mesma maneira que um bom número de comerciantes utiliza nomes dos personagens amadianos para denominar seus estabelecimentos, mesmo fora do Quarteirão. Assim, há o Circo Folias da Gabriela, Posto Gabriela, Gabriela FM, Quibe do Nacib, Chocolate Caseiro Flor da Gabriela, Mercado de Artesanato onde as ruas e avenidas homenageiam Jorge Amado e as suas personagens, Centro de Convenções cujo auditório principal é chamado de Jorge Amado e suas salas batizadas de Nacib, Jerusa, Malvina, Tonico Bastos, Coronel Ramiro Bastos e outros personagens do livro Gabriela .

Como se observa, a imagem da Ilhéus descrita por Jorge Amado tem sido usada para promover o turismo cultural da cidade. No entanto, apesar do potencial turístico que possui e do grande interesse do turista em conhecer a cidade, o turismo de Ilhéus não consegue atingir o sucesso esperado.

O projeto Quarteirão Jorge Amado é uma iniciativa que tenta dinamizar o turismo. Foi idealizado pela Secretaria de Turismo de Ilhéus - SETUR, juntamente com a Fundação

Cultural de Ilhéus - FUNDACI, que delimitaram a área, selecionaram os prédios e monumentos ligados, em sua maioria, a obra amadiana e elaboraram folhetos contendo informações sobre cada patrimônio. Os prédios foram selecionados de acordo com a sua importância histórica e estão espalhados pelo centro da cidade. O Quarteirão foi dividido em dois circuitos, o Cravo e o Canela, fazendo alusão ao famoso romance. A escolha dos patrimônios que compõem cada circuito foi feita de acordo com a proximidade entre eles. O mapa divulgado pela SETUR sinaliza os patrimônios que fazem parte do Quarteirão (Fig. 01).

 


Figura 01 - Mapa do Quarteirão Jorge Amado

Fonte: Secretaria de Turismo de Ilhéus - SETUR

Fazem parte do Circuito Cravo os seguintes monumentos presentes na ficção amadiana: a Catedral de São Sebastião, o Bar Vesúvio, o Teatro Municipal de Ilhéus, a Casa de Cultura Jorge Amado, a Casa dos Artistas, a Estátua de Sapho, a Associação Comercial, o Palácio Paranaguá, a Igreja Matriz de São Jorge, o Palacete Misael Tavares e a casa de Tonico Bastos.

Como parte dos bens patrimoniais que fazem parte do Circuito Canela, encontram-se os seguintes monumentos: a casa noturna Bataclan, o Antigo Porto, o Ilhéos Hotel, o Marco Símbolo de Fundação da Capitania e o Cristo Redentor. Desses, somente os dois primeiros são focalizados na obra amadiana, mas todos são sinalizadores de uma época de importante significado para a cidade.

Assim, no Circuito Cravo, cujas obras já estão concluídas, os bens patrimoniais estão mais próximos uns dos outros e o turista pode fazer o percurso caminhando. Já o Circuito Canela, cujas obras estão em andamento, possui seus monumentos em diferentes pontos do centro da cidade, sendo, portanto, um percurso mais longo.

No Quarteirão, o turista pode circular pelos circuitos e se deparar com os casarões deixados pelos coronéis, comprovando, através da grandiosidade de cada um deles, a influência e o poder adquiridos por esses homens através do cultivo do cacau, sendo mais fácil compreender a identidade da cidade. Entretanto, as informações necessárias para que o turista compreenda a história de cada patrimônio estão dispostas em folhetos de divulgação que nem sempre são encontrados nos postos de informação turística. Além disso, as informações dos folhetos, apesar de claras e objetivas, são escritas apenas em Português, dificultando o entendimento dos turistas que não compreendem este idioma.

O projeto Quarteirão Jorge Amado inclui obras de recuperação total ou parcial dos casarões e praças, que nem sempre respeitam as suas características originais. A rua Jorge Amado, por exemplo, local onde se localiza parte dos bens patrimoniais, foi reformada e transformado em calçadão Jorge Amado , sendo interditada para a passagem de carros. Os prédios recuperados foram devolvidos à comunidade para desempenhar suas funções originais ou foram ressignificados, mudando-se as suas funções e dando-lhes novos usos. O que faz com que a formatação do Quarteirão seja importante do ponto de vista cultural, transformando-o em um lugar de memória, uma vez que pode contribuir para que a comunidade conheça a sua história através do monumento, contribuindo para a sua preservação e valorizando a cultura.

O Bar Vesúvio (Figs. 02, 03)foi recentemente restaurado, conservando a sua função original de bar, acrescentando-se a função de restaurante onde são servidas comidas típicas da região. No romance, o Bar Vesúvio é o lugar onde todos ficam sabendo dos últimos acontecimentos e os coronéis se reúnem no início ou final da tarde para conversar sobre política, cacau e mulher: "O Bar Vesúvio era o mais antigo da cidade. Ocupava o andar térreo de um sobrado de esquina numa pequena e linda praça em frente à Igreja de São Sebastião" (AMADO, 1998, p. 43). Esse bem patrimonial se tornou conhecido mundialmente por conta do romance Gabriela, Cravo e Canela . O bar, que foi construído no final da década de vinte, era famoso pelas comidas árabes que servia. Assim como no romance, sempre foi um dos pontos mais freqüentados da cidade, principalmente quando se chamava Bar Maron e tinha como seu proprietário o senhor Emílio Maron e a senhora Lourdes Maron chefiava a cozinha. Com o passar dos anos o bar foi reformado várias vezes e teve vários proprietários. Nele, é possível sentar para comer o "quibe do Nacib", que no decorrer do tempo foi recebendo novos valores e modificando o seu significado, experimentar outros pratos típicos da região e assistir a uma peça teatral interativa que tem como personagens Nacib e Gabriela. No Bar Vesúvio, o turista conhece um pouco da culinária típica da região e tenta se reportar para o tempo em que Nacib e Gabriela habitavam aquele lugar ficcionalmente.

Figura 02: Bar Vesúvio Figura 03 - Antigo Bar Vesúvio

Fotografia: Antonio Carlos P. Simões Fonte: www.fundaci.org.br

Já o Bataclan (Fig.04)teve a sua fachada recentemente reformada. O seu interior, que estava em ruínas, foi reconstruído e recentemente inaugurado, foi ressignificado em um centro cultural, com dois salões destinados a eventos artísticos, sala de administração, loja de artesanato e café cibernético, para que todos possam visitar, se divertir e aprender no lugar.

Figura 04 - Bataclan

Fotografia: Antonio Carlos P. Simões

Do ponto de vista econômico, a formatação do Quarteirão Jorge Amado é uma iniciativa criativa que pode alavancar o turismo cultural da cidade, atraindo o turista, aumentando a receita municipal, gerando emprego e renda para a população. Segundo o secretário de planejamento da cidade, o Quarteirão Jorge Amado é mais que um projeto arquitetônico, pois possui um enfoque que busca valorizar a cultura local, preservando a identidade cultural e, ao mesmo tempo, visa a fortalecer o turismo cultural e melhorar a economia, viabilizando investimentos para a geração de emprego e renda para a comunidade. Desta forma, o Quarteirão pode ser visto como um instrumento de desenvolvimento integrado.

Essa é uma importante iniciativa, visto que a manutenção do patrimônio, segundo Barretto (2000), faz parte de um processo que envolve a preservação e a recuperação da memória, graças à qual os povos mantém sua identidade. Entretanto, parte da população de Ilhéus não tem conhecimento da localização do Quarteirão e não percebe o seu valor cultural, o que dificulta a sua valorização.

De acordo com Lucas (2003), quando os moradores locais, ao contrário do que acontece em Ilhéus, percebem o valor que os turistas atribuem àquilo que estão indo visitar, em algum aspecto de suas tradições ou paisagens, passam a olhar de maneira diferente aquilo que normalmente passaria despercebido. Assim, esses moradores desenvolvem orgulho pelo patrimônio, preservam-no e desejam passá-lo para as gerações futuras.

Seja passeando pelo Circuito Cravo ou pelo Canela, o turista poderia conhecer elementos culturais e a história da saga do cacau, dos migrantes e dos coronéis que foram tão importantes para a formação da identidade da região. Entretanto, para que o turista realmente viva essa história é preciso que se desenvolvam atividades que valorizem a sua experiência, revelando a aura e a história do lugar.

O mapa cultural de natureza material da cidade de Ilhéus aqui traçado dá ao turista-leitor a oportunidade de conhecer os monumentos focalizados na obra amadiana e, ao mesmo tempo, conhecer a história e a cultura que perpassam esses espaços físicos.

Pensando assim, a sugestão é que se aproveite a idéia do Quarteirão e a divisão dos circuitos, mas que sejam tomadas algumas iniciativas importantes para a valorização cultural do Quarteirão. Afinal a pesquisa demonstrou que para a formatação do Quarteirão Jorge Amado, foram seguidos alguns procedimentos que compõem um planejamento interpretativo, como o levantamento do potencial, a gestão do patrimônio que envolve a preparação, proteção e manejo do patrimônio, e o marketing para promover e divulgar o atrativo. Entretanto, foi verificada a ausência da montagem da interpretação, que seria o planejamento de atividades que contribuam para a compreensão do significado do lugar.

Dentro deste planejamento ações seriam voltadas para as formas de manutenção, preservação e promoção do patrimônio e de seu entorno. Isto envolveria a limpeza pública, a restauração dos monumentos e as técnicas da interpretação como a sinalização adequada com placas informativas em cada patrimônio, material impresso de qualidade além de parceria com os comerciantes que deveriam relacionar nomes de seus estabelecimentos e produtos às obras de Jorge Amado e adequar suas fachadas à identidade do Quarteirão. As parcerias geram benefícios mútuos. Para os turistas seria interessante porque ficariam satisfeitos com a qualidade dos serviços prestados num ambiente limpo e bem interpretado. Com isso, os comerciantes e a cidade se beneficiariam, pois aumentaria o fluxo de turistas gerando emprego e renda.

Por fim, seriam criadas atividades que dessem "vida" ao Quarteirão. Trata-se, aqui, de se elaborar um planejamento interpretativo no qual poderia ser sugerida uma trilha, como estratégia de interpretação, que teria como tema a literatura amadiana e onde o turista seguiria os passos dos personagens amadianos e, ao mesmo tempo, desvendaria a história da saga do cacau e de sua importância para a formação da identidade da região, dando maior visibilidade ao mapa cultural.

Durante esta trilha, que poderia ser tanto auto-guiada - nesse caso o turista teria o auxilio de técnicas interpretativas como mapas ilustrados, painéis dispostos em locais estratégicos ou marcas no chão que sinalizariam a direção a seguir - quanto guiada por pessoas bem qualificadas, que dariam informações históricas e contariam curiosidades e lendas do local através de diferentes técnicas da interpretação: painéis, encenações ou outros equipamentos culturais como filmes e exposições de mobiliário e fotografias. Ao percorrer a trilha o turista poderia assistir ou até participar de manifestações culturais que seriam apresentadas nas praças e saborearia as comidas típicas da região, especialmente aquelas sinalizadas nos romances.

Há caminhos diversificados para o desenvolvimento de um turismo sustentável. Lucas (2003) aponta cinco princípios básicos que fortalecem as sugestões referidas acima. O primeiro princípio diz respeito a autenticidade e qualidade da história de cada patrimônio e dos materiais de divulgação e das técnicas de interpretação. É a autenticidade e qualidade que torna o lugar mais atraente. Preservar e proteger os recursos apresentam-se como segundo princípio que traz grandes benefícios, visto que a preservação do patrimônio é uma forma de valorizá-lo do ponto de vista cultural e atrair o turista, sendo também uma forma de investir no futuro. Nesse caso, a proteção é essencial, pois permite uma utilização permanente e duradoura. "Dê vida ao patrimônio", esta frase imperativa intitula o terceiro princípio. Como já referido, a interpretação é uma das mais eficientes maneiras de dar vida ao patrimônio, despertando a curiosidade, informando e sensibilizando o turista. O quarto princípio enfoca a necessidade de equilíbrio entre a comunidade e o turismo para que se evitem conflitos e a comunidade se indisponha contra os turistas, culpando-os pelos impactos negativos causados pelo turismo. Este equilíbrio pode ser alcançado na medida em que se façam pesquisas na comunidade para se descobrir a medida certa do turismo de uma localidade para que a relação entre turismo e comunidade seja benéfica e sustentável. Por fim, a colaboração, princípio imprescindível para a captação de recursos suficientes para a manutenção e melhoria da qualidade do programa de turismo cultural. Essas parcerias englobam o poder público, instituições privadas e organizações do terceiro setor ligadas à preservação cultural e turismo.

É desta maneira que, talvez, o turismo da cidade de Ilhéus obtenha o sucesso esperado, pois, conforme Lage & Milone (2001) o turismo bem-sucedido depende de uma saudável e amigável bem informada comunidade com o compromisso de fazer a estadia do visitante agradável como a de um convidado à casa de um dos residentes. Isto inclui a educação do povo, aparência das ruas e das casas particulares, preços cobrados nas drogarias, lojas e demais estabelecimentos, além do conhecimento da comunidade a respeito de sua cultura e de como esta cultura é mostrada ao visitante. Daí, a necessidade de envolver a comunidade e de sensibilizá-la para a necessidade de conhecimento de sua história e das histórias contadas por Jorge Amado. Sem o seu apoio, os mais promissores projetos de desenvolvimento do turismo cultural (por mais que a cidade apresente um grande potencial turístico) são fadados ao fracasso (LUCAS, 2003).

 

3 Considerações finais

A formatação do Quarteirão demonstra a grande influência da literatura na valorização da cidade, o que implica a necessidade de conhecer o valor social, literário e histórico dos romances amadianos para que a comunidade valorize a sua cultura e compreenda o valor cultural deste projeto. O que implica em políticas culturais que têm por base os vetores da educação e da mídia (SIMÕES, 2003). O primeiro deles promove a cidadania cultural do indivíduo, gera uma interação entre os vários segmentos da comunidade, com saberes e experiências diferentes e desenvolve ações educativas de preservação do patrimônio. O vetor da mídia, quando utilizado de maneira original e autêntica, é um importante meio de promoção e divulgação de uma localidade, informando sobre questões locais, promovendo a sua valorização. No Quarteirão, entretanto, as imagens da cultura de Ilhéus não estão sendo aproveitadas e aquelas que são utilizadas pela mídia para promover o turismo da cidade estão, de certa forma, sendo banalizadas.

O Quarteirão Jorge Amado está sendo formatado e um dos seus objetivos é valorizar a cultura e a identidade do local. Para tanto, seria importante sensibilizar e informar a comunidade a respeito do valor cultural, social e histórico da obra de Jorge Amado. O vetor da educação juntamente com o vetor da mídia poderão contribuir neste aspecto. Afinal, é preciso conhecer para poder valorizar.

O mundo conhece Ilhéus através da obra de Jorge Amado. Os turistas visitam a cidade e querem entrar em contato com a população local e conhecer as histórias do lugar, porém, como já foi dito, a comunidade não tem como dar tais informações por falta de conhecimento.

Nessa perspectiva, o questionamento feito por Meneses se faz pertinente: o que fazer para evitar que o turismo crie alucinações culturais apenas para atender às solicitações externas de consumo? (MENESES, 1999). Se as pessoas tiverem maior conhecimento da história da cidade e dos romances amadianos, será mais fácil compreender a identidade local, principalmente aquela assentada nas relações de poder mais camufladas que ainda existem na sociedade ilheense, isto em decorrência do poder e da conseqüente decadência da monocultura do cacau. Afinal, "um povo conhecedor de sua cultura e de sua história é um povo que sabe perpetuar seus costumes, suas tradições, suas lendas. É um povo que aprende a preservar o patrimônio local porque reconhece um valor intrínseco" (PASSEIO..., 2000, p.7).

Diante da atual situação em que a população mal conhece as suas raízes, pode-se pensar em uma outra razão cultural para a formatação do Quarteirão Jorge Amado. O Quarteirão formatado, valorizado culturalmente com a ênfase no mapa cultural aqui traçado, pode ser pensado como uma maneira de transformar o centro histórico de Ilhéus em um lugar de memória (NORA, 1993), realçando a história e fazendo com que a comunidade tenha na lembrança fatos e imagens do passado refletidos no patrimônio. Fatos que foram importantes para a configuração da identidade da região e que não fazem parte do conhecimento de boa parte da população. Sendo preciso transformá-lo em um lugar de memória, já que "os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, [...] porque essas operações não são naturais" (NORA, 1993). Portanto, é preciso que o Quarteirão seja um lugar de memória para que as pessoas conheçam e valorizem a sua história e afirmem a sua identidade.

A análise desenvolvida através dos elementos culturais e identitários da obra amadiana, para a dinamização do turismo de Ilhéus conduziu à conclusão de que, embora a cidade apresente grande potencialidade turística e a iniciativa da formatação do Quarteirão Jorge Amado seja de grande importância para melhorar o fluxo turístico, o município não tem conseguido fazer daquele espaço um potencial para o desenvolvimento de um turismo cultural sustentável. A pesquisa conduziu, ainda, à conclusão de que a elaboração de um planejamento interpretativo adequado é uma iniciativa relevante para agregar o valor de significado ao atrativo turístico em questão, transformando-o em um lugar de memória.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LAGE, Beatriz H. Gelas & MILONE, Paulo Cezar (Orgs.) Turismo: teoria e prática . São Paulo: Atlas, 2000.

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MENESES, Ulpiano T. Becerra. Os "usos culturais" da cultura. Contribuições para uma abordagem crítica das práticas e políticas culturais. In: YASIGI, E., CARLOS, A. F. A. & CRUZ, R. C. A. (Orgs.) Turismo: espaço, paisagem e cultura. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 88-99.

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PASSEIO histórico para estudantes. Pauta , junho/2001, nº 1, p.07.

 

NOTAS

* Trabalho que faz parte dos estudos inseridos na dissertação de Mestrado "Da literatura ao turismo cultural - o caso do Quarteirão Jorge Amado", sob orientação da Profª Drª Maria de Lourdes Netto Simões.


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