Fiéis virtuais: estudo antropológico sobre a presença religiosa na internet.

Autor: Jonatas Dornelles - mestrando em antropologia social - Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Brasil.

Contato: jonatasdornelles@terra.com.br
http://www.megabaitche.hpg.com.br/jonatas/jonatas.html

Elaborado em: Porto Alegre, agosto de 2002.

Dentro do panorama amplo sobre estudos de sociedade e religião cabe investigar uma situação específica: a penetração da religião na rede mundial de comunicação entre pessoas que se estabelece a partir da internet. De um lado temos o fenômeno religioso, ora mais próximo, ora mais distante da sociedade. E essa discussão se estende, já que há divergências sobre essa associação entre religião e sociedade. Alguns pensadores defendem a dissociação entre uma e outra. Outros pensadores apostam na associação entre religião e sociedade ou então que a presença religiosa estaria mais fortemente presente em determinados setores sociais.

De outro lado temos a internet que, dentro de um conjunto de avanços tecnológicos da humanidade, potencializa o processo de comunicação entre pessoas. Nesse contexto, o acesso à informação torna-se cada vez mais automático e simples. Através do processo de virtualização a sociedade cria um "novo mundo”, o “on-line”. A sociabilidade não mais necessita da conexão tempo-espacial característica do “mundo off-line”. É possível interagir socialmente fora do mesmo tempo, fora do mesmo espaço, ou fora de ambos. 

A presente investigação busca perceber de que maneira a religião vai tomando seu lugar nesse novo mundo on-line. Será escolhido o caso da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Devemos partir do princípio que o “on-line” não é nada mais do que uma extensão da sociedade. Uma série de estudos sobre fenômenos sociais intermediados pela internet parecem exaltar demasiadamente a situação on-line como autônoma. Na verdade são trabalhos que pecam por não levarem em conta a regra básica de que no mundo on-line nada se cria, tudo se potencializa. A internet opera a partir do fenômeno de virtualização, que é muito antigo na humanidade. Devemos compreendê-lo como uma desconexão tempo-espacial. A partir dela uma série de outros fenômenos ocorrem. Mais adiante veremos alguns deles.

Uma investigação sobre a presença religiosa na internet deve partir de uma discussão ampla sobre a relação entre religião e sociedade. Ou melhor, em uma discussão sobre secularização e dessecularização do mundo. Antes de mais nada devemos tentar elucidar de que maneira a religiosidade está presente modernamente na sociedade.

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Berger sustenta a tese de que o mundo atual não é secularizado. “O mundo de hoje, com algumas exceções que logo mencionarei, é tão ferozmente religioso quanto antes, e até mais em certos lugares” (Berger, 2001:10). Ele combate a idéia de que no mundo a modernização tenha levado a uma diminuição da religiosidade na sociedade e na mentalidade das pessoas. De fato ele considera que realmente a modernidade tenha alguns efeitos secularizantes em alguns lugares mais que em outros, mas também motivou fenômenos contrários à secularização.

Berger também diferencia dois níveis onde a secularização pode operar: a nível societal e a nível da consciência individual. Nesse caso podemos ter, por exemplo, a perda de poder e de influência das instituições religiosas enquanto práticas, novas ou antigas, embora continuem fazendo parte da vida das pessoas. Como resultado pode-se ter ou a institucionalização dessas práticas, ou a manifestação de explosões de movimentos religiosos. Por outro lado, uma instituição religiosa pode permanecer atuando socialmente ou politicamente enquanto poucas pessoas manifestem adesão a ela.

Pierucci defende que não houve secularização do mundo. Na verdade (Pierucci, 1997:101) os dados mostram que na Europa, nos países tidos como mais secularizados, a porcentagem de pessoas que declaram que crêem em Deus supera a de que se declara ateu. Esse quadro é ainda mais nítido no final do século XX. No entanto, ele acredita no declínio da religião no mundo moderno. A religião perdeu espaço indo parar na vida individual privada.

Pierucci  critica a idéia de uma secularização linear e evolutiva. Na verdade existem momentos de expansão do campo religioso e de contração.

"A secularização consistiria, assim, em momentos em que os limites do campo religioso (muitas vezes arbitrários, posto que sempre cambiantes) alternadamente se contraem e se expandem." (Pierucci, 1997:111)

Ao refletir sobre os secularização e dessecularização Campbell nos apresenta uma outra perspectiva. Para o autor estamos vivendo contemporaneamente um processo de “orientalização” do ocidente.

"Apresento de imediato minha tese: ocorre atualmente no Ocidente um processo de "orientalização", caracterizado pelo deslocamento da teodicéia tradicional por outra uma que é essencialmente oriental na sua natureza." (Campbell, 1997:5)

Campbell trata da substituição, no ocidente, do paradigma que caracterizou o mundo ocidental pelo paradigma oriental. Mais especialmente ele trata das idéias orientais absorvidas ou assimiladas no ocidente com a conseqüente transformação delas. Ele prioriza os desenvolvimentos culturais e intelectuais orientais que se deram dentro do ocidente.

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A característica principal para se compreender o virtual está nele ser um processo que rearticula as noções de espaço e tempo. Embora ser constantemente, nos dias de hoje, associado à tecnologia informática, seu surgimento data do surgimento da espécie humana. A humanidade surgiu a partir desse processo de virtualização, segundo Pierre Lévy (Lévy, 1996). Para ele “a espécie humana emergiu a partir de três processos de virtualização: desenvolvimento das linguagens, multiplicação das técnicas e complexificação das instituições” (Lévy, 1996:71). A linguagem virtualiza o “tempo real”. Às ferramentas coube a virtualização da “ação” (Lévy, 1996:75), ou seja, do corpo e do ambiente físico. Com o crescimento das relações sociais surge a “virtualização da violência” (Lévy, 1996:77), que trata de ordenar o conjunto de forças e impulsos existentes na sociedade humana.

Outra característica do virtual é não estar em oposição ao real. Pierre Lévy considera o virtual como o oposto do atual. Critica a oposição vulgar entre virtual e real. Pelo contrário, “a virtualização é um dos principais vetores da criação de realidade” (Lévy, 1996:18), sendo que quase sempre não está presente. Essa seria a primeira característica específica do virtual. No caso de uma comunidade virtual essa característica fica clara ao lembrarmos que há uma desterritorialização. O grupo existe, seus projetos, afinidades e interações sociais, mas não está presente no aqui e agora, não tem lugar estável.

Por não ser estável pode estar presente em qualquer lugar a qualquer hora. Sendo essa a segunda característica do virtual: tempo e espaço são substituídos, respectivamente, por interconexão e sincronização. O resultado imediato é o surgimento da cibercultura, que deve ser considerada “como  ‘movimento social’ liderado pela juventude metropolitana escolarizada e guiado pelas palavras de ordem: interconexão, criação de comunidades virtuais e inteligência coletiva” (Lévy, 1999:123).

Uma característica importante do ciberespaço, apresentada por Rocha, é a possibilidade que o indivíduo tem de escolher seu papel (Rocha, 1996). Não fica exposto, é representado pelo seu imaginário. O indivíduo tem o poder de estar, através da Internet, presente em todo o mundo. Da mesma forma que todo o mundo pode acessá-lo, pois ele tem um lugar só seu.

Rocha lembra do "sentido místico" do ciberespaço. Ele decorre fundamentalmente do fato de nossas leis ordinárias (do mundo off-line) não terem validade no lado de lá – on-line  (Rocha, 1996). Há um certo estado de falta de regras ou pelo menos, outras regras. Rocha também faz menção à inexistência da fisicidade humana no ciberespaço. O computador fica sendo uma “prótese do indivíduo” (Rocha, 1996:8). Um equipamento melhor, que tem um componente de fetichismo e fascinação. Ele possibilita um relacionamento melhor na rede. Pode ser diretamente responsável por uma comunicação melhor, qualitativa e quantitativamente. Pode ser comparado ao universo competitivo masculino, onde há a necessidade, em certos casos, de se ter o melhor carro, o mais veloz, etc. (Rocha, 1996:8). No ciberespaço, para Rocha, existe um desligamento do corpo. Ele se refere a uma nova cultura baseada na trindade de elementos: usuário, portal e ambiente de existência momentânea (Rocha, 1996 ).

Para Airton Jungblut há uma perda de referencial no mundo on-line. Há uma certa fragmentação do eu no mundo on-line (que já era constatado no mundo off-line). Tempo e espaço tornam-se irrelevantes no mundo ciberespacial (Jungblut, 2000). Para esse autor, no mundo ciberespacial há uma potencialização das ações individuais e a aproximação do indivíduo com “poderes mágicos”. A possibilidade que se tem de ir e vir em segundos a distâncias que antes eram quase intransponíveis, buscar informações instantâneas e viver várias identidades faz com que o indivíduo tenha poderes de onipresença, onipotência e onisciência.

 Outra importante característica do mundo on-line é a valorização do anonimato. “...o anonimato é um dos princípios mais valorizados em sociabilidade via Internet” (Jungblut, 2000:137). No chat estudado por Jungblut (“Cem Porcento Jesus”) os usuários recusam o anonimato em grau mais elevado do que o geralmente observado nos demais chats. O motivo explicativo a esse comportamento tem origem no mundo off-line: "como cristãos não devem mentir e não devem ter nada a esconder" (Jungblut, 2000:137).

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Os tipos de sites adventistas variam basicamente conforme o segmento responsável pela sua manutenção. Existem os sites de fiéis, de grupos de jovens/musicais, de igrejas/associações e de instituições anexas. O conteúdo da informação que é vinculada e a abertura para a comunicação entre os fiéis varia conforme esses tipos.

Os "sites de fiéis" podem ser assim chamados porque não se identificam com grupos específicos. São sites que na maioria das vezes apresentam alguma questão sobre a doutrina. Tentam polemizar algum assunto entre os fiéis ou apresentam textos diversos sobre a religião adventista.

Nos sites mantidos por grupos de jovens da igreja a informação é bastante pontual. Neles é informado sobre o grupo especificamente. Geralmente não estão contidas informações gerais sobre a Igreja Adventista. Estão contidas informações sobre endereço de reuniões do grupo, a que igreja está vinculado, agenda de encontros e coisas do gênero. O canal de comunicação também é restrito. Na maioria das vezes há apenas um endereço eletrônico para contato. Em poucos casos existe um link para acessar uma sala de bate-papo (chat). Entretanto, a sala de bate-papo estava sempre sem usuários.

Os sites de grupos musicais (corais da igreja) compartilham da mesma estrutura dos de jovens. Existem informações sobre o grupo, nome dos componentes, história, onde ensaiam, em que igreja estão vinculados, letras de músicas, músicas em formato digital para download [1] , e assim por diante. O canal de comunicação mantido também parece ser muito restrito. Além do endereço eletrônico, em alguns casos existe um “livro de visitas”. Ele é composto por uma lista de pessoas que visitam o site e deixam uma mensagem que fica visível para que outros visitantes possam ler. Esse livro de visitas assume a função de canal de comunicação, já que geralmente um assunto é desenvolvido e tem a participação de várias pessoas recorrentemente.

Tanto nos sites de grupos de jovens, quanto nos sites de grupos musicais existem links para os sites das igrejas/associações e de instituições anexas. A capacidade de integração dos sites de segmentos pequenos parece ser de menor alcance. O canal de comunicação é pequeno. Além disso, eles se referem a um grupo específico de uma determinada cidade. Estão muito atrelados à situação off-line do grupo. Sua situação sugere que não conseguem estabelecer uma rede ampla de comunicação entre os fiéis. Ao contrário dos outros dois tipos, onde há, pelo menos, uma pretensão manifesta de se estabelecer um canal amplo de comunicação entre fiéis e instituição.

Nos sites das igrejas (IASD de tal cidade, onde IASD significa Igreja Adventista do Sétimo Dia) existem mais informações gerais sobre a instituição. É comum obter dados sobre a fundação e desenvolvimento da igreja (ver http://www.asr.org.br/sobre.asp , http://www.asr.org.br/nossahistoria.asp e http://www.cpb.com.br/htdocs/adventismo/fradv.html). Além disso, informações específicas sobre a igreja em questão: endereço, membros da estrutura organizacional, história, etc. Nos sites das associações, a abrangência é maior. Por serem departamentos mais gerais que as igrejas, a informação divulgada segue a mesma linha. Além deles divulgarem a história da igreja no mundo e no Brasil, divulgam os princípios adventistas (ver http://www.cpb.com.br/htdocs/frcrencas.html ). Também é possível acessar, a partir deles, as igreja associadas e os sites das instituições anexas/paralelas.

Os sites de instituições paralelas são aqueles com características mais operacionais. Nesse caso estão os sites que disponibilizam a venda de produtos de “mídia religiosa”. Produtos tais como CDs, DVDs, livros, etc. Assim como um site não religioso de venda de produtos, a venda é efetuada on-line, com cartão de crédito (ou boleto bancário) e entrega em domicílio. Nessa categoria está o site do SISAC – Sistema Adventista de Comunicação (ver http://www.sisac.org.br/site/default.cfm ). Nesse site é possível se informar sobre os horários dos programas adventistas vinculados em rádio e televisão. Assim como as estações de rádio e canais de televisão onde, em cada estado brasileiro, são apresentados tais programas.

No site "Bíblia On-line" é oferecido uma série de cursos bíblicos (ver http://www.bibliaonline.net/ ). Os cursos bíblicos são destinados ao estudo da bíblia. Anteriormente eles eram realizados somente na igreja. Nesse site é possível para o fiel acompanhar um curso bíblico on-line. Além disso, esse site abre um canal para comunicação entre fiéis e pastores. É o “Aconselhamento OnLine”. Os pastores podem se cadastrar no site e ficarem a disposição para consultas dos fiéis para que esses possam tirar dúvidas. Através do “bibliaonline” o fiel pode encaminhar uma pergunta que será respondida por um pastor. Basta “selecionar” a religião e enviar a pergunta.

O site possui um acervo com perguntas já respondidas. Atualmente há 435 perguntas e respostas cadastradas para consulta. Antes de consultar um “Conselheiro Bíblico” o internauta é informado sobre o acervo e orientado a consultá-lo antes de encaminhar a pergunta.

O site também possui demais canais de comunicação. A seção “pedidos de oração” é descrita da seguinte forma:

"Peça aqui sua oração ao Pai que está nos céus em nome de seu Filho, Jesus Cristo. Faça também, seu agradecimento a Deus de tudo que ele tem feito a você.

Seu pedido de oração será enviado às pessoas e grupos de oração espalhados no mundo inteiro, principalmente no Brasil.

 Informe seu e-mail abaixo para que você participe de nossa corrente de oração. Enviaremos um ou mais pedidos de orações feitas por outras pessoas para que você possa orar por elas.” (<http://www.bibliaonline.net/>)

Também é possível dar um Testemunho on-line. A seção “testemunho on-line” é descrita da seguinte forma:

"Você está feliz por algo de bom que ocorreu em sua vida fruto do amor e cuidado de Deus?

Dê o seu testemunho sobre algo marcante que Cristo fêz em sua vida.” (<http://www.bibliaonline.net/>)

O "bíbliaonline" também promove encontros pessoais de fiéis. O fiel interessado pode se cadastrar e ficar disponível para visitar algum irmão morador da mesma cidade.

Além de estudarem a bíblia os adventistas estudam a “lição”. A lição tem a aparência de uma revista. Ela contém ensinamentos bíblicos para serem estudados diariamente. Para cada dia do ano existe um ensinamento. Os textos não são bíblicos, mas remetem à passagens bíblicas. Cada lição dá conta do período de três meses. Em um ano a pessoa utiliza quatro lições. Cada lição possui a espessura de uma revista. Todas as lições - seus textos - são preparados com quatro ou cinco anos de antecedência. Todo o material impresso da igreja adventista (incluindo livros e lições) é editado pela Casa Publicadora Brasileira (ver http://www.cpb.com.br ).

Em seu site é possível comprar todos os produtos editados (inclusive as lições) e acessar o conteúdo da lição. Nessa modalidade existe uma facilidade na consulta das passagens bíblicas. Na lição impressa é indicado um determinado versículo da bíblia e a pessoa precisa pesquisar, folhar e procurá-lo. Na “lição on-line” basta um “clique” em um link para o internauta acessar, automaticamente, a passagem bíblica em questão.

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O Pastor José Garcia coordena o setor de comunicação da Associação Sul Riograndense da Igreja Adventista do Sétimo Dia, localizada em Porto Alegre/RS. A entrevista com ele possibilitou enfocar de que maneira a comunicação via internet é percebida e trabalhada pelo segmento de coordenação da igreja. Mais do que definir a situação atual, serviu para indicar quais os caminhos que a religião, nesse caso a adventista, toma no mundo on-line.

A entrevista serviu para verificar três questões amplas: de que maneira a igreja começou a utilizar a internet como meio de comunicação, de que maneira ela está presente atualmente na igreja e quais são as expectativas para o futuro. De modo geral o Pastor José explica que a internet se transformou atualmente em uma forma de evangelização.

A internet se tornou em um dos meios de evangelização da igreja. Existem pessoas que gostam disso, mas que não se sentem bem em ir visitar uma pessoa e passar a nossa mensagem. Pela internet é virtual, tu não vê a pessoa. Há pessoas que descobrem cinco, seis endereços de e-mail de amigos e passam diariamente uma mensagem.

Na igreja Central de Porto Alegre e em Novo Hamburgo existem dois camaradas que trabalham exclusivamente assim: mandando e-mails, mandando cursos. Existem pessoas que até já se converteram a partir dessa forma de contato. Foi uma maneira de evangelização exclusivamente pela internet.

Foram descobertos aleatoriamente e começaram a se comunicar, se corresponder e acabaram aceitando a Palavra. É uma forma um tanto elitista. É uma conversão lenta. Isso leva mais tempo que outros métodos, mas é visto com bons olhos pela organização porque acessa pessoas que não teriam outra possibilidade de contato.

Quando surgiu essa idéia de usar a internet como meio de comunicação da igreja com seus fiéis?

Isso surgiu aos poucos. Não faz muito tempo que começou. Isso foi acontecendo na medida em que foram sendo despertados certos segmentos da igreja. Isso é feito por pessoas que gostam de navegar pela internet. Por quem gosta de mexer com isso. Essas pessoas vão ganhado espaço na igreja através disso, dando testemunho. Elas dizem: “Olha, estou fazendo esse trabalho e está sendo legal. Tenho por exemplo trezentas pessoas as quais estou me comunicando”. Elas fazem assim...elas pegam uns trezentos endereços de e-mail ao mesmo tempo (banco de e-mail)...nós temos aqui em nossa seção esse banco de e-mails, de funcionários, aposentados da igreja... e mandamos todo o nosso trabalho. O pastor lá de São José do Norte recebe as orientações dessa semana. E assim, então, existe banco de e-mail de irmãos da igreja e eles mandam nossos cursos bíblicos, notícias da igreja...

Eu percebi que existem muitos sites de grupos de jovens e de grupos musicais. Eu gostaria de saber se eles são incentivados a criarem sites pela própria da igreja? Como é a relação entre esse segmento e a igreja? A iniciativa parte desses grupos ou da igreja?

É assim. Nós temos na igreja, além da organização, onze departamentos. Então, cada departamento incentiva atividades com o seu grupo que desenvolve formas com o objetivo final de evangelização. Sempre é evangelização. Até mesmo na educação (escolas). É a meta dos departamentos. Nas escolas é feita de uma forma indireta, não se pode obrigar as pessoas a seguirem. É feita por reuniões, semanas de oração, das leituras...enfim, é uma atividade espiritual que é desenvolvida lá. Então o departamento dos jovens realiza várias atividades com os jovens. E entre eles existem as próprias lideranças que realizam atividades. Por exemplo as vigílias. E da internet eles criaram um site dos jovens da igreja. Então eles mantém atualizado com tudo que se refere aos jovens: mensagens, o que está acontecendo, com todas as atividades. Isso partiu deles e aí a organização dava apoio. A coisa é feita em conjunto. Muita coisa vem de lá pra cá, outras coisas vão daqui pra lá.

A entrevista com o Pastor José mostrou uma naturalização grande em relação à utilização da internet. Os casos citados de evangelização pela rede são aqueles em que o fiel já percebeu a potencialidade da internet. A “timidez” citada pelo Pastor pode ser banida de um meio onde o anonimato prevalece. E mesmo havendo uma identificação, comum entre os internautas cristãos (Jungblut, 2000), a comunicação virtual favorece o contato.

Embora ser uma situação naturalizada, a evangelização virtual é minoritária. Ainda existe o obstáculo da difusão do meio entre a população geral. Porém, isso pode significar a penetração em uma camada que estaria mais distante da igreja: universitários e empresários, por exemplo. A importância da relação entre religião e internet, nesse caso, é significar uma abertura à manifestação religiosa individual. Mesmo ainda não tendo se massificado,  é um campo novo que está sendo explorado devido à potencialidade que oferece.

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As informações coletadas na presente investigação nos possibilitam fazer algumas considerações finais, separadamente e em conjunto. No caso do espaço ocupado pelos sites religiosos é interessante observar ele é proporcionalmente maior no caso da religião evangélica/protestante. A religião evangélica historicamente sempre esteve mais aberta às novas tecnologias (Jungblut, 2000). Essa maior receptividade em relação às novas tecnologias comunicativas está relacionada com sua expansão no Brasil e no mundo. O Censo 2000 mostrou um crescimento na ordem de 80% no número de fiéis evangélicos em comparação com o ano de 1991. Berger se refere ao crescimento do islamismo em países islâmicos e do evangelismo em âmbito mundial. No caso observado da Igreja Adventista isso ficou claro. A instituição já utilizava a comunicação via programas de rádio e televisão. A utilização da internet foi apenas um passo. O Pastor José fala em uma necessidade de se utilizar de todos os meios disponíveis de comunicação.

As opções ao acesso dos fiéis são bem amplas. No caso da Igreja Adventista verificamos uma série de possibilidades de comunicação entre fiéis e entre fiéis e igreja. A internet potencializa a divulgação de informações. Em vários sites foram encontrados os textos referentes à história da religião no mundo e no Brasil. São informações que estão disponíveis tanto para os fiéis, quanto aos não fiéis. Além dessas informações referentes à instituição, a pessoa pode fazer contato com igrejas de outros locais, corais, grupos de jovens, etc. Para um não-adventista, as informações expostas na rede dão conta de toda a dimensão da instituição. Pode, inclusive, iniciar um canal de comunicação com fiéis. Para os fiéis parece ser uma possibilidade a mais para realizar a “evangelização”. Utilizando a potencialidade da internet o fiel pode fazer contato com uma série de pessoas.

Estamos diante do encontro de religião e internet. A união entre a duas é facilitada a partir das características de cada uma. Parece haver um consenso entre os autores em localizar modernamente a religião. Para eles ela passa a crescer como motivação individual. Se na esfera social há uma maior secularização, na individual ela é menor. O “encantamento” continua a fazer parte da vida da maioria dos indivíduos. Dessa forma, a religiosidade continua fortemente presente no mundo moderno. Não devemos nos surpreender ao observarmos a religião tomando espaço através da tecnologia. Aliás, as características dessa forma de tecnologia de comunicação – internet – favorecem a “religiosidade moderna” por potencializar, justamente, as manifestações individuais.

O mundo on-line, com suas características, favorece a expansão individual na direção de uma onisciência, onipresença e onipotência. Nesse caso, se Berger, Pierucci e Campbell, por exemplo, estão corretos em afirmar que a religiosidade está fortemente presente a nível individual, é de se esperar que ela se manifeste em um meio onde o indivíduo tem diante de si uma poderosa ferramenta. Voltamos à regra de que na internet nada se cria, tudo se potencializa.

Essa investigação tratou de perceber de que maneira a religiosidade se manifesta no mundo on-line. Antes de mais nada devemos ter claro que ela decorre de uma situação off-line. Ela é caracterizada, basicamente, por um crescimento do evangelismo e uma forte religiosidade individual. Embora não ser utilizado por maioria dos fiéis, o canal de comunicação proporcionado pela internet oferece amplas possibilidades para a evangelização e até conversão. Mais do que estudar isoladamente a presença religiosa na internet, um estudo sobre conversão e evangelização poderá ter uma parte destinada à discutir essa relação. Aqui tentou-se perceber de que maneira a “religião” toma espaço no mundo on-line. Foi surpreendente observar que ela está disponível a “um clique” do indivíduo.

Como uma contribuição para a discussão entre secularização versus dessecularização, podemos perceber que a religiosidade toma seu espaço mesmo no campo da tecnologia. Dessa forma, contrariamente à idéia secularista de que com o avanço da razão e da ciência a religião ocuparia um lugar a parte e diminuído na sociedade. A melhor maneira de percebermos a presença da religião no mundo moderno é partirmos da premissa de que a “razão” e a “ciência” são “feitas” pelos indivíduos. Não há como a religiosidade acabar se os indivíduos continuam percebendo o mundo, também, de uma forma encantada.

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[1] Download é o processo que permite que um arquivo em rede, nesse caso em outro computador, possa ser gravado no computador do próprio usuário.


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