Literatura e religião na sociedade contemporânea: 

Pablo Semán . CONICET-Argentina-/Museu Nacional UFRJ

Introdução

Nos últimos tempos tenho estudado os leitores de Paulo Coelho em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, assim como a figura do citado literato e a sua presença, certamente controversa, na sociedade brasileira (e em menor grau, na Argentina). Neste trabalho não pretendo referir-me aos resultados da pesquisa, mas a algumas das conseqüências que eles trazem para o estudo da religião na contemporaneidade. Antecipando um pouco a minha conclusão diria que é preciso superar a dissociação, e ainda o paralelismo, em que vivem dois olhares disciplinares e,  sobretudo, os objetos consagrados isoladamente como religião e literatura. Em tom de proposição,  argüirei a favor da possibilidade de conceber coisas tais como literatos enraizados em tradições cosmológicas, de leitores que, apoiados nessas tradições, usam o livro para construir expectativas religiosas densas e sistemáticas. Na mesma linha, interessa-me colocar os alicerces da possibilidade de pensar que há  religiões que fazem do desenvolvimento e a extensão da escrita e a educação uma condição a favor da sua articulação, que há literaturas que não deixam de mobilizar e alimentar imaginários cosmológicos muitas vezes tidos por ultrapassados ou incompatíveis com a cultura moderna (ainda no seu patamar “mas baixo” de cultura pop).

O contexto mais geral em que isto deve ser apreciado o constitui uma observação relativa à situação da religião na modernidade: religião e modernidade têm relações que não são, exclusivamente, de negação recíproca e os segmentos supostamente estancos que a modernidade consagra se contaminam até se redefinir.  Como demonstra Giumbelli (no prelo) é a política a que produz o domínio autônomo da “religião” que convive conflitivamente com o resto das divisões do social, em arranjos historicamente singulares, variáveis e constantemente negociados. Muito mais quando esta, pelo fato de ser uma época de intensa disputa de fronteiras entre campos de experiência, de comprobação e  vivência de uma radical contingência – que não é o fim e sim a  condição de renovada possibilidade de eficácia das retóricas do sagrado (Velho, 1997)–  obriga a pensar que livros e religião, deixando atrás uma dissociação do século XIX, podem entrar em produtiva interação na cultura de massas.

Para concretizar a discussão que estou propondo avançarei sucessivamente em quatro argumentos relativos a fatos e condições que na realidade se articulam sincronicamente. Em primeiro lugar, caracterizarei a literatura espiritual contemporânea. Num segundo momento, assinalarei os preconceitos a partir dos quais as abordagens do consumo de literatura não atendem o suficiente ao religioso e os estudos sobre religião desconsideram o papel de autores e públicos literários na estruturação das sensibilidades religiosas. Um terceiro argumento define condições conceptuais a partir das quais pode se pensar a o literato como agente religioso para passar, num quarto argumento, à discussão do sentido em que, no campo da nova era, os livros criam religião.

1- A literatura espiritual contemporânea.

Diversos indicadores evidenciam, tanto na Argentina quanto no Brasil, a amplitude do consumo de literatura vinculada a temas, experiências e propostas religiosas, especialmente aquelas que editores e leitores relacionam a religiosidade da nova era[1]. A "literatura espiritual contemporânea" compartilha com a religiosidade da nova era um elemento que define esta última: a expectativa de mudança e transformação pessoal e o "experimentalismo religioso" que qualificam vivências religiosas independentemente dos pertencimentos denominacionais (Amaral, 2000:17)[2]. Esta expectativa se encontra cifrada nas possibilidades de operar efeitos em uma totalidade através do trabalho sobre algumas de suas partes. Esse trabalho, que é o que prescreve a literatura espiritual contemporânea, abrange exercícios que incluem de dietas a meditações, de alongamentos a estudos, de respirações a orações. As hipóteses nativas, relativas à eficácia destes trabalhos, têm um denominador comum: uma noção de pessoa que toma distância das formas dualistas consagradas pela modernidade e na qual se recupera a idéia de um continuum, no seio do qual se diferenciam e conectam o espiritual, o psicológico, o biológico (pressupondo que a ação ao nível de cada aspecto tem efeito sobre os outros e sobre o conjunto que conformam).

Esta literatura, que em seu conjunto chamo “literatura espiritual contemporânea”, tem diversos valores em relação aos agrupamentos e ideologias religiosas: pode  integrar esforços proselitistas de igrejas estabelecidas, ou de novos movimentos religiosos, pode invocar um ponto de vista que afirma sintetizar diversas expressões religiosas ou, afirmando princípios religiosos originais, propõe-se compatível com as experiências pré-existentes.

Também variam os gêneros literários envolvidos nesta produção: manuais de conselhos, romances, narrações míticas complementadas com prescrições rituais, testemunhos comentados ou apresentados em forma direta  e manuais que traduzem, em práticas cotidianas e rituais coletivas e individuais, as premissas espirituais que afirma ou desenvolve a literatura e/ou o grupo religioso.

Tanto a cultura religiosa da Nova Era quanto a literatura espiritual contemporânea, configuram fenômenos transnacionais em dois sentidos diferentes e complementares. É um fenômeno transnacional no sentido de um funcionamento que escapa à dinâmica dos Estados e das fronteiras referido a processos de homogeneização cultural, localizados em um nível de definição das “necessidades” (Corten, 1997:3, Vieille 1986:312) ou, em minha interpretação, no plano de emergência de modalidades de subjetividade e sensibilidade. Um segundo sentido complementa e aprofunda esta definição: o da transnacionalização como fenômeno que implica, junto com a escala transnacionalizada das interações, uma mudança generalizada dos modelos e paradigmas de pessoa de tal forma que separações clássicas na experiência moderna perdem sua vigência e o sagrado reingressa no consumo, na arte e a vivência do corpo (Velho, 1997, Semán, 2000, Amaral 2000).

Neste contexto, a literatura espiritual contemporânea, por sua recepção massiva e por sua localização em relação as anteriores tipificações (de proposta de transformação pessoal, de ideologia religiosa, de gênero narrativo e de escala de difusão), constitui um objeto estratégico na indagação das relações entre consumo literário e produção de ideologias religiosas[3]. Estes livros têm constituído ou facilitado a constituição de uma comunidade de intérpretes que congrega uma série heterogênea de procedências sociais, culturais e nacionais. Essa comunidade se concretiza em padrões de atividade individual que são análogos, mas também em trocas – formais e informais, sistemáticas ou aleatórias, virtuais, impressas ou de pessoa para pessoa– nas quais se deriva e afirma o sentido de uma  leitura que depois integra, de diversas formas, uma sensibilidade religiosa.

2-Religião e Literatura: questionando uma dissociação

A abordagem desta atividade de produção de sentido, requer a elaboração crítica das premissas que permitem cingir uma interseção empiricamente existente, mas teoricamente soterrada pela lógica de abordagens que, de diversas formas, a negam. Em primeiro lugar trataremos de mostrar os obstáculos e as pontes que, a nível teórico e investigativo, organizam a relação entre literatura e religião.

Uma leitura sintética, condensada e conscientemente abstraída de matizes pode dizer que, no campo do conhecimento social, aparece una dissociação entre fenômenos literários e religiosos. Tal dissociação surge da perspectiva a partir da qual as ciências sociais da literatura se posicionam face à  religião e da que as ciências sociais da religião adotam face à literatura. Nos estudos sobre religião a mediação literária é minimizada e nos estudos sobre recepção da literatura a temática religiosa é relegada[4].

Por uma parte, os estudos sobre religião enfatizam os contextos rituais e os significados práticos segundo uma regra de validade comprovada mas não necessariamente absoluta: é aquilo que os antropólogos não cansamos de comprovar, que o sentido realmente existente das religiões não se deduz dos textos que organizam seu dogma.

Por outra parte, os estudos sobre o uso do livro atribuem-lhe importância como veículo emancipador e ou promotor de uma cultura moderna (no sentido em que esta fosse laica) e, portanto, tem deixado de lado a religião, ao menos a literatura religiosa consagrada e oficial, privilegiando textos e/ou leituras heterodoxas que cumprem o objetivo de tirar aos sujeitos de uma determinada opressão. Dois exemplos significativos de esta atitude são a máxima teórica de Jauss (1978) que concebe a possibilidade do desfrute literário como efeito da secularização ou o clássico estudo de Radway (1991) que mostra as possibilidades contraditórias, mas potencialmente positivas e ligadas à mudança social, da literatura popular consumida pelas mulheres nos EUA. 

Mas, considerando a posição da literatura espiritual contemporânea e as características da contemporaneidade, podem colocar-se em questão esses pressupostos e começar a reverter a dissociação assinalada. A literatura de Paulo Coelho, os indícios que temos sobre sua circulação e recepção e as próprias condições de emergência desta produção literária, ostentam uma posição particular como fenômeno religioso e  literário. De uma parte, e como interpelação religiosa, esta na base de uma cultura espiritual  que gera um novo consenso que se impõe transversalmente ao mundo das denominações, mesmo a pesar das suas intenções de sancionar negativamente sua influência. Isto coloca um problema à perspectiva que deixa de um lado a literatura na religião: sendo que é verdade que, em geral, do dogma escrito não se deduz o que é efetivamente praticado,  quê fazer quando o sistema de apropriações de qualquer religião (ou a elaboração de universos pessoais de crença religiosa) inclui sistematicamente a leitura “autônoma” de Louise Hay ou de Paulo Coelho?.De outra, e como interpelação literária, leva a um extremo particularmente interessante as necessidades de relativização que as ciências sociais impuseram às disciplinas que estudam o uso e circulação do livro: ainda aquelas visões que têm sabido descrever o uso dos objetos culturais com distância dos olhares normativos da estética dominante, pressupõem aquela supracitada condição enunciada por Jauss (1978) e não podem responder satisfatoriamente a uma questão de fatos. Mesmo que a secularização possa ser uma condição dos literatos e da cultura literária (em verdade, de uma parte deles) é, justamente, na extensão indevida de uma condição histórica, que reside o problema: a secularização não é uma condição real dos leitores, tal como tenho evocado no inicio de este trabalho. E, com isso, seguem devendo ao que se propuseram como giro fundamental na hermenêutica: a adoção do ponto de vista do leitor, pois se estes não se secularizaram, mesmo que aprenderam a ler e usar livros, por que não leriam desde um ponto de vista religioso, desde um compromisso com o sagrado?

A combinação das duas sugestões apontadas no parágrafo anterior (pensar como parte de identificações religiosas as práticas de leitura e questionar a exclusão da expectativa religiosa do contexto de recepção) dispõe no horizonte uma situação que nos permite assumir duas possibilidades que discutirei nos dois apartados seguintes: a possibilidade de um campo religioso influído por literatos e o surgimento de um sentido do religioso veiculado (constituído e/ou expressado), em parte, pela  literatura.

3 - Literatos e letras no campo religioso e na Nova Era

Agora bem: a inclusão dos literatos, suas obras e os efeitos de sua recepção e, ainda, da literatura de massas,  como um vetor do campo religioso, deve ser elaborada, porque nem todas as definições do campo religioso e dos seus agentes contemplam uma possível interseção e, inclusive, a obstaculizam. 

Em termos gerais, essa possibilidade pode basear-se na afirmação de Bourdieu (1986: 105) sobre a dissolução do campo religioso no sentido clássico de um campo de conflito entre Igrejas em torno de bens de salvação (o que já supõe a naturalização de uns bens religiosos cuja presença é hoje declinante)[5]. Essa noção deve ser  revezada pela concepção do campo religioso como um campo de disputa a respeito dos limites e, especialmente, da própria definição do religioso entre agentes dos mais variados campos. Bourdieu, naquele momento, pensava nos professores de ioga, psicoterapeutas e orientadores familiares  como concorrentes   dos Bispos e Pastores. Hoje, para ser conseqüentes com o espírito da sua observação incluiríamos os homens de letras que não só produzem para um público que dista do ideal da secularização, mas surgem de uma trajetória em que a dimensão do sagrado não resulta nem borrada nem insignificante. De homens de letras que provêm de culturas e formações cada vez mais diversas, inovadoras e distantes do cânone.

De outro lado, e a partir da mesma definição de Bourdieu, deve-se considerar que a prática religiosa e as experiências espirituais não necessariamente terão como instituto às igrejas. Em um universo sócio-cultural em que se fazem cada vez mais presentes os valores da autonomia e as práticas letradas, o livro –especificamente a literatura de massas, seus circuitos de difusão e apropriação–   pode acarretar um espaço privilegiado para a elaboração de experiências religiosas quando, no mínimo, duas das seguintes condições se concretizam: a pervivência das visões cosmológicas (muito mais estendida do que se crê, cfr. Semán, 2001) e, sobretudo, a eficácia de discursos sobre o sagrado que avançam a partir das contradições próprias da secularização – aquelas que, segundo Hervieu Leger (1986) e Hellemans (1998), designam a possibilidade de geração de correntes religiosas específicas de nossa época[6].

Existe um sentido em que isto é redundante: acaso a idéia e a prática de um texto sagrado não é dominante nas grandes religiões monoteístas ou no espiritismo? Mas a redundância é aparente: trata-se aqui da religiosidade concomitante com, ou emergente da, circulação de literatura que é alheia ao conjunto de textos prescritos dogmaticamente, sejam estes os textos sagrados ou a literatura indicada pelas igrejas no seio de suas políticas de enquadramento massivo. É a literatura a que, a traves de certos homens e certas experiências, têm ganhado o seu lugar na religião e não esta que lhe têm gerado um espaço.

Agora bem: se a literatura de massas, ao menos em parte, pode ser o devir  uma nova literatura sagrada, e se os literatos podem exercer o papel de novos ideólogos religiosos, devemos ter em conta que o específico contexto da nova era é que oferecerá um dos cenários mais vitais onde se poderão concretizar essas potencialidades.

4 - A religiosidade da Nova Era e o lugar da mediação literária

A sensibilidade religiosa que surge nos leitores de Paulo Coelho interage com universos institucionais e/ou ideológicos que se vinculam a religiosidade da Nova Era. O da Nova Era, como um dos âmbitos de inscrição da experiência do consumo da literatura de Paulo Coelho, é um espaço no qual constatar seus efeitos de circulação e  interpretação. Em relação a isso, a principal característica que nos interessa destacar é o caráter “pós-eclesial” com que se apresentam as concepções da nova era.

Uma parte dos estudos sustenta que as formas de religiosidade contemporâneas seriam difusas, por não ser estritamente confessionais, por desafiar a ordem gerada pelas igrejas e seus sistemas de incorporação e administração dos crentes[7]. E nesse contexto, o recurso à literatura é tematizado como um sintoma concomitante ou causal da desconfessionalização: a religião apóia-se na literatura evidenciando a perda do papel diretor das igrejas ou, de fato, diminuindo-o ao impor uma instância divergente na formação da sensibilidade religiosa. Autores que não ignoram a autonomização da prática religiosa, nem as mudanças do mundo de vida e do imaginário religioso contemporâneo, afirmam que a posição anterior, por se abster de descrever circuitos de transmissão e aquisição do ideário religioso, ignora a eficácia das instituições na produção de agrupamentos e sensibilidades religiosas. Mais profundamente, trata-se de que a caracterização das religiosidades como contemporâneas, como difusas, implica uma caracterização meramente negativa que surge da falta de relativização de um conceito de igreja centrado no modelo católico e protestante[8]. Se esta última corrente acerta em afirmar a não espontaneidade das correntes religiosas e a positividade de suas formas pós-eclesiais, é preciso assinalar que aparece insensível frente a  mediação do livro ao concebê-la sem performatividade própria, dependente da instituição religiosa que a mobiliza, como um recurso a mais, em suas estratégias de recrutamento e integração.

Apreciar a influência da literatura espiritual contemporânea nas novas formas de consciência religiosa implica partir de duas premissas que, recolhendo criticamente os efeitos do contraponto anterior, dão conta da relevância específica deste vetor ignorado. A autonomização dos sujeitos e a difusão das condições de generalização de uma cultura letrada constituem a condição de possibilidade de uma fonte de produção de religiosidade alternativa a gerada pelas instituições religiosas, tal como o registra a primeira corrente. Mas isso, que  não deve ser confundido com a falta de instituições, exige entender que a dinâmica do campo religioso está atravessada por uma dinâmica do livro que não necessariamente está subordinada às igrejas e que ela mesma resulta instituinte de sensibilidades religiosas.

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[1] Numa pesquisa que realizei na Feira do Livro de Buenos Aires e na Bienal do Livro no Rio de Janeiro estes gêneros se encontram entre os três mais lidos nas mais diversas faixas de idade, nivel econômico social, e sexo. O dado confirma e mostra o que aparece nas pesquisas de vendas de algumas livrarias e que são publicadas nos suplementos literários dos jornais durante, pelo menos, os últimos dez anos. As pesquisas de venda realizadas por meios literários nem sempre são consistentes estatisticamente mas, a grosso modo, dão conta de um fato que as Câmaras de Editores entendem como demonstrativa da difusão deste tipo de livros neste gênero a proporção de exemplares vendidos sobre o total da edição é mais alta que em qualquer outro.

[2] Carozzi (1999:17) realiza uma detalhada exposição dos valores e oposições condensados por essa expectativa, (entre eles a natureza, o inconsciente, o mágico, e o corporal em oposição a civilização, a consciência,  a ciência e o intelectual), ao tempo que destaca que estes movimentos continuam, por meios místicos, a ênfase na autonomia predicada pela contracultura da década de 60. Carozzi (2000) realiza uma resenha das raízes destes movimentos. Para um desenvolvimento mais detalhado e extenso deste mesmo tema e das diversas expressões da Nueva Era, Geoffoy (1999) e Menendez (2000). Não é demais acrescentar que Heelas (1992) é para todos estes trabalhos um referencial central.

[3] No especifico caso de Paulo Coelho devem se levar em conta duas importantes análises precedentes. O primeiro leva em conta os conteúdos do conjunto da narrativa de Paulo Coelho e a análise de sua trajetória pessoal (D´Andrea,1997). A isto se agrega minha própria análise na investigação atualmente em curso. O segundo parâmetro de minha afirmação é constituído pelas preferências dos leitores nos quais a adesão a motivos próprios da religiosidade da nova era (como a crença no valor tarapêutico dos pensamentos positivos ou na necessidade de realizar atividades destinadas a elevar e reparar o próprio eu)  se relaciona com a preferência pelos livros de Paulo Coelho (Dos Santos, 1998 e Freitas 1998),. Também tenho constatado estas preferências na pesquisa realizada entre abril e maio de 2001 na Feira Internacional do Livro em Buenos Aires e na Bienal do Livro no Rio de Janeiro.   

[4] Já que temos afirmado que esta é uma idéia deliberadamente extrema e despojada de matizes deixem-nos assinalar alguns desses matizes, de caráter chave, e cuja ausência o leitor poderia estranhar. Em primeiro lugar não se nos escapa que diversas abordagens próprias das ciências sociais, algumas delas clássicas e ainda influentes, têm reparado e examinado o fato de que existem religiões para cujo dogma e transmissão se propõe um livro sagrado ou textos consagrados. No entanto é evidente que, como fizemos notar mais acima, e sobretudo na antropologia, ao destacar a prioridade das apropriações que substanciam o sentido histórico de uma religião, os livros e os dogmas são relativizados junto com os sacerdotes e os líderes que encarnam a voz oficial. A caminho de conhecer a religião efetivamente praticada, e tendo em conta que em muitos contextos o livro declarado vertebral não é, a literatura perde importância.

Em segundo lugar sabemos que nas ciências sociais da religião a distinção entre religiões apoiadas ou não em textos dá lugar a categorias de análise e a estudos comparativos que em uma etapa anterior, e de acordo ao raciocínio subsequente, se conectan com o modo como o problema é abordado neste artigo. Acrescentemos,  que, paralelamente, e desde pontos de vista mais gerais, se tem estudado as propriedades da oralidade e a escrita no funcionamento social incluindo a religião ( Ong (1982), Goody (1987), Olson e Torrence (1995), Olson (1997)). No entanto uma ou outra abordagem, e sua combinação, desembocam numa oposição geral entre os mundos da oralidade e a letra, da religião pura e a religião racionalizada. Isto pressupõe polaridades e linearidades que desconhecem os matizes que nos interessa estudar: os relativos a diferentes estilos de leitura, a usos diferentes da literatura, a configurações singulares nas quais os polos citados anteriormente se misturam em resultados que subvertem e redefinem as propriedades a priori atribuídas ao livro,  a oralidade e o letramento. O campo dos usos consagrado por M. De Certeau,, que é o que privilegiamos, é um campo de singularidades no qual os conhecimentos gerais não devem ser excluídos mas tampouco incorporados como paradigma que a situação deva confirmar ou rechazar. Estes conhecimentos refletem contextos históricos e sequências que podem referir-se como ponto de contraste ou como componente parcial da descrição e explicação de uma nova situação (sobre esta questão epistemológica ver Goldman 1999). Neste sentido não esquecemos que  existe bibliografia que trata dos usos populares da literatura que inclui a  religiosa,  como os de Chartier (1996, 1999). Mas é justo reconhecer que estes, raramente, se situam na contemporaneidade e em contextos urbanos. Isto não é casual: a interseção entre religião e literatura é reconhecida mais que nada como parte do passado de acordo a uma percepção que se governa pela expectativa moderna do desaparecimento da religião e de uma autonomização da literatura. Os fenômenos que nos interessam nos obrigam a percorrer um caminho que questiona essas seguranças. Este se encontra antecipado por estudos como os de D´andrea (1997), Dos Santos (1998) e  Lewgoy (2000)

Em terceiro lugar devemos mencionar os estudos sobre a literatura produzida por religiosos ou a presença do religioso na literatura secular. Estes aparecem atraídos pelo tipo de fenômeno que nos preocupa mas não atendem ao foco que temos especificado (a recepção) privilegiando a autoria. Entre os mais recentes e qualificados se encontram O´Toole (1995) que analisa a presença de temas religiosos na literatura canadense ou Wellbeloved (1998) que analisa a literatura de Gurdjieff.

[5] Esta definição supera criticamente a anterior que também é desenvolvida por Bourdieu (1971).

[6]  Fazemos essa afirmação em forma potencial devido a que o surgimento da literatura de massas como espaço de práticas religiosas não é um fenômeno necessário e a que a concepção de sua possibilidade exige assumir definições da religião e a literatura que, como as que  apresentamos mais acima, indiquem as interseções entre uma e outra área de práticas.   

[7] Amaral (2000), Magnani (2000)  sustentam que o movimento da Nova Era,  mais que conformar um movimento religioso,  é uma forma de sentido comum que atravessa  as mais diversas definições institucionais da religião.  Por outro lado, na análise das práticas religiosas desenvolvidas na Argentina, Mallimacci (1998)  se refere a um nível de religiosidade “difusa”. Hervieu Leger , resenhando as características da religiosidade moderna,  a define como peregrina, por contraste da que estava fixada nos quadros paroquiais das grandes Igrejas cristãs do ocidente.  O caráter difuso que se atribui as religiosidades contemporâneas é, em parte, uma dedução desta colocação. Mas este é es mais complexo e, como veremos, pode sustentar uma posição alternativa.

[8] Carozzi (1999), também Hervieu Leger (1997) que corrige sua colocação anterior neste sentido ao  afirmar que as práticas religiosas devem ser estudadas em nível subconfesional  como resultado de uma rtrajetória na qual a identificação religiosa surge de um percurso no qual se verifica a eficácia de instituições e práticas transversais ao campo religioso.


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