DIMORFISMO SEXUAL EM ZOOMORFOS NA PINTURA RUPESTRE PRÉ-HISTÓRICA, REGIÃO ARQUEOLÓGICA DE CENTRAL, BAHIA, BRASIL.
Martha Locks1
Maria Beltrão1
Introdução
Pesquisas em sítios arqueológicos com pinturas rupestres na Região Arqueológica de Central, Estado da Bahia, vem sendo desenvolvidas desde 1982. Há centenas de sítios arqueológicos já registrados, com milhares de pinturas rupestres(BELTRÃO et all, 1994). Estudos de morfologia externa e de comportamento animal realizados em diversos sítios (BELTRÃO & LOCKS, 1990 e LOCKS, 1994), tornaram evidente a dificuldade do reconhecimento do dimorfismo sexual em animais (LOCKS & BELTRÃO 1997).
As características morfológicas externas e internas que permitem reconhecer o dimorfismo sexual dos animais nas pinturas rupestres, são: órgão reprodutor, armação óssea (galhadas), prenhez, etc. Apesar do número muito grande de pinturas rupestres zoomórficas e da diversificação das espécies representadas na Classe Mammalia (mastomorfos*) e na Classe Aves (somente os reimorfos*), tais características foram registradas em poucos sítios arqueológicos, principalmente aqueles do Município de Morro do Chapéu: Tocas da Lagoa da Velha, das Corças, da Procissão e Boqueirão dos Veados. Duas das famílias pertencem à Classe Mammalia (Famílias Cervidae e Tayassuidae) e uma à Classe Aves (Família Rehidae).
Discussão
Na Família Cervidae [nas espécies Blastocerus dichotomus, fig.1 e Ozotocerus bezoarticus, fig. 2 (BELTRÃO & LOCKS 1994)], o dimorfismo sexual pode ser identificado graças a presença das galhadas, que caracterizam os machos. A ausência das galhadas poderia ser considerada um caráter determinante para as fêmeas (fig.3), porém os machos de cervídeos trocam as galhadas anualmente. Desta forma, cervídeos sem galhadas podem representar fêmeas ou machos, pois, os machos ficam um período sem galhadas(BELTRÃO & LOCKS, 1993).
Foi necessário criar uma metodologia para a escolha dos critérios de identificação do dimorfismo sexual nas pinturas de mastomorfos, já que cervídeos isolados e sem armação óssea costumam ser identificados como fêmeas. Passamos então, assinalar o dimorfismo sexual, quando um caráter determinante esteja bem representado (fig.1, 2, 3 e 4). Na fig.5, além da galhada também estão representados o órgão reprodutor e o acasalamento. Quando há ausência de galhada, só é possível reconhecer o dimorfismo quando há um bando de cervídeos, principalmente mostrando ações de comportamento, como na fig.5 Neste caso, animais sem galhadas, podem ser considerados fêmeas, quando em bando e, desde que, estejam associados ao macho e a algum tipo de comportamento específico.
O registro da prenhez quando há desenvolvimento do abdomem é duvidoso. Porém, como no caso da Família Tayassuidae, em que há representação do feto no interior do abdomem, simulando um desenho radiográfico, a determinação do sexo é mais segura, [ vide fig.6, onde há representação de uma fêmea da espécie Tayassu sp. (porco-do-mato)]. A identificação da fêmea é duvidosa no caso de uma representação deste animal com dois antropomorfos no interior do abdomem, porque pode haver uma conotação mítica, fig.7
No caso da Classe Aves [espécie Rhea americana (ema)], em que as pinturas de reimorfos aparecem com as asas levantadas, trata-se de uma posição natural do macho, quando este corteja a fêmea (BELTRÃO et all,(2)1994). Neste caso, associamos as representações de asas levantadas à macho, fig.8. Da mesma forma, nas representações das espécies de cervídeos, as fêmeas só deverão ser reconhecidas quando em bando, associadas aos machos, ou a algum tipo de comportamento, fig.5.
Em todos os casos citados acima há maior probabilidade de identificação do dimorfismo sexual quando há um conjunto de zoomorfos, principalmente quando em ação.
Conclusões:
A partir de milhares de representações pictóricas zoomórficas analisadas, só foi possível determinar o dimorfismo sexual em algumas pinturas de alguns mastomorfos e reimorfos.
Para que se obtivesse uma classificação correta do dimorfismo sexual em zoomorfos, foi necessário desenvolver critérios metodológicos para os mastomorfos, sendo preciso identificar características marcantes, tais como: órgão reprodutor, acasalamento, armação óssea (galhadas), prenhez (principalmente com representação do feto ou desenho radiográfico), etc.
Nas espécies da Família Cervidae, a presença de armação óssea (galhadas) define a representação de um macho, mas sua ausência nem sempre representa fêmea.
Entre os reimorfos, como no caso da pintura rupestre de Rhea americana (ema) com a asa levantada a representação provável é de um macho. Tanto nos Cervidae quanto nos Rehidae, quando há ausência de caráter determinante para o macho nem sempre podemos associar a representação a uma fêmea.
Assim, concluímos que, existem características marcantes nas pinturas rupestres que determinam o sexo, mas outras características são duvidosas. O reconhecimento do dimorfismo sexual em representações isoladas, só deve ser feito quando está presente o caráter determinante do sexo.
Este trabalho objetiva ressaltar a importância do reconhecimento do dimorfismo sexual nas Classes Mammalia e Aves e demonstrar que para tanto, torna-se essencial um conhecimento específico no campo da Zoologia.
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* Especificação dos zoomorfos (mastomorfos para os mamíferos e reimorfos para a Ordem Rehiforme das aves)
1 - Setor de Arqueologia, Museu Nacional - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bolsistas CNPq.
- Parcialmente financiado CNPq e FINEP.
e-mail: mlocks@mn.ufrj.br
LEGENDA DAS FIGURAS:
FIG.1 - Macho (galhadas) de Blastocerus dichotomus (Cervidae).
FIG. 3 - À esquerda fêmea? Acompanhando macho de Cervidae.
FIG. 4 - No centro, macho de Cervidae com três machos de Rehidae.
FIG. 5 - Bando de Cervidae se deslocando , à direita acasalamento.
FIG. 6 - Fêmea de Tayassu sp. (Tayassuidae) com feto no interior do abdomem.
FIG. 7 - Fêmea? De Tayassu sp. Com dois antropomorfos no interior do abdomem.
FIG.8 - Bando de Rehidae com um macho à esquerda acompanhando fêmeas?.
BIBLIOGRAFIA
BELTRÃO, M. & LOCKS, M., 1990 - "Observations on the Behavior of Cervidae from Prehistoric Paintings in the Archaeological Region of Central, Bahia". 17a Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, Programa & Resumos, p.80-81, Florianópolis, Santa Catarina.
BELTRÃO, M. & LOCKS, M., 1993 "Pinturas Rupestres en la Región Arqueológica de Central, Estado da Bahia, Brasil". Sociedad de Investigación del Arte Rupestre de Bolívia (SIARB), Boletim 7:23-37, La Paz, Bolívia.
BELTRÃO, M. & LOCKS, M., 1994 "Rock Paintings of Mammals at the Central, Bahia, Brazil". Revta. bras. Zool., 10 (4): 727-745, Curitiba, Paraná.
BELTRÃO, M., LOCKS, M. & CORDEIRO, D. 1994 "Project Central (Bahia, Brazil): Rock Art in the Chapada Diamamtina Uplands". Revista Arqueol., 8 (1):337-351.
BELTRÃO, M., LOCKS, M. & VENTURA, P.E.C., 1994 (2) "Região Arqueológica de Central, Bahia - Brasil: No 9 - Homem Pré-Histórico - A Associação Blastocerus dichotomus (Illiger, 1915)(Mammalia-Cervidae) e Rhea americana (Linnaeus, 1758)(Ave-Rheidae)". XX Congresso Brasileiro de Zoologia, Resumo, p.193,UFRJ, Rio de Janeiro.
LOCKS, M., 1994 "A Representação de Mamíferos na Tradição Astronômica, na Região Arqueológica de Central - Bahia - Brasil". XIXa Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, Programa & Resumos, p.108, UFF, Niterói, Rio de Janeiro.
LOCKS, M. & BELTRÃO, M., 1997 "Região Arqueológica de Central, Bahia, Brasil: Presença de Dimorfismo Sexual na Arte Rupestre Pré-Histórica". Documentos, p. 77,
Sociedad de Investigación del Arte Rupestre de Bolívia (SIARB), Cochabamba, Bolívia.
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