PONENCIAS

O EZLN e a guerrilha informacional: a política no mundo encantado da mídia e da comunicação*

HILSENBECK FILHO, Alexander Maximilian*

CABRAL, Fátima Aparecida**

 

INTRODUÇÃO

O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) se caracteriza como uma guerrilha sui generis na cronologia dos movimentos sociais da América Latina. Em 1º de janeiro de 1994 se levantam em armas, no sudeste do México, estado de Chiapas, indígenas de diversas etnias, com um grito de Ya Basta!, opondo-se a uma silenciosa morte que há mais de 500 anos afligia suas comunidades e antepassados. Além da histórica “defasagem” dessa forma de luta em nosso continente, os insurgentes chiapanecos apresentam ao México e ao mundo novas formas de organização social, reivindicações e aspirações, questionando diversos dogmas engessados das clássicas guerrilhas marxistas dos anos 60 e 70, de orientação leninista. Desse modo, os integrantes do EZLN não têm como objetivo a tomada do poder político do Estado (em sua concepção clássica), não se colocam como uma vanguarda revolucionária, porém, ao mesmo tempo, travam um conflito não apenas localizado, mas com nítida oposição a ordem capitalista “globalizada” (HILSENBECK FILHO, 2004).

Na cronologia do EZLN se expressa uma característica bastante singular, pois de novembro de 1984 a dezembro de 1993 se deu a implementação da guerrilha em Chiapas e a preparação para o conflito armado; porém, a insurreição ou luta armada direta ocorreu apenas de 1º a 12 de janeiro de 1994; e daí em diante até os dias atuais, com pequenos interstícios, como em fevereiro de 1995, trava-se uma luta política em situação de paz armada, ou guerra de baixa intensidade 4. Tem-se, portanto, a trégua durando muito mais tempo do que a confrontação militar, algo inédito nos movimentos guerrilheiros da América Latina (RUBIM, 2002).

O fato de que ao longo desses 10 anos foram raros os confrontos armados, se deve a algumas razões em especial, como por exemplo, a reação da “sociedade civil” mexicana e internacional posicionando-se contra uma espiral da violência; a própria inferioridade militar do EZLN em relação ao exército federal, como afirma o subcomandante Marcos “... sua superioridade militar é evidente. Não podem aniquilar-nos, mas podem repelir-nos e manter-nos nas montanhas: nós não temos a menor possibilidade de derrotá-lo no campo militar” (GENNARI, 2001). Uma outra razão está na concepção do movimento de estratégia de intervenção na sociedade, com vistas a sua auto-organização, e na sua visão de mudança revolucionária, que será, no México, o produto de uma combinatória de diversas formas de luta e agentes, em variadas direções, e não de uma forma unilateral de mudança social – só a via armada ou somente a via pacífico-política, como afirma o subcomandante Marcos:
Nós pensamos que a transformação revolucionária no México não será produto da ação em um único sentido. Isto é, não será, em sentido restrito, uma revolução armada ou uma revolução pacífica. Será, primordialmente, uma revolução que resulte da luta em variadas frentes sociais, com muitos métodos, sob diferentes formas sociais, com graus diversos de compromisso e de participação. (CECEÑA, 2001, p. 191).  

Logo, para o EZLN, a mudança se dará em várias frentes, de distintos modos, não sendo a sua experiência a única e nem mesmo a mais legítima, mas a forma que eles encontraram, contudo, há outras formas e organizações de grande valor. No caso mexicano as circunstâncias históricas mostravam a fragilidade do Estado não em sua situação militar, mas no campo político, o EZLN desvelou ao mundo um México que deveria estar escondido e ser esquecido, um país desigual, repleto de miséria, conflitos e contradições 5, isso justamente na data em que, segundo declarações oficiais, ele estaria entrando para o “1º mundo”, já que no 1º dia de 1994 entrava em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, congregando EUA, México e Canadá, acordo que apenas permitia a livre circulação de mercadorias, e que por sua vez teve diversas conseqüências nefastas para as populações rurais mais pobres do México.

O EZLN passou a considerar a “sociedade civil” e a mídia como interlocutores políticos com um papel privilegiado, observando nos meios de comunicação um outro caminho a ser seguido 6, o que leva alguns autores como Rubim (2002) e Castells (2000), sustentarem a idéia que em decorrência da fragilidade militar do EZLN, eles buscam constantemente na luta política a destruição político-simbólica da legitimidade estatal.

A instantaneidade na publicização dos conflitos, possibilitada pelas tecnologias midiáticas transforma-se em uma estratégia nas guerras atuais, pois a surpresa, dentre outras possibilidades, sempre foi importante elemento tático. A desterritorialização inscrita na mídia, por sua vez, permite que o sub-comandante Marcos, com o EZLN cercado nas montanhas de Chiapas, esteja presente ao Zócalo, no centro da Cidade do México, em um imenso telão. (RUBIM, 2002).

rompendo, portanto, o cerco militar efetuado pelo exército. Completa:
Como o campo da mídia, na sociedade contemporânea, detém de modo crescente o poder de conferir ou negar existência social, publicizando ou silenciando acontecimentos e atores, seu espaço virtual transforma-se em uma das arenas essenciais da luta política na atualidade. As estratégias elaboradas para este embate midiático tornara-se assim imprescindíveis. (RUBIM, 2002).

Esta preocupação de ocupar um espaço nos meios de informação para difundir as causas, ideais, denúncias e mensagens do movimento zapatista para o resto do mundo esteve presente desde o início do conflito (como a ocupação, nas primeiras horas do levante, dos estúdios da rádio XEOCH, a mais importante da região). Assim, o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral (CCRI-CG) do EZLN, encarregou o subcomandante Marcos de escrever os comunicados 7, pois “Precisa que digamos nossa palavra e que os outros a escutem. Se não o fizermos já, outros tomarão nossa voz e a mentira, sem a gente querer, sairá da nossa boca” 8 (RUBIM, 2002).

Temos então uma característica bastante acentuada do movimento zapatista e talvez um dos traços fundamentais de sua experiência política, que é o fato de eles utilizarem os avanços tecnológicos dos meios de comunicação para realizarem um “conflito comunicativo e midiático”. Esse fato, para Mássimo Di Felice, “... supera as categorias políticas tradicionais, abrangendo o nível cultural e a concepção da sociedade de forma geral”. (DI FELICE; MUÑOZ, 1998, p. 20), já que através das redes de informática, de intervenções político midiáticas, de publicação dos comunicados em livros, jornais, revistas etc., abrangem o mundo inteiro, conseguindo ultrapassar os limites geográficos de sua ação política – atingem o local, o nacional e o global. A utilização da internet, de redes eletrônicas de comunicação e o volume de informações produzidas e transmitidas, são também responsáveis pelo escape à tradicional (e muitas vezes velada) censura dos meios de comunicação, favorecendo o elemento surpresa e a escolha do momento para sua ação política, como a data definida para o início do conflito, que conseguiu a atenção da mídia, repercussão e reconhecimento da guerrilha como ator político que não poderia mais tão facilmente ser silenciado pelo governo e os meios de comunicação oficiais.

Assim, apesar do conflito militar tradicional estar circunspecto a Chiapas, os zapatistas conseguiram ultrapassar fronteiras e estender seu alcance político por todo o território mexicano e ao redor do mundo, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, tecendo um “novo sistema de luta” (CLEAVER, 1998). Conseguiram, com isso, atuar de forma eficiente contra o capitalismo: 
Para lutar de maneira eficaz contra o sistema é preciso agir simultaneamente em três níveis: o local, o nacional e o mundial. O movimento zapatista é um bom exemplo desta dialética: profundamente enraizado nas comunidades indígenas de Chiapas e sua exigência de autonomia, ele luta ao mesmo tempo contra a dominação imperialista sobre a nação mexicana e contra a hegemonia mundial do neoliberalismo (LÖWY, 2001).

Porém, salienta Rubim que “A atuação midiática não convencional também têm sua responsabilidade pelo acesso e presença deles nas imagens, sons e páginas da mídia” (RUBIM, 2002). Dentre estas atuações mais marcantes estão, obviamente, os pasamontañas e os paliacates 9.
O uso dos pasamontañas e dos paliacates não é tão somente uma jogada de “marketing”; é, antes, um modo de evitar a pressão das forças governistas sobre suas famílias e conseguir a vantagem do mimetismo, isto é, podem em um determinado momento assumir a condição de combatentes, e em outro momento integrar-se à população civil, além de simbolizar uma herança da cultura maia, quando os guerreiros pintavam seus rostos para que nenhum se destacasse mais do que outro. Para Castells: “[...] a máscara [que] representa um ritual bastante recorrente nas culturas indígenas do México pré-colombiano” acabou“[...] resultando em um dos mais inovadores ‘recursos dramáticos’ da revolução” (CASTELLS, 2000, p.104).

O fato é que, tanto os pasamontañas quanto os paliacates, se transformaram em símbolos da guerrilha zapatista e propiciaram, por sua vez, diversas polêmicas e debates sobre sua origem e utilidade. Ao escrever sobre os pasamontañas Marcos afirmou:
Não sei quantos argumentos diferentes e contraditórios foi dado sobre o uso de ‘pasamontañas’. Agora recordo: o frio, a segurança, o anti-caudilismo (paradoxalmente), a homenagem ao deus negro do velho Antônio, a diferença estética, a feiura vergonhosa. Provavelmente nenhum dos argumentos seja verdade. O caso é que, agora, o ‘pasamontañas’, é um símbolo de rebeldia. Apenas ontem, era um símbolo de criminalidade ou terrorismo. Por quê? Certamente não porque nós nos tenhamos proposto. (RUBIM, 2002).

Não obstante, outras criações fazem parte do repertório imaginário e simbólico zapatista, como diversas criações de personagens literárias nos comunicados escritos por Marcos, que têm por propósito a decodificação de uma linguagem e uma realidade para outra, possibilitando assim a publicização de sua política, realizando algo como uma ponte em que se encontram dois mundos, o ocidental e o indígena, bastante diferentes em muitos aspectos, mas também, bastante iguais na exploração e miséria impostas pelo capital.

Este processo de decodificação de linguagens teve seu início no momento em que os guerrilheiros urbanos tiveram que se comunicar com as comunidades indígenas 10, porém, de uma tradução do mundo ocidental para os indígenas, este processo se transformou, a partir de 1994, na sua figura inversa, ou seja, a tradução do mundo indígena, de seus símbolos e linguagens, para o ocidente. Nas palavras de Marcos:

Quando estávamos entre as montanhas, tivemos que encontrar uma maneira para explicar nossas análises políticas para que fossem compreensíveis para uma outra cultura, tínhamos que fazer com que as pessoas entendessem o que queria dizer sistema produtivo, luta de classes, ditadura do proletariado, grupos no poder... Não é uma questão de analfabetismo. A cultura indígena assimila tudo através de símbolos, e era impossível doutrinar as pessoas sem cair no mais absoluto dogmatismo, na militarização, no fazer-lhes decorar a doutrina marxista-leninista no lugar do catecismo. Era necessário criar pontes, adaptar os símbolos. O discurso foi se transformando sem que nós percebêssemos. Dávamos uma explicação esquemática, típica de uma organização político-militar [...] os combatentes indígenas a traduziam e quando o discurso chegava nos povoados já não era mais o mesmo, os símbolos o haviam enriquecido de elementos novos, o haviam decantado, o haviam transformado em outra coisa. Em 1994, quando começamos a falar, usamos o mesmo sistema, só que em sentido oposto. O Velho Antônio havia traduzido o mundo indígena para Marcos, e Marcos retomava a linguagem dele para transmiti-lo ao mundo externo. (GENNARI, 2001). 

Desta estratégia de comunicação e necessidade de traduzir a linguagem entre os dois mundos, criou-se Durito e o Velho Antônio 11. Durito surgiu com uma história que Marcos escreveu para uma criança de dez anos, da qual havia recebido uma carta. Ele tem o papel de, por um lado, romper com o discurso político tradicional da esquerda e, de outro, “brincar” com a situação dos zapatistas, para que eles próprios não se levem muito a sério ou se considerem como heróis, enfim, (re)colocá-los ao “nível do chão”. Como Marcos afirma, recorreu-se a estas personagens para
[...] tentar explicar através do coração as idéias que eram destinadas à cabeça. Procurava uma maneira de explicar o que éramos e o que pensávamos sem cair nos mesmos erros. Durito, como o Velho Antônio ou as crianças zapatistas que aparecem nos contos, era uma personagem que, no lugar de explicar, fazia intuir a situação na qual nos encontrávamos. [...] não queríamos construir um discurso sentimentalista, apolítico ou contrário à teoria, procurávamos apenas recolocar a teoria ao nível do ser humano, da vida, de partilhar experiências vivenciadas sobre as quais refletir. (GENNARI, 2001).

Para Rubim, esta linguagem sincrética, habitada pela tradição, tem por intuito reforçar a auto-estima indígena e legitimar a guerrilha através da criação de uma cultura política zapatista e da reinvenção da história mexicana. Para ele, esta linguagem torna-se nova ao romper com as tradições referentes a uma esquerda “estadista” ou “fundamentalista”, distinguindo o zapatismo também da retórica política tradicional. Desta maneira, lemas como “para todos tudo, nada para nós” e “mandar obedecendo” atingem o cerne de problemas ético-político atuais, como a representação e a corrupção. Assim,
Respeitar o bem público e ser dirigido pelos interesses públicos dos cidadãos devem ser meios de reinventar as possibilidades do ‘bom governo’, horizonte almejado pela reforma política pleiteada pelos neo-zapatistas, que aposta na sociedade civil, no desmantelamento do sistema mexicano de indissociabilidade Estado/partido (PRI) e na democracia. (RUBIM, 2002).  
Na concepção de Luis de la Peña Martinez, uma das características do discurso do EZLN está justamente na diversidade de suas origens, está em sua heterogeneidade, em seus diversos referenciais.

“La insurrección iniciada el 1 de enero de 1994 en Chiapas, aparte de ser un levantamiento armado, fue, y ha sido desde esa fecha, una insurrección de las palabras. Una rebelión contra el orden discursivo imperante en el ámbito sociopolítico de México. La toma del poder de la palabra por aquelles a quienes durante muchos años les había sido negada la posibilidad de usarla para mostrarse ellos mismos como sujetos ‘de palabra’” (MARTÍNEZ, 2004).

O zapatismo conta ainda com outras formas de intervenções midiáticas, que procuram se materializar em novas formas de atuações políticas, com o objetivo de agregar a “sociedade civil” e a “opinião pública” de forma orgânica e ativa, buscando criar laços com a sociedade civil mundial, para que esta passe a se sentir e, em certa medida, a fazer parte do próprio movimento, graças ao fato dele dialogar com a base a sua estratégia. Para Marta Harnecker essa estratégia é de grande importância para os movimentos progressistas, pois há a necessidade de que a esquerda utilize os espaços “alegais” – que estariam fora da dicotomia entre o legal e o ilegal –, para conscientizar, mobilizar e fazer participar o povo com vistas à constituição de uma força-social anti-sistêmica, como o fazem os zapatistas em suas diversas consultas e formas criativas de realizar a política.  (HARNECKER, 2002, p. 84-86)

Um exemplo disso é a Convenção Nacional Democrática (CND), realizada de 06 a 09 de agosto de 1994, que reuniu mais de seis mil pessoas de centenas de entidades da “sociedade civil”, entre personalidades e lideranças políticas. A CND passou a ser denominada “Aguascalientes”, em homenagem à cidade que sediou a Convenção Constituinte de 1914. A CND tinha por objetivo colocar a “sociedade civil” como sujeito privilegiado de transformações democráticas, por vias pacíficas, em um clima de diálogo no seio da sociedade mexicana; a “sociedade civil” se tornaria, então, o principal interlocutor do movimento zapatista, afinal, este havia suspendido as negociações com o governo federal, sem, contudo reiniciar a guerra armada. Pretendia-se também superar o relativo isolamento dos zapatistas no cenário nacional, em decorrência do processo eleitoral, conseguindo assim, reintroduzir sua causa na agenda político nacional.

Um outro exemplo ocorreu durante o processo de negociação com o governo federal, quando a “sociedade civil” foi consultada sobre possíveis pontos de acordo nas mesas, através de questionários, textos livres e debates. Ou então, na Consulta Nacional pela Paz, ocorrida em 27/08/1995, oportunidade em que, através de enquetes, se apresentou seis perguntas a respeito das demandas do povo mexicano, como por exemplo, se o EZLN deveria se constituir em uma força política nova ou se unir a outras. Esta consulta atingiu 1 milhão e 300 mil pessoas, do México e do mundo, através de várias formas, inclusive a internet. Desta consulta resultou a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN), um “braço não armado” do EZLN, presente em várias cidades do mundo, inclusive em São Paulo, Brasil.

O EZLN também realizou o I Encontro Intergaláctico pela Humanidade e contra o Neoliberalismo - em julho de 1996, encontro esse que reuniu mais de cinco mil pessoas de quarenta e dois países – um marco para a “luta global” dos novos movimentos sociais 12, que teve seu começo na úmida neblina das selvas de Chiapas, dando-se alí início a um novo ciclo de lutas dos movimentos sociais contemporâneos. Tais lutas se fizeram representar nos atos em Gênova, em maio de 1998; nos protestos ao encontro de cúpula da OMC; nos protestos em Seattle etc., ou seja, nas diversas mobilizações globais, altermundistas, contra os encontros do FMI, da OMC e do Bird.

Segundo Atílio Boron, uma das características que traduzem a relevância singular do zapatismo na contemporaneidade é o fato de se tratar do “[...] primeiro movimento de massas que convoca a uma resistência global, armada e sem quartel contra o neoliberalismo. Nesse sentido, seria difícil exagerar os alcances de seu impacto, sentido com força não só no México e na América Latina, mas também na Europa, Estados Unidos e em muitos outros países” (BORON, 2003, p. 204)
Já para Rubim, “As consultas inventam formas de participação, no plano dos atos e das idéias, que não se orientam mais por fronteiras nítidas entre o movimento e a sociedade ou o local e o global”, e no que se refere às ações midiáticas,
Fica nítido então que estas ações espetaculares, longe de se esgotarem enquanto meros ‘efeitos de mídia’, desencadearam processos sóciopolítico que perpassam a sociabilidade mexicana e sua história. As ações espetaculares assim não se esvaíram ante um foco de luz midiático, brilhante e momentâneo (RUBIM, 2002).

GUERRILHA INFORMACIONAL

Dessa experiência de realizar uma política comunicativa e midiática, se derivou uma característica, em certa medida bastante justa, atribuída por diversos autores ao zapatismo: a de ser o primeiro movimento de “guerrilha informacional”, em decorrência de incorporar a utilização dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação em sua estratégia e forma de fazer política.  Isto em uma época, como ressalta Castells, na qual a informação tem um papel central e em que há a possibilidade da criação de redes multiorganizacionais de ampla difusão, sem uma identidade particular nacional, que podem ser usadas por forças de caráter revolucionário para sua organização e busca de apoio social. (CASTELLS, 2000, p.105-106)

Porém, acreditamos que esta peculiaridade ou inovação implementada pelos zapatistas tem levado a interpretações um tanto quanto exageradas, modificando a relação material da guerrilha por uma relação fetichizada de uma estratégia do EZLN. Em outros termos, passou-se a minimizar e mesmo esquecer a luta armada, real, travada pelo EZLN nas montanhas de Chiapas, substituindo-a por uma “guerra de papel”, por uma guerra puramente informacional e comunicativa. Nas palavras do próprio Castells: “... a guerra real não fazia parte de sua estratégia” (CASTELLS, 2000, p.103). Isto seria para Di Felice a “5ª deslocação” do EZLN 13, que se daria de uma mudança do conflito armado para o comunicativo, “Uma vez que o objetivo não é mais a tomada do poder, a confrontação desloca-se para outros níveis recusando o conflito direto e armado e buscando novas formas de ação inéditas e comunicativas” que se daria através de “... uma nova forma de conflitualidade transnacional através dos fluxos comunicativos” (DI FELICE; BRIGE, 2002, p. 35). Esta nova forma de conflitualidade social poderia se deslocar no espaço variando as formas de atuação em que “atores e sujeitos novos multiplicam-se intervindo diretamente no conflito” (DI FELICE; BRIGE, 2002, p. 36). Ele se refere à atuação direta por parte da sociedade civil e da FZLN, que passa a se sentir e a fazer, em certa medida, parte do movimento:
Nesse sentido, os zapatistas configuram-se como uma força transnacional, sem representantes nem porta-vozes, sem líderes nem hierarquias. As armas e as ‘áreas libertadas’ substituem-nas a comunicação eletrônica e o ‘conflito sem lugares’. Transferindo o conflito para a ambiente dos bits eletrônicos, lugar privilegiado da reprodução do capital internacional, os zapatistas fazem da linguagem sincrética e das “palavras eletrônicas andantes” as suas armas principais. (DI FELICE; BRIGE, 2002, p. 36).

Parece-nos, entretanto, que é um tanto demasiadas certas afirmativas. Em primeiro lugar acaba ocorrendo uma visão fetichizada da política do EZLN, na medida em que o capital não se reproduz no ambiente eletrônico, dando-se então grande importância às relações do capital financeiro e esquecendo, por outro lado, as relações das forças produtivas, dos meios de produção. Uma ênfase quase exclusiva na “forma dinheiro” em detrimento das formas e modos de produção.

Em segundo lugar, também é preciso considerar que houve a compreensão, em um primeiro momento, tanto por parte da guerrilha urbana quanto das comunidades indígenas, da necessidade do levante armado como uma maneira de colocarem suas demandas e exigências e de resistirem à pressão governamental e de grupos paramilitares, financiados, principalmente, pelos grandes latifundiários e pelo próprio governo (SAINT-PIERRE, 1999). Se em determinado momento o movimento zapatista definiu como estratégia o não confronto militar direto com o exército, isto se deve a certas peculiaridades e desenvolvimentos no decorrer da luta, como a falta de correlação de forças no campo militar e a abertura de novas possibilidades graças ao contato e diálogo com a “sociedade civil”. Mas em nenhum momento o EZLN realmente abandonou suas armas, sendo elas de fundamental importância para a resistência do movimento, pois, como bem ressaltam diversos autores, vive-se em Chiapas uma situação de “paz armada”. Não obstante, compreende-se que a luta armada não é um fim em si mesmo, mas um dos elementos que constituem o movimento zapatista, assim como também a “guerrilha informacional”, o que torna o EZLN um movimento “político-militar-midiático” (RUBIM, 2002).  A não predominância da atuação militar neste momento segue uma linha estratégica do movimento, conforme sublinha o subcomandante Marcos:
[...] o EZLN é uma organização política, político-militar, mas, antes de mais nada, política. Neste sentido, o EZLN se expandiu muito além do que eles [o exército] pensam e se não faz ações militares não é porque não tenha força e sim porque não é a sua aposta atual. O momento militar já aconteceu, agora é o momento da política, e estamos nele. Não podemos brincar com a vida de companheiros para alardear que temos força militar sim. Seria uma irresponsabilidade muito grande (GENARI, 2001).

Em nenhum momento, portanto, nos parece que o EZLN nega seu caráter militar, substituindo-o por uma pura “guerra de papel”. Em uma carta ao menino Miguel A. Vazquez Valtierra, de 06 de março de 1994, Marcos tenta explicar o motivo de os zapatistas pegaram em armas:
É verdade, somos profissionais. Mas a nossa profissão é a esperança. Um belo dia decidimos virar soldados para que noutro dia os soldados não sejam mais necessários. [...] Por isso somos soldados que querem deixar de ser soldados. Mas para que os soldados não sejam mais necessários é preciso virar soldado e disparar uma certa quantidade de chumbo quente, escrevendo liberdade e justiça para todos, não para alguns, mas para todos, todos os mortos de ontem e de amanhã, os vivos de hoje e de sempre, por todos aqueles que chamamos de povo e pátria, os excluídos, os que nasceram para perder, os sem nome, os sem rosto (GENNARI, 2001).

É inegável que a estrutura do EZLN é militar14 , entretanto, como afirma Marcos, um exército que se propõe a deixar de ser exército, que parece acreditar mais “na arma da crítica do que na crítica das armas”, isto é, eles não almejam chegar ao poder central do Estado (em sua concepção clássica) e se instaurar como um exército revolucionário, pois assim, segundo eles, o movimento fracassaria como opção de idéias, de organização e concepção social, que deve conter desde seu primórdio a real participação da comunidade como ator nas tomadas de decisões.

A QUESTÃO DA UTILIZAÇÃO (OU NÃO) DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA

O fato de o zapatismo utilizar-se de uma “guerra informacional” como uma de suas estratégias é algo amplamente aceito nos círculos intelectuais, levando ao ponto de caracterizar a guerrilha como uma guerra puramente comunicacional. Não obstante, alguns analistas, para evitar esta forma de classificação, preferem retirar todo o caráter criativo e positivo que esta forma de política pode trazer. Assim, para Nugent, “Declarar que as inúmeras mensagens que ressoam ‘na comunidade noturna dos ‘hackers’ produzem um efeito histórico palpável ajusta-se perfeitamente à idéia de que o neozapatismo é, na verdade, um ‘movimento político pós-moderno’”. (NUGENT, 1999, p.178). Contrariamente a opinião de Nugent, nos parece bastante aceitável a idéia de que os comunicados e discursos do EZLN produzem, sim, um efeito “histórico palpável”, presente em toda a sua relação de denúncia, divulgação e apoio com a “sociedade civil” mundial, e também nos parece relevante, em contrapartida, o papel realizado por esta, sem, contudo, o movimento se tornar com isto “pós-moderno”; significa tão somente que ele se utiliza dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação  para realizar, em um determinado momento, uma outra forma de se fazer política, já que como movimento histórico ele não pode se engessar em velhas formas e tradições, mas ao mesmo tempo, não abandona o cerne de suas reivindicações, metas e realizações efetivas, que estão mais próximas de uma definição “moderna” do que “pós-moderna”, como coloca Nugent.

Essas confusões em relação à utilização de alguns avanços dos meios de comunicação 15 por parte dos movimentos sociais foi fruto de análise por Adrián J. Padilla Fernández, e segundo ele,
“El uso do ciberespacio como un  terreno nuevo de lucha social y política fue considerado inicialmente por la izquierda internacional de tres maneras dominantes. En el primer caso, se encontraban los que, encantados por la tecnología, se unieron a una visión post-moderna conmemorando la virtualidad y el simulacro. En el segundo, se localizaban los que reaccionaron con escepticismo, mientras afirmaban que los activistas que se ocupaban de este terreno nuevo eran perezosos, ‘botón-navegantes’ que muy confortablemente se colocaban al frente de las computadoras olvidándose de ocupar el espacio en la lucha ‘real’. El tercero, estaba representado por los activistas que proyectaron sus luchas en el ciberespacio desarrolando espacios nuevos para alcanzar sus metas políticas. Ese grupo decidió explotar herramientas nuevas y nuevas potencialidades” (FERNÁNDEZ, 2004).

PERIGOS DA POLÍTICA MIDIATIZADA: A PERSONIFICAÇÃO E O SER CARISMÁTICO

Rubim adverte sobre alguns riscos que esta forma de política midiática pode trazer ao zapatismo, como a personalização do movimento na figura do subcomandante Marcos, e o fato de que “O exercício de imaginação também se torna mais exigente. Criar sempre alternativas e intervenções faz parte desta dinâmica política atual” (RUBIM, 2002). Essa preocupação também está presente, em parte, em outros autores. Regina Aída Crespo levanta a hipótese da personalização, mas isso logo parece se diluir perante a forma como o movimento se organiza:
A missão do “porta-voz” que fala pelo movimento, mas que dentro dele se destaca poderia ilustrar o caráter autoritário normalmente imputado às lideranças e que, no EZLN, também separa os “de cima” dos “de baixo”. Entretanto, se analisarmos as afirmações do “porta-voz”, poderemos ver em cada uma delas a confirmação não apenas da opinião do líder, mas da insatisfação, do cansaço e da descrença de todos os membros do EZLN no governo mexicano. A luta, política, depois do levante armado, tem que continuar, e o será, protagonizada não apenas pelo “porta-voz”, como pelos componentes indígenas do EZLN.  (CRESPO, 1996, p. 39).

Nos valendo do conceito de “carisma” de Max Weber, em que, na história, quando as tradicionais estruturas institucionais e suas formas de vida não conseguem regular o estado de crescentes tensões, ocorrem estados de crise, descontinuidades que formam um “lócus” perfeito para o surgimento do agente dessa ruptura, o profeta, o líder ou o herói, portador do “carisma”. Assim, segundo Weber, o “carisma” deve ser entendido como
[...] a qualidade, que passa por extraordinária (condicionada magicamente em sua origem, de igual modo, quer se trate de profetas, feiticeiros, árbitros, chefes de caçadas ou comandantes militares), de uma personalidade, graças à qual esta é considerada possuidora de forças sobrenaturais, sobre-humanas – ou pelo menos extraquotidianas, não acessíveis a qualquer pessoa – ou, então, tida como enviada de Deus, ou ainda como exemplar e, em conseqüência, como chefe, caudilho, guia ou líder. (WEBER, 1984).  
  Dessa forma ao buscar como estratégia uma forma de política midiatizada, o EZLN sofre o risco de ter seu caráter renovador, bem como o “carisma” do movimento e do Subcomandante Marcos tragados pela lógica das tradicionais instituições que acabariam por lhes impor a fatal rotina cotidiana da mídia.

Já Antonio Rubim (2002) indica que alguns autores identificam um certo “caudilhismo mascarado” na figura do Subcomandante Marcos16 . Não obstante as seguidas tentativas do EZLN de retirar qualquer aspecto que se pareça com um “véu místico” que encubra o movimento, esta áurea parece ainda se constituir como um referencial, ao menos para algumas parcelas da sociedade. O subcomandante Marcos com certeza adquiriu uma popularidade extremamente excessiva, não só no México, mas em todo o mundo, chegando a ser considerado um herói e tendo sua imagem vinculada junto a de outros rebeldes revolucionários, como Che Guevara. Porém, tentativas de despersonalizar o movimento da imagem do subcomandante Marcos foram diversas dentro do zapatismo, por exemplo, enquanto todo mundo esperava que no Congresso mexicano – após a Marcha Indígena de 2001 - fosse Marcos a fazer o pronunciamento, ao contrário, foi uma indígena comandante do EZLN.

E quanto ao risco de não cair em uma ‘rotinização cotidiana’, o Exército Zapatista parece ter entendido este perigo, pois, se no início do conflito houve uma compulsiva produção de comunicados e atos midiáticos, com o decorrer da luta a quantidade deu lugar a menores, mas muito mais espetaculosos atos. Quanto à sua capacidade imaginativa, dez anos após o início do conflito, o EZLN parece ainda não ter esgotado seus estoques, como afirma Marcos em uma carta ao escritor Eduardo Galeano: “Somos um exército de sonhadores, por isso somos invencíveis; como não ganhar com esta imaginação?! [...] não podemos perder ou, melhor dizendo, não merecemos perder.”  (DI FELICE & MUÑOZ, 1998, p. 11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Certamente houve, no decorrer dos anos e das experiências acumuladas do EZLN, uma re-organização da guerrilha - em relação à luta armada e política - em decorrência de diversos fatores, como a própria mudança de lugares, modalidades e formas de luta. Em especial, em sua relação de conflito comunicativo, o EZLN tem como característica a ampla gama de criatividade na ação, inovando na forma de linguagem utilizada pela esquerda, valendo-se de poesias, humor, ironia, contos infantis, literatura ocidental (como Cervantes, Brecht etc.), criação de personagens, utilização de várias simbologias, referências culturais indígenas entre outras formas. Uma linguagem que rompe com as tradições de uma esquerda preocupada, sobretudo, com o Estado e com as questões materiais dos trabalhadores e o desenvolvimento das forças produtivas, esquecendo, ou relegando a uma posição secundária a questão das liberdades sociais. O EZLN enfatiza e remete-se, em seu discurso, aos homossexuais, à liberdade das mulheres, etc., a “todos aqueles que têm a pobreza como presente e a dignidade como futuro”, ou seja, as minorias que enchem os porões do mundo e que na verdade se constituem como a grande maioria – e excluídos –, desse sistema social.

Porém, essa linguagem sincrética, ao mesmo tempo em que busca uma identificação nas figuras revolucionárias políticas do México como Emiliano Zapata, deita raízes em mitologias da cultura maia para passar os fundamentos e ideais políticos de uma sociedade multicultural, não se limita ao ato de comunicar, mas busca a construção de algo mais. Cria novos mecanismos de participação popular para a tomada de decisões políticas, invoca relações dialógicas nas políticas comunicacionais, entendendo os indivíduos não como meros receptores de informação, mas como sujeitos políticos, resultando na criação de uma extensa e atuante rede internacional de solidariedade, articulada principalmente pela Internet, com capacidade de mobilizar diversas organizações ao redor do globo e milhares de pessoas, primordialmente nos momentos mais críticos do conflito.

Eles inovam, portanto, na linguagem 17, mas também nos métodos de luta, nos objetivos da luta, buscando novas formas de se fazer política, mais orgânicas e ativas. Não nos esqueçamos que em Chiapas (e no México), potencializado pelo conflito comunicacional, há concomitantemente um conflito de sentidos, que abarca o nível cultural e a própria concepção da sociedade de uma maneira simbólica.

O EZLN conseguiu transformar ações puramente locais em fatos globais, obtendo um poder de resposta supranacional frente ao modelo capitalista, que também atua de forma global e em rede. Através dessas experiências tem crescido sistematicamente nos últimos anos o número dos movimentos sociais de contestação a essa forma de sistema social que globaliza a miséria, a injustiça e a exploração enquanto concentra renda em pouquíssimas mãos. Esses movimentos se utilizam dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, como as redes eletrônicas, para compartilhar informações, discutir estratégias, táticas e como meio de organização (geralmente descentralizado) para mobilizações políticas globais. Talvez essa forma de política esteja ainda em sua fase embrionária, porém, já aponta alguns elementos a serem pensados pelos movimentos de esquerda com vias a organização da luta.

Para Martinez,
“[...] el movimiento zapatista ha generado con sus discursos (que también son acciones) una situación inédita, por lo menos en nuestro país, al hacer de su palabra y con su palabra, como ya se dijo, una forma de interacción social y política eficaz, que convoca y provoca a otros a participar con sus proprios discursos (lo que no es poca cosa) en la toma de decisiones colectivas: una de las características de una auténtica vida democrática.

Nos ha enseñado a escuchar y a reconecer el poder de la palabra más que la palabra del poder, el poder de poder apalabrarnos, y también nos ha enseñado a darle una oportunidad a la palabra de cada uno de nosotros, que a la vez somos otros” (MARTÍNEZ, 2004).

O fato de o Exército Zapatista de Libertação Nacional ser um exército que não visa a tomada de poder, antes, busca “dar uma chance a palavra” é apenas um dos paradoxos (ou pseudo-paradoxos) do que é o EZLN, e tal paradoxo merece ser investigado com mais profundidade.

É ainda demasiado cedo para previsões acerca das conseqüências que os avanços tecnológicos, sobretudo na área comunicacional, trarão para a luta dos movimentos sociais, e como cabe à própria realidade e a história desmentir previsões, se faz necessário mais tempo e estudo para retirar dessas experiências formas concretas de atuação, mas sem dúvida a experiência zapatista já aponta para um novo horizonte.

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NOTAS

1* Este artigo é uma versão ampliada e modificada de um capítulo da monografia de bacharelado em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual Paulista – Unesp, FFC-Marília, “Exército Zapatista de Libertação Nacional: Símbolo de liberdade e esperança contra a ordem neoliberal” (HILSENBECK FILHO, 2003). Foi apresentado no XI FELAA (Foro Estudiantil Latinoamericano de Antropologia y Arqueologia) na cidade de Salto, Uruguay em julho de 2004.

* Pós-graduando em Ciências Sociais – Unesp – FFC – Marília, Brasil. e-mail: hilsenbeck_@hotmail.com

** Orientadora: Profª Drª do Depto de Sociologia e Antropologia – DSA – Unesp – FFC – Marília, Brasil.

4 Atualmente, segundo os comunicados dos próprios zapatistas e de testemunhos de observadores internacionais, vive-se em Chiapas uma situação de “guerra de baixa intensidade”, ou seja, o governo ao mesmo tempo em que declara uma situação de paz, desprende no território chiapaneco praticamente um terço do efetivo militar, buscando por um lado, desgastar a imagem do EZLN, minar o apoio das comunidades ao movimento, através de uma guerra psicológica, e por outro lado, fazer um cerco à guerrilha. São muitos os casos relatados pela população de invasões do exército às comunidades, com saques, destruição das plantações, prisões e estupros, sempre com a desculpa de estarem ali em decorrência de “treinamento”, à procura de grupos paramilitares, plantações de drogas etc., além disso, o governo busca cooptar as comunidades com diversos programas assistenciais. “Além das barreiras da polícia e do Exército, dos interrogatórios, das prisões arbitrárias, das ameaças, das provocações e dos ataques às comunidades, os soldados têm se dedicado a abrir estradas na selva, destruir colheitas, derrubar casas, centros comunitários, postos de saúde, escolas, bibliotecas, enfim, a aniquilar todo o trabalho que o EZLN havia implantado em várias regiões do Estado. Por estes meios, o Exército federal procura sufocar as relações das comunidades com o mundo externo, dificultar ao máximo a vida no seu interior, debilitar e esgotar as bases de apoio zapatistas e criar uma barreira de contenção à possível expansão do EZLN” (GENNARI, 2001). Para uma análise detalhada sobre o que vem a ser a “guerra de baixa intensidade”, ver o artigo de Francisco Pineda La guerra de baja intensidad. (PINEDA, 2003). Hector Saint-Pierre irá se utilizar do conceito de “contra-insurgência”  e não o de “guerra de baixa intensidade” para caracterizar a relação entre as forças militares – e paramilitares - e o EZLN na região de Chiapas. (SAINT-PIERRE, 1999).

5 Fruto de mais de 70 anos de dominação do Partido Revolucionário Institucional – PRI, partido-estado que, através de variadas fraudes e modos, constituiu uma “ditadura” com verniz de democracia, conforme FUSER (1995).

6 É latente a importância dos meios de comunicação – como o rádio e a televisão – para a guerra na atualidade, vide por exemplo, a guerra do Golfo, deste modo, essa percepção da guerrilha deriva do próprio caráter da atualidade e não apenas do contexto mexicano (RUBIM, 2002).

7 Os comunicados do EZLN têm que ser aprovados pelo CCRI-CG, às vezes por sua totalidade, outras vezes por representantes, cabendo ao subcomandante Marcos a redação dos textos, provavelmente pelo fato de falar espanhol e pela sua excepcional qualidade literária. Estes comunicados seguem dois princípios básicos. Um é através da percepção do comitê de que é necessário falar sobre algum assunto, então após a discussão dos pontos principais e retirados alguns apontamentos gerais, o subcomandante Marcos redige um comunicado, que é revisado pelo Comitê que tem o direito de tirar ou acrescentar coisas, aprovar ou não o texto. Outro princípio é que, com a chegada de informações de distintas partes, ou algum fato em especial, o próprio Marcos escreve um comunicado e o apresenta para o CCRI-CG que discutirá se irá aprovar ou rechaçar o comunicado. Assim, segundo Marcos: “[...] ainda que as circunstâncias contribuam com a aparência de que o Subcomandante Marcos é o ‘cabeça’ ou ‘líder’ da rebelião, e que o CCRI é só ‘cenário’, a autoridade do Comitê é indiscutível nas comunidades e é impossível sustentar uma posição sem o respaldo deste organismo indígena de direção”. (GENARI, 2001).

8 É importante ressaltar que as formas de utilização dos meios de comunicação e publicização de suas mensagens e ideais, de suas palavras, estão intimamente relacionadas com a idéia de democracia dos zapatistas, de democratização da comunicação e informação. Preocupação que esteve presente desde os primeiros contatos de negociação do governo com a guerrilha, através, por exemplo, de uma mesa de diálogo que discutia exatamente a livre comunicação.

9 Os paliates ou paliacates são lenços que encobrem o rosto, os pasamontañas são gorros em que se encobre o rosto inteiro, deixando apenas os olhos e as bocas a vista.

10 O EZLN se formou como uma célula de uma guerrilha urbana, que com a repressão desencadeada no final dos anos 60 e no decorrer dos anos 70 se instala nas montanhas do sudeste do México, esperando o momento ideal para uma possível atuação social. Eles seguiam primordialmente o referencial teórico dos grupos marxistas-leninistas, contudo, sua concepção foi mudando a partir do momento em que tiveram que realizar contato com outra cultura (a indígena maia) e lhes transmitir seus ideais. Ver Gennari (2001) e Figueiredo (2003).

11 Durito é um “besouro falante” e o Velho Antônio o espírito indígena de um pajé que apenas Marcos o vê, que estão presentes em diversos comunicados do EZLN, escritos pelo subcomandante Marcos.

12 Para Michael Denning: “O movimento antiglobalização apareceu em três momentos nos últimos tempos: uma primeira onda de ‘revoltas contra o FMI’ no fim da década de 1970 / começo dos 1980; uma segunda aparição em 1989, quando a História parecia ter terminado; e um terceiro momento, este mais visível, inaugurado pela revolta dos zapatistas em Chiapas em janeiro de 1994” (DENNING, 2002, p. 72).

13 Di Felice identifica 7 “deslocações” que tornariam o zapatismo um movimento inédito, desta forma diferenciado das clássicas abordagens e teorias dos movimentos sociais de esquerda (DI FELICE; BRIGE, 2002).

14 Vale a pena, ainda, ressaltar o que Gramsci (1968) dizia sobre algumas ações político-militares: estas, apesar de serem primordialmente políticas, têm o potencial de produzir efeitos militares no lado do inimigo, como por exemplo, o enfraquecimento do moral combativo. Isso se dá no caso do zapatismo quando os soldados do exército federal se vêem combatendo contra indígenas – como muitos deles são –, e que clamam e invocam elementos utilizados tipicamente pelo exército federal, como a pátria, a história, a democracia, a liberdade e não contra guerrilheiros financiados e introduzidos do exterior.

15 Não é novidade a utilização da microeletrônica nos modos de organização, ela já é utilizada a décadas pelas grandes empresas transnacionais capitalistas, a fim de fragmentar e dispersar a classe trabalhadora, ao mesmo tempo que mantém a centralidade do controle de todo o processo produtivo e uma autoridade total sobre o inter-relacionamento dos trabalhadores. É de se estranhar o fato da esquerda não ter se utilizado eficazmente dessas tecnologias para sua organização, sendo mesmo bastante incipiente essas formas de organização experimentadas pelo EZLN. Dito isto, não se deve fazer uma apologia a essas formas de luta comunicativa e midiática, pois elas têm se mostrado historicamente muito mais como meios de controle e dominação dos trabalhadores, em especial da forma em que elas estão se desenvolvendo e da forma que é exercido seu controle, do que com vistas à superação desse sistema social, porém, também não devemos relegar a um ostracismo essas novas experiências e deixar de retirar delas algumas contribuições.

16 Ele cita a obra de Raúl Trejo Delarbre, Chiapas - La comunicación enmascarada (1994).

17 Vale lembrar que o EZLN se utiliza tanto da palavra como da falta de palavras, isto é, do silêncio como uma arma no conflito com o governo federal (os zapatistas por algumas vezes se silenciaram como forma de demonstrar a falta de diálogo sincero por parte do governo, como no não cumprimento dos “Acordos de Sán Andrés”, que delimitou uma série de leis indígenas).

 


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