O ensino de ciências sociais no ensino médio no Brasil

Flávio Marcos Silva Sarandy[1]

1. Porque debater o ensino de sociologia no ensino médio?

Este artigo pretende abordar um tema que necessita ser mais bem explorado e que tem despertado muito pouco interesse por parte da comunidade de cientistas sociais atualmente. A despeito de ter sido ampla e intensamente debatido pelos cientistas sociais na primeira metade do século XX, no Brasil, após alguns anos à sombra das mudanças socioculturais e políticas por que passamos, é retomado por um outro discurso que, ao que parece, não conseguiu mobilizar o interesse da academia nem recuperou ou sistematizou a contribuição anterior.

Quem foram os sujeitos desse intenso debate de anos anteriores? Quais os anos em que se deu e qual o seu contexto histórico e político? A que necessidades e interesses tais reflexões atendiam? Alcançaram-se quais resultados sobre o desenvolvimento da disciplina no ensino secundário? É possível traçarmos um paralelo com o que presenciamos hoje? Quais categorias sociológicas que são apresentadas como fundamentais para a explicação/ compreensão da sociedade nos livros didáticos e programas de curso propostos? A que linhas do pensamento sociológico se filiam? Que leitura dos clássicos transparece? Como áreas relativamente distintas das ciências sociais – sociologia, antropologia e ciência política – são articuladas para a apresentação de um corpo sistemático de conhecimentos? Como interpretar os diferentes discursos sobre a disciplina, de ontem e de hoje, e os descaminhos que pareceu trilhar a disciplina nos últimos cinqüenta anos? Como mapear, enfim, o percurso de um discurso que parece perder-se num eco vago e obscuro?

Tais perguntas constituem o problema central de minha dissertação de mestrado[2] da qual este paper é um primeiro resultado. Meu interesse é exatamente recuperar esse debate das primeiras décadas do século XX e os que vêm sendo construídos da década de 1980 até hoje – realizado por destacados nomes das ciências sociais no Brasil, como Fernando de Azevedo, Emílio Willems, Antônio Cândido, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Florestan Fernandes, O. da Costa Eduardo, Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, Delgado de Carvalho, Donald Pierson, entre outros –, sistematizá-lo e proceder a um paralelo com o discurso atual sobre a re-implantação da disciplina nos currículos do ensino médio brasileiro.

A contribuição de uma tal pesquisa pode ser assim resumida: identificar as possibilidades reais e o sentido que uma disciplina como a sociologia pode ter no ensino médio brasileiro a partir de um olhar sobre seu percurso no desenvolvimento do sistema educacional de nosso país e dos debates empreendidos pelos próprios cientistas sociais em cada momento. Minha expectativa é que este esforço se integre ao trabalho que vem há muito sendo desenvolvido com o objetivo de conhecermos melhor o campo científico das ciências sociais no Brasil.

Não se trata, aqui, de um trabalho atento a todos os rigores acadêmicos porque sua motivação primeira foi a prática de sala de aula e não o estudo teórico, conforme os ritos científicos; simplesmente reconheço não ter conseguido um bom distanciamento de meu “objeto”, a fim de conseguir uma interpretação talvez mais satisfatória do que a que apresento agora. E mesmo correndo o risco de que ela não esteja adequada, assumo o desejo de intervir no próprio debate com base em minha própria experiência como professor da disciplina no ensino médio e aposto justamente naquilo que penso ser sua vantagem: a observação direta, a experiência prática no campo, o desejo a um só tempo por conhecer e criar, tornando útil o saber produzido e fazendo da imaginação uma ferramenta para desvelar aspectos antes não percebidos. Trata-se de um discurso – ou ensaio – sobre um tema apaixonante; meu modo de ver o que acontece e o que poderia ser, nada mais.

2. O debate das primeiras décadas do século XX – um primeiro olhar

As discussões que pautaram o debate sobre o ensino das ciências sociais no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, foram bem resenhadas por Florestan Fernandes em O ensino da sociologia na escola secundária brasileira (1975), onde o autor delimita as contribuições de seus pares.

De acordo com Fernandes, o assunto foi focalizado de três modos distintos. Em primeiro lugar, encontramos as justificativas referentes às questões que delimitam as “funções universais” do ensino de sociologia. Esta contribuição teria sido melhor empreendida por Emílio Willems em uma série de artigos publicados em O Estado de São Paulo que, conforme Florestan Fernandes, conseguiu “propor problemas dessa ordem com maior espírito de exatidão científica”. E que “funções” seriam estas? São as que dizem respeito às mudanças que as sociedades modernas afetadas pelo desenvolvimento capitalista enfrentam, o que exige um sistema educacional capaz de favorecer, por meio de uma intervenção racional, mudanças de determinadas atitudes em um sentido desejável frente a um novo quadro de existência social, capacitando os indivíduos, cultual e politicamente. Quanto a esse aspecto, à sociologia caberia a promoção para “a capacidade pronta de escolha e ajustamento rápido a situações extremamente instáveis” ou, conforme o discurso atual – se bem que com menor alcance teórico –, o desenvolvimento da compreensão e intervenção críticas na sociedade por parte dos educandos. É claro que essa função universal está circunscrita a um ambiente político democrático e todas as exigências que isso comporta e que, para o momento em que Fernandes escreve (1954), ganhava em significância devido ao próprio contexto histórico de redemocratização do país.

Ao que parece, o projeto previsto para a disciplina atendia, ainda, ao projeto de estabelecimento de uma identidade nacional – sempre, no Brasil, ligada a intervenções no sistema educacional –, isto é, o projeto de criação da Nação Brasileira passava pelo projeto de criação de uma Identidade Nacional o qual, por sua vez, implicava um projeto educacional e, portanto, de ajustamentos culturais de vastos segmentos da população brasileira, como indígenas, imigrantes europeus e asiáticos, descendentes de escravos africanos, populações rurais, entre outros, frente a um processo de industrialização galopante.

Em segundo lugar, estão as questões referentes à integração da sociologia em um sistema educacional determinado. Fernandes propõe que, em relação ao sistema educacional brasileiro, a intermitência da disciplina devia-se “ao sabor de inspirações ideológicas de momento”, configurando uma situação verdadeiramente caótica. Mas a questão não se restringe a esse problema, pois outro, de maior envergadura, exigiria dos cientistas sociais um trabalho teórico ainda por se realizar. Trata-se de estabelecer, do ponto vista pedagógico, a melhor organização da disciplina no interior do sistema secundário (ou médio) de ensino. Quanto a esse aspecto, Fernandes recorre às reflexões de Antônio Cândido e Paul Arbousse-Bastide. Este último, segundo o autor, “faz uma análise exaustiva e brilhante das diversas alternativas que se colocam, necessariamente, na organização de um programa de ensino da sociologia na escola secundária”, passando pela seqüenciação dos conteúdos, e fixando limites de idade e atitude do professor, chegando à discussão da própria formação docente. É pena o texto da conferência (L´Enseignement de la Sociologie dans les Ecoles Secondaires) de Arbousse-Bastide não conter referências, pois o autor afirma possuir apenas um exemplar datilografado.

Uma observação relevante sobre essa discussão “pedagógica” é a seguinte constatação de Florestan Fernandes: tal discussão “aborda, enfim, questões que, infelizmente, não atraem a devida curiosidade em nosso meio e caem na esfera da filosofia da educação propriamente dita”. Tal afirmação corrobora minha observação em um outro texto (Sarandy 2001) do fato de que o academicismo próprio do ensino de sociologia no nível médio dispensa uma produção teórica mais sistemática no interior das ciências sociais, como se tal trabalho nos fosse completamente estranho. Caberia perguntar porque até mesmo os físicos têm suas linhas de mestrado sobre ensino de física, tanto quanto encontramos iniciativas semelhantes em outros campos de saber, e nós, cientistas sociais, desprezamos reiteradamente essa tarefa. A esse respeito, aliás, junta-se a brilhante argumentação de Luiz Costa Pinto, em sua Tese de Livre Docência, em O ensino de Sociologia na escola secundária (1947), onde reúne e sistematiza seu pensamento sobre ensino de ciências sociais, desde a discussão acerca dos objetivos até a proposição metodológica, passando pela revista da presença da disciplina nas diversas legislações educacionais e pela crítica do que chamou de “sociologia academicista” e de “sociologia normativa”, isto é, a observação do quanto havia de dependência da disciplina em relação à tradição enciclopédica e erudita de nossa educação – em contraposição a um ensino “voltado para a formação de capacidades” –, à orientação educacional da Igreja Católica e de orientações político-ideológicas diversas – em contraposição a um ensino “científico”; talvez ele tenha sido o maior crítico do ensino de caráter enciclopédico, moralista e apologético dentre os cientistas sociais brasileiros e certamente se afinava à educação ativa da escola de Anísio Teixeira.

De Antônio Cândido, Fernandes recupera uma sugestão que considera “fecunda”: a disciplina poderia ser encarada por três vieses diferentes, “como ponto de vista, como técnica social e como ciência particular"; e seria conveniente, conforme o autor, estabelecer-se com clareza a que nível a reflexão sociológica estaria desenvolvida conforme os segmentos de ensino. A esse respeito me parece que o professor Alfredo Poviña (1969) concorda, pois que também busca classificação semelhante em Projeto de um programa comum de Sociologia.

Em terceiro e último lugar, estariam “as questões que permitem evidenciar as funções por assim dizer específicas, que aconselhariam a inclusão da sociologia no currículo da escola secundária brasileira”.  Neste ponto, Florestan Fernandes afirma estarem as opiniões dos sociólogos divididas entre os que apóiam e os que rejeitam a inclusão da disciplina. Vai mais além, considerando que as justificativas de ambos pontos de vista são de ordem geral e pessoal, consubstanciando-se de fato em pontos de vista, e reclama uma melhor fundamentação sociológica para tais reflexões. Apenas Luiz A. Costa Pinto teria tido uma preocupação com a análise sociológica adequada quanto a esse aspecto: “a animadversão da legislação vigente ao ensino das ciências sociais é um dos seus característicos centrais [...] a difusão de noções científicas sobre a organização econômica, social, política e cultural, é menosprezada como objeto de instrução e quase temida como instrumento de educação". Mas, que "funções específicas" seriam estas, afinal? Ao que me parece, elas estariam referidas a decisões do âmbito da política educacional e à relação que, arbitrariamente, se estabelecem entre as disciplinas que são chamadas a compor um projeto curricular. Não seria a função - universal, como denominou anteriormente - numa sociedade particular, nem estaria necessariamente condicionada pelo debate interno à disciplina, debate a um só tempo científico e pedagógico, mas estaria relacionada à construção de políticas públicas na esfera administrativa e governamental.

Por fim, Florestan Fernandes termina por propor um programa de investigação que, segundo argumenta, preencheria o vazio de opiniões pouco fundamentadas sociologicamente. Afirma que uma análise sociológica do assunto – inclusão da disciplina no ensino secundário – deveria, em primeiro lugar, partir de um conhecimento seguro do sistema social, no caso, do sistema educacional em vigor: “quando um sociólogo se propõe uma questão desta ordem, ele começa pela análise do sistema existente de fato, no qual se pretende introduzir a inovação”. Não caberia, neste momento, acompanharmos sua análise em toda a sua extensão, porém retermos sua conclusão: “mantendo-se as condições atuais, o sistema educacional brasileiro não comporta um ensino médio em que as ciências sociais possam jogar algum papel”. A essa afirmação, seguem-se uma série de reflexões do autor visando discutir as mudanças que seriam necessárias no sistema para que houvesse possibilidade real de implantação da disciplina, bem como diversas sugestões para estudo posterior por parte dos especialistas interessados em soluções adequadas.

3. O que pensamos hoje: algumas contribuições

Perguntar sobre o sentido do ensino da ciência social é buscar compreender o que ela tem de específico que não encontramos nas disciplinas de história, geografia ou filosofia; enfim, perguntar qual sua especificidade em relação às demais disciplinas de humanidades. Essa pergunta não é de fácil resposta e todo pesquisador da área de ciências humanas sabe que as fronteiras entre as suas diversas áreas são bastante tênues. E acrescenta-se a isso o fato de que transformar os saberes científicos em saberes escolares implica um grau de diferenciação entre as diversas disciplinas, isto é, justamente a criação arbitrária de identidades. A história e a geografia, provavelmente devido à longa tradição no meio escolar, estão bem estabelecidas, possuem um discurso construído sobre a realidade já aceito e amplamente disponível para todos os professores. A sociologia conta com este agravante, qual seja, construir um saber organizado de modo a ser viável sua introdução no nível médio de ensino. É importante ressaltar que as ciências possuem fronteiras dadas, antes de tudo, por divisões políticas internas e, em se tratando de ensino médio, é preciso criar essas diferenças e afirmar uma identidade para a sociologia se desejamos sua re-introdução neste segmento de ensino.

Algumas tentativas de resposta à questão da especificidade das ciências sociais têm sido formuladas atualmente. Ais contribuições aqui resenhadas evidentemente não são as únicas, porém podemos afirmar que as opiniões existentes ou são complementares ou são idênticas.

O sociólogo Gilson Teixeira Leite (2000) afirmou que “se é imprescindível dominar a informática e todas as novas tecnologias para uma colocação qualificada no mercado de trabalho, também se faz necessário, no universo educacional, problematizar a vida do próprio aluno, sua existência real num mundo real, com suas implicações nos diversos campos da vida: ético-moral, sociopolítico, religioso, cultural e econômico”. E conclui que “a volta das disciplinas humanísticas – filosofia, sociologia, antropologia, psicologia, entre outras – tem muito a contribuir com a formação do jovem naquilo que lhe é mais peculiar: o questionamento. Desmistificando ideologias e apurando o pensamento crítico das novas gerações, poderemos continuar sonhando, e construindo, um país, não de iguais, mas justo para mulheres e homens que apenas querem viver”.

Isto nos remete à contribuição que a sociologia pode dar para o desenvolvimento do pensamento crítico, não porque teria um conteúdo imprescindível – não devemos pensar de modo messiânico na sociologia. Nem o pensamento crítico se desenvolve devido à aprendizagem de algum tipo especial de conteúdo. Como Gilson bem expressou, a sociologia tem a contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico, ao lado de outras disciplinas, pois promove o contato do aluno com sua realidade, e podemos acrescentar, bem como o confronto com realidades distantes e culturalmente diferentes. É justamente nesse movimento de distanciamento do olhar sobre nossa própria realidade e de aproximação sobre realidades outras que desenvolvemos uma compreensão de outro nível e crítica.

A cientista política Marta Zorzal e Silva (2000), numa interessante reflexão sobre as mudanças no mundo contemporâneo – no campo das tecnologias, nas relações de trabalho e nas relações culturais – afirma que a informação tornou-se elemento estratégico para o mundo globalizado devido “aos impactos dos processos que têm sido denominados de globalização”.

A autora ainda observa que “a informação em si é um dado bruto (...) o ato de transformar a informação em conhecimento não é uma tarefa simples. Exige capacidade de processamento da mesma. Significa (...) saber o que pode ser feito com os “tijolos de saberes” que o sistema de ensino fornece (...) isto implica em capacidade de raciocínio, de questionamento, do confronto de outras fontes e experiências, enfim, habilidades que se adquire ao ser treinado a ver os mesmos panoramas a partir de diferentes perspectivas. Essa é a habilidade que se adquire por excelência com o estudo das ciências humanas e, em especial, com a filosofia e a sociologia. É da essência destes campos de conhecimento a tarefa de desenvolver o pensamento, sem nenhuma utilidade ou objetivo prático. A preocupação maior está em educar o olhar e processar tanto informações como saberes já produzidos”.

Diante do desafio de nosso tempo ela questiona a nossa capacidade de desenvolvermos o gerenciamento da informação para que possamos ter competitividade no mercado global. Mas lembra que a maioria dos países do Leste Asiático superou suas condições e tornaram-se competitivos. Entre os vários fatores que permitiram esse avanço, Marta Zorzal afirma que se destaca a educação: “todos construíram sólidos alicerces fundados na boa educação pública estendida a maioria da população”. Mas a educação deve conter esse aspecto de permitir o confronto de diferentes perspectivas e que é por excelência o que faz a sociologia.

O que retemos dessas reflexões é que o conhecimento sociológico é compreendido como algo que poderá beneficiar o educando à medida que lhe permita uma análise mais acurada da realidade que o cerca e na qual está inserido. Mais que isto, a sociologia constituiria uma contribuição decisiva para a formação da pessoa humana, já que nega o individualismo e demonstra claramente nossa dependência em relação ao todo, isto é, à sociedade na qual estamos inseridos. Ou, segundo a socióloga Cristina Costa (1997), “o conhecimento sociológico é mais profundo e amplo do que a simples formação técnica – representa uma tomada de consciência de aspectos importantes da ação humana e da realidade na qual se manifesta. Adquirir uma visão sociológica do mundo ultrapassa a simples profissionalização, pois, nos mais diversos campos do comportamento humano, o conhecimento sociológico pode levar a um maior comprometimento e responsabilidade para com a sociedade em que se vive”.

3.1 O discurso oficial brasileiro e o ensino de ciências sociais

Também encontramos uma visão favorável ao ensino das ciências sociais no discurso oficial sobre educação. É preciso ver que as mudanças propostas pela LDB de 1996 e pelos PCNs implicam um profundo reordenamento político-pedagógico. O que significa a construção e implantação de um projeto pedagógico (organização curricular, orientação metodológica, organização administrativa, recursos etc.) que se paute efetivamente pelos seguintes princípios: Flexibilidade, Autonomia, Identidade, Diversidade, Interdisciplinaridade e Contextualização. Fundamentado nestes princípios, o objetivo do Ensino Médio está expresso no vínculo dessa etapa da educação escolar “com o mundo do trabalho e a prática social”. A orientação é para dirigirmos nossos programas, atividades, projetos e currículos para a “preparação básica para o trabalho” e para o “exercício da cidadania”, que seriam os dois grandes eixos norteadores que definem o novo sentido para o antigo 2º grau. Essas orientações estariam norteadas pelos quatro pilares da educação como propõe a UNESCO e reinterpretados pela reforma educacional brasileira: o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a conviver e o aprender a ser.

Para os documentos oficiais, as ciências sociais contribuiriam no que tange à “compreensão das práticas sociais”, à “preparação básica para o trabalho” e ao “exercício da cidadania” ou, ainda, para o desenvolvimento de uma estética da sensibilidade, uma política da igualdade e uma ética da identidade. Exatamente devido a essa compreensão, a LDB, em seu artigo 36, estabelece que “ao final do ensino médio o educando demonstre (...) domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania”; também a resolução nº 3/98, em seu artigo 10, inciso i, parágrafo 2º, diz que “as propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para (...) conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania”; por fim, podemos acrescentar, os PCNs (Ensino Médio, volume 4, na página 11) orientam que “o objetivo foi afirmar que conhecimentos dessas (...) disciplinas são indispensáveis à formação básica do cidadão, seja no que diz respeito aos principais conceitos e métodos com que operam, seja no que diz respeito a situações concretas do cotidiano social”.

O problema é que, ainda que o discurso oficial seja claro no sentido da aprovação da presença das ciências sociais nos currículos escolares, em muitos estados brasileiros vigora a proposta, pouco clara, de se organizarem módulos de ensino, ou de se diluírem os conteúdos específicos dessas disciplinas no programa curricular de história e geografia. Os argumentos são os mais absurdos: desde a falta de professores em número suficiente – ainda que não se disponha de dados nesse sentido – até o aumento de despesa com pessoal. Ou seja, aprovação em nível do discurso, aliada a uma prática de rejeição sistemática.

A mais absurda de todas as justificativas levantadas para vetar a inclusão das disciplinas, no entanto, é o fato da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e dos Parâmetros Curriculares Nacionais não “determinarem” o ensino da sociologia e da filosofia por meio de disciplinas. De fato, a Lei 9.394/96, em seu Artigo 36, Parágrafo 1º, item III, reza que ao final do Ensino Médio o educando deverá demonstrar "domínio dos conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários para o exercício da cidadania", mas não estabelece que seu ensino seja incluído entre as disciplinas do núcleo básico, aquelas consideradas obrigatórias. Os PCNs para o Ensino Médio, volume 4, na página 11, após referir-se aos conhecimentos da história, geografia, sociologia, filosofia, antropologia, direito, política, economia e psicologia, estabelecem que “tais indicações não visam a propor à escola que explicite denominação e carga horária para esses conteúdos na forma de disciplinas". E mais adiante, na página 22, afirma que esses conteúdos "agrupados e reagrupados, a critério da escola, em disciplinas específicas ou em projetos, programas e atividades que superem a fragmentação disciplinar (...)". Ora, a LDB, que tem força de lei, não orienta sobre o modo de introdução desses conhecimentos. Já os PCNs deixam em aberto, mas não descartam a possibilidade de organização de disciplinas, que ficaria a critério da escola. É interessante observarmos, ainda, que tratam num mesmo nível de importância a história, a geografia, a sociologia ou a filosofia. Portanto, afirmar que não devemos estabelecer as disciplinas nos currículos escolares por coerência à lei é distorcer as orientações contidas nesses documentos que em nenhum momento proíbem sua implantação. E se lançarmos mão desse argumento ele terá que servir também para a história e geografia, o que nos leva ao ponto inicial. Outra crítica que podemos fazer é se é possível uma aprendizagem significativa da percepção sociológica na forma proposta ou se a aprendizagem de formas de pensamento somente são efetivas se os alunos têm contato direto com especialistas da área em questão. O papel do especialista, neste caso, torna-se muito importante a não ser que o objetivo seja a transmissão pura e simples de conteúdos conceituais, o que contraria de modo gritante a orientação dos próprios Parâmetros.

Além dessa contradição, se as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e da Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira (LDB) são, sem dúvida alguma, fonte de importantes reflexões sobre uma possível contribuição das ciências sociais enquanto disciplina do nível médio, por outro lado, carecem de uma orientação metodológica e didática apropriada ao ensino dessa disciplina. Falta ao texto oficial, portanto, sugestões para a operacionalização do ensino escolar das ciências sociais, reflexo da precariedade de nossa reflexão pedagógica.

4. Intervindo no debate: reprodução e militância no ensino de ciências sociais

Diante do debate que vem se intensificando na sociedade brasileira acerca do retorno da sociologia no ensino médio – mais restrito, porém, aos meios escolares, à academia e às listas de discussão e fóruns da internet, com pouca repercussão na grande mídia – e da necessidade de construir a legitimidade social da disciplina nos currículos escolares, deve-se levantar algumas observações que, ao meu ver, apontam para problemas concretos relativo ao ensino de sociologia na escola de nível médio.

Os cientistas sociais não contam com larga experiência nesse nível de ensino, ao contrário, por exemplo, de seus colegas historiadores e geógrafos. As experiências com o ensino de sociologia no ensino médio são bastante dispersas entre regiões do país e profissionais e contam com a agravante de não existir uma rede de comunicação e diálogo que favoreça maior intercâmbio de idéias e experiências práticas. Na maioria das vezes, as experiências com o ensino não são registradas, não integram um sistema cumulativo de experiências históricas da comunidade de cientistas sociais e nem sempre estão amplamente disponíveis. As licenciaturas em ciências sociais estão organizadas de tal modo que as disciplinas didáticas são cursadas ao final da graduação, como que por mera obrigação curricular. Normalmente o que se vê são cursos de ciências sociais voltados para o bacharelado, para a formação do pesquisador e para a reprodução de uma dicotomia entre ensino e pesquisa que não é mais possível sustentar. Ainda que a Sociologia sempre tenha estado intimamente ligada à problemática da educação, que é responsável por um extenso campo de pesquisas desde sua fundação, a figura do pesquisador é que é posta em relevo, não a do educador.

Um outro problema relativo é o que diz respeito aos livros existentes no mercado, que já demonstram muito do que se concebe, em termos teóricos e metodológicos, sobre o ensino de Sociologia nessa etapa da educação básica. A concepção dos objetivos do ensino de sociologia, seu sentido no ensino médio, a seleção e o arranjo dos conteúdos, bem como as propostas didáticas para a sala de aula (quando existem) denotam uma compreensão específica que deve ser investigada e que não se restringe aos livros didáticos, mas se reproduz nos planos de curso e estratégias de ensino-aprendizagem adotadas.

4.1 Ensino de Sociologia no nível médio: qual Sociologia?

Ao afirmar a pouca legitimidade da sociologia enquanto disciplina do ensino médio e, como conseqüência direta desse fato, a necessidade da construção de um consenso social mínimo quanto a sua importância nos projetos pedagógicos das escolas, parto da idéia de que o problema da legitimidade da disciplina, os apontados anteriormente nos textos oficiais e nos livros didáticos/ planos de curso, bem como a não existência de um campo de estudos consolidado sobre ensino de sociologia, têm uma origem comum: a falta de tradição das ciências sociais nos meios escolares e sua intermitência enquanto disciplina escolar.

Normalmente, a explicação recorrente para a quase nenhuma tradição das ciências sociais no ensino médio é dada estabelecendo-se como “causa” a sua intermitência nas reformas educacionais, que por sua vez teria como “causa” uma orientação política consciente, de recorte ideológico conservador que atenderia aos interesses das elites capitalistas; explica-se tal situação lançando-se mão, ainda que implicitamente, da noção de escola como aparelho ideológico do Estado e de educação como recurso estratégico para a dominação política. Não que esta hipótese seja inválida, porém, proponho  que o efeito, nesse caso, seja a causa. Explico: a falta de legitimidade social da disciplina, a percepção de “irrelevância” desse conhecimento no ensino médio, deve-se provavelmente a duas razões que se apresentam na inserção e desenvolvimento das ciências sociais no Brasil: uma forte vocação acadêmica e enciclopédica associada, em um determinado período, a uma crítica marxiana sobre a realidade do país, nem sempre com objetivos científicos e até mesmo bastante dogmática e ortodoxa.

A situação descrita anteriormente, como a vejo, pode ser expressa do seguinte modo: a carência de reflexões e orientações pedagógicas dos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes ao ensino de ciências sociais, o conteúdo teórico dos livros didáticos e o modo como são organizados os planos de curso têm como origem dois vieses nas práticas pedagógicas dos professores do ensino médio: o academicismo – que, em grande medida, reproduz os modelos aprendidos na graduação – e a militância ideologicamente orientada – que, por sua vez, é responsável pelo recorte específico dos conceitos e temáticas normalmente trabalhados ou, até mesmo, pelo sentido dado a certos conceitos sociológicos. Esses dois vieses acabam por contribuir tanto para uma baixa qualidade no ensino dessa disciplina, quanto para sua pouca legitimidade social. Aliás, nesse sentido me apóio nas reflexões de Luiz Costa Pinto, em O ensino de Sociologia na escola secundária, de 1947. Não é preciso dizer que tal interpretação seja uma hipótese que ainda necessita ser confirmada. Porém, a mim me parece que tanto Florestan Fernandes, quanto Luiz Costa Pinto problematizaram aspectos dessa questão em seus escritos, como vimos anteriormente.

Ademais, afirmar que a disciplina deve se fundar em certos valores políticos ou que deve assumir uma orientação política – seja ela qual for – não significa eliminar a preocupação com a aprendizagem, com a qualidade do ensino e com a honestidade intelectual que deve permear o trabalho do professor, seja em que área for sua formação. O que defino como ensino militante, portanto, não é a existência de uma postura política por parte de professores de tal ou qual disciplina ou o ensino dos conhecimentos acerca da realidade social produzidos pelas ciências sociais e validados por meios de verificação científica o que, vale lembrar, os tornam sempre criticáveis – falsificáveis –, mas simplesmente o fato de se reduzir o ensino de uma disciplina científica ao ensino de uma ideologia específica, dotada de valor de verdade. Aliás, assim é ou deveria ser o ensino de qualquer ciência: como tal, ela deveria ser apresentada como sempre e necessariamente provisória, uma instituição social e histórica cuja verdade é, sempre e necessariamente um acordo intersubjetivo; do contrário, estaremos sendo dogmáticos e desonestos em relação à nossa ciência, quando não ensinando idéias bem pouco adequadas à compreensão de uma determinada situação histórica e cultural.

É interessante observarmos que tanto o que chamo de ensino academicista, quanto o que chamo de ensino militante caracterizam uma carência enorme em nossa área de saber: a falta de pesquisas sobre ensino de ciências sociais, a falta de produção de bons livros didáticos, a falta de preocupação com estratégias de ensino-aprendizagem dos conhecimentos produzidos pelas ciências sociais, a falta de interesse pela disseminação desses conhecimentos entre um público leigo, entre outros.

4.2 O sentido do ensino sociológico: desenvolver uma nova atitude cognitiva

As respostas sobre a importância e a especificidade da sociologia referem-se tanto a uma abordagem especial – que nenhuma outra disciplina promoveria –, quanto aos conteúdos de nossa ciência – seu quadro teórico-conceitual. Estaria o sentido do ensino de sociologia na construção de um plano curricular? É tecendo um elenco de conceitos ou temáticas que estaremos delimitando o campo da disciplina nos currículos do ensino médio? Temos dado muita ênfase ao velho debate acerca do ensino conceitual ou temático que não fazem mais que tornar o professor de sociologia um arquiteto de planos de curso, empobrecendo a possibilidade da sociologia na escola na mesma medida em que a aproxima dos conhecimentos já instituídos, que fornecem retratos de um mundo estático e a falsa identidade do saber com a noção corrente de verdade.

Creio ser interessante nos voltarmos exclusivamente, neste momento, para a abordagem específica da sociologia ou das ciências sociais sobre a realidade humana como meio de tornarmos ainda mais precisa sua distinção em relação às demais disciplinas do nível médio e, a partir disto, explicitarmos sua importância e sua identidade. Para isto, quero começar dando um exemplo tirado de outra área: qual a especificidade da educação musical, que lhe garante significado enquanto disciplina escolar em meio a outras disciplinas estéticas? Para alguns professores, a música não tem sua importância por desenvolver, dizendo de um modo geral, a sensibilidade estética dos alunos. Ora, desenvolver a sensibilidade é algo que pode ser feito pelas Artes Plásticas, pela Dança ou pela Literatura. A sensibilidade para o Belo é desenvolvida, em graus diferentes, por diversas disciplinas, inclusive por outras não ligadas diretamente às artes. Mas a Música guarda uma especificidade que está relacionada ao desenvolvimento da sensibilidade auditiva. E nisso ela se difere de qualquer outra. Este exemplo é interessante porque nos serve de analogia. A história e a geografia também produzem conhecimentos sobre o mundo social. E dizer que seus olhares são distintos do olhar sociológico já virou lugar comum.

Que é que tem o olhar sociológico que é diferente do olhar dessas outras disciplinas?

Uma pista para respondermos a isto está numa importante reflexão do antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira em uma aula inaugural para o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, de 1994. Ele discorreu sobre o olhar, o ouvir e o escrever como atos cognitivos, mas que se revestem de um caráter especial enquanto constitutivos do conhecimento antropológico e sociológico. O autor nos lembra que o olhar e o ouvir são disciplinados pela teoria e possuem uma intencionalidade, isto é, são dirigidos pela nossa formação em ciências sociais e, portanto, são seletivos. Nas palavras do autor, “esse esquema conceitual [nossa teoria social] – disciplinadamente aprendido durante o nosso itinerário acadêmico, daí o termo disciplina para as matérias que estudamos –, funciona como um prisma por meio do qual a realidade observada sofre um processo de refração”.

Ora, se ocorre esta domesticação do nosso olhar, do nosso ouvir e do nosso escrever pela formação disciplinada em ciências sociais, podemos afirmar que o contato dos jovens educandos com essas teorias, ainda que formatadas pela didática necessária ao nível médio de ensino, irá produzir neles uma percepção, uma compreensão e um modo de raciocínio que nenhuma outra disciplina poderá produzir. É exatamente essa compreensão ou essa percepção específica que indica a identidade da sociologia e que fornece seu sentido enquanto disciplina do ensino médio, não os seus conteúdos em si mesmos.

Outro antropólogo, Louis Dumont (1997) relata um acontecimento que ele acredita demonstrar a importância desse tipo de conhecimento. Diz o antropólogo,

"Permitam-me aqui uma anedota que apresenta um exemplo surpreendente de apercepção sociológica. Mais ou menos no final da preparação para o Certificado de etnologia, um condiscípulo que não se destinava à etnologia contou-me que lhe sucedera uma coisa estranha. Ele me disse mais ou menos o seguinte: outro dia, num ônibus, percebi de repente que não olhava para os meus companheiros de viagem como de costume; alguma coisa havia mudado em minha relação com eles, em minha maneira de me situar com relação a eles. Não havia mais "eu e os outros"; eu era um deles. Durante um longo momento me perguntei pela razão dessa transformação curiosa e repentina. De repente ela me surgiu: era o ensinamento de Mauss". Conclui Dumont: "O indivíduo de ontem sentia-se social, percebera sua personalidade como ligada à linguagem, às atitudes, aos gestos, cuja imagem era devolvida pelos vizinhos. Eis o aspecto humano essencial de um ensino de etnologia".

Podemos acrescentar: eis o sentido do ensino de sociologia. Mais que desvelar os chamados “problemas sociais” ou de ensinar um elenco sem fim de conceitos, o desenvolvimento da apercepção sociológica a que se refere Dumont é de fundamental importância. Para este autor, a sociologia atua contra a mentalidade individualista do homem moderno. Foi com o advento da modernidade e a formação das sociedades capitalistas que a ideologia individualista se constituiu em ideologia hegemônica, fornecendo a base para as representações ainda vigentes sobre o indivíduo, as relações ou interações humanas ou a política. Somente com o devido distanciamento de nossa própria sociedade e por meio de um olhar comparativo podemos perceber que nossa visão de mundo é mais uma entre tantas outras igualmente legítimas, resultantes do fato de que outros homens, de distintos lugares e tempos, organizam-se e vivem de maneiras diferentes da nossa. Tanto quanto essa apercepção nos permite, num duplo movimento, compreender nossa própria realidade pela descoberta inusitada de aspectos e relações antes insuspeitas. E assim chegamos à compreensão do quanto há de dependência onde vemos liberdade, do quanto há de diferença onde pensamos homogeneidade e do quanto há de hierarquia quando insistimos em ver igualdade. Talvez aí esteja a grandeza do estudo e ensino da sociologia: rasgar os véus das representações sociais e compreendê-las sob uma nova ótica, elas próprias como produtos sociais.

A apercepção sociológica de que trata Dumont não é fruto tão somente do conhecimento cognitivo de teorias sociais, pois se dá por meio do olhar e do ouvir como bem descreveu Roberto Cardoso de Oliveira, mas não de um olhar e um ouvir quaisquer, porém educados de um modo todo especial, como nos lembra Marta Zorzal.  Um olhar e um ouvir disciplinados pelo quadro teórico-conceitual e pela experiência em campo. No entanto, não podemos esperar muita “experiência de campo” no Ensino Médio, nem é nosso objetivo formar sociólogos ao fim dessa etapa do ensino escolar. Aqui, trata-se de promover o contato cognitivo do aluno com o pensar sociológico ainda que, na medida do possível, por meio da organização de algumas possibilidades de experiência com pesquisa.

A questão metodológica fundamental é: seja qual for o conteúdo, ele será sempre um meio para se atingir o fim: o desenvolvimento da perspectiva sociológica. Mais que discorrer sobre uma série de conceitos, a disciplina pode contribuir para a formação humana na medida em que proporcione a problematização da realidade próxima dos educandos a partir de diferentes perspectivas, bem como pelo confronto com realidades culturalmente distantes. Trata-se de uma apropriação, por parte dos educandos, de um modo de pensar distinto sobre a realidade humana, não pela aprendizagem de uma teoria, mas pelo contato com diversas teorias e com a pesquisa sociológica, seus métodos e seus resultados. Nesse sentido, o objetivo do ensino de sociologia como, aliás, deveria ser o de qualquer ciência, é proporcionar a aprendizagem do modo próprio de pensar de uma área do saber aliada à compreensão de sua historicidade e do caráter provisório do conhecimento – expressões da dinâmica e complexidade da vida.

No caso da sociologia, isso pode ser conseguido por meio de uma tomada de consciência sobre como a nossa personalidade está relacionada à linguagem, aos gestos, às atitudes, aos valores, à nossa posição na estrutura social – nas palavras de Dumont: para que o indivíduo de ontem torne-se social, não mais ele e os outros, mas ele em meio aos outros. E isso por meio da aproximação da metodologia de pesquisa à metodologia de ensino, bem como por ações pedagógicas que busquem desvelar e discutir narrativas sociais, sejam elas científicas, literárias e outras – suas implicações, seus dilemas, o que falam da heterogeneidade cultural e da estrutura social. Ensinar sociologia é, antes de tudo, desenvolver uma nova postura cognitiva no indivíduo.

Pode-se mesmo argumentar que tais competências também podem ser desenvolvidas pelas disciplinas de história e geografia, mas este é um argumento que não se sustenta. Senão vejamos, a história e a geografia podem tratar as questões referentes à crítica social e à diversidade cultural, mas de um modo secundário ou periférico; outras vezes numa perspectiva descritiva. Não se trata de objetivos principais de suas propostas. Além do que, tradicionalmente essas disciplinas têm-se voltado para “conteúdos” exigidos principalmente pela instituição do vestibular. Por fim, existe uma distância muito grande entre as discussões temáticas – reforma agrária, exclusão social, mudança social, sexualidade, democracia, consumismo, representação política, família, direitos humanos, sindicato, gênero, violência etc – e o desenvolvimento de modos de pensar.

Seria impossível codificar as reações de espanto e curiosidade ou as mudanças sutis de percepção e linguagem produzidas nos jovens que já tiveram o privilégio do contato com a ciência social. Menos no trato com as teorias sociais e mais na postura dos alunos diante da vida em sociedade; menos no discurso informado por conceitos sociológicos – às vezes bem complexos –, mais nos olhares de quem se encontra em face de um enigma é que se pode aferir quão importante se torna para os alunos a descoberta sobre como nossa vida é perpassada por forças nem sempre visíveis – por nossa simples pertença a um grupo social. E não a um grupo social qualquer, mas a esse grupo, com sua identidade, posição na estrutura social, símbolos e recursos de poder. Quando o aluno compreende que os cheiros, os gestos, as gírias, as tensões e conflitos, as lágrimas e alegrias, enfim, o drama concreto dos seus pares, é em grande medida resultante de uma configuração específica de seu mundo, então a sociologia cumpriu sua finalidade pedagógica. No fim das contas, é a cidadania e a democracia de nosso país que saem ganhando.

5. Bibliografia consultada

ABA. 1995. O ensino da Antropologia no Brasil – temas para discussão. Rio de Janeiro.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília, Ministério da Educação, 2000, vol. 4.

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COSTA, Cristina. 1997. Sociologia - introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna.

DUMONT, Louis. 1997. Homo Hierarchicus - o sistema das castas e suas implicações, São Paulo:Edusp.

FERNANDES, Florestan. 1975. "O ensino da Sociologia na escola secundária brasileira". In: A Sociologia no Brasil.  Petrópolis: Vozes. Originalmente publicado nos Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia, 21-27 de junho de 1954, em São Paulo.

GUIMARÃES, Elizabeth. 1999.  A Sociologia no vestibular e mini curso de sociologia para o ensino médio: experiências da Universidade Federal de Uberlândia.  MG, Uberlândia, UFU, mimeo.

LEITE, Gilson Teixeira. 2000. “As várias reformas”, in Jornal A Gazeta, artigo publicado em 11 de dezembro.

MEKSENAS, Paulo. 1994. Sociologia. Coleção Magistério. São Paulo, Cortez. 2ª edição.

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POVIÑA, Alfredo. 1969. “Projeto de um programa comum de Sociologia”. Quito, III Congresso de Sociologia da Associação Latino-Americana de Sociologia (A.L.A.S.), 1955. In: Dicionário de Sociologia Globo, São Paulo/ Porto Alegre, Editora Globo, 4ª edição, (1ª edição de 1961). Tradução do professor João Baptista Aguiar.

SARANDY, Flávio. “Reflexões acerca do sentido da sociologia no Ensino Médio”. In: Espaço Acadêmico – Revista Eletrônica Mensal, Ano I, nº. 05, outubro de 2001. ISSN: 1519.6186. http://www.espacoacademico.com.br .

ZORZAL E SILVA, Marta. 2000. Artigo publicado em 11 de dezembro em Gazeta Mercantil, sem referências.



[1] Mestrando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e professor de Ciências Sociais do Ensino Médio e Superior em Vitória (ES), Brasil. E-mail: fsarandy@globo.com

[2] Este paper é parte do projeto de mestrado do autor, sob a orientação do Professor Dr. Peter Henry Fry. Um texto anterior a este, mas que lhe deu origem, foi publicado como Reflexões acerca do sentido da Sociologia no Ensino Médio em Espaço Acadêmico – Revista Eletrônica Mensal, Ano I, nº. 05, outubro de 2001. ISSN: 1519.6186.http://www.espacoacademico.com.br


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