ESTUDO PRELIMINAR ETNOBOTÂNICO DE PLANTAS DE USO MEDICINAL NA REGIÃO ARQUEOLÓGICA DE CENTRAL - BAHIA, BRASIL.

FLÁVIO DE PAULA1

MARTHA LOCKS1

MARIA BELTRÃO1

MONIQUE AMARAL1

INTRODUÇÃO

 A necessidade do homem em criar medicamentos para curar ou aliviar seus males, partiu de princípios experimentais de contato direto com a natureza. Males esses que, em princípio, criados por uma força maior que, na maioria das vezes, era  denominado Deus.

Pessoas de diversos grupos, adeptos à medicação natural, acham que as doenças foram criadas com um intuito vingativo para punir ou avisar algum acontecimento, crendo que somente a benção dessa força será capaz de afastar esses males. Através dessas idéias surgiram vários outros grupos de consumidores de Plantas Medicinais, como os índios, que preparam seus remédios com plantas retiradas da floresta, pedindo permissão à “mãe natureza” e realizando rituais para purificação do corpo e da alma; da mesma forma como os benzedores, curandeiros e xamãs, com o conhecimento herdado dos magos e feiticeiros do passados. (DI STASI, 1996).

O uso popular de plantas medicinais é uma arte que acompanha o homem desde os primórdios da civilização humana.  Esta prática que repassada por via oral, de geração em geração, traz de nossos antepassados informações, os quais retiravam da natureza, plantas que amenizam ou curavam seus males (PHILLIPS & GENTRY, 1993).  

A população de um modo geral, guarda um saber significativo a respeito de métodos alternativos para curas de doenças mais freqüentes. As comunidades tradicionais possuem uma bagagem maior sobre este assunto, porém esta bagagem vem sendo ameaçada devido à influência direta do uso da medicina ocidental moderna, nas comunidades tradicionais  (QUEIROZ, 1986).

Isso ocorre principalmente por causa dos jovens, que vêem nessa nova cultura, uma forma mais rápida e às vezes eficaz em se tratando de cura, deixando para traz o conhecimento dos seus antecessores, e assim interrompendo o processo de transmissão do saber de geração à geração ( AMOROZO, 1996).

A sociedade indígena ainda é a maior e mais confiável fonte de conhecimento empírico existente atualmente. Devido ao contato permanente com a natureza,  a realidade das soluções e curas para os males que afligem os integrantes desta sociedade, constituem a comprovação do uso direto dos recursos naturais disponíveis no local .

O projeto Central atua desde 1982, no domínio da Chapada Diamantina, no Estado da Bahia, Brasil, onde compreende uma área de aproximadamente 270.000 km2 que possui como centro geográfico o Município de Central (11º 09’S, 42º 07’W). Apresenta cerca de 300 sítios arqueológicos já catalogados e estudados.

A vegetação é caracterizada pela caatinga, podendo apresentar aspectos muitos  diferenciados de um local para outro, ou ate mesmo de uma estação para outra.


Figura 1 - Mapa de localização da área arqueológica de Central.

Algumas adaptações das plantas, são evidentes, para sua sobrevivência na região, como as plantas caducifólias que perdem suas folhas durante a seca, evitando a transpiração durante a seca e economizando água durante o frio, pois a temperatura baixa dificulta à absorção pelas raízes; a redução do porte e aumento das ramificações; além da numerosa presença de espinhentas, suculentas e crassas (grandes armazenadoras de água).

Justificativa

Por apresentar uma deficiência alimentar que pode provocar certas doenças na população e por terem um atendimento médico precário, os sertanejos, tais como caçadores e erveiros buscaram auxílio na medicina natural para o combate aos seus males. A utilização de plantas medicinais é mais disseminada entre os indivíduos de populações mais antigas, pois estes detêm o maior conhecimento, onde os mais velhos ensinam aos mais jovens a importância e o poder das plantas (PHILLIPS & GENTRY, 1993). Mas esse processo de transmissão esta sendo destruído por intermédio da medicina Ocidental, onde esta oferece remédios químicos mais poderosos e de resolução mais rápida; proporcionando a falta de interesse na preservação da cultura pelos jovens (AMOROZO,1996).

A arqueologia proporciona um estudo maior sobre a utilização de plantas medicinais, possivelmente consumidas na pré-história, pelos primeiros hominídeos. É o que retrata  o trabalho de Mendonça et all (1997), que através de escavações foram encontrados ossos humanos. e uma arcada dentária. O estudo dos dentes revelou um sulco interdental associado a uma grande cárie cervical podendo ser relacionado com a possível prática de palitação de função terapêutica.

Considerando que os moradores da região Arqueológica de Central, possuem um certo saber sobre a utilização de Plantas Medicinais, é de interesse para a comunidade científica analisar a origem desse conhecimento, associando-o com possíveis práticas pré-históricas e comparando-o com o material botânico atual e pré-histórico.

Materiais e Métodos

As coletas botânicas foram iniciadas em julho de 1997, quando se observou algumas plantas de interesse medicinal, utilizadas pelos sertanejos para aliviar alguns de seus males. Em 2001, foram feitos alguns contatos com os moradores, para obter informações sobre as pessoas que detêm maiores conhecimentos sobre as plantas tídas como medicinais. Foram indicados os Srs. Waldemar, Paulo, Ivanilson, Francisco, Gil Derlan, Paraseuso, Srª Neuza e a Srª Mariluze. Todos com faixa etária entre 35 a 65 anos de idade. Após serem contactados, demostraram grande interesse em ajudar no estudo proposto. Foram realizadas junto com cada colaborador, excursões para identificação e coleta das espécimes botânicas (DE PAULA et all 2001, 1 e 2).

Foram feitas entrevistas informais-estruturadas através de questionários diretos e com questões abertas, tais como: características do paciente, terapia, preparação do remédio e informações sobre a planta.

Também foram tiradas fotografias no intuíto de ilustrar o habitat, inflorescências, frutescências e aspecto geral da mesma.  O material coletado foi processado, segundo as normas convencionais de herborização (FIDALGO, 1989), partes florais e infrutescências, fixados em álcool etílico a 70º GL. Durante o período de coleta das amostras, foi mantido um caderno de campo para anotações tais como: como data, nome do coletor e nº da coleta, localização, família, espécie, nome vulgar dado na região, nome do informante, habitat, hábito, altura, freqüência, densidade de ramificação, cor da flor, odor, cor do fruto, fase de frutificação, uso medicinal na região, preparo utilizado e outras.

A indicação do uso das plantas e os sintomas expostos pelos colaboradores, foram transcritos para termos clínicos por um acadêmico de medicina para melhor entendimento sobre cada planta estudada.

Na pesquisa sobre os aspectos históricos e socio-econômicos da região, foram consultados os arquivos da Prefeitura Municipal de Central – Bahia e a publicação do SEBRAE – Série Desenvolvimento Regional – Diagnóstico de Municípios da Região de Irecê – Central., 1995.

Resultados

Possível origem do conhecimento popular local - Indígena e africana

O conhecimento atual de ervas, remédios e outros, se deve em grande parte à cultura indígena juntamente com a Afro-Brasileira. 

Segundo o mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju, índios do tronco lingüísticos  Macro-Gê estiveram na Região até o ano de 1671 e os do tronco lingüístico Tupiguarani até o ano de 1594. Mesmo assim dados de viajantes e de padres Jesuítas e Salesianos nos  mostram que estes ficaram mais tempo que o registrado pelo autor. Os Tukãno também aí habitavam, segundo Fernão Cardin e outros.

Foram indicadas 61 espécimes de plantas de utilização medicinal, sendo que algumas só podem ser encontradas em condições boas para a identificação botânica  na época da chuva, o que não nos impediu de coletarmos fragmentos dessas plantas (galhos e pedaços de troncos, cascas e raízes) para organizarmos nossos registros para coletas futuras mais adequadas.

Apresentamos 12 espécies que, uma vez identificadas, formam o elenco botânico do trabalho aqui apresentado.

 Relação das espécies e respectivas utilidades medicinais usadas pela comunidade sertaneja da Região Arqueológica de Central – BA.

NOME CIENTÍFICO

USO  MEDICINAL

Amburana cearensis (Arr.Cam.) A.C.Smith

Dor de barriga –“comida que ofende”, gripe e bronquite

Astronium urundeuva Engl.

Dor de barriga

Bumelia sartarum Mart.

Problemas renais

Caesalpinia ferrea Mart. ex. Tul.

Inflamações – ferimentos, pneumonia

Caesalpinia pyramidalis Tul.

Dor de Barriga, falta de apetite

Cordia leucocephala Moric.

Impotência sexual

Croton paniculatum Muell. Arg.

Dor de barriga, vômito (causados pela “comida que ofende”)

Ipomoea operculata M.

Vermes em geral

Maytenus rigida Mart.

Problemas renais, gonorrêia

Mimosa hostilis Benth.

Antisséptico

Pseudobombax simplicifolium A.Robyns

Quentura na barriga e na uretra

Ziziphus joazeiro Mart.

Dor de barriga e dor de garganta

Discussão

O presente trabalho etnobotânico realizado no período de julho de 1997 e de 2001, teve como objetivo o reconhecimento de espécies medicinais da caatinga, utilizados pelos sertanejos de Central – BA.

Através de entrevistas semi-estruturadas, obteve-se um total de 61 espécimes distribuídas em 32 famílias, onde a predominância das Leguminosae 24,57 % se atesta com 8,19% para cada sub-família (Pappilionoideae, Caesalpinioideae e Mimosoideae). A família Euphorbiaceae apresentou 8,19% de espécimes ocorrentes, sendo que das 12 espécies descritas nesse trabalho 33% pertencem a família Leguminosae, o que nos confirma a predominância do referido grupo como plantas de uso medicinal na região.



Os sertanejos do Município de Central, mesmo em época de seca, fazem  uso de plantas de possíveis propriedades medicinais, ficando caracterizado o uso intenso da casca, em 75%, o que difere do trabalho de Ribeiro (1996), em São João da Cristina – MG,  que apresentou  71% de uso das folhas. Esse fato talvez possa ser justificado pela diferença de umidade existente entre a Mata Atlântica e a Caatinga. As plantas da caatinga possuem uma maior condição de adaptação ao período de seca, pois  apresentarem  estruturas morfológicas adaptadas ao armazenamento de água. Essa condição é o que caracteriza o nome caatinga, “mata-branca”, pois na maior parte do tempo, apresentar uma vegetação caducifólia. Poucos exemplares possuem parte vegetativa com folhas, existentes  na maior parte do ano, como o Ziziphus joazeiro Mart. (joazeiro).


     

O uso de produtos naturais no local da pesquisa se dá principalmente pela extração da matéria vegetativa de porte arbórea, que ocila entre 5 – 6 a 15 – 20 metros de altura, sendo que as micro-regiões de Caatinga em Central, possuem, poucos remanescentes de Caatinga arbórea densa, sendo encontrado principalmente Caatinga arbórea esparsa e Caatinga arbustiva densa.

A forma predominante de uso dos produtos naturais é a infusão e a maceração, isso devido a grande quantidade de seus remédios, serem preparados através de cascas. 

O processo de transmissão do conhecimento empírico, está salvo, em algumas comunidades sertanejas, pois constantemente necessitam da riqueza da flora para sua sobrevivência, explorando o poder medicinal das plantas, o que vem preocupando a comunidade científica, pois a extração em massa de partes vegetativas, como a casca, poderá afetar o equilíbrio ambiental, visto que poderá na maioria das vezes, afetar o desenvolvimento vegetativo ou até mesmo levar a extinção de espécies.


Conclusões

A população sendo em sua maior parte agrícola, sofre constantemente com a seca que continua a castigá-la. Não disponibilizando de recursos para a produção em terra árida, os sertanejos têm uma baixíssima renda, o que dificulta até mesmo sua alimentação, sendo necessário a caça de animais silvestres LOCKS & BELTRÃO, 1994).

Como já anteriormente descrito, a região foi ocupada por alguns grupos indígenas que habitaram essa área, que serviu também como rota de migrações. Algum permaneceram um pouco mais, deixando registros de pinturas rupestres e artefatos. Esses grupos podem ou não ter influenciado as gerações posteriores, sobre as formas de utilização de plantas com finalidades curativas. Os africanos que vieram para o Brasil com mão de obra escrava, ou mesmo os portugueses , que colonizaram o território brasileiro, pode ter colaborado com indicações sobre o estudo de plantas medicinais.

Apesar da região apresentar um longo período de seca os sertanejos conseguem identificar uma determinada planta, apenas por seus aspectos vegetativos visíveis, o que torna ainda mais importante a pesquisa etnobotânica. Podem ocorrer várias enganos sobre o reconhecimento das plantas, provocando  intoxicações, visto que a utilização das plantas ditas medicinais, ocorre tanto no período da seca como no período das chuvas, quando se torna mais fácil a identificação graças aos verticílos florais.

As plantas ditas medicinais, são utilizadas de várias formas e em diferentes partes vegetativas. Sobressaem, porém a utilização da casca e da entrecasca e como forma de preparo, a infusão (chá).

Apesar do ecossistema da Caatinga ser um dos mais difíceis e pouco estudados possui  exuberantes espécimens vegetativas. Graças a isso a pesquisa  registrou o uso de 61 espécies de plantas de utilização medicinal pela comunidade sertaneja da Região Arqueológica de Central, Bahia, Brasil. Foram realizadas entrevistas e coletas, no mês de julho, no período da seca, quando pudemos observar poucas plantas floridas de interesse medicinal.

A forma mais usada para o preparo do fármaco é a infusão e a maceração. A base de casca e a mais utilizada na manipulação do remédio, o que é bastante preocupante, de vez que,  na maioria das vezes, pode levar o vegetal à morte.

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1 - Setor de Arqueologia, Museu Nacional - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bolsistas CNPq.

- Parcialmente financiado CNPq e FINEP.

e-mail: mlocks@mn.ufrj.br

            dipaula@hotmail.com

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CARDIN,  F.,  Tratado da Terra e gente do Brasil. J. Leite, 1925, 434p. Rio de Janeiro.

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DE PAULA, F., RAMOS, E. F., LOCKS, M., VARGAS A., & BELTRÃO, M., 2001 (2) “Plantas de Utilização Estomacal Pela Comunidade Sertaneja de Central, Bahia, Brasil” . RESUMOS, 5ª Jornada Paulista de Plantas Medicinais – Natureza, Ciência e Comunidade, Etnobotânica 5.18, UNESP, São Paulo

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